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quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25936: Humor de caserna (74): " O "Biró-lista", atirador de... morteiro (Alberto, Branquinho, "Cambança final", 2013, pp. 105-107)




Fonte: Excertos de Alberto Branquinho  - Cambança final: Guiné, guerra colonial:  contos.  Lisboa,Vírgula,  2013, 224 pp.  

Sinopse:

«Cambança Final» foi, para muitos que fizeram a guerra na Guiné, a passagem desta margem de vida para a outra: essa que é definitiva.

«Cambança Final» foi, para a maioria, o regresso, dois anos depois, ao outro lado de onde tinham partido. Regressavam endurecidos, feitos homens em movimento sofrido e acelerado. (Entrementes, muitos iam regressando, mutilados no corpo ou na alma.)

Este livro é composto de pequenas histórias que abordam não só aspectos dramáticos da guerra, mas também situações pícaras ou bizarras e encontros/desencontros de culturas que foram obrigadas a conviver no mesmo espaço geográfico em tempo de guerra. 

(Fonte: Sítio do Livro)




Alberto Branquinho (n. 1944, Vila Foz Coa),
advogado e escritor, a viver em Lisboa desde 1970,
ex-alf mil, CART 1689 / BART 1913,
Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69),
tem 140 referências no nosso blogue:
é autor das notáveis séries "Contraponto"
e "Não venho falar de mim,,, nem do meu umbigo".



1. Reli, recordei, e voltei  a achar um piadão a mais este microconto do Branquinho: é uma  das joia de humor de caserna do seu livro "Cambança final", de que eu selecionei uns tantos em mais de 6 dezenas.  

Merece ser destacado, nesta série, até por que me fez lembrar a figura popular da minha terra e da minha infância, que era um cauteleiro,que vinha de um concelho vizinho (talvez Bombarral) e a quem toda a gente  chamava... o "biró-lista" (à moda do Porto!): "Oh, biró-lista, anda cá, p'ra ver se foi desta que eu largo a porca miséria do ofício", dizia-lhe o meu velhote, que todas as semanas comprava uma cautela... ("Só calha a quem joga!", justificava-se ele; claro que nunca teve a "sorte grande" em vida)...

Não sei se o "biró-lista" do meu tempo chegou a fazer algum "milionário excêntrico". Na maior parte das vezes, calhava apenas a terminação aos mais afortunados. Mas este "biró-lista" da tropa do Branquinho é um humaníssimo retrato do nossos "soldados básicos", alguns de facto sofrendo de "deficiência intelectual... Mas, "em tempo de guerra, não se limpa(va)m armas" e o exército tinha que aproveitar "todo o peixe que vinha à rede".

É um microconto escrito com muita ternura e compaixão humana, sempre com  aquele humor fino, não desbragado, do Branquinho que, além de um duro e bravo combatente da CART 1689, não alienou a sua condição de "primus inter pares". Além do mais, é uma prosa castiça: quem é que se iria lembrar de expressões como esta,  uma "taleiga cheia de notas, amarrada à cintura" ?! ("Taleiga", do árabe árabe ta'līqa, "saco").



Humor de caserna > Biró-lista, atirador de... morteiro 

por Alberto Branquinho


No Porto, chamavam “Ver-a-lista” aos homens e rapazes, habitualmente aleijados ou diminuídos mentais, que andavam pelas ruas vendendo lotaria. Por exemplo, alguém que estivesse sentado numa esplanada, ao avistar um vendedor de jogo, chamava:

− Ó Ver-a-lista!

O homem aproximava-se, exibindo a lista da última extracção e, também, o jogo que tinha para vender.

Apresentou-se na Companhia, ainda em formação e antes do embarque, um rapaz cuja cara parecia uma caricatura. Olhos esbugalhados e assustados, nariz estreito, anguloso e projectado para a frente, quase ausência de malares, queixo pontiagudo e com a bochecha direita perfurada por uma fístula. Verificou-se mais tarde que era provocada pela infecção de um dente, que foi tratada. Parecia ter sido arrancado de um quadro de Hieronymus Bosch.

Pois este rapaz, depois da observação sagaz e agressiva, que era habitual no meio militar, passou a ser chamado de “Ver-a-lista”.

Assustado, olhando em volta, chegou-se à porta do espaço onde funcionava a secretaria, parou e grunhiu qualquer coisa. O sargento, que não era propriamente uma pessoa suave e de trato fácil, berrou-lhe:

 Que é que queres, ó rapaz?

Ele estendeu a mão, mostrando os papéis de apresentação. O sargento agarrou neles, olhou-o
 atentamente e fez-lhe algumas perguntas. Pela postura e pelo aspeto, constatou que devia ter um atraso mental.

− Qual é a tua especialidade?

− Atirador… de… de… morteiro.

− Espera aí.

O sargento bateu na porta ao lado.

 Meu capitão, dá licença?

Entrou. Pouco depois chamou o rapaz, que entrou no gabinete do capitão.

− Então não cumprimentas o nosso capitão?

Ele tropeçou bota contra bota, desequilibrou-se. O sargento amparou-o. O rapaz estendeu a mão para cumprimentar o capitão e o sargento berrou-lhe:

− Cumprimento militar!

− Deixe lá, nosso sargento. Então, ouve lá,  rapaz. Disseste ao nosso sargento que és atirador de morteiro. É verdade?

O rapaz olhou o sargento com olhos assustados, olhou o capitão, olhou para as botas e, passado algum tempo, voltou a olhar o capitão e respondeu:

−  Então como é que fazes fogo com o morteiro?

Ele levantou ambas as mãos à altura do ombro direito, como quem segura uma arma e respondeu:

 Tá… ta…rá…tá…tá. PUM!!!

 Está bem. Podes ir embora.

Saiu.

− Nosso sargento, vamos aproveitar o rapaz nos trabalhos de limpezas e outros afins.

(Nesses tempos aconteciam situações semelhantes. Havia que aproveitar todos os homens e, em caso de menos cuidado: “Apurado para todo o serviço militar”).

