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terça-feira, 8 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26664: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (6): Pelotão de Caçadores Nativos 56 - Primeira vez debaixo de fogo e Emboscada virtual

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


14 - PELOTÃO CAÇADORES NATIVOS 56

Quando chegamos a Nova Sintra não houve sobreposição com a companhia que lá estava, a CART 1743. Nós chegamos e eles partiram. Ficou o Pelotão de Caçadores Nativos n.º 56, constituído por quinze a vinte elementos. Foram eles que nos ensinaram a andar no mato, a conhecer trilhos e picadas e a indicar locais perigosos. Era malta fixe, de etnias diversas, com muitos anos de guerra.
Em reconhecimento da lealdade, o capitão Bernardo um dia chamou-me e lançou o repto de passarmos a dar-lhes alimentação gratuita. Disse-lhe que só fazendo uma experiência durante uma semana. Até essa altura adquiriam os géneros de que precisavam pagando-os.
Feita a experiência e as contas, verificamos que era possível e assim foi feito. A empatia entre nós subiu. O porta-voz deles era o Ansumame que tinha alguma formação escolar, veio ter comigo pedindo que eu fosse o fiel depositário do dinheiro de todos eles. Na secretaria havia um cofre pequeno que não estava a ser utilizado. Com a devida autorização superior passei a usá-lo. Criei envelopes individuais onde colocava o dinheiro e uma folha de conta corrente onde registava as entradas e saídas. Passei a ser banqueiro.
Aproximava-se a data prevista para nos deixarem e ir para outras paragens. Na véspera da partida, à noite, o Ansumame veio convidar-me para ir ao abrigo deles para a despedida. Quando lá cheguei, aqueles que não bebiam álcool, os muçulmanos, estavam sóbrios mas as outros nem por isso. Tive de os acompanhar ao beber um wisky e um copo de Drambuie.
No dia seguinte lá foram eles.



15 - PRIMEIRA VEZ DEBAIXO DE FOGO

O nosso batismo de fogo foi na noite de 22 de Março de 1969. Pela primeira vez ouvimos o matraquear da famosa costureirinha, espingarda automática com carregador redondo, bem como as granadas de morteiro e canhão sem recuo, que assobiavam ao sobrevoar o quartel e a rebentar para os lados da bolanha. Eles deviam estar, talvez a 1,5 klm de distância, mas na nossa ideia estariam a entrar pelo arame farpado. Dentro dos abrigos, através das friestas disparávamos a torto e a direito, o cheiro a pólvora e o fumo eram enormes. Passados alguns minutos começamos a ouvir o nosso capitão, percorrendo os vários abrigos, a berrar ordenando o cessar fogo. Provavelmente nessa noite ninguém dormiu receando nova investida.
Recordo que nesta data, dois conterrâneos faziam anos, a D. Maria Lucas e o Tonecas, tendo horas antes escrito ao amigo desejando um bom aniversário.
Nos vinte meses de permanência em Nova Sintra, fomos flagelados por dezoito vezes.
Abrigo do morteiro 81
A metralhadora Breda do 2.º pelotão
Cunhetes de munições do PAIGC


16 - EMBOSCADA VIRTUAL

No regresso de uma coluna a S. João a dado momento ouviu-se uma rajada. De imediato o pessoal saltou das viaturas e deitados na berma da picada, tomamos posição para ripostar.
Mais um fogachal dos diabos. Eu estava deitado ao lado do Bicho e os invólucros que saíam da sua G3 batiam na minha cara e sentia o quente do metal. Passados poucos minutos o alferes que comandava a coluna, apercebendo-se que o fogo era só nosso, mandou cessar fogo. Afinal o que se tinha passado? Só no quartel viemos a saber. O Xabregas afirmou que a tal rajada partiu da sua arma. Em cima da viatura com a arma destravada e com o dedo no gatilho, levou com um ramo de uma árvore na cara, provocando-lhe desequilibrio e o apertar do gatilho. Felizmente que a rajada foi na direção da mata, se fosse para o interior da viatura poderia ter atingido alguém.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 1 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26636: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (5): Jogos de futebol e voleibol - Natal e Fim de Ano de 1969 e Hotel Miramar e Pensão Xantra

terça-feira, 1 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26636: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (5): Jogos de futebol e voleibol - Natal e Fim de Ano de 1969 e Hotel Miramar e Pensão Xantra

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


11 - JOGOS DE FUTEBOL E VOLEIBOL

Equipa dos graduados
Alinhados perante a tribuna
Bandeirola fiscal linha feita ramo capim
Entrada em campo dos graduados
Fase do jogo na área dos graduados

