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quarta-feira, 23 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27047: Historiografia da presença portuguesa em África (491): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 930-1936 (45) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Fevereiro de 2025:

Queridos amigos,
Apresentando-se o Boletim Oficial da Província da Guiné, com a Ditadura Militar, cada vez mais opaco, quanto às questões internas, ao modo de relacionamento entre a administração e populações insubmissas ou francamente hostis, porventura na suposição de quem governa em Bolama de que se tem de enviar para Lisboa o sinal de que a casa está arrumada, pacificada e a caminho do progresso, procurou-se ajuda primeiro no acervo documental organizado por Armando Tavares da Silva e nos 10 anos seguintes recorrendo à leitura de René Pélissier.
Contestamos o ponto de vista deste último de que 1936 é o marco que define um quadro identitário para a colónia. Basta ler o que escreveram sigilosamente os chefes da delegação do BNU da Guiné para a sua administração em Lisboa para se perceber com meridiana clareza que foi preciso esperar por Sarmento Rodrigues e os meios que ele trouxe para que a Guiné fosse alvo de um salto qualitativo e quantitativo quanto a educação e saúde, transportes e comunicações, cultura, investigação científica e conhecimento aprofundado em domínios como a etnografia e a medicina tropical. Devemos, no entanto, a René Pélissier, o recordar-nos a combatividade étnica que ocorreu depois da chamada pacificação de Teixeira Pinto e a forma como releva as etnias que profunda e claramente hostilizaram a presença portuguesa como aquelas que acabaram por ter um papel bastante à margem na guerra da libertação.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1930-1936 (45)


Mário Beja Santos

Sendo cada vez mais penoso encontrar no Boletim Oficial informações que nos permitam ficar esclarecidos da efetiva presença portuguesa, do desaparecimento ou não de hostilidades, da existência de conflitos interétnicos, etc., socorro-me da parte final do trabalho de René Pélissier, História da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936, Editorial Estampa, 1997.

Vellez Caroço retira a sua exoneração com a chegada da Ditadura Militar, em dezembro de 1926, era republicano convicto, vê-lo-emos envolvido em insurreições, mais tarde. O novo governador é António Leite de Magalhães, até abril de 1931, data da chamada Revolução Triunfante. O novo governador pretendia ser o homem do desenvolvimento económico dos indígenas, chega à Guiné quando as plantações europeias, do final do século passado, estavam mortas ou falidas. A grande exceção era uma sociedade luso-alemã, a Companhia Agrícola e Fabril da Guiné, será alvo de suspeitas de camuflar uma futura base de submarinos dos alemães, nos Bijagós. Constrói-se muito em Bissau, Bolama começa a morrer lentamente. Fruto das severas restrições orçamentais, reduzem-se os efetivos metropolitanos e até o número de postos administrativos, estes só voltaram a subir em 1936. Em 1928, o Regime do Indigenato codifica a distinção entre assimilados e indígenas, o que deixa uma boa parte dos Grumetes indignados, por não poderem demonstrar que têm conhecimentos suficientes de português. O poder militar e político dos chefes indígenas está morto, primeiro com a prisão de Abdul Indjai, e depois com a operação de retalhar o império do Gabu do régulo Monjur.

A chamada Revolução Triunfante é o grande acontecimento de 1931, os republicanos dominam a situação na Guiné entre 17 de abril e 7 de maio, foi uma aventura sem futuro. Contrariando o que dizem muitos historiadores de que o continente guineense está pacificado em 1915, Pélissier regista um massacre étnico, entre setembro de outubro de 1931. Os Papéis atacam à espada ou à catana uma aldeia de Mancanhas, a guarnição de Bissau não intervém, os Grumetes terão um comportamento ambíguo. Os massacres ganharam tais proporções que Soares Zilhão, que viera substituir Leite de Magalhães, decreta o estado de sítio na ilha, irão ser irradiados os chefados Papéis de Intim e Oncompia, os chefes de Antula, Bandim, Bor e Safim, todos deportados para São Tomé.

O Major de Cavalaria, Luís António de Carvalho Viegas, será governador entre 1933 e 1940. É do seu tempo o famoso caso de um avião francês desaparecido em chão Felupe, que tratei largamente aqui no blogue, Pélissier dá-nos um vastíssimo quadro de idas e vindas, com toda a turbamulta que ocorreu nesses pontos do Norte da Guiné. E o historiador aborda o problema cabo-verdiano. “Os portugueses metropolitanos na Guiné não amam os cabo-verdianos. Censuram-lhes serem indignos de confiança e terem uma mentalidade de guarda de forçados das galés em relação aos negros. Inversamente, os cabo-verdianos instruídos consideram-se muito superiores aos portugueses. Os números mostram-nos que a Guiné volta a ser uma colónia de Cabo Verde, ou melhor, de certos cabo-verdianos, bem mais claramente que durante o período 1879-1909. Em 1936, metade dos funcionários de craveira média são cabo-verdianos. Bissau comporta um bairro cabo-verdiano com uma dezena de ruas; grande número das amantes dos brancos são mestiças de Cabo Verde. Nos 6009 civilizados e assimilados da Guiné, em 1933, bem pode avaliar-se que mais de metade são cabo-verdianos.”