Depois de passar a curiosidade e, até, espanto pela presença daquele militar bizarro (até a marchar era diferente, pois, para além de não conseguir acertar o passo, marchava como se estivesse a pisar uvas), passou a ser protegido, pelo menos por alguns.

Ao receber o pagamento do pré, olhava espantado o sargento que lhe entregava o dinheiro – então, tinha cama, mesa e… (roupa lavada não, porque era ele que a “lavava”) e ainda lhe pagavam?

− Então, Ver-a-lista, disseram-me que fazes fogo de rajada com o morteiro?

− Xim, xenhora!

Na Guiné, com o decorrer do tempo e com o crescer da agressividade entre os homens, criou um instinto de defesa, principalmente com os que não eram da Companhia.

 Ó Ver-a-lista tu sabes escrever?

 Xei calquer coijita.

− Tu não recebes correio. Não escreves à família?

−  Nã, xenhora.

− Queres que eu escreva ou que te ajude?

− Eles xabem munto bem ond’é q’eu estou.

Durante o primeiro ataque ao quartel, alguém lhe berrou:

 
− Corre pr’ó abrigo, Ver-a-lista!!!

− O quê?!

− Os gajos estão a atacar!

− E ós’póis? O qu’é qu’eu fiz de mal p’ra ter que fugir?

Teve que ser empurrado para dentro.

No final da comissão voltou para a aldeia, em Trás-os-Montes. Também ele estava ainda mais duro, como todos os outros, mas não estava marcado pela guerra. Terá, alguma vez, entendido a realidade dentro da qual viveu durante cerca de dois anos? Estava mais esperto e mais risonho, não 
só por voltar a casa, mas também devido à taleiga cheia de notas, amarrada à cintura.

Fonte: Excertos de Alberto Branquinho  - "Fogo de rajada com... morteiro". In: Cambança final: Guiné, guerra colonial:  contos.  Lisboa,Vírgula,  2013, pp- 105-107 pp.  


(Título,  revisão / fixação de texto, itálicos: LG)  (Com a devida vénia ao autor e à editora...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25924: Humor de caserna (73). "Trombas do Lopes" (Jorge Cabral, 1944-2021)

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25866: Humor de caserna (70): um "tuga"... (de)composto, ou uma estória pícara num almoço fula (Alberto Branquinho, autor de "Cambança final", 2013)



Fonte: Excertos de Alberto Branquinho  - Cambança final: Guiné, guerra colonial:  contos. Vírgula, Lisboa, 2013, pp. 95/96




Alberto Branquinho (n. 1944, Vila Foz Coa),
advogado e escritor, a viver em Lisboa desde 1970,
ex-alf mil, CART 1689 / BART 1913,
Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69),
tem 140 referências no nosso blogue:
é autor das notáveis séries "Contraponto"
e "Não venho falar de mim,,, nem do meu umbigo".


Um "tuga"... (de)composto

por Alberto Branquinho


Era a segunda vez que o alferes ia almoçar àquela tabanca fula, a convite do Bacar e do Jau, soldados do seu pelotão.

Feitos os cumprimentos às várias mulheres e depois de umas brincadeiras com a garotada, estava o alferes a passear pela morança com os dois soldados, quando as mulheres começaram a chamar para o almoço.

Balaios e alguidares esmaltados estavam já colocados no interior de um círculo de esteiras, colocadas no chão batido. Arroz, muito arroz, peixe miúdo da bolanha em molho de palma, galinha em pequenos pedaços e condimentos.

As mulheres ficaram do lado da casa, com as crianças. No lado oposto o alferes, no meio dos dois soldados nativos. Todos sentados no chão, com as pernas cruzadas, em cima das esteiras e por baixo do telheiro, também feito de esteira.

Começou o almoço e a conversa. As mulheres deram indicações sobre comida e
  
temperos e os homens passaram-nas, em crioulo, ao alferes.

Falaram sobre a última operação, sobre os outros militares, sobre os vizinhos, enquanto as mulheres algaraviavam entre elas, no meio gargalhadas.

Comiam fazendo as habituais bolas de arroz com a mão direita ou esquerda (ao jeito de cada um), que, depois, uma a uma, eram molhadas nos condimentos dos alguidares mais pequenos, acrescentadas do conduto, depois mordidas, mastigadas, engolidas. Toda a gente conversava em fula, exceto quando os soldados falavam com o alferes em crioulo.

As mulheres tinham que se levantar continuamente para obrigar as crianças mais pequenas e fugidias a dar as suas dentadas na bola de arroz ou a petiscar pequenas doses, agarradas entre o polegar e o indicador.

A meio do almoço o alferes notou uns risos abafados e brejeiros de duas ou três mulheres à sua frente. Logo a seguir um dos rapazes, com cinco ou seis anos, levantou-se e colocou-se atrás delas. Com ar enojado e mantendo sempre a sua bola de arroz na mão, começou a olhar o alferes no rosto e, alternadamente, para as pernas. Depois começou a cuspir, cuspir, cuspir para o chão, ao mesmo tempo que limpava, com os pés, as cuspidelas do chão.

O alferes olhou para as suas pernas e viu que o testículo esquerdo se tinha libertado do controle das cuecas e assomava, curioso, espreitando para fora dos calções. Discretamente levantou-se, arrumou o indiscreto como pôde e… tudo voltou ao seu lugar.

O almoço decorreu sem mais incidentes.