Sempre que a actividade operacional permitia, bem como as tarefas diárias dentro do quartel jogávamos à bola. Equipa de oficiais e furriéis contra soldados, pelotão contra pelotão, os do Porto contra os de Lisboa era pretexto para um joguinho. Recordo bons jogadores, o Aníbal Oliveira, o Cardoso , o Brito e furriel David Moreira que fora guarda redes do Tirsense. Nos primeiros três meses de comissão, enquanto tivemos a companhia do Pelotão de Caçadores Nativos, os jogos eram arbitrados por um dos seus elementos, o José Pedro da Silva que tinha o sonho de ser arbitro oficial. Como eu também era conhecido por Silva, o Zé Pedro conjugando os Silvas, dizia que era meu primo. O certo é que a minha equipa era normalmente favorecida. Eu era conhecido por Nóbrega, à época jogador do FCP e o Jardim por Humberto Coelho pois era benfiquista.
Menos vezes, porque havia menos aderentes, também jogávamos voleibol. Numa das vezes em pleno jogo foi iniciada uma flagelação ao quartel. Estávamos em campo aberto e a reação imediata foi correr e aterrar dentro dum abrigo de morteiro que estava desativado.
Resultado, cabeça contra cabeça, hematoma aqui e ferida acolá, mas nada de grave.
Voltando atrás, também no futebol por três vezes o jogo foi interrompido. De futebol passou a atletismo ao correr para as valas.

Fase dum jogo de voleibol. É só estilo
Equipa de graduados


12 - NATAL E FIM DE ANO 1969
Noite de consoada 1969
Convívio pós ceia
As morteiradas da meia noite 31/12/69

Ao jantar de Natal não podia faltar o bacalhau com batatas, mas sem legumes. Bolo rei, rabanadas e outras guloseimas nem vê-las, a não ser para aqueles que receberam encomendas da família. Tivemos pessoal em patrulha noturna. Dentro do quartel estivemos vigilantes e a jogar às cartas, sendo a lerpa o jogo dominante. Nesta noite a saudade da terra e da família é mais forte.
Na passagem do ano pouco há a referir a não ser que ao bater da meia noite mandamos para o ar na direção da bolanha três morteiradas.



13 - HOTEL MIRAMAR E PENSÃO XANTRA

Quando ia a Bissau, para não ficar a fazer serviços da guarda no quartel de Brá, ficava alojado no hotel Miramar ou na pensão Xantra. O primeiro ficava próximo da marginal do rio Geba. Hotel só de nome, nem pensão era, era sim uma espelunca. Mas como o nome Miramar me era afeto, por ser o nome duma localidade da minha freguesia natal, habitualmente ficava lá. As refeições fazia-as na mesa de um civil, que fora tropa lá e que se estabeleceu com uma oficina de automóveis. O empregado que servia às mesas era lento muito lento. Dizia o civil: “este gajo só tem três velocidades, devagar, devagarinho e parado “. Os quartos eram uma desgraça, havia a cama, duas cadeiras para pendurar a roupa e mais nada. O quarto de banho, melhor dizendo a retrete era única. As portas não tinham chaves. Uma das vezes fui para entregar documentos e dinheiro na Intendência. Levava uma pasta de cabedal embrulhada em jornais e amarrada com fios para desviar atenções. A repartição onde devia fazer a entrega já estava fechada.
Tive que a levar para a espelunca. Sem chaves na porta do quarto e com medo de ser assaltado, tive uma ideia. Retirei as notas da mala, meti-as num saco de plástico, esvaziei o autoclismo da sanita e coloquei lá dentro o saco. Tive o cuidado de colocar um papel dizendo “avariada”. Dormi com alguma preocupação. Na manhã seguinte refiz o embrulho e lá fui fazer a entrega.
Na pensão Xantra, estive lá duas vezes, ambas acompanhado pelo inseparável furriel Lima, quando chegamos a Bissau para ir de férias à metrópole.
Numa delas chegamos à hora do almoço esfomeados. Comemos que nem uns alarves. Tal como as cobras, depois de saciada a fome, fomos dormir uma valente sesta. No final da tarde com a digestão feita e descansados, prepararmo-nos para ir à baixa da cidade. Fomos impedidos de o fazer. A dona da pensão, a dona Xantra convidou-nos para a banquete de casamento duma das filhas que horas antes dera o nó com um alferes aviador. Convite imediatamente aceite e sem qualquer reserva. Voltamos a encher o bandulho e depois sim fomos até à baixa caminhando para fazer a digestão. Na manhã seguinte fizemos a viagem para Lisboa e depois para o Porto.


