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terça-feira, 17 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26930: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (16): Para recordar; Quadro de Honra; Feridos em combate e Outros que serão sempre lembrados

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


49 - PARA RECORDAR

A amizade entre todos era forte e sincera, que ainda hoje perdura. Mas dada a maior convivência destaco:

- Furriel Jardim, um bom amigo, conversador e conselheiro.
- Furriel Lima e Furriel Oliveira Miranda, os irmãos metralha, sempre pegados como o cão e o gato, mas bons amigos.
- Furriel Baeta, autêntico computador à época, grande memória pois sabia de cor algumas dezenas de números mecanográficos. Passados vinte anos num convívio perguntei-lhe se sabia o meu, tendo respondido de pronto 06026567 e é mesmo.
- Furriel Bettencourt, mais do que enfermeiro foi o médico que nunca tivemos.
- Furriel Brito, o nosso fotógrafo e DJ no quarto de Tite.
- Soldado Xabregas, espirituoso e sempre bem disposto e o poeta que escreveu a letra da marcha de Nova Sintra que começava assim:

Defendemos Nova Sintra
com muito orgulho e altivez
pertencemos à companhias
que é a dois quatro oitem e três
Furs Mil Jardim e Aníbal
Furs Mil Aníbal e Brito
Furs Mil Baeta e Miranda
Cap Bernardo; Lima; Ludovico; Aníbal e Lopes
Capitão Bernardo
Furs Mil Aníbal e Bettencourt

Obviamente não posso deixar de referir o capitão Bernardo, o nosso chefe, amigo de toda a gente, grande condutor de homens, cuja perda prematura foi muito sentida. Jamais esquecerei uma das suas palavras de ordem “à falta de meios avança a imaginação


50 - QUADRO DE HONRA

****** Aqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando ******

24 de Julho de 1969 - Soldado José Pedroso de Almeida
24 de Julho de 1969 - Soldado Adelino Sousa Santos
04 de Agosto de 1969 - Soldado Domingos Conceição Verdades Ventinhas
17 de Novembro 1969 - 1.º Cabo José Maria Lomba
17 de Novembro 1969 - Soldado António Abrantes do Couto


51 - FERIDOS EM COMBATE

Cap Cav - Joaquim Manuel Correia Bernardo, em 11/07/69
Fur Mil - José Joaquim Oliveira Miranda, em 24/07/69
Fur Mil - Aníbal José Soares da Silva, em 04/08/69
Fur Mil - Fernando José Barriga Vieira, em 17/11/69
1.º Cabo - Manuel João
Soldado - Isidoro Soares Machado
Soldado - Gabriel Matias dos Santos, em 17/11/69
Soldado - António Augusto Soares Poupada, em 17/11/69
Soldado - Leonel Jorge Pascoal Germano, em 17/11/69
Soldado - Joaquim Marques Batista, em 17/11/69
Soldado - José Maria Silva Soares



52 - OUTROS QUE SERÃO SEMPRE LEMBRADOS

E que entretanto faleceram, após o regresso a casa:

1.º Sargento Josué Júlio Monteiro Ludovico
2.º Sargento José Fidalgo Canaveira
Fur Mil Alberto Augusto Ramos P. Azevedo
Fur Mil José Santos Moreira
Fur Mil Jorge Manuel Frazão Damaso
1.º Cabo Artur Oliveira Soares
1.º Cabo Gregório João Revés
1.º Cabo José Correia
1.º Cabo José Manuel Chambrinho Braz
1.º Cabo Rogélio Carlos Cipriano
1.º Cabo Sérgio Alves Pereira
Soldado Amândio Alves Amaral
Soldado António Francisco Soares
Soldado António Jesus Garcia
Soldado António Augusto Fernandes Poupada
Soldado Carlos Alberto Neves Lourenço
Soldado Fernando Jacinto da Silva
Soldado Gustavo Liz Castro
Soldado João Henrique Martins Boleto
Soldado Joaquim Marques Batista
Soldado José Augusto Batista Rodrigues
Soldado José Guerreiro Estevans
Soldado José Joaquim Alves Cruz
Soldado Leonel Jorge Pascoal Germano
Soldado Manuel Gouveia de Oliveira (Xabregas)

ARCOZELO – GAIA, 01 de JUNHO DE 2020


(FIM)
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Nota do editor

Vd. posts da série de:


4 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26551: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (1) Formação do BCAV 2867 - Partida para a Guiné e Chegada a Bissau

11 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26573: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (2): Partida para Nova Sintra - Chegada a Nova Sintra - Em Nova Sintra

18 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26595: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (3): A Alimentação

25 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26615: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (4): Cantina - Encontros em Bissau e Entretenimento