(Título,  revisão / fixação de texto: LG)  (Com a devida vénia ao autor e à editora...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25856: Humor de caserna (69): Na Op Tridente, entre ferozes combates, também havia lugar para a boa disposição e até para se fazer uns piqueniques na praia, com uns bons nacos de vitela, uma boa perna de cabrito ou uns ovos mexidos de tartaruga (Excerto de Armor Pires Mota, "Tarrafo", 1965, pp. 52/53)

quinta-feira, 27 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25689: Humor de caserna (68): Passa-palavra, furriel Canhão à frente! (Alberto Branquinho)



Leiria > Monte Real > Palace Hotel > 26 de Junho de 2010 > V Encontro Nacional da Tabanca Grande > Sousa de Castro, o antigo 1º cabo radiotelegrafista (CART 3494, Xime e Mansambo, 1971/74), tentando comunicar com o Eduardo Campos, ex-1º cabo trms (CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74), simulando uma situação de comunicação militar,  vulgaríssima, em operações no mato, com recurso ao velhinho Emissor / Receptor AVP1, o famoso"rádio-banana" (*).

Fotos (e legendas): © Sousa de Castro (201o). Todos os direitos [Edição e legendagem complementar : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 

 

1. A comunicação humana parece fácil... mas não é. É uma das principais fontes de conflito, a nível das nações, das sociedades, das organizações, dos grupos, das famílias... E, então, nas redes sociais, é que pode ser mesmo um "bico de obra"...Podemos falar todos português, a mesma "língua", o que não quer dizer a mesma "linguagem"... Em suma, muitas vezes  a gente não se entende...

Comunicar (do latim, "communicare", que quer dizer "pôr em comum", "partilhar"...) é mais do que uma técnica: quem diz o quê a quem, por que meio, e com que efeitos...

A comunicação é uma "arte",  uma "competência", que se tem de se aprender, praticar, desenvolver... Tem muitas subtilezas e armadilhas... Não é só o "texto", é o "contexto"...

 Na tropa e na guerra, no nosso tempo, não faltaram as situações (umas trágicas, outras dramáticas, outras ainda caricatas) de incomunicação, total ou parcial. Às vezes até podia dar jeito à "tropa macaca" quando queria "acampar": por exemplo, as "transmissões não funcionavam" entre terra e ar...


Alberto Branquinho (n. 1944, Vila Foz Coa),
advogado e escritor, a viver em Lisboa desde 1970,
ex-alf mil, CART 1689 / BART 1913,
Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69),
tem mais de 140 referências no nosso blogue:
é autor das notáveis séries "Contraponto"
e "Não venho falar de mim... nem do meu umbigo". 
Tem vários livros publicados, incluindo 
o "Cambança Final"  (2013).


2. O nosso Alberto Branquinho, no seu livro de contos "Cambança Final" (2013) tem uma dessas cenas de (in)comunicação "bem apanhadas", e que merece ser contada ... 

Mais uma vez, temos o privilégio de beneficiar do seu apurado sentido de humor e do seu talento como contador de histórias (**). 


 Passa-palavra, furriel Canhão à frente!

por Alberto Branquinho


Durante as operações militares a comunicação, entre o capitão, comandante de uma companhia e os quatro alferes responsáveis pelos pelotões, era feita através dos chamados rádios-banana: rádios pequenos, com cerca de um palmo de comprimento e cerca de cinco centímetros de espessura, previamente sintonizados e com regulador de som. As extremidades do rádio eram ligadas por uma correia de lona, extensível, que permitia pendurá-lo do pescoço, caído sobre o peito.

No entanto, quando era necessário passar uma mensagem ou uma ordem para retaguarda da coluna, era usada a transmissão homem a homem, o chamado "passa-palavra".

Tinham sido detetadas, na frente da coluna, terras recentemente movimentadas e folhagem caída, ainda fresca. O capitão entendeu dever chamar o furriel de minas e armadilhas, com o apelido Canhão.

− Passa-palavra, o furriel Canhão à frente !

A mensagem foi passando para a retaguarda:

− Furriel Canhão à frente...

− Furriel Canhão à frente...

E assim sucessivamente, homem a homem.

Passaram minutos e minutos. O capitão estava já impaciente, porque o furriel não vinha. Então surgiu a resposta, de trás para a frente:

− Canhão não veio... 

− Canhão não veio... 

− Não veio o canhão... 

− Canhão ficou no quartel!... 

Fonte:  Alberto Branquinho  - Cambança final: Guiné, guerra colonial:  contos. Vírgula, Lisboa, 2013, pp. 45/46

(Título, excerto,  revisão / fixação de texto, parênteses curvos, para efeitos de publicação deste poste, na série "Humor de caserna": LG)  (Com a devida vénia ao autor e à editora...)

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Notas do editor:


segunda-feira, 17 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25652: Humor de caserna (67): O Spínola teria-se-ia desmanchado a rir, se fosse vivo, e tivesse lido esta história do cabo Abel, contada aqui, em versão condensada, pelo nosso Alberto Branquinho

 
1. Ó Alberto Branquinho, o Spínola deveria ter gostado de ler esta história... Não sei se ele tinha sentido de humor e se chegou a aprender o crioulo tão bem como tu. O seu biógrafo é omisso sobre isso. Mas ter-se-ia desmanchado a rir, como eu me desmanchei,  ao ouvir a resposta da moça que ia para escola, ao cabo Abel, que, armado em dono da guerra, lhe queria barrar o caminho no cerco ao seu bairro... Mais: teria ficado imensamente satisteito e até orgulhoso com a "lata" da bajuda, vendo na sua atitude e comportamento o triunfo da sua política "Por uma Guiné Melhor"... Não achas ?!

[ Para quem não sabe, o Alberto Branquinho (n. 1944, Vila Foz Coa), advogado e escritor, a viver em Lisboa desde 1970, foi alf mil, CART 1689 / BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69). "Por Portugal, um por todos, todos por um", era a divisa do seu batalhão. Chegaram a Bissau a 1 de maio de 1967 e regressaram a casa em 2 de março de 1969. Portanto, ainda "trabalharam" com o Spínola nove meses... Tem 140 referências no nosso blogue, é autor das notáveis séries "Contraponto" e "Não venho falar de mim... nem do meu umbigo". ]


Noss’ cabo Abel bai na Bissau

por Alberto Branquinho


O cabo Abel nunca tinha estado em Bissau.