(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 25 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26615: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (4): Cantina - Encontros em Bissau e Entretenimento

terça-feira, 25 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26615: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (4): Cantina - Encontros em Bissau e Entretenimento

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


8 - CANTINA
Sala do Soldado

Em setembro de 1969, por determinação do capitão Loureiro passei a assumir a gestão da cantina, acumulando com a do rancho geral.
O capitão ao assumir o comando da companhia, verificou irregularidades, creio eu por desleixo e falta de jeito do, então, gerente. Fiz-lhe ver que era muito trabalho para mim. É que não havia máquinas de calcular. As contas eram todas feitas à mão. Só havia uma máquina de somar com alavanca, obsoleta e que encravava com frequência, dando origem a erros. Soli
citei a colaboração de um ajudante tendo o pedido sido aceite.

Iniciei a recuperação de algum prejuízo verificado nas gestões anteriores e mantive a escrita em boa ordem até final da comissão sala do soldado


9 - ENCONTROS EM BISSAU
Rua do hotel Miramar
22/11/70 dia operação Mar Verde
Comendo as boas ostras da Guiné

Dos conterrâneos e amigos que encontrei em Bissau, para além do Camarinha e do André, recordo o Quim Marques que estava destacado em Farim, o Zé Pimpão e o Forte Rei. 

O Zé fazia parte da companhia de transportes e efetuava colunas de reabastecimentos para o norte da Guiné. Tinha uma casa alugada, próximo do quartel de Santa Luzia, que partilhava com outros furriéis. Nessa altura um deles estava de férias e convidou-me para ocupar a cama dele durante a minha curta estadia, o que aceitei de bom grado, pois assim evitava ir para o quartel de Brá, onde com toda a certeza me punham a fazer serviços da guarda e eu não queria.

O Forte Rei era gerente de messe de sargentos no quartel de Santa Luzia, onde o encontrei. Eu tinha tido alta do hospital militar e aguardava transporte para o mato. Após um forte abraço fitou-me e disse, é pá estás magro como um cão. Contei-lhe o que me tinha acontecido. De imediato levou-me para dentro da messe, no seu modo espalhafatoso. No seu local de trabalho chamou por alguém e ordenou: “Ó pá trata da fome a este gajo”.

Durante os três dias em que lá estive fui tratado como um príncipe.

Não era conterrâneo, mas alferes da minha companhia. Era um “ bon vivant” e cedo se percebeu que não queria estar lá por muito tempo. Engendrou uma úlcera no estômago, tendo sido evacuado para o hospital militar. Numa das minhas idas a Bissau encontrei-o na 5.ª Rep, designação dada a um café/cervejaria situado na avenida principal e da igreja.

Dizia-se até que era um local frequentado por elementos do PAIGC, procurando ouvir conversas dos nossos militares. E não é que vou encontrar o alferes a comer ostras e camarão e a beber umas canecas de cerveja. Perguntei: ”então meu alferes a beber cerveja tendo uma úlcera?“. E ele respondeu: “ó pá está calado, tenho de a alimentar senão ela morre“. 

O certo é que foi evacuado para a Metrópole tendo terminado a comissão.


10 - ENTRETENIMENTO
O Duo Ouro Negro
Fazer a barba com uma catana
O Russo, o Americano e o Português

Para além dos espetáculos que de vez em quando fazíamos entre nós, num palco montado no estrado duma camioneta mercedes, fomos brindados em datas diferentes com a presença do Duo Ouro Negro e do Show de Leónida Mendes.

Os nossos eram abrilhantados com o acordeão do furriel Azevedo. Inventávamos rábulas, sketchs, contavam-se anedotas e é claro as cantorias. Eu era como sou agora, tímido e pouco falador, não alinhando muito naquelas coisas, era só espetador atento. Mas um dia pregaram-me uma partida. O organizador disse que um alferes ou um furriel tinha de ir cantar. Colocaram numa saca quinze papéis, supostamente com o nome de todos, para efetuar um sorteio..E o contemplado fui eu ,pelo simples facto de em todos os papéis estar escrito o meu nome. E assim tive de ir cantar, tendo escolhido “ó rosa arredonda a saia “.

Foi um sucesso !...

No espetáculo do Duo Ouro Negro, improvisamos um palco no estrado de dois unimogs juntos, enfeitados com ramos de palmeira e um pano de fundo com a inscrição de “Olimpia de Nova Sintra”. O pessoal vibrou com todos os temas cantados, sobejamente conhecidos de todos.