1 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26636: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (5): Jogos de futebol e voleibol - Natal e Fim de Ano de 1969 e Hotel Miramar e Pensão Xantra

8 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26664: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (6): Pelotão de Caçadores Nativos 56 - Primeira vez debaixo de fogo e Emboscada virtual

15 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26692: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (7): Coluna de Reabastecimento a S. João - Coluna a S. João em 08/12/69 e Colunas de reabastecimento a Lala

22 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26714: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (8): O gerador; O bezerro; Os cães e a raiva; As botas trocadas; As abelhas e As rolas

29 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26743: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (9): Messe de sargentos; O Correio; A Enfermagem; As Transmissões e A Ferrugem

6 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26770: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (10): Os grandes azares; Insensatez; O ronco; Caso do Furriel Moreira e Chuveiro do abrigo dos Morteiros

13 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26796: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (11): Uma jóia de criança; A Tombó; Abutres e pelicanos e As larvas de asa branca

20 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26820: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (12): O meu acidente

27 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26852: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (13): Comissão liquidatária e Esferográficas Parker

3 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26878: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (14): Tite, Quarto dos Furriéis e Últimos dias em Bissau
e
10 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26904: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (15): A despedida do Quartel de Brá e o Regresso

terça-feira, 10 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26904: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (15): A despedida do Quartel de Brá e o Regresso

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


47 - DESPEDIDA DO QUARTEL DE BRÁ

Todo o Batalhão aprumado e engraxado apresentou-se, sem armas, ao General Spínola.
Depois do discurso de despedida proferido pelo General, seguiu-se a leitura dos louvores para as Companhias. Das quatro, a CCS e três operacionais, só a minha a CCAV 2483, os gloriosos "CAVALEIROS DE NOVA SINTRA", não recebeu qualquer louvor. Mais uma grande desilusão. Se fomos para Nova Sintra porque éramos a Companhia mais bem preparada para lá permanecer os primeiros seis meses, mas acabamos por ficar vinte, com o pior aquartelamento em termos de instalações e o mais doloroso, tivemos cinco mortos em combate e as outras nenhum, salvo a CCS que teve um por acidente com arma de fogo dentro do quartel. Não é de esquecer que o nosso capitão foi gravemente ferido. Sei a razão, naquele momento o nosso Comandante de Companhia era um alferes e o de todas as outras eram capitães do quadro permanente. Quero com isto dizer, que os louvores não se destinavam às companhias, pois estas extinguiam-se à chegada a Estremoz, mas sim aos capitães do quadro que tinham carreiras militares a seguir. Para além duma grande injustiça, foi também uma humilhação, desta maldita guerra.

Ensaio para desfile despedida
Cervajaria Pelicano
Alocução General Spínola
Marginal estrada para Stª Luzia
Catedral de Bissau


48 - O REGRESSO

Embarcamos no navio Úige no dia 22 de Dezembro de 1970. O pessoal estava e continuou eufórico até à chegada a Lisboa. A noite de Natal foi passda a bordo. Para além do jantar habitual, à meia noite foi servida uma ceia, com tudo o que comporta uma ceia daquela noite. Bacalhau com batatas e legumes, bolo rei, rabanadas e outras goluseimas, sem esquecer o tinto e o branco, e o espumante. No dia de Natal o barco foi autorizado pelas autoridades marítimas espanholas a aproximar-se do porto de Las Palmas, sendo visível a marginal, as palmeiras e o movimento automóvel. Chegamos a Lisboa no inicio da noite do dia 28, mas dado que não podiamos atracar, o barco ficou ancorado ao largo. De certeza que ninguém dormiu. Rádios, gravadores e cantoria fizeram-se ouvir toda a noite. De manhã cedo do dia 29, o barco atracou ao cais e começou o desembarque. As malas e os sacos estavam pesados por causa das compras, o que o tornou mais lento. No cais o pessoal desenfreado ía à procura dos seus familiares. Com facilidade encontrei os meus pais e irmã.

É o momento em que não de pode controlar as lágrimas. Seguiu-se o agrupar das tropas para o desfile perante as autoridades militares.

As camionetas da Setubalense esperavam por nós e entrado o último militar iniciou-se a viagem para Estremoz. No quartel, ordeiramente fizemos a entrega do fardamento e efetuadas as demais formalidades finalmente pudemos vestir a roupa civil. Seguiram-se as despedidas sempre emocionadas, com a promessa de encontros futuros, que felizmente acontecem todos os anos. Oa cafés encheram-se para o último copo. Num deles o meu amigo Jardim quis conhecer o meu pai e eu sabia porquê. Tentou convencê-lo a deixar-me ir com ele para Angola, a sua terra natal. Dizia que a avó queria que ele fosse gerir umas fazendas ou roças e pretendia levar-me para o ajudar. Ainda em Nova Sintra ao luar africano, por diversas vezes ensaboou-me a cabeça, procurando convencer-me. Não fui por razões familiares e porque tinha assegurado o regresso ao meu emprego. Grande amigo o Jardim. Por quatro vezes veio ao nosso convívio annual e na primeira emocionei-me com uma lágrima ao canto do olho.