O batalhão a que pertencia chegou a Bissau no paquete que os transportava desde Lisboa, mas a sua companhia saiu do paquete sem pisar terra, passou, diretamente, para batelões rebocados e, assim, foram rio acima,deixando, ainda, a bordo as restantes companhias do batalhão. (…)

Nunca tinha saído de junto da companhia, nos vários aquartelamentos por onde tinha peregrinado. Nem sequer uns dias de férias em Bissau. Tinha-se afeiçoado ao periquito que tinha preso à barra da cama. (…)

Agora, passados vinte e três meses, em Bissau,à espera de embarcar para a Metrópole, também já com a cara verde-amarela azeitona que o impressionara nos velhinhos no dia da chegada, passeava o seu espanto pelo espaço urbano de Bissau. Pela primeira vez!  

Era um rio de vida que corria pelas ruas – tropa bem fardada, polícia militar, polícia naval, civis, muitos civis e, principalmente, mulheres, muitas mulheres! Todas bonitas. E, até, muitas mulheres brancas, que já não via há muito tempo. (…)

Em Bissau a companhia recebia, por vezes, instruções para fazer cerco aos bairros negros de Bissau. O bairro era cercado pelas quatro horas da manhã, com ordem para não deixarem sair ninguém. Completo o cerco, grupos de militares inspecionavam casa a casa, pedindo os documentos.

(...) Era já manhã. O pessoal que fazia o cerco sentava-se no chão, com a G-3 entalada entre os joelhos ou em cima das coxas, em atitude descontraída, que, em nada, se assemelhava às situações de tensão que, em circunstâncias idênticas, tinham sido vividas, em emboscadas ou cercos no interior da Guiné,

De entre as casas, caminhando por uma vereda que passava ao pé do grupo de militares em que estava o cabo Abel, surgiu uma rapariga negra, que vestia uma bata impecavelmente branca,trazendo consigo os livros escolares, agarrados contra o peito. O cabo Abel levantou-se e,  com a G-3 a tiracolo, segurou o cigarro com a mão esquerda e com a direita barrou-lhe o caminho:

Bajuda, bô cá pude passa!

A moça, que teria catorze ou quinze anos, parou por um momento, encarou o cabo Abel nos olhos e perguntou-lhe:


− Porque você não fala comigo português direito ?

E, contornando-o, continuou o seu caminho para Bissau. O cabo, apalermado, ficou com o braço levantado, a vê-la passar. 

Fonte: Excertos de Alberto Branquinho  - Cambança final: Guiné, guerra colonial:  contos. Vírgula, Lisboa, 2013, pp. 141/43

(Título, excertos,  revisão / fixação de texto, parênteses curvos, para efeitos de publicação deste poste, na série "Humor de caserna": LG)  (Com a devida vénia ao autor e à editora...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25636: Humor de caserna (66): Fidju di bó... ou a língua afiada das mulheres guineenses

quinta-feira, 13 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25636: Humor de caserna (66): Fidju di bó... ou a língua afiada das mulheres guineenses

 1. O Alberto Branquinho, que não nasceu por acaso em Vila Nova de  Foz Coa (hoje cidade),  e que recebeu no seu ADN cultural o melhor do Alto Douro e da Beira Alta,    não me levará a mal que eu lhe vá "roubar" mais um dos seus cerca de 60 microcontos para, com ele,  engrossar e enriquecer a nossa série "Humor de Caserna" (*).

A sua excecional capacidade de "observação participante" e a sua fina ironia não escapam à atenção do leitor, que vai ler e saborear estas sete linhas deliciosas. 

Nunca,  em tão poucas palavras,  deparei com  uma tão magistral diatribe  contra a linguagem brejeira e sobretudo grosseira, para não dizer, alarve, utilizada por alguns de nós contra os mais fracos (bajudas, djubis, mulheres). 

Outros chamarão  racismo subliminar, não explícito,  a estes piropos  sexistas, que todos ou quase todos ouvíamos (e tolerávamos) no quartel ou na tabanca,  da parte de alguma tropa metropolitana, culturalmente mal preparada para lidar com pessoas de outros usos e costumes,  etnias e religiões (mesmo que nossas "amigas",   como era o caso dos fulas).

Quem ler a correr este microconto pode não dar-se conta do sentido da "boca" do sargento: "bó tem sanchu na barriga"... Mesmo a "brincar", em "tom brejeiro", em linguagem de caserna, é coisa que não se diz em parte alguma a uma mulher grávida..."Sanchu", como explica o autor, na lista de vocábulos e expressões crioulas, que vem no final do livro, quer dizer "macaco" (do francês. "singe").  É ofensivo e  tem, obviamente,  uma conotação racista.

Enfim, este microconto é também uma homenagem a mulher guineense do nosso tempo,  que não tinha papas na língua e era capaz de dar respostas de superior inteligência a uma "tuga" tonto, inconveniente,  desbocado e abusando da sua aparente situação de "superioridade" como militar... 

O título também é uma delícia, "Paternidade instantânea"...




Alberto Branquinho (n. 1944, Vila Foz Coa),
advogado e escritor, a viver em Lisboa desde 1970,
ex-alf mil, CART 1689 / BART 1913,
Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69),
tem 140 referências no nosso blogue:
é autor das notáveis séries "Contraponto"
e "Não venho falar de mim,,, nem do meu umbigo".


Paternidade instantânea

por Alberto Branquinho

Aproximava-se uma mulher em estado adiantado de gravidez. Caminhava com dificuldades, amparada a um muro.

O sargento, que estava a observá-la:

− Ó meu alferes, escute lá esta.

O sargento dirigiu-se, então, à mulher grávida:

− Eh, mulher! Bô tem sanchu  [macaco] na barriga!

É, noss' sargenti. Fidju  [filho]  di bó.

 

Fonte: Adapt. de Alberto Branquinho  - Cambança final: Guiné, guerra colonial:  contos. Vírgula, Lisboa, 2013, pp. 131.