Em junho de 1970 recebemos o espetáculo de Leónida Mendes, que se fazia acompanhar do locutor da emissora nacional Fernando Correia, da cançonetista Isabel Amora e duma senhora que tocava orgâo. Estava uma tarde muito ventosa. Os toldos que cobriam o palco estavam presos por uma pedra. Uma rajada de vento mais forte derrubou a pedra que caiu em cima do orgão e a senhora, já com alguma idade, borrou-se toda de medo, pois julgava que estávamos a ser atacados. Passado o susto o espetáculo foi retomado, só com a letra das canções, pois o orgâo foi para a sucata.

Esporadicamente ia lá um foto cine exibir filmes. Duma vez foi o furriel Martins, que estava há pouco tempo na Guiné e era a primeira saída que fazia e estava cheio de medo. O tempo de permanência seria de uma semana, mas acabou por ficar duas por falta de transporte. Então vimos filmes de todas as formas e feitios. O de cowboys foi inicialmente visto da forma normal e depois em reprise foi totalmente exibido de trás para a frente. O pistoleiro e o cavalo primeiro morriam e só depois era disparado o tiro.

“Não sou digno de ti” é o nome do filme romântico que foi exibido. O protagonista era o italiano Gianni Morandi. Nas cenas mais escaldantes, o pessoal exigia que o filme parasse por alguns momentos. A Tombó, nossa prisioneira em liberdade, não tirava os olhos de espanto do ecrã e comentava o filme à sua maneira. Dizia que o Giani Morandi era o juve (rapaz), a namorada a bajuda e a mansão a tabanca. Transportava o que via para a sua realidade e dizia, o juve vai à tabanca da bajuda.

Depois da primeira semana o Martins ambientou-se, estava mais adaptado e calmo.
Apanhou uma bebedeira de tal ordem, que eu estive quase a ser vítima do seu estado de embriaguez. 

Na altura eu tinha um bigode farfalhudo e o dele era muito incipiente. Como éramos naturais de freguesias próximas, alguém lhe disse se não tinha vergonha de ter um bigode tão enfezado relativamente ao meu. O Martins enraivecido andou atrás de mim para mo arrancar pelo por pelo e tive de andar a saltar de abrigo em abrigo fugindo dele. Alguém o agarrou, deitou-o na cama e amarrou-o. Depois de aplicada uma injeção tranquilizante serenou e dormiu que nem um justo toda a noite. 

Na manhã seguinte levantou-se ainda com os vapores do álcool e saiu do abrigo. Viu o capitão Loureiro a fazer a barba, pegou no pincel, meteu-o à boca e disse: “ meu capitão este gelado está bom e é de baunilha! “. 

No fim da segunda semana deixou-nos já com saudades. Nos anos 80 encontrava-me com ele no Porto, ao balcão do banco onde trabalhava e recordávamos os tempos da Guiné e muito nos ríamos e ameaçava: “ não voltes a aparecer aqui com o bigode, porque qualquer dia ficas sem ele “. Soube que estava doente, pelos vistos seriamente, tendo falecido.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série d18 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26595: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (3): A Alimentação

terça-feira, 18 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26595: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (3): A Alimentação

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


7 - A ALIMENTAÇÃO

A cozinha “nova”
Refeitório do 3.º Pelotão
Gazela servida no dia Páscoa de 1969

A alimentação para 160 homens, pela qual eu era responsável, era má. Lá diz o ditado que sem ovos não se pode fazer omeletes, nem transformar pedras em pão. Não podia transformar o chouriço enlatado num bom bife. Todos os géneros alimentares vinham da Manutenção Militar de Bissau. Não havia população civil a quem, eventualmente, pudesse comprar o que quer que fosse. As populações mais próximas estavam em Tite a 20 Km, mas a estrada estava inoperacional tendo sido abandonada. Havia ainda, também a 20 Km, o destacamento de S. João que ficava defronte a Bolama, mas separado pelo largo rio. No inicio da comissão ainda cheguei a comprar galináceos e porcos, quando lá fomos buscar o primeiro reabastecimento, mas foi sol de pouca dura, porque o CIM em Bolama comprava tudo. Para além disso a estrada Nova Sintra a S. João estava normalmente minada e era por ela que as colunas de reabastecimento eram feitas. Lembro que por duas vezes nesta estrada foram acionadas minas que provocaram a morte a quatro camaradas e vários feridos, pelo que fazer uma coluna para ir às compras estava fora de questão.

