Capa do livro de Alberto Branquinho, "Cambança: Guiné, morte e vida em maré baixa", 2ª ed. revista. Lisboa, SeteCaminhos, 2009, 99 pp.
1. Pode o humor ser "cruel" ? Sim, não tem que ser "meigo". Sobretudo o "humor de caserna"...
Numa folha A4, de 24 linhas, o nosso camarada Alberto Branquinho (ex-alf mil art, CART 1689 / BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), escreve um tratado sobre a (in)comunicação e os desastres que pode causar, agravada pela distância e a impossibilidade de "feedback" imediato.
Há 60 anos atrás, recorde-se, não havia o telemóvel, a internet, as videochamadas, o whatsapp... Nem sequer, na maior parte dos casos, na Guiné, rede telefónica analógica...
É um pequena obra-prima, esta história. O aerograma, tão ansiado na volta do correio (por ambas as partes), também podia ser cruel, um punhal espetado no peito, a 4 mil km de distància, quando entre o emissor e o recetor surgia a dúvida, o equívoco, o mal-entendido, ou então, o ciúme, a suspeita, a repreensáo, o desalento, a incompreensão, a "boca foleira"...É um microconto de antologia, este. Parabéns, Alberto!
Último poste da série > 1 de julho de 2025 >Guiné 61/74 - P26971: Humor de caserna (202): Dormir nu por causa do clima à noite e ter sonho "manga di bom": aerograma datado de Bambadinca, 1 de dezembro de 1969, dirigido à sua amada pelo nosso saudoso Fernando Calado (1945-2025)
Humor de caserna > O aerograma e a (in)comunicação
por Alberto Branquinho
Fonte: Título original "Acto 2 - Passeios". In" Quatro Actos para Um Ponto de Vista", excerto de "Cambança", op. cit. pág. 18
(Seleçáo, digitalização, recorte, introdução e título: LG)
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Nota do editor LG:
9 comentários:
Este trocadilho é genial: "tu a passear aí pela Guiné, de um lado para o outro, e eu que me f*da a trabalhar!", diz a mulher para o soldado, no aerograma...
Em boa verdade, as famílias não sabiam o que é que os militares andavam a fazer, "lá fora"...
"Lá fora' era...no ultramar, a 4 mil, 8 mil, 12 mil km longe de casa...
Afinal, quem não ouviu umas "bocas foleiras" dessas ? E logo de quem menos se esperava, de cunhados, primos, vizinhos, amigos, colegas...
Afinal, quem não ouviu umas "bocas foleiras" dessas ? E logo de quem menos se esperava, de cunhados, primos, vizinhos, amigos, colegas...
"E que tal, hã!?... A comer e a beber do melhor, a f*der umas catraias e, ainda por cima, com graveto para comprar um mini!?"....
Meus queridos amigos, camaradas e companheiros!!
Não sabiam e continuaram a não saber. Ainda me interrogo se realmente andei numa guerra ou se foi um sonho malvado.
Nunca a verdade foi comunicada. Após Abril de 1974 , os que andaram na lama quiseram esquecer o passado doloroso e os que deviam ter tido a sensatez de o contar, ignoraram-no.
Um país que ignora a história arrisca-se a regressar ao passado.
Abraço
Eduardo Estrela
Naquele dia de 1973, um Furriel Atirador, da companhia de Nhala, deslocado com o seu pelotão em reforço da segurança aos trabalhos da estrada para Nhacobá, recebera um aerograma de uma irmã. Ela dizia-lhe, num registo implorativo, ainda que num discurso suave, mas denotando claramente pretender convencê-lo a aderir a algo crucial : " ...já te matriculei no curso x, espero por isso que logo que chegues comeces a frequentá-lo, porque tens que te preparar para a vida...". As palavras se não foram estas foram outras do mesmo sentido. Chamou-me, enfurecido com a irmã, para reler o aerograma perante mim. No fim decretou : ..." não volto a escrever-lhe ! ...pensa ela que eu estou aqui de férias , mas eu sempre que saio para o mato, situo-me entre a vida e a morte ! quero lá saber do Instituto ! quando escapar disto, se escapar, só penso em percorrer os caminhos do Algarve, livre como um passarinho, sem me preocupar com minas nem emboscadas" .
Era o João Calado, um grande amigo, um camarada de grande categoria. Morreu, sem precisar que o matassem, poucos anos depois de ter percorrido em liberdade, sem minas
nem emboscadas, os caminhos que escolheu.
Um grande abraço
Carvalho de Mampatá
Obrigado Luís
Abraço
Alberto Branquinho
P.S. - Depois desse livro "Cambança" saiu um outro, com quase o triplo de páginas, a que chamei "Cambança final".
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