O Úige afastando-se do cais
O cais
A terra à vista são as Canárias
Paz e sossego depois de 22 meses de muita inquietação
O alferes Martinho a mandar acelerar
Continência perante as autoridades

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 3 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26878: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (14): Tite, Quarto dos Furriéis e Últimos dias em Bissau

terça-feira, 3 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26878: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (14): Tite, Quarto dos Furriéis e Últimos dias em Bissau

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


44 - TITE

É a localidade onde está situada a sede do Batalhão, denominada Companhia de Comando e Serviços (CCS), implantada na região administrativa do Quinara, que dá início à zona sul que é bastante pantanosa. Situa-se a 18 Km de Nova Sintra e talvez 4 a 5 Km do Enxudé, onde existia um posto avançado junto à margem esquerda do rio Geba, que fazia de cais às LDM´s e ao bote que diariamente atravessava o Geba em direção a Bissau. Em redor do quartel havia muitas moranças que constituíam a Tabanca de Tite, sendo as etnias dominantes os "Beafadas” e os “Balantas”.

Vista aérea de Tite
Porta de armas
Convívio de furriéis
Parada e Comando
Refeitório
Festa do Fanado em Novembro


45 - QUARTO DE FURRIÉIS EM TITE

O inferno de Nova Sintra ficara para trás e rumamos a Tite para cumprir os últimos três meses de comissão, num quartel com instalações condignas. Para além da óbvia dormida, sempre que a atividade operacional permitia, passávamos algum tempo no quarto, umas vezes jogando às cartas, escrevendo à família e sobretudo ouvir música. Aproximava-se o regresso à Metrópole e alguns já tinham comprado aparelhagens de som. Lembro a do Brito e o famoso Akai do Jardim, que tocavam à vez.
Para além disso também se faziam algumas maroteiras, sendo as principais vítimas o Teixeira e sobretudo o Oliveira Miranda.
Um dia, ou melhor uma noite, o Miranda ao regressar dum patrulhamento noturno, ao abrir a porta do quarto, estratégicamente entreaberta, levou em cima da cabeça com uma bacia cheia de água.
Outra vez colocamos velas acesas nas extremidades da cama dele e sentamo-nos à volta, simulando um velório.
Noutra vez o Miranda entrou e verificou que estava tudo calmo. A luz estava apagada e aparentemente toda a gente a dormir. Hum, disse ele, deve estar algum santo para cair do altar e que o que é que estes camelos estão preparados para fazer. Aparentemente nada, mas sim havia algo. O Miranda foi tomar banho, regressou ao quarto e preparava-se para deitar e disse, hoje parece que estou safo. Deitou-se e passados dez minutos, sobre a sua cama começaram a cair pingos continuados de água. Como uma mola levantou-se e foi verificar o que estava a acontecer.
Alguém que não estava deitado ficou fora do quarto a aguardar que ele tomasse banho e se deitasse. Previamente foi instalada uma mangueira que saía duma torneira do chuveiro contíguo ao quarto, que passava sobre o teto falso e pendia sobre a cama. Com ele no ninho foi só abrir a torneira. Verificada a marosca regressou ao quarto, fulo e a vociferar palavrões dirigidos aos “dorminhocos”.


46 - ÚLTIMOS DIAS EM BISSAU

No dia 15 de dezembro de 1970 a compamhia seguiu de Tite para Bissau a fim de aguardar embarque para a Metrólole, previsto para o dia 22.
Os últimos dias serviram para fazer compras, principalmente nas lojas dos Libaneses. Rádios, gira-discos, gravadores, relógios, tapetes, artesanato africano e principalmente whisky, muito whisky. Alguns Furriéis, eu incluído, alugamos o espaço de uma casa para servir de armazém. Nas compras, nos restaurantes e cervejarias, tudo servia para gastar os últimos pesos (moeda da Guiné).
Alguém conseguiu autorização para numa tarde desfrutar da água morna da piscina dos oficiais. Foi um regalo, mas o pior tinha acontecido. Quando fomos para os balneários, verificamos que os nossos haveres tinham desaparecido, pois foram roubados relógios, dinheiro e até anéis. Eu fiquei sem um relógio seiko que comparara dias antes, mas já não tinha dinheiro suficiente para comprar outro.