Durante um mês, em vinte e sete dias eram fornecidas refeições à base de enlatados: chouriço, sardinha e atum de conserva, dobrada liofilizada, que era intragável, e eventualmente fiambre. As refeições de bacalhau eram sempre bem vindas, pena é que a Manutenção em Bissau, só fornecesse metade do que era pedido.

Uma vez por mês eram recebidos géneros frescos, (sardinha ou carapau, frango, ovos e alguns legumes), que tinham de ser consumidos em três dias, dada a precariedade das arcas congeladoras que funcionavam a petróleo e entupiam com facilidade. Luz elétrica só havia à noite. Durante esses três dias e à noite, dois homens faziam vigilância ao bom funcionamento das arcas. Um frango (por homem) podia dar para duas refeições, mas tinha de ser consumido quase de imediato, porque senão estragava-se. O grão-de-bico, o feijão frade e branco, o arroz e o esparguete, eram a base diária das refeições. Depois era só juntar o chouriço. Pela Intendência nunca nos foi fornecida carne de bovino ou de porco.

Era difícil gerir esta situação. Alguns soldados não a compreendiam e pressionavam o comando, mas nunca houve qualquer tentativa de levantamento de rancho. Em dada altura foi feita uma reunião entre os alferes, sargentos e furriéis para debater a questão. Foi decidido que eu fosse a Bissau comprar carne congelada, na Manutenção Militar ou em talho civil. Assim foi feito. Aproveitando a passagem semanal da avioneta de sector, que trazia e levava o correio, desloquei-me a Bissau. Consegui comprar alguma carne de vaca. Transportei-a na bagageira e banco traseiro de um táxi até à base de Bissalanca, onde aluguei uma avioneta civil. Depois carreguei as peças de carne, às costas, desde o táxi até à avioneta. Enviei uma mensagem para Nova Sintra para que as arcas ficassem vazias, diga-se, de Coca-Cola, Fanta e principalmente cerveja, o que constituía outro sacrifício. Chegado ao quartel e dada a temperatura e humidade, já não se podia dizer que a carne estivesse totalmente congelada. Dada a precariedade das arcas, alguma carne estragou-se e a restante teve de ser consumida à pressa. Chamava-lhe eu a tortura da carne. Meses depois repeti a façanha, só que desta vez estragou-se mais carne. Dada a dificuldade de conservação e os custos inviabilizaram novas façanhas.
Furriéis e a caça ao javali
O magarefe Feio a desmanchar javali
Pescadores com os sacos às costas

A caça tornou-se um filão a explorar. Liderada pelo António Soares (já falecido) foi criada uma equipa de caça. Conseguimos abater algumas gazelas, pois não havia animais de maior porte. Mas durou pouco tempo porque as gazelas desapareceram da região.

Em determinado dia uma equipa de caça constituída por furriéis, foi tentar apanhar javalis. Mas nem vê-los ou sinal deles. Os javalis que conseguimos apanhar foram através de armadilhas. Numa zona de mangais, onde à noite eles iam comer o fruto caído, era colocado um arame de tropeçar preso a duas árvores. Ao arame prendiam-se granadas de mão sem cavilha. Na procura de alimento os javalis tocavam no arame e as granadas explodiam provocando-lhes a morte. No quartel que distava mais ou menos dois quilómetros, ouviamos os rebentamentos e dizíamos: “amanhã temos carne fresca”. O Feio, magarefe na vida civil, tratava de os abrir, limpar e esquartejar.

Todas as gazelas e javalis foram para outras paragens. Em toda a comissão foram pouco mais de uma dúzia destes animais que conseguimos caçar.

Restava a pesca. Não havia barcos nem canas mas havia granadas de mão. Aproveitando a maré baixa do rio e as represas que se formavam, eram lançadas granadas e o rebentamento elevava no ar uma espécie de repuxo de água, juntamente com umas dezenas de peixes, que depois ficavam a boiar na água. Depois era só apanhar, meter em sacos de linhagem, amanhar e cozinhar. Esta atividade foi a mais duradoira.

Para além do infortúnio da falta de géneros frescos, havia um outro problema que agravava a situação: a deterioração de alimentos. Um bacalhau com batatas caía sempre bem, tal como batatas fritas e fatias de fiambre. Mas muitas vezes ao abrir um caixote de madeira com 25 quilos de bacalhau ou uma lata grande de fiambre estes produtos estavam totalmente estragados e lá se iam os petiscos.

No que diz respeito à batata, produto também muito fácil de apodrecer, dados os trambolhões que levava no transporte e a humidade, para evitar grandes perdas, dia sim dia não, dois soldados retiravam as podres das prateleiras.