(Título, revisão / fixação de texto, parênteses retos, para efeitos de publicação deste poste, na série "Humor de caserna": LG)  (Com a devida vénia ao autor e à editora...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de junho de  2024 > Guiné 61/74 - P25631: Humor de caserna (65): Afinal, Deus não gosta dos mais velhos, diz o nosso Cherno Baldé...

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2024/06/guine-6174-p25631-humor-de-caserna-65.html

segunda-feira, 3 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25596: Humor de caserna (62): Lerpar ou não lerpar, eis a questão (...um delicioso microconto do Alberto Branquinho, autor de "Cambança Final", 2013)

1. Alberto Branquinho (n. 1944, Foz Coa), advogado e escritor, a viver em Lisboa desde 1970,  ex-alf mil, CART 1689 / BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), tem 140 referências no nosso blogue: é autor das notáveis séries "Contraponto" e  "Não venho falar de mim,,, nem do meu umbigo".

 Integra a nossa Tabanca Grande a partir de 30 de maio de 2008; é irmão de outro Branquinho, mais novo, e infelizmente já falecid0, igualmente nosso tabanqueiro, o  António Branquinho (1947-2023) que foi fur mil, no Pel Caç Nat 63, ao tempo do nosso também saudoso Jorge Cabral (ou seja em, 1969/71)

Do livro "Cambança Final", publicado em 2013, pela editora Vírgula, disponível aqui, para compra (c. 13 euros) no Sítio do Livro , tomamos a liberdade de reproduzir este pequeno texto (no original, "A questão em jogo"), que nos remete para uma realidade que fazia parte do nosso quotidiano, o jogo, o vício do jogo, a  compulsão do jogo ("gaming addiction", em inglês), um comportamento que levanta(va) as mais diversas questões, das disciplinares às do foro da saúde mental... 

Em todos os "buracos" da Guiné (no final da guerra havia cerca de 225 guarnições militares!)   se jogava às cartas, do king ao bridge, da sueca à lerpa, qualquer que fosse o posto (do tenente coronel ao soldado básico)... Em muitos casos, jogava-se a dinheiro (ou à cerveja)... E em todas as companhias havia um ou mais viciados das cartas, além de "batoteiros", "vermelhinhas" ou "rufiões" como o "Chico Russo" desta história... 

"Cambança Final" é um título irónico que, em linguagem de caserna, poderia ser traduzido por... "lerpar", morrer. São histórias, muitas delas pícaras, que ajudam a reconstruir o nosso quotidiano de guerra. O Alberto Branquinh0 é mestre nesta arte de dizer muito em poucas palavras. 


Sinopse:

«Cambança Final» foi, para muitos que fizeram a guerra na Guiné, a passagem desta margem de vida para a outra: essa que é definitiva.

«Cambança Final» foi, para a maioria, o regresso, dois anos depois, ao outro lado de onde tinham partido. Regressavam endurecidos, feitos homens em movimento sofrido e acelerado. (Entrementes, muitos iam regressando, mutilados no corpo ou na alma.)

Este livro é composto de pequenas histórias que abordam não só aspectos dramáticos da guerra, mas também situações pícaras ou bizarras e encontros/desencontros de culturas que foram obrigadas a conviver no mesmo espaço geográfico em tempo de guerra. (Fonte: 
Sítio do Livro)

O autor já tinha publicado, em 2009 (na editora Sete Caminhos) um primeiro livro com um título parecido: "Cambança: Guiné, morte e vida em maré baixa" ( 98 pp.)


Lerpaste! Já lerpaste!

por Alberto Branquinho


Jogava-se à lerpa, à sueca e a outros. Clandestinamenet. Normalmente na caserna, em cima das camas.

O capitão tinha proibido todo e qualquer jogo a dinheiro. Mas jogavam. E não só com pesos guineenses, mas também escudos, guardados no fundo das maçlasn e dos sacos de campanha.

Quem fosse apanhado a jogar a dinheior sairiia para o mato todos os diuias, memso com os outro spelotões. E se não hiuvesse saídas, estaria de guarda, mesmo oque não fosse o dia de escala,

Mesmo "jogando a feijões" hvia cenas de pancadaria. A tensão acumulada aos lonmgo dos meses de guerra era nmuito ghrandse, agravada pelo isolamento e pelo álcool.

 Lerpaste! lerpaste!

Aconteciam discussões acaloradas, palavrões, empurrões, murros, bofetadas e, por vezes, de repente, surgiam as navalhas e as facas de mato nas mãos. O risco maior era de quem, acusto, os tentava separar,

Em qualquer canto esconso era improvisada uma mesa.

Ao calor das jogadas ou no meio das discussões sobrepunha-as o vozeirão do "Chico Russo", viciado e quase profissional, sempre em postura insolente e desleixada, que nem a vida militar tinha conseguido corrigir. Não perdia a oportunidade de jogar a dinheiro, que ele próprio incentivava. A insolência e o despeito estavam-lhe sempre presentes, na atitude corporal, na expressão facial e na voz:

- Cum carago! Só me saem duques!

Quando o parceiro não o acompanhava na jogava ou entendia que não o tinha acompanhado como devida, atirava as cartas contra ele, e de dedo em riste, apontado ao "incompetente", saí-lhe a linguagem natural de filho da Ribeira:

- Ó caramelo, bai-te, carago,  bai-te. Não topas nada desta merda! Quem não sabe foder, até os colhões o estróbam!  

Fonte: Adapt. de Alberto Branquinho  - Cambança final: Guiné, guerra colonial:  contos. Vírgula, Lisboa, 2013, pp. 155/156.

