1. O Alberto Branquinho, que não nasceu por acaso em Vila Nova de Foz Coa (hoje cidade), e que recebeu no seu ADN cultural o melhor do Alto Douro e da Beira Alta, não me levará a mal que eu lhe vá "roubar" mais um dos seus cerca de 60 microcontos para, com ele, engrossar e enriquecer a nossa série "Humor de Caserna" (*).
A sua excecional capacidade de "observação participante" e a sua fina ironia não escapam à atenção do leitor, que vai ler e saborear estas sete linhas deliciosas.
Nunca, em tão poucas palavras, deparei com uma tão magistral diatribe contra a linguagem brejeira e sobretudo grosseira, para não dizer, alarve, utilizada por alguns de nós contra os mais fracos (bajudas, djubis, mulheres).
Outros chamarão racismo subliminar, não explícito, a estes piropos sexistas, que todos ou quase todos ouvíamos (e tolerávamos) no quartel ou na tabanca, da parte de alguma tropa metropolitana, culturalmente mal preparada para lidar com pessoas de outros usos e costumes, etnias e religiões (mesmo que nossas "amigas", como era o caso dos fulas).
Quem ler a correr este microconto pode não dar-se conta do sentido da "boca" do sargento: "bó tem sanchu na barriga"... Mesmo a "brincar", em "tom brejeiro", em linguagem de caserna, é coisa que não se diz em parte alguma a uma mulher grávida...
"Sanchu", como explica o autor, na lista de vocábulos e expressões crioulas, que vem no final do livro, quer dizer "macaco" (do francês, "singe"). É ofensivo e tem, obviamente, uma conotação racista.
Enfim, este microconto é também uma homenagem a mulher guineense do nosso tempo, que não tinha papas na língua e era capaz de dar respostas de superior inteligência a uma "tuga" tonto, inconveniente, desbocado e abusando da sua aparente situação de "superioridade" como militar...
O título também é uma delícia, "Paternidade instantânea"...
advogado e escritor, a viver em Lisboa desde 1970, ex-alf mil, CART 1689 / BART 1913,
Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69),
tem 140 referências no nosso blogue:
é autor das notáveis séries "Contraponto"
e "Não venho falar de mim,,, nem do meu umbigo".
Paternidade instantânea
por Alberto Branquinho
Aproximava-se uma mulher em estado adiantado de gravidez. Caminhava com dificuldades, amparada a um muro.
O sargento, que estava a observá-la:
− Ó meu alferes, escute lá esta.
O sargento dirigiu-se, então, à mulher grávida:
− Eh, mulher! Bô tem sanchu [macaco] na barriga!
− É, noss' sargenti. Fidju [filho] di bó.
Fonte: Adapt. de Alberto Branquinho - Cambança final: Guiné, guerra colonial: contos. Vírgula, Lisboa, 2013, pp. 131.
(Título, revisão / fixação de texto, parênteses retos, para efeitos de publicação deste poste, na série "Humor de caserna": LG) (Com a devida vénia ao autor e à editora...)
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Nota do editor:
Último poste da série > 11 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25631: Humor de caserna (65): Afinal, Deus não gosta dos mais velhos, diz o nosso Cherno Baldé...https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2024/06/guine-6174-p25631-humor-de-caserna-65.html