Temos agora a última campanha de Canhabaque entre novembro de 1935 e fevereiro de 1936. Canhabaque é o último bastião que não quer conhecer o seu colonizador, é uma singularidade desse arquipélago em que a Companhia Agrícola e Fabril da Guiné possui plantações de palmeiras em Bubaque, Rubane e Soga, é de longe a maior empresa da Guiné com os seus 300 km de pistas privadas, um cais em betão e exportações diretas em cargueiro vindo de Hamburgo. O historiador descreve a evolução dos acontecimentos, a capacidade de resistência da gente de Canhabaque, a necessidade que as autoridades portuguesas tiveram de chamar para a expedição militar régulos Mandingas e Fulas. A gente de Canhabaque foi forçada a render-se, mas mantiveram-se inteiramente livres, apesar de três postos existentes naquela terra Bijagó.

No final do seu trabalho, Pélissier lembra-nos que a velha fortaleza de Bissau, por uma portaria de novembro de 1939, foi classificada como monumento nacional. Quando chegar a Segunda Guerra Mundial, a Guiné vive em paz, apesar de não se poder falar em domínio completo quanto aos Bijagós e aos Felupes, e tece uma observação: “Contrariamente aos Macondes, os últimos a submeterem-se e os primeiros a lançarem-se na luta de libertação em Moçambique, a participação dos Felupes e dos Bijagós ao lado do PAIGC, foi coletivamente subestimável, enquanto que, sem falar de Canhabaque, o triângulo Felupe estava estrategicamente bem situado para desempenhar o papel de abcesso de situação.”
E temos as conclusões.
“Sem querer entrar numa análise muito profunda, constatamos que a Guiné regista, entre 1841 e 1920, o mínimo de 72 campanhas. A História da Guiné é regada pelo sangue das suas vítimas. Se afirmarmos que, em 140 causas económicas, políticas ou específicas à colonização portuguesa, somente dez são económicas, estando os problemas fundiários notoriamente ausentes, contrariamente à colonização em Angola, devoradora de terras. A hostilidade ou a agressividade comercial continua marginal em todos os aspetos.

Do mesmo modo, com 18 casos, as causas específicas à colonização portuguesa na Guiné, são secundárias. A única e tardia aparição (1924) do trabalho forçado leva-nos a dizer que nada existe de comum entre a Guiné e a África centro-austral portuguesa. Impõe-se, de maneira incontestável, a preponderância das causas políticas (…) Podemos colocar uma questão que, aos olhos do historiador da colonização, não é tão ociosa quanto parece. Qual teria sido a situação na Guiné, se o Portugal do século XIX tivesse obtido o território que reivindicava (grosso modo, da Gâmbia ao Cabo Verga, com as terras altas do Futa-Djalon)? As constatações que desenvolvemos quanto à fraqueza dos futuros angolanos e moçambicanos, face à colonização portuguesa, parece-nos igualmente válidas para os futuros guineenses serão assim recapituladas: a) ausência ou fragilidade da sua coesão; b) falta de capitais, de conhecimentos modernos, de apoios exteriores e mesmo líderes carismáticos. Nem uma vez, durante o período formador (1841-1936), se viu na Guiné uma revolta anticolonial supraétnica. Casos de resistência, sim; revoltas após submissão, não. Nem uma vez encontramos um só chefe ou notável africano, na Guiné, falar em nome de outra coisa que não seja dos interesses do seu clã, da sua etnia, da sua classe ou da sua religião (Islão). Era inevitável num país tão fragmentado e batido por vagas exteriores, que o consideravam mais como um terreno de caça ou de refúgio, que como a entidade política que ainda não era.

Nascida no cheiro da pólvora, a Guiné parece-nos ser uma das consequências típicas da artificialidade da colonização europeia na África negra mas, ao mesmo tempo, ela confirma o seu papel insubstituível de matriz das jovens nações.”


Damos por concluída esta digressão de pontos de vista que possam contrabalançar todos os silêncios que existem no Boletim Oficial da Província da Guiné.

Fotografia oferecida por René Pélissier (1935-2024) ao blogue
Tríptico do pintor Manuel Lapa, alusivo aos preparativos de Nuno Tristão e à sua expedição até ao Norte da Senegâmbia, onde faleceu. Constava na Segunda Sala da exposição do V Centenário do Descobrimento da Guiné, 1946
Imagem retirada do Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, finais de 1950, onde se refere que o tríptico foi oferecido à Casa do Algarve, que já não existe. Por onde andarás, Nuno Tristão?
Documentos referentes à chamada Revolução Triunfante, o movimento revolucionário que conquistou precariamente o poder em 1931, depois foi rapidamente sufocado pela Ditadura Militar
Escarificações no arquipélago dos Bijagós
Homens grandes de Bubaque.
Estas duas últimas imagens foram retiradas do trabalho Por Entre As Dórcades Encantadas: Os Bijagó Da Guiné-Bissau, por Dilma de Melo Silva, 2000
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Nota do editor

Último post da série de 16 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27021: Historiografia da presença portuguesa em África (490): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, ainda 1928 e 1929 (44) (Mário Beja Santos)

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