Muçulmanos e cais do Pidjiguiti
Palácio do Governador
Forte da Amura
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Nota do editor

Último post da série de 27 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26852: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (13): Comissão liquidatária e Esferográficas Parker

terça-feira, 27 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26852: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (13): Comissão liquidatária e Esferográficas Parker

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


42 - COMISSÃO LIQUIDATÁRIA

Terminada a permanência em Nova Sintra, rumamos a Tite para completar os vinte e dois meses de comissão. Como não tinha funções a executar relativamente à minha especialidade, o sargento da CCS colocou-me a fazer serviços da guarda e integrado numa equipa a fazer picagem à pista de aviação. Não estava nada interessado naquilo, mas ainda fiz por duas vezes a picagem. Quanto ao serviço da guarda não fiz nenhum.

Ouvi dizer que estava em formação a comissão liquidatária e ofereci-me para ser o representante da minha companhia, o que foi aceite. Era coordenada pelo Major Martins Ferreira, 2.º Comandante do Batalhão e composta por um representante de cada uma das companhias operacionais. A minha missão era ir junto dos diversos serviços (Intendência, Material, Transmissões e Saúde) resolver ou acelerar a resolução de autos pendentes, relativos a autos instaurados, por perdas, deterioração de géneros, desgaste de peças das viaturas, dos rádios, material de saúde, bem como os resultantes da atividade operacional. As questões relacionadas com o armamento e fardamento seriam mais tarde tratadas pelo 1.º e 2.º Sargentos. Fomos para Bissau e ficamos instalados no Quartel de Santa Luzia.

Por determinação do major, tinhamos de estar todos os dias às dez horas da manhã, à porta do seu quarto. Assim fiz durante os dois primeiros dias, mas depois deixei de comparecer porque o major só muito depois das onze é que resolvia aparecer. Como os serviços abriam às oito horas, a manhã estava perdida e à tarde o movimento era maior, portanto mais complicado. Comecei a ir àqueles serviços à hora de abertura. Tive a sorte de em alguns serviços encontrar gente conhecida da escola de Gaia e da Oliveira Martins, no Porto e até da Tranquilidade, onde trabalhava na vida civil., que me resolveram a grande maioria dos autos. Aqueles que não consegui, mas que foram poucos, ficaram para ser tratados pelos sargentos.

No final de tarde estava a beber umas cervejas num café da baixa, após ter realizado mais um circuito pelos serviços, quando o furriel Graça que era, digamos, o adido em Bissau do Batalhão, veio ter comigo e disse: “ó pá estás tramado, o major quer dar-te uma porrada e quer que compareças amanhã“. Assim fiz. Quando o major me viu, do alto dos seus galões vociferou, "ó pá,  que merda é esta, passas os dias no café a beber cerveja e trabalhar nada?". 

Respondi dizendo que ele estava enganado, pois começava a trabalhar às oito horas e que já tinha a maior parte dos autos resolvida e apresentei provas. “Mas como isso é possível?” disse ele. Contei-lhe da rede de contactos que tinha feito, ficou surpreendido e até invejoso. Disfarçadamente pediu que o acompanhasse no dia seguinte e que o apresentasse aos meus amigos. Assim foi feito e ele lá começou a resolver os seus autos. Passou a jogar a bola rente ao solo, tanto assim que me convidou para um jantar e uma ida ao cinema. Fomos os dois e lembro que o filme era “A Piscina” com Allan Delon e Romy Shneider.

Numa das vezes que fui ao Hospital Militar, ao Serviço de Saúde, ao passar junto à varanda de uma das enfermarias, ouvi gritar pelo meu nome, "ó primo Silva". Só podia ser o Zé Pedro, o candidato a árbitro de futebol. Estava internado em tratamento e a aguardar intervenção para retirar estilhaços de granada alojados nas costas.

Junto cais do Pidjiguiti
Margem esquerda do rio Geba.
Inicio zona sul da Guine pantanosa


43 - ESFEROGRÁFICAS PARKER

Durante a permanência em Nova Sintra e com a minha gestão na cantina, os lucros resultantes da exploração, eram aplicados na aquisição de bens que minimizassem as nossas dificuldades e recordo a compra de ventoinhas para os diversos abrigos. Saídos de Nova Sintra já não havia em que gastar o dinheiro em caixa. De acordo com o alferes Martinho e dado que estava em Bissau na comissão liquidatária, pesquisei em várias lojas artigos com interesse. A melhor solução encontrada foi adquirir esferográficas Parker e com a concordância do alferes comprei uma para cada militar, mais ou menos cento e cinquenta. Foi gravada a inscrição CCAV 2483.