Os ovos que recebíamos mensalmente, em doses razoáveis, também se estragavam muito. Numa das vezes, porque havia algumas dúzias com a probabilidade de deitar ao lixo e coincidindo com o Dia da Cavalaria, o 21 de Julho, também data do meu aniversário, resolvi antecipar o Natal, mandando confecionar rabanadas. E mais um azar aconteceu. Alguns soldados estavam a assistir à fritura das ditas, muito próximos das grandes fritadeiras, lambendo os lábios à guloseima, quando se iniciou uma flagelação ao aquartelamento. O pessoal na ânsia de procurar uma vala onde se proteger ou o seu abrigo, bateu com as pernas nas pegas das fritadeiras virando-as. Após o ataque e refeitos do susto, ainda se aproveitaram algumas que não tiveram contacto com a terra e restou o cheiro para consolar.

O pão. Tivemos dois padeiros. O primeiro foi o Pedroso de Almeida, que habitava no meu abrigo e dormia no primeiro andar do meu beliche. Teve dois azares. Num dia ao acender o forno com gasolina virou-se de costas e a chama queimou-o. Foi evacuado para o Hospital Militar em Bissau. O segundo foi-lhe fatal. Morreu no acidente do rebentamento da mina de 24 de julho de 1969.

O segundo padeiro foi o José Manuel Bicho que exercia a profissão na vida civil. A farinha, dadas as temperaturas e humidade elevadas criava muitos pequenos bichos e na peneira não era fácil tirá-los todos e alguns apareciam no pão. Dizia ele que todo o pão levava a sua assinatura.

Para amenizar o desagrado das ementas, resolvi mandar fazer tabuleiros grandes para ir ao forno do pão, com a chapa dos bidões de azeite. Conseguimos assar bacalhau com batatas, carne de caça e peixe da bolanha.

Aquando da tomada de posse e comando por parte do capitão Loureiro, foi verificada no depósito de géneros uma anomalia. Numa caixa de latas de leite condensado faltavam vinte. Eu não percebia a razão da falta, pois estava convicto que estava tudo correto. Indaguei e conclui que o André, também conhecido pelo metro e oito, fiel do armazém de géneros, de vez em quando retirava uma lata para alimentar a “sarita” uma pequena macaca, que era a nossa mascote. Era cuidada e tratada pelo Lomba que faleceu no dia 17/11/69, uma das vítimas do rebentamento duma mina anti carro. A sarita sentiu a falta do tratador e talvez por isso andava triste, não saltava e passados dias morreu.

Ainda relativamente à questão das arcas, conta-se como verdadeira a seguinte história. Determinada companhia, tal como nós, isolada no mato, tinha ficado sem arcas e frigoríficos e feito vários pedidos para que fossem substituídas. Em resposta a uma mensagem mais agressiva, por parte do capitão que estava no mato, a Intendência em Bissau, respondeu que Teixeira Pinto colonizara a Guiné sem frigoríficos, ao que o capitão retorquiu, solicito envio urgente de Teixeira Pinto.

Um mês antes de deixarmos o inferno de Nova Sintra, num reabastecimento de géneros, para além das rações de combate que havia requisitado, para a atividade operacional expectável e manter o stock, recebi a mais umas boas centenas de rações, com a agravante de algumas já terem excedido o prazo de validade e outras estarem quase. 

Era impossível consumi-las até à transferência do depósito de géneros à companhia que nos iria render a CCAV 2765, “Os Pica na Burra”. Servi-las em substituição da refeição quente, embora precária, seria estar a assinar a minha sentença de morte, pois o pessoal enforcava-me no embondeiro mais alto. Colocada a questão ao capitão e ao 1.º Sargento, foi decidido colocar as caixas com as rações de combate, viradas para a parede escondendo o prazo de validade.

Fiz a transferência do depósito ao vaguemestre “periquito”, que as “comeu de cebolada” mas tudo o resto estava em conformidade. Só que o 1.º Sargento deles não era burro e como já tinha feito outras comissões, resolveu confirmar a passagem do testemunho e deu com a marosca. Durante duas noites não dormi a pensar num eventual castigo e porque tinha colaborado numa situação que era contra os meus princípios, embora tivesse as costas quentes, pelo aval dado pelo nosso capitão. 