(Título, revisão / fixação de texto, para efeitos de publicação deste poste, na série "Humor de caserna": LG. Com a devida vénia ao autor e à editora...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 31 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25588: Humor de caserna (61): A ver a tropa passar... (Rui A. Ferreira, 1943-2022)Guiné 61/74 - P25588: Humor de caserna (61): A ver a tropa passar... (Rui A. Ferreira, 1943-2022)

quarta-feira, 29 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25579: S(C)em Comentários (38): Gandembel, em que é que foi diferente dos 3 G (Guileje, Guidaje, Gadamael ?) (Alberto Branquinho, ex-alf mil, CART 1689 / BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69)


1. Comentário de Alberto Branquinho, advogado e escritor , ex-alf mil, CART 1689 / BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69) (*):

Data 28/05/2024, 20:24 

Boa tarde, Luís

Já desisti de insistir com a gente da CCAÇ 2317 para que não se esqueçam que chegámos no mesmo dia (eles mais nós, CART 1689) ao espaço onde Gandembel foi construído. 

Aliás, o primeiro a chegar ao terreno foi o meu pelotão. Eles chegaram de sul com viaturas e não de norte. E que, depois, estivemos com eles durante os primeiros 40/45 dias, até que os abrigos enterrados e cobertos de cibes, chapa de bidon e terra, mais as fiadas de arame farpado ficaram prontos. 

Claro que eles sofreram aquela situação durante mais cerca de oito meses, com os paraquedistas a patrulharem as imediações.

Certo é que nunca falam na (então) velhinha CART 1689.

O Idálio, depois de um mal-entendido, reconheceu isto depois da publicação do livro.(**)

Os 3G  (Guileje, que ficava logo ali, de onde a CCAÇ 2317 veio , Guidage e Gadamael) foram um inferno. O que Gandembel teve de diferente é que se estava a construir um quartel  onde não havia nenhuma construção.(***)


Abraço, Alberto Branquinho

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Notas do editor:

domingo, 16 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24479: (In)citações (255): Adenda ao texto humanitarista sobre o alce-cherne (José Belo)


Imagem enviada pelo Joseph Belo. Sem legenda


 
1. Mensagem do Joseph Belo, o nosso correspondente no círculo polar ártico;

Data - quarta, 12/07/2023, 21:35

Assunto - Adenda ao texto humanitarista… Alce-Cherne (*)

Meu Caro Luís

O pseudo humor escandinavo do texto (*) surge de outras realidades, condicionadas por parâmetros muito diferentes dos nossos.

Não se deve esquecer que entre humanismos e humanitarismos há uma dicotomia ética.

Um dos nossos mais profundos observadores, Fernando Pessoa, escreveu:

“Há sempre uma relação sistematizada entre o humanitarismo e a aguardente de bagaço “

O humanitarismo do texto "Alce-Cherne" poderá acarretar a pergunta muito americana:

- Where’s the beef?

A única resposta que me surge é... I don’t give a ***Duck ***!

JBelo


2. Comentários  ao poste P24475 (*):

(i) José Belo:

Caro Luís: Respeitando as tuas sensibilidades cinegéticas [não publicando a foto do caçador e do alce abatido por carabina com mira telescópica, com o argumento  de ser "pornográfica"...], creio que a adenda ao texto que te enviei será necessária para se compreenderem as dicotomias éticas nele contidas.

O comentário do amigo e camarada Alberto Branquinho será um bom exemplo quanto à necessidade da…. adenda!

(ii) Alberto Brnaquinho:

Pelo que parece, e segundo o texto de José Belo, os alces-fêmeas (porque temos uma acompanhada de vitelo), são aqueles (animais) que não têm cornos.

De alces-chernes não é dada nota em imagem, mas a gente imagina. Ou não será assim?

14 de julho de 2023 às 11:58 


(iii) José Belo:

Caro amigo e aamarada Alberto Branquinho:

Colocas pergunta pertinente quanto ao “alce-cherne”.

Ao ler o meu tão escandinavo texto, muito distante das realidades lusitanas, senti de imediato a necessidade de enviar uma adenda ao mesmo. A ter sido publicada, a pergunta existencial de Alberto Branquinho não teria certamente surgido.

(O meu poeta português preferido escreveu:
"Sentir é uma maçada!"... 
A própria forma plebeia da frase lhe dá sal e pimenta)

Ao ler-se o texto,*depois da adenda não publicada*, encontra-se nas entre linhas a tal dicotomia ética entre o humanitarismo e o humanismo.

Sobre o assunto Fernando Pessoa foi ainda mais longe ao afirmar:

“Há sempre uma relação sistematizada entre o humanitarismo e a aguardente de bagaço”

Enfim, isto de textos e comentários é um pouco como… ”Ler o futuro no passado!”

14 de julho de 2023 às 17:11 


(iv) Alberto Branquinho:

JB: Atão, man! Qu'é d'adenda? Benha ela, carago!
(Pá gente poder entender a qúeston!)

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos: L.G.]

domingo, 11 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24389: In Memoriam (479): António Branquinho (1947-2023), ex-fur mil, Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, set/69 - out/71)... Nosso tabanqueiro desde 24/9/2010, era irmão do advogado e escritor Alberto Branquinho, também ele membro da nossa Tabanca Grande


Guiné  > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > Enxalé > O ex-fur mil António Branquinho, no Enxalé


Guiné  > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > Enxalé > Pel Caç Nat 63 (1969/71) > 
1971 > À esquerda o Fur Mil Pires do Pel Caç Nat 63,  e eu à direita. Dos outros não me lembro os seus nomes.


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Pel Caç Nat 63 > Missirá > 1971 > Da esquerda para a direita, os fur mil Pires, Branquinho e Amaral


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Pel Caç Nat 63 > Missirá > 1971 >  O Branquinho com uma  criança que era filho de um soldado do Pelotão


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Pel Caç Nat 63 > Missirá > 1971 > António Branquinho, Amaral e uma bajudinha... O Branquinho simulava tocar um instrumento tradicional, talvez um "nhanheiro". (Segundo a oportuna observação do nosso amigo e consultor permanente para as questões étnico-linguísticas, Cherno Baldé, "o instrumento, na lingua fula, chama-se 'Hoddu', é mais antigo e, provavelmente, serviu de inspiração para a criacão do Kora dos Mandingas.)
Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Pel Caç Nat 63 > Missirá > 1971 > O Amaral  (também já falecido) e o Branquinho

Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Pel Caç Nat 63 > Bambadinca > À porta do Depósito de Géneros, com o 1.º Cabo Injai, do Pelotão

Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Pel Caç Nat 63 > Enxalé> 1971



António Branquinho (Vila Nova de Foz Coa, 1947 - Covilhã, 2023). De seu nome completo, António Júlio Abrunhosa Branquinho. 