Zona comercial libanesa
A esferográfica
Ilhéu do Rei no meio do rio Geba

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 20 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26820: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (12): O meu acidente

terça-feira, 20 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26820: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (12): O meu acidente

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


41 - O MEU ACIDENTE

04 de Agosto de 1969

A primeira vez que fui de férias à metrópole foi a 23/06/69, na companhia do inseparável furriel Lima. Iniciei a viagem de regresso à Guiné nos últimos dias de julho.

Chegados a Bissau fomos ao Hospital Militar visitar o nosso capitão, que dias antes tinha pisado uma mina e ficado sem a perna esquerda. Mal sabia eu que passados quatro dias também lá daria entrada.

Na Repartição de Transportes em Bissau, conseguimos transporte fluvial até o Enxudé e daqui até Tite, sede do batalhão, fomos de unimog. De Tite para Nova Sintra só havia duas hipóteses de transporte, aéreo ou a pé. O Lima teve a sorte de ir de helicóptero pois era de Transmissões e a sua presença era necessária, porque estava em curso a formação de uma operação. Em Tite também em trânsito, encontrei seis soldados da companhia que regressavam após consulta externa no Hospital Militar. No regresso a Tite o helicóptero trouxe as G3 e fardamento de nós sete. Na noite de dois de agosto Tite foi flagelado.

Desconhecendo os cantos à casa, não sabia onde me proteger, até que o furriel Rui Ferreira, puxou-me por um braço e corremos até à retrete do quarto dos furriéis. Lá havia alguma proteção com sacos de terra empilhados acima das nossas cabeças. Na tarde de dois de agosto foi-nos transmitido aquilo que já se esperava. Fazer o trajeto a pé integrados num grupo de combate da CCAÇ 2314, que ia fazer reforço a Nova Sintra, devido à operação que estava a ser preparada.

Saímos de Tite por volta das duas horas da madrugada do dia 04/08/69, acompanhados por quinze carregadores que também iam participar na operação. Chovia torrencialmente.

Passado o arame farpado entramos na mata. Estava muito escuro e dada a intensidade da chuva, mal conseguíamos ver quem ia à nossa frente. Atravessamos uma bolanha com água acima da cintura e os pés enterravam-se no lodo. A marcha era lenta. Finalmente amanheceu, a chuva parou e o sol apareceu, começando a secar o camuflado. Os sete da minha companhia seguiam na retaguarda. O soldado Ventinhas, que tinha ido a Bissau despedir-se do irmão, que tinha terminado a sua comissão, seguia à minha frente. O trilho era apertado ladeado por capim muito alto e verdejante. O cenário era bonito, só que daí a momentos BRUUMMM, um grande estrondo.

Eram sete da manhã. O Ventinhas provavelmente saiu fora do trilho, pois este fazia uma espécie de cotovelo e pisou uma mina antipessoal reforçada com trotil, que o desmembrou, provocando-lhe a morte. Com eu seguia atrás dele a dois metros de distancia, com a explosão a minha cabeça ficou cheia de terra, que entrou na boca, tapou o nariz e sobretudo os olhos. Imediatamente deixei de ver e com dores horríveis nos olhos, zumbidos agudos e tosse ao procurar expelir a terra da boca. Levantei-me e sem ver caí no buraco aberto pela explosão. A G3 voou das mãos e deve ter ido parar ao meio do capim. Na frente da coluna, embora ouvindo perfeitamente o rebentamento, não se aperceberam do que tinha acontecido. O furriel que comandava a coluna, veio atrás ver o que se passava e só então se apercebeu que tinha sido uma mina.

Aos berros chamou pelo cabo enfermeiro, que não teve muito a fazer. O Ventinhas estava moribundo e faleceu algum tempo depois. Segundo me disseram mais tarde, foi embrulhado num ponche de borracha e transportado no regaço de alguém para o quartel de Nova Sintra. Eu não tinha ferimentos visíveis e os que tinha ele não podia ajudar. Foi pedida imediata evacuação, só que as comunicações via rádio com Tite não funcionaram. Resolveram fazermos o resto do percurso, mais ou menos três quilómetros, a pé. Eu fui amparado aos ombros do cabo enfermeiro Henriques e do Arouca. Próximo do quartel estava a sair uma coluna que ia para S. João. Passamos por entre eles e segundo me disseram mais tarde, ninguém sabia quem era o ferido, tal a camada de terra agarrada à cabeça. Pelos vistos só o Tomás, miúdo de dez anos, orfão da guerra, disse que era eu atendendo à forma de caminhar. Já no quartel ouvia a pergunta, quem é? Quem é?