Os capitães e os 1.ºs sargentos das duas companhias chegaram a um entendimento e eu lá continuei a dormir descansado. Se revoltado estava com tudo por que passara até então, mais fiquei com os filhos da p... da Manutenção de Bissau, que no descanso do ar condicionado, em vez de comerem as rações de combate as enviavam para os escravos que estavam no mato, mas condicionado ao ar.
Ração combate n.º 20
Algum do conteúdo
Ementa n.º 1

(continua)
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Nota do editor

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terça-feira, 11 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26573: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (2): Partida para Nova Sintra - Chegada a Nova Sintra - Em Nova Sintra

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


4 - PARTIDA PARA NOVA SINTRA
Paragem no Enxudé
Cais de Bolama
Desembarque em Lala

A 3 de Março de 1969 a minha companhia foi transportada em duas LDM (lancha dedesembarque média). Fizemos uma primeira escala no Enxudé e depois aportamos a Bolama onde dormimos duas noites. Na manhã do dia 5 retomamos a viagem e depois chegamos finalmente a Lala, onde desembarcamos.

As LDM baixaram as empanadas sobre o tarrafo (arvoredo rasteiro) e ordeiramente fomos saindo. Iniciámos o primeiro trajeto por entre a mata verdejante. Às tantas ouviu-se um tiro. Foi o furriel Barriga, caçador nato, que não resistiu a atirar sobre uma gazela. O comandante do Batalhão, que nos acompanhava, queria aplicar-lhe uma sanção disciplinar (vulgo porrada) mas ficou-se pela advertência e um raspanete. Nova Sintra estava a seis quilómetros de distância



5 - CHEGADA A NOVA SINTRA
Vista aérea do quartel
Entrada em Nova Sintra
A messe de oficiais e secretaria

Finalmente chegamos e tive a primeira desilusão. Ao entrar dentro do arame farpado, parei e perguntei a mim mesmo: é aqui que vou viver durante seis meses? Na verdade, não foram seis, mas vinte. Os únicos edifícios à superfície, se lhes podia chamar assim, eram toscos e mal amanhados. Havia o abrigo dos oficiais, secretaria, cantina, depósito de géneros, transmissões e posto médico. Não havia camaratas mas sim abrigos subterrâneos, cobertos por troncos de palmeira com um metro de terra em cima e placas de zinco a fazer de telhado, tendo duas entradas nas extremidades, em zig-zag, para evitar eventual entrada de granadas. Estavam dispersos ao redor do quartel. 

Não havia refeitório único, pois cada abrigo tinha o seu, o que em termos de segurança era uma boa estratégia. Luz elétrica só havia à noite, fornecida por um gerador. Messe de sargentos também não havia e os furriéis estavam distribuídos pelos diversos abrigos. Quanto à latrina não digo nada, recuso-me. 

A pista de aviação era a descer e com muitos sulcos, principalmente na época das chuvas. As viaturas ficavam estacionadas na “garagem estrela “, a céu aberto. Também a céu aberto era a cozinha, tendo posteriormente arranjado uma solução melhor. A água era obtida numa fonte a dois quilómetros de distância. Enfim, um condomínio fechado, um resort, se quiserem, do tempo pré histórico.


6 - EM NOVA SINTRA
O meu abrigo/dormitório
A cozinha ao ar livre
Cantina/Depósito de géneros/material

A minha companhia foi destacada para Nova Sintra com a promessa de ao fim de seis meses ser feita uma rotação de companhias. Dizia o comando do Batalhão que era a mais bem preparada para enfrentar o primeiro impacto, liderada pelo capitão Bernardo, o mais jovem e mais bem capacitado relativamente aos outros dois capitães, da CCAV 2482 e CCAV 2484, destacadas em Fulacunda e Jabadá, respetivamente. 

Mas o azar bateu-nos à porta. No dia 11 de Julho de 1969, num trilho em direção a um acampamento IN, de madrugada, o capitão Bernardo pisou uma mina que lhe amputou uma perna e provocou ferimentos graves na outra. Foi o primeiro ferido e logo com tamanha gravidade. 

Ficamos sem capitão até Setembro de 1969. Nesse intervalo assumiu o comando o alferes Luís Martinho, dado ser o mais bem classificado entre os alferes. Esta perda ocasionou que ficássemos sem força para reivindicar a prometida rotação. Os outros capitães tudo fizeram para que assim fosse. Numa visita ao nosso aquartelamento, ouvi o capitão Morais, de Fulacunda os (BoinasNegras), onde estava o meu amigo e conterrâneo Fausto, dizer ao seu alferes Sousa e Silva, que o acompanhava, que iria fazer todos os possíveis para não levar os seus homens para aquele fim de mundo. O certo é que conseguiu, pois acabamos por ficar em Nova Sintra vinte meses.

