
CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70
VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA
POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA
14 - PELOTÃO CAÇADORES NATIVOS 56
Quando chegamos a Nova Sintra não houve sobreposição com a companhia que lá estava, a CART 1743. Nós chegamos e eles partiram. Ficou o Pelotão de Caçadores Nativos n.º 56, constituído por quinze a vinte elementos. Foram eles que nos ensinaram a andar no mato, a conhecer trilhos e picadas e a indicar locais perigosos. Era malta fixe, de etnias diversas, com muitos anos de guerra.
Em reconhecimento da lealdade, o capitão Bernardo um dia chamou-me e lançou o repto de passarmos a dar-lhes alimentação gratuita. Disse-lhe que só fazendo uma experiência durante uma semana. Até essa altura adquiriam os géneros de que precisavam pagando-os.
Feita a experiência e as contas, verificamos que era possível e assim foi feito. A empatia entre nós subiu. O porta-voz deles era o Ansumame que tinha alguma formação escolar, veio ter comigo pedindo que eu fosse o fiel depositário do dinheiro de todos eles. Na secretaria havia um cofre pequeno que não estava a ser utilizado. Com a devida autorização superior passei a usá-lo. Criei envelopes individuais onde colocava o dinheiro e uma folha de conta corrente onde registava as entradas e saídas. Passei a ser banqueiro.
Aproximava-se a data prevista para nos deixarem e ir para outras paragens. Na véspera da partida, à noite, o Ansumame veio convidar-me para ir ao abrigo deles para a despedida. Quando lá cheguei, aqueles que não bebiam álcool, os muçulmanos, estavam sóbrios mas as outros nem por isso. Tive de os acompanhar ao beber um wisky e um copo de Drambuie.
No dia seguinte lá foram eles.
15 - PRIMEIRA VEZ DEBAIXO DE FOGO
O nosso batismo de fogo foi na noite de 22 de Março de 1969. Pela primeira vez ouvimos o matraquear da famosa costureirinha, espingarda automática com carregador redondo, bem como as granadas de morteiro e canhão sem recuo, que assobiavam ao sobrevoar o quartel e a rebentar para os lados da bolanha. Eles deviam estar, talvez a 1,5 klm de distância, mas na nossa ideia estariam a entrar pelo arame farpado. Dentro dos abrigos, através das friestas disparávamos a torto e a direito, o cheiro a pólvora e o fumo eram enormes. Passados alguns minutos começamos a ouvir o nosso capitão, percorrendo os vários abrigos, a berrar ordenando o cessar fogo. Provavelmente nessa noite ninguém dormiu receando nova investida.
Recordo que nesta data, dois conterrâneos faziam anos, a D. Maria Lucas e o Tonecas, tendo horas antes escrito ao amigo desejando um bom aniversário.
Nos vinte meses de permanência em Nova Sintra, fomos flagelados por dezoito vezes.
Abrigo do morteiro 81
A metralhadora Breda do 2.º pelotão
Cunhetes de munições do PAIGC
16 - EMBOSCADA VIRTUAL
No regresso de uma coluna a S. João a dado momento ouviu-se uma rajada. De imediato o pessoal saltou das viaturas e deitados na berma da picada, tomamos posição para ripostar.
Mais um fogachal dos diabos. Eu estava deitado ao lado do Bicho e os invólucros que saíam da sua G3 batiam na minha cara e sentia o quente do metal. Passados poucos minutos o alferes que comandava a coluna, apercebendo-se que o fogo era só nosso, mandou cessar fogo. Afinal o que se tinha passado? Só no quartel viemos a saber. O Xabregas afirmou que a tal rajada partiu da sua arma. Em cima da viatura com a arma destravada e com o dedo no gatilho, levou com um ramo de uma árvore na cara, provocando-lhe desequilibrio e o apertar do gatilho. Felizmente que a rajada foi na direção da mata, se fosse para o interior da viatura poderia ter atingido alguém.
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 1 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26636: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (5): Jogos de futebol e voleibol - Natal e Fim de Ano de 1969 e Hotel Miramar e Pensão Xantra