Membro da Tabanca Grande, desde 24/9/2010. Foi fur mil, de rendição individual,
no Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, de setembro de 1969 a outubro de 1971). Era um grande amigo do "alfero Cabral", seu comandante. Tem 23 referências no nosso blogue.

Fotos (e legendas): © António Branquinho (2010) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem com+plementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Morreu no passado dia 27 de maio, segundo a triste notícia que nos deu o seu irmão, mais velho, Alberto Branquinho (ex-alf mil, CART 1689 / BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69). Fazia anos a 21 de abril. Natural de Vila Nova de  Foz Coa, vivia na Covilhã. Casado, tinha uma filha e uma neta.

Era membro da nossa Tabanca Grande desde 24 de setembro de 2010. Contrariamemnte ao irmão não era um homem de grandes escritas. Mas deixou-nos este precioso texto de apresentação (*):

(...) Sou irmão do Alberto Branquinho e como vocês prestei serviço militar na Guiné.

Iniciei a Comissão em 23/09/1969 e terminei-a em finais de Outubro de 1971 (não me lembro da data correcta).

Fui em rendição individual, tendo sido colocado no Pel Caç Nat 63, que era comandado pelo ex-alferes miliciano Jorge Cabral, colaborador do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Desde o primeiro dia que somos amigos. Amizade esta que mantemos até à data.

O Pelotão era composto, na sua maioria, por elementos oriundos da própria Guiné, o alferes, furriéis, cabos e alguns soldados adstritos ao Pelotão eram brancos. Por este facto, os chefes militares e outros, por vezes "esqueciam-se" de nós, nomeadamente, no que dizia respeito ao fornecimento atempado de géneros "frescos", sendo os enlatados (fiambre, conservas várias, chouriço, etc.) a base da nossa alimentação.

Durante bastante tempo (muitos meses) estivemos privados de gerador de electricidade e de arca ou frigorífico a petróleo e consequentemente do prazer de uma bebida fresca. Era uma festa quando nos deslocávamos à sede do Batalhão (Bambadinca), bebiam-se umas "bazucas" e uns uísques gelados, era até cair - tirava-se "a barriga de misérias". (...)

Quando o Pelotão era mudado para outro Destacamento, o que se verificava frequentemente, era uma carga de trabalhos, uma vez que os soldados do Pelotão tinham consigo as mulheres e filhos, pelo que tinha de se arranjar transporte para toda aquela gente. Além das respectivas famílias, eram as galinhas, os cabritos e toda a traquitana inerente às lides domésticas (tachos, pilões, panelas, cabaças, alguidares, etc.). Era uma confusão! Eu passava-me.

O Jorge Cabral incumbia-me sempre destas missões, dizia que eu tinha uma certa sensibilidade para estas "operações". Tomava esta decisão por ser o furriel mais antigo e,  talvez, por uma questão de confiança. 

Numa das várias mudanças de Destacamento que efectuámos, apareceu-me com uma garrafa de wisky na mão, para festejarmos o fim da instalação do Pelotão. Estava tão desgastado e stressado que lhe tirei a garrafa da mão, mesmo à temperatura ambiente ia bebendo tudo de um só trago. Como era de esperar,  apanhei tamanha bebedeira, que passei o dia todo a dormir.

Após várias deslocações, estive em vários Destacamentos, na zona de Bambadinca: Fá, Missirá, Bambadinca, Ponte do Rio Udunduma, Nhabijões, Xime, etc.

Durante a minha Comissão, estive adstrito a dois Batalhões, sediados em Bambadinca (Sector L1): BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72.

Terminei a Comissão em beleza, a não ser um senão, incompatibilizei-me com o substituto de Jorge Cabral, em Bafatá. Era uma pequena cidade, mas tinha muitas mordomias de que já há muito não estava habituado.

Escrevi este pequeno texto, como cartão de apresentação, havendo muito mais histórias para contar, desde que haja disponibilidade e pachorra para tal. (...)


2. Comentário do editor LG:

Alberto, mais uma notícia devastadora para a nossa comunidade de antigos combatentes da Guiné, a   a morte do teu mano e nosso querido camarada António Branquinho, que fur mil do Pel Caç Nat 63, ao tempo do "alfero Cabral", e do meu tempo (CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, junh 61/mar 71). Se bem que ele fosse quatro meses mais no Sector L1

Um abraço solidário na dor para ti e para restante família (a tua cunhanada, a tua sobrinha, o teu sobrinho-neto e demais família. Sei que o teu irmão era muito estimada na Covilhã onde viveu e está hoje sepultado.  

Entende este poste como uma pequena homenagem. O Jorge Cabral falava-me dele com muita estima, amizade e camaradagem. Mas eu nunca mais o encontrei depois da Guiné, se a memória me não falha. Fizemos algumas operações em conjunto, no Sector L1.  Não convivemos muito. Havia o rio Geba a separar-nos,  quando eles foram de Fá para Missirá. Um abraço fraterno.

PS - O teu mano devia ser de 1947, mais novo do que tu, dois anos oiu três... Não? Confirma.