A comunicação com Tite continuava a não ser conseguida. O amigo Lima agarrado ao rádio berrava “india cinco sierra, zulu nove mike, chama“. À data eram os códigos dos postos de transmissões de Tite e de Nova Sinta. Durante o tempo da comissão estes códigos mudavam com frequência, mas estes ficarão para sempre gravados na minha memória e não haverá alzeimer que os retire. Enquanto não era possível efetuar a evacuação, despiram-me e puseram-me debaixo do chuveiro. Termia como varas verdes, de frio não seria porque estava calor, era talvez do estado de choque. A minha farda de passeio e sapatos tinham ficado em Tite. Alguém trouxe uma camisa, calças e calçado. Lembro que as calças eram muito apertadas. Entretanto a evacuação foi conseguida. Levaram-me de jeep para a pista, bem como os restos mortais do Ventinhas. Na avioneta veio uma enfermeira paraquedista, que segundo disseram era loira, talvez numa tentativa de me animar e que meses mais tarde conheci, quando voltou a Nova Sintra numa outra evacuação.

Chegado à base de Bissalanca segui de ambulância para o Hospital Militar. Fui colocado não sei onde deitado na maca. Não sabia se estava no chão ou em cima de qualquer coisa. Com a mão direita de fora da maca, tocava no que me rodeava e conclui que estaria no chão pois sentia uma superfície fria e lisa.

As pessoas passavam por mim mas não ligavam nenhuma. As dores nos olhos e o rubor na cara era escaldante. Comecei por insultar quem por mim passava, chamando-lhes filhos desta e daquela, até que alguém, creio que era um sargento pois chamaram-lhe assim, veio ter comigo e perguntou a outros o que é que aquele homem estava ali a fazer. Responderam que estava à espera do oftalmologista. Era uma segunda-feira e o médico devia ter ido passar o fim de semana à ilha dos Bijagós. Mas o sargento ordenou que eu fosse de imediato ao RX para a eventualidade de ter algum estilhaço no corpo, o que felizmente não se veio a confirmar. O médico chegou e mandou-me para a sala de observações, onde permaneci três dias.

Foi iniciado o tratamento prescrito, que consistia na lavagem dos olhos várias vezes ao dia e mesmo durante a noite, mais umas injeções não sei para quê. Ao fim da tarde desse dia, ouvi passos que vinham na minha direção. Abeiraram-se da cama e uma voz perguntou: “Rapaz de onde és e o que te aconteceu?”. Reconheci logo a voz do General Spínola e resumidamente respondi. O acompanhante habitual do general era o Capitão Almeida Bruno, que me perguntou se eu sabia com quem estava a falar. Respondi que era o General Spínola e ele o Capitão Almeida Bruno. No dia seguinte voltaram a visitar a sala de observações, tomando conhecimento dos que chegaram nesse dia. Era do conhecimento geral, que desde sempre, os dois ao fim da tarde iam ao hospital quase todos os dias. De madrugada entrou alguém na sala a gemer e a berrar. Era uma parturiente que horas mais tarde deu à luz uma bebé.

O barbeiro do hospital, de dois em dois dias, ia-me fazer a barba e eventualmente aparar o cabelo. Para ir ao refeitório, nos primeiros dias, era acompanhado pelo cabo enfermeiro, que me ensinou a fazer o percurso sozinho. Saía da porta da enfermaria, dava quatro passos em frente atravessando o corredor e tocava na parede, virava à esquerda e caminhava uns tantos passos ao longo da parede até ao início da escada, depois à direita, descia seis degraus, contornava o patamar e descia mais seis degraus até à entrada do refeitório. Quando entrava diziam, lá vem o ceguinho, quem é que lhe vai dar a sopa na boca e cortar o bife? Obviamente que meter a sopa na boca era exagero, era uma brincadeira, mas o restante sim, precisava de ajuda. No trajeto inverso contava os mesmos degraus e dava os mesmos passos. Na cama não podia estar de barriga para cima, porque a deslocação de ar provocado pelas enormes pás das ventoinhas colocadas no teto, ao bater nas pálpebras agravava as dores.

Outro problema, o correio. Não podia ler nem escrever, mas consegui uma boa solução para o resolver. O furriel Oliveira Miranda do 4.º Pelotão, andava na consulta externa do hospital, em tratamento da fratura de dois dedos sofrida aquando do rebentamento da mina de 24/07/69. Ia ao SPM (Serviço Postal Militar) levantar o seu correio e trazia o meu. Lia as minhas cartas e ajudava-me a responder. Colocava a minha mão direita que agarrava a esferográfica sobre a primeira linha do papel de carta e vagarosamente começava a escrever. Ao chegar ao fim de cada linha ele dizia, devagar pois vais ter de mudar de linha. Os meus pais não sabiam o que tinha acontecido. Escrevi dizendo que estava em Bissau a tratar de assuntos da companhia. Estava esperançado em voltar a ver, a curto prazo, adiando sempre contar a verdade. Só que o meu pai soube de uma forma abrupta, que mais adiante vou referir.

Às terças e quintas feiras recebíamos a visita das senhoras do Movimento Nacional Feminino e da Cruz Vermelha, respetivamente. Conversavam connosco dando-nos apoio moral, mostravam-se disponíveis para resolver alguma dificuldade e tomavam nota do que nos fazia falta, para eventualmente a satisfazer. Na expetativa de a breve prazo voltar a ver, pedi um estojo de barba. Na semana seguinte fui contemplado com o dito estojo, que me foi entregue por uma senhora e pelo conhecido artista Marco Paulo. Nestas entregas normalmente faziam-se acompanhar de figuras públicas, artistas, cantores, futebolistas e outros.

Ao iniciar a quarta semana de internamento, comecei a sentir melhoras, a manter os olhos abertos durante instantes e dores residuais. Numa ida à casa de banho, ao passar junto dos espelhos, parei diante de um e consegui ver a cara, muito desfocada mas vi. Era sinal que estava no bom caminho e chorei de contente. Nessa semana melhorei substancialmente e como tive conhecimento de que as coisas em Nova Sintra, não estavam a correr da melhor maneira, incluindo a gestão do depósito de géneros, de que era o principal responsável e fui pedir alta ao médico. Ela ficou surpreso e disse: “Oh homem você é maluco, quer ir outra vez para aquele buraco?” À minha insistência ele acedeu, prescrevendo as gotas que devia continuar a aplicar e uns óculos escuros. Tive alta e saí do hospital.

Fui ao Serviço de Transportes solicitar transporte aéreo, porque a pé nunca mais, nem que tivesse de alugar uma avioneta civil. Estava ansioso por voltar a Nova Sintra, acrescido do facto de não ter dinheiro para umas cervejas. Tive a sorte de encontrar o furriel Barriga Vieira, que acabara de chegar de férias e que me emprestou algum.

A primeira coisa que fiz ao chegar ao quartel foi consultar as ordens de serviço, para verificar como estava referido o acidente. Estava só no que dizia ao falecido Ventinhas e quanto a mim nada. Exigi ao alferes Carriço, que na altura comandava a companhia e ao primeiro sargento que o meu caso também fosse registado em ordem de serviço, o que foi feito. Esse documento foi anexo ao processo clínico do hospital e depois organizado um processo por ferimentos em combate.

Trabalhei bastante para repor a escrita em dia mas consegui.

Quanto ao modo como o meu pai teve conhecimento do sucedido foi assim. O Quim Marques, meu conterrâneo e amigo, estava destacado em Farim e tinha vindo passar férias a metrópole. Ele não sabia o que me tinha acontecido. No regresso à Guiné, o meu pai e a família dele, foram a Pedras Rubras despedir-se. No aeroporto o Quim, que era do Serviço de Material, encontrou o furriel do mesmo serviço da CCS do meu batalhão, que se conheciam por terem feito juntos a especialidade. O Quim na melhor das intenções, apresentou-o ao meu pai e disse, este meu amigo pertence ao batalhão do Aníbal. Na ânsia de informações a meu respeito, o meu pai perguntou-lhe, então conhece o Aníbal? Sabe como ele está? E não é que o camelo responde dizendo: “O seu filho está cego“!.. Quando ele veio de férias era a informação que havia em Tite. Não sei como o meu pai resistiu ao choque, pois era muito medricas e sofria do coração.

Dias antes tinha ido a minha casa o alferes Martinho, mostrando-se disponível para me levar alguma encomenda, tendo dito que eu estava em Bissau a tratar de assuntos da companhia e que estava bem. Mentiu a meu pedido. O meu pai chegado a casa vindo de Pedras Rubras, voltou ao Porto para ir tirar satisfações com o alferes. Quando chegou junto dele disse, o senhor alferes mentiu-me, pois acabo de saber que o meu filho está cego. O alferes ficou desarmado e disse: “Sim é verdade mas não é bem assim, menti a pedido do Aníbal e por uma boa causa. De facto ele foi vítima de um acidente grave, mas provavelmente na data de hoje já estará de regresso a Nova Sintra“, o que era verdade. Efetivamente já estava no mato, mais ou menos recuperado, mas ainda em tratamento ambulatório.

Então escrevi à família contando a ocorrência.

Na primeira vez que o amigo Oliveira Miranda me foi visitar ao hospital, eu ainda tinha marcas na cara provocadas pela projeção de areias e terra e disse que eu parecia um goraz de pinta.

De realçar, pela negativa, que o 1.º Comandante do Batalhão e os dois 2.ºs nunca me foram visitar ao hospital e o 1.º ia com frequência a Bissau pois tinha lá família.

Hospital Militar 241 - Bissau
Uma das enfermarias
Heliporto onde todos os dias chegavam feridos

(continua)
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Nota do editor

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terça-feira, 13 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26796: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (11): Uma jóia de criança; A Tombó; Abutres e pelicanos e As larvas de asa branca

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


36 - O NOSSO GUIA

O nosso guia chamava-se Bunka Turé. Homem franzino , com muitos anos de guerra e que muito nos ajudou. Vivia dentro do quartel na sua tabanca, na companhia de quatro mulheres e alguns filhos. Esta família e os miúdos Tomás Sanhá e o Hilla, eram a única população civil que tinhamos. O Bunka conhecia como ninguém toda a área da nossa jurisdição. Nós viemos e ele ficou continuando a guerra. Foi um dos muitos que foram fuzilados pelo PAIGC, após a independência.
A família do Bunka Turé
Uma das mulheres e um filho


37 - UMA JÓIA DE CRIANÇA

O Hilla era uma joía de criança. Devia ter doze anos, era bem constituído fisicamente e falava razoavelmente o Português. Ele o Sanhá e o Tomás eram os três jovens que consnosco conviviam, todos eles orfãos da guerra. O Tomás era o rebelde do trio. Por duas vezes tive o paludismo e com as febres altas e fraqueza total, não me permitiam levantar do beliche e nesses três a quatro dias, o Hilla não arredou pé da entrada do meu abrigo, sempre pronto a ir buscar qualquer coisa de que precisava, principalmente água. Corria todos os abrigos e esvasiava os filtros de água que podia e dava-me a beber, ou então pedia ao cozinheiro para ferver um jarro de água. Por vezes apetecia-me algo fresco, dava-lhe dinheiro e ia à cantina comprar água mineral em garrafa da marca “Perrier”, um luxo em tempo de guerra. Quando me separei dele para ir para Bissau e depois para casa, foi como despedir-me de um amigo adulto, com alguma emoção à mistura. Dei-lhe o meu relógio de pulso que usava desde os dez anos de idade e que fora oferta do meu padrinho quando fiz a comunhão solene. Ensinei-o a ler as horas. Espero que tenha passado incólume a mais quase quatro anos de guerra e que tenha constituído família e que à data de hoje se encontre bem.

O Hilla


38 - A TOMBÓ

A Tombó foi a nossa prisioneira em liberdade. Foi capturada no meio do capim, longe do aquartelamento e estaria provavelmente acompanhada por elementos do PAIGC, que se puseram em fuga, face à nossa aproximação. A presença dela foi denunciada pelo choro de uma bébé de poucos meses. Menina muito bonita, negra com feições da raça branca. Era afilhada de todos nós. A mãe andava no quartel sem qualquer vigilância e lavava a roupa de alguns soldados. Nunca tentou fugir. Em termos atuais, digamos que estava em prisão domiciliária.

O Furriel Miranda em amena cavaqueira com a Tombó
A bébé filha da Tombó


39 - ABUTRES E PELICANOS

À falta de carne o caçador António Soares abateu alguns pelicanos, mas poucos. Deram só para os camaradas do seu pelotão. Fizeram um ensopado e convidaram-me para o almoço, em troca das batatas. Mas não gostei, carne a saber a peixe nunca mais. Era expressamente proibido matar abutres, pois era quem fazia a limpeza das lixeiras. Eram o SUMA lá do sítio. Uma vez apanhámos um e à volta do pescoço atamos um cordel que segurava uma lata de coca cola com pedras lá dentro e ao esvoaçar fazia barulho. Dizíamos que era a nossa força aérea privada.


40 - AS LARVAS DE ASA BRANCA

Creio que era assim que se chamavam. Larvas ou moscas tinham asas brancas e compridas. Num único dia do ano, gerava-se um processo de transformação das ditas. Na noite desse dia as larvas entraram na messe de sargentos, atraídas pela luz duma lâmpada fluorescente e cobriram-na totalmente, ficando a sala à media luz. Nessa data encontrava-se entre nós um pelotão da Ccav 2443, em reforço da minha companhia. O furriel era o Oliveira, indivíduo apanhado pela clima. Com a mão direita raspou a lâmpada e apanhou uma quantidade grande de larvas e começou a tirar as assas e a comê-las e dizia, isto com wisky é que é bom. Não sei se apanhou alguma indigestão.

(continua)

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Nota do editor

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