 Depois tivemos mais dois capitães, desta vez, milicianos. Primeiro o capitão Loureiro e depois o capitão Gamado. O capitão Loureiro, natural de Cedofeita, no Porto, dizia que estava ali para ganhar dinheiro para poder terminar o curso de direito. Bom operacional, nas colunas e não só, ia sempre à frente junto dos picadores. As minas detetadas eram levantadas por ele e ainda foram algumas. O capitão Gamado estava descansado em casa, pois já tinha feito o tempo normal de tropa, mas foi mobilizado, dada a falta de oficiais do quadro.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 4 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26551: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (1) Formação do BCAV 2867 - Partida para a Guiné e Chegada a Bissau

terça-feira, 4 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26551: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (1): Formação do BCAV 2867 - Partida para a Guiné e Chegada a Bissau

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


1 - FORMAÇÃO DO BCAV 2867

No início de Dezembro de 1968 apresentei-me no Regimento de Cavalaria n.º 3, em Estremoz, a fim de ser integrado no Batalhão de Cavalaria 2867, destinado a servir na Guiné. A companhia seria a CCAV 2484. Porém, no primeiro dia de permanência em Estremoz, encontrei o alferes Luís Martinho, que trabalhava comigo na Tranquilidade e que iria fazer parte da CCAV 2483. Sugeriu a hipótese de eu solicitar a transferência de companhia, a fim de ficarmos juntos. Contactei o furriel vaguemestre da 2483, o Vasconcelos, que aceitou o pedido, até porque na 2484 também tinha alguém conhecido. Formalizado o pedido aos capitães das duas companhias, concretizou-se a transferência. Fui colocado na CCAV 2483, os futuros CAVALEIROS DE NOVA SINTRA.

Meses depois senti na pele que a troca me saíra cara. Isto porque fomos destacados para o aquartelamento de Nova Sintra, numa região inóspita, de difícil acesso, sem população, num aquartelamento sem condições e de muitos conflitos. Enquanto isso, ao Vasconcelos saiu a sorte grande. Foi para Jabadá, aquartelamento sobranceiro ao rio Geba, com instalações condignas e com menos sobressaltos.
Estremoz > Regimento de Cavalaria n.º 3
Desfile em Estremoz


2 - PARTIDA PARA A GUINÉ

A 23 de Fevereiro de 1969 partimos de Lisboa no navio Uíge. Tive na despedida, no Cais da Rocha de Conde de Óbidos, a presença do conterrâneo e amigo Belmiro Barbosa, que prestava serviço militar em Lisboa. A viagem durou cinco dias e correu bem, salvo o vomitar do primeiro dia. Todas as noites havia uma sessão de cinema e o pessoal empoleirava-se sobre todo o convés.

Navio Uíge
A despedida no Cais
A bordo
Refeição a bordo


3 - CHEGADA A BISSAU
Bissau à vista
O cais de Bissau
Início da avenida principal

Chegamos a Bissau na manhã do dia 1 de Março de 1969. Desembarcados, fomos transportados para o aquartelamento de Brá. No trajeto, na berma da estrada, os miúdos vendo que éramos novatos, estendiam o dedo indicador e diziam “salta periquito, salta “. Periquito é sinónimo de novato.

Chegados a Brá fomos encaminhados para as casernas destinadas à minha companhia. Dada a elevada temperatura e humidade, a que não estávamos habituados, encharcamos a farda de suor. Andava eu e o inseparável amigo Lima, furriel de transmissões à procura dum chuveiro, quando dei de caras com o primeiro Arcozelense. Era o Neca Camarinha, meu colega de carteira na escola primária. Ele já estava na Guiné há alguns meses e destacado em Bambadinca, na Intendência e ocasionalmente em Bissau.

À noite fui ao centro da cidade ter com o André, de Miramar, encontro previamente marcado pelos nossos pais que eram amigos. Ele prestava serviço na Força Aérea, na base de Bissalanca. Num café/cervejaria, próximo ao cais civil, estivemos a comemorar o encontro, comendo ostras e bebendo umas canecas de cerveja. Às tantas comecei a ouvir rebentamentos de granadas, som que se percebia vir do outro lado do larguissímo rio Geba e dizia o André “é para ali que tu vais “. Não foi o melhor cartão de visita, mas deu para entender o que me esperava.

Quartel de Brá
Salta periquito
Estrada de acesso a Brá

(continua)
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Nota do editor

Vd. post de 25 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26526: Tabanca Grande (567): Aníbal José Soares da Silva, grão-tabanqueiro n.º 898, ex-Fur Mil SAM, CCAV 2483/BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70)