António  Júlio Abrunhosa Branquinho. 
Foto: cortesia do facebool da Casa da Covilhã em Lisboa
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de setembro de 2010 > uiné 63/74 - P7029: Tabanca Grande (245): António Branquinho, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, 1969/71)

Vd. também poste de 16 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7291: Estórias avulsas (100): A mina, que seriam duas (António Branquinho)

(**) Último poste da série > 3 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24363: In Memoriam (478): Mário Vargas Cardoso, cor inf ref (1935-2023), ex-cap inf, CCAÇ 2402 / BCAÇ 2851 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70) e ex-cmdt do BCAÇ 3884 (Bafatá, 1972/74) (João Bonifácio, ex-fur mil SAM, CCAÇ 2402, 1968/70, a viver no Canadá); Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil at inf, CCAÇ 3547, Contuboel, 1972/74)

quarta-feira, 26 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24255: 19º aniversário do nosso Blogue (1): Obrigado, Valdemar Queiroz, por nos comparares à tua priminha ("Com 19 anos a Tabanca Grande, até parece a minha prima Lourdes, ruiva, de olhos azuis e com 1,72 m e diziam-lhe 'temos aqui uma bela rapariga que nunca se vai gastar' ". Obrigado pelos vossos parabéns e incentivos, João Rodrigues Lobo, Carlos Vinhal, Alberto Branquinho, Miguel Rocha, José Botelho Colaço...


"A rapariga com brinco de pérola" (c. 1665)... Não é a "prima Lourdes" do nosso camarada Valdemar Queiroz, mas é capaz de não lhe ficar atrás... É uma das obras... primas do pintor holandês Johannes Vermeer (1632-1675) e de toda a pintura ocidental, rivalizando com todas as "madonas" e "madames"... Óleo sobre tela (44,5 cm x 39 cm). Localização atual: Galeria Mauritshuis, Haia. Imagem do domínio público. Cortesia de Wikipedia.

1. Primeiros comentários ao poste P24242 (*)... Temos mais para reproduzir aqui. Queremos receber as vossas sugestões, críticas e comentários, sobre o nosso passado, presente e futuro enquanto blogue e Tabanca Grande... Serão publicados na "montra grande" do blogue, desde que cheguem até ao final da segunda semana do próximo mês de maio, sábado, 13. É também uma boa altura de os nossos tabanqueiros fazerem a sua "prova de vida", sairem do sofá e darem uma voltinha pela nossa "parada"...

(i) Tabanca Grande Luís Graça:

Obrigado, amigos e camaradas,  pelos vossos comentários relativamente à nossa efeméride.

Obrigado, Valdemar, por nos comparares à prima Lourdes (à francesa)... Lisonjeiro!... Mas ainda nos arranjas uma cena de ciúmes (ou até alguma acusação de assédio, que é bem pior para a nossa re...puta...ção!):

"Com 19 anos, a Tabanca Grande até parece a minha prima Lourdes, ruiva, de olhos azuis e com 1,72 m e diziam-lhe 'temos aqui uma bela rapariga que nunca se vai gastar'." (...)


23 de abril de 2023 às 17:27 

(ii) João Rodrigues Lobo:

Bom dia. Nesta fase da nossa vida em que "recordar é viver" que o espírito de sã camaradagem prevaleça entre todos. Abraços.

23 de abril de 2023 às 09:18

(iii) Carlos Vinhal;

Estão a dormir na forma ou quê?

Era este o grito de incitamento ou censura, quando, no serviço militar, denotavam(os) nos recrutas alguma indolência ou desatenção.

Pois é, cara tertúlia, isto é um incentivo, vamos lá dizer o que pensamos do nosso Blogue.

O passado e o presente estão assegurados, contudo, o futuro é muito incerto, e este espólio não se pode perder. Definitivamente estamos a ficar velhotes e não conseguiremos gerir o Blogue por muito mais tempo.

Ficamos desde já gratos pelas vossas críticas e sugestões, que podem deixar aqui sob a forma de comentário ou a enviar para os endereços de email habituais.

Aproveitem este domingo, um tanto triste, pelo menos aqui no norte, para refletirem e nos ajudarem a assegurar o futuro da nossa página.

Grande abraço, Carlos Vinhal

23 de abril de 2023 às 11:32

(iv) Alberto Branquinho:

Pois é, Carlos. Este foi o espaço onde acabei por conhecer muita gente que LÁ sofreu tanto ou mais que eu, onde reencontrei bastantes outros e onde tive oportunidade de mostrar alguma coisa relacionada (por vezes não) com ESSA experiência da Guiné. E ajudou (talvez tardiamente) a fazer a catárse.

Do facebook nada sei porque, quando dele tive conhecimento, me pareceu uma caserna onde se acoita gente demasiada e muito diversa e onde não há regras (ou parece não haver).

Abraço, Alberto Branquinho

23 de abril de 2023 às 11:32

(v) Miguel Rocha:

"Aquele abraço"!!!

Votos de saúde!

Miguel Rocha, o transmontano

3 de abril de 2023 às 12:07

(vi) José Botelho Colaço:

Parabéns: Graças ao blogue hoje estou um pouco documentado com histórias contadas e vividas na 1ª pessoa o que foi participar, viver e sofrer na guerra da Guiné, caso contrário teria ficado só pelo Cachil Ilha do Como, operação Tridente e um pouco de Bissau e Bafatá. 

Abraço amigo. Colaço.

23 de abril de 2023 às 13:24

(vii) Valdemar Queiroz:

O nosso Blogue faz 19 anos, ena, ena, está quase a entrar pra tropa. Pra tropa salvo seja, que é coisa que não nos falta.

Tal como a minha entrada pra tropa com 22 anos, também entrei tarde pra Tabanca Grande já ela estava construída com fortes traves mestras que foram aguentando estes belos momentos que vamos passando em convívio recordando os extraordinários tempos da guerra na Guiné.

Com 19 anos a Tabanca Grande, até parece a minha prima Lourdes, ruiva, de olhos azuis e com 1,72m e diziam-lhe 'temos aqui uma bela rapariga que nunca se vai gastar'.

Parabéns e saúde aos incansáveis progenitores e a toda a família da rapaziada que faz parte desta Grande Tabanca.

Um grande abraço, Valdemar Queiroz

23 de abril de 2023 às 13:49
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Nota do editor: