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quinta-feira, 18 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22016: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte XIII: atividade operacional, dezembro de 1967 / janeiro de 1968, destaque para a Op Yungfrau, em Canjambari, Farim



Uma das armas pesadas apanhadas ao PAIGC pela 3ª CCmds na sua comissão de serviço no CTIG (1966/68)

Canhão S/R  (CSR) 82 B-10

Características desta arma segundo o nosso especialista de armamento, Luís Dias (ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74):

[Em inglês, B-10 recoilless rifle]

Tipo: Canhão Sem Recuo (CSR) B-10;
Origem: Ex-União Soviética:
Ano: 1954:
Calibre: 82 mm;
Comprimento: 1,660 m;
Peso: 85,3 Kg (71,7 Kg, sem rodas):
Elevação: -20º / +35°;
Alcance máximo: 4500 m;
Alcance prático: 400 m;
Capacidade de fogo : 5 granadas por minuto;
Guarnição: 4 elementos;
Alinhamento por aparelho de pontaria: Colocado do lado esquerdo da arma e a funcionar por sistema óptico;
Funcionamento: Percussão do cartucho, após carregamento por abertura da culatra;
Munição: Vários tipos de granada explosiva: por exemplo, BK-881 HEAT FS de 3,87 kg ou BK-881M HEAT-FS 4.11 kg (, velocidade de saída: 320 metros por segundo);
Velocidade de saída: dependia do tipo de granada (que podia penetrar até 240 mm de blindagem).



1. Começámos a publicar, em 17/11/2020, uma versão da História da 3ª Companhia de Comandos (Lamego e Guiné, 1966/68), a primeira, de origem metropolitana, a operar no CTIG. (Hão de seguir-se lhe, até 1974, mais as seguintes: 5ª, 15ª, 16ª, 26ª, 27ª, 35ª, 38ª e 4041ª CCmds.)

O documento mimeografado, de 42 pp., que nos chegou às mãos, é da autoria de João Borges, ex-fur mil comando, já falecido (em 2005), e que vivia em Ovar. Trata-se de um exemplar oferecido ao seu amigo José Lino Oliveira, com a seguinte dedicatória: Quanto mais falamos na guerra, mais desejamos a paz. Do amigo João Borges".

Uma cópia pelo José Lino foi entregue ao nosso blogue para publicação. (*)



História da 3ª Companhia de Comandos
(1966/68)

3ª CCmds
(Guiné, 1966/68) / João Borges

Parte XIII (pp. 32 - 33)

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sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20030: (In)citações (138): A minha Guerra da Guiné: a Leste, algo de novo... (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) datada de 31 de Julho de 2019:

A propósito

A minha Guerra da Guiné: a Leste, algo de novo… 

Ambos objectivados para nos matarmos uns aos outros, o canhão russo s/r 82B-10 e a sua granada, do PAIGC, eram uma espécie de trambolhos, sem estética, ao passo que o nosso canhão s/r NATO M40 era elegante e a sua granada a beldade do nosso paiol. O deles era de tracção humana e matava-nos, porque o alombavam para qualquer sítio; o nosso, era de tracção automotora, e não matava, porque “era malandro, não ia para o mato”.

Em Buruntuma tivemos por companhia um canhão s/r M40-10,6, a mãe das Armas Pesadas da nossa Infantaria, a mais viril das armas de todos os exércitos, antes e depois da “igualdade do género”, montado na longitudinal à carroçaria dum jipe Willis, que nos exigiu 4 espaldões elevados, um em cada ponto cardeal daquela tabanca, construções de alvenaria granítica, projectadas e dirigidas pelo Furriel Manuel Simas, material raro na Guiné Portuguesa, cuja maior parte ousamos “expropriar” à Guiné-Conacri, com o camião Renault requisitado à Casa Pinheiro, com a matrícula GN sobreposta à matrícula G, circulando impunemente pela estrada asfaltada da Guiné-Conacri, a transportá-la duma pedreira abandonada por colonos franceses.

O CSR M40 10,6 cm colocado num Jipe. Buruntuma 1973
 Foto: Com a devida vénia ao camarada Luís Dias - HISTÓRIAS DA GUINÉ 71-74 - A C.CAC 3491-DULOMBI

A sua dotação orgânica era apenas de 2 granadas, uma economia impositiva, não pela beleza estética do seu conjunto, mas porque custava 8.000$00 cada, preço FOB e pagos em dólares, – o soldo mensal de 1 capitão ou de 2 alferes, ou o vencimento de 3 furriéis ou o pré de 80 soldados. O montante da “Folha de férias” dos 150 militares da nossa Companhia equivalia ao custo das 2 granadas!

Pelas suas 4 “casas rústicas”, pelo custo das suas granadas, pela independência do seu paiol e pela sua exclusividade ao nosso capitão, quando ele passeava o canhão pela tabanca (a treinar e a impressionar a população), comentava-se na gíria de caserna “o nosso comandante anda a passear as duas “p… caras”.
O canhão nunca foi disparado, as 2 granadas eram reservadas às duas Panhard dos nossos vizinhos guineanos. No inventário da rendição, o seu “mapa de carga” registava a existência de 2, mas deixamos 18 de herança à CCaç 1418, que nos foi render em Maio de 1966! O milagre da multiplicação foi assim. O SINTREP ou lá o que era que relatava os ataques, requisitava a sua reposição, tudo nos conformes, – e lá vinham mais 2 granadas…

A fronteira internacional de Buruntuma tinha sinalética, uma placa de betão do legado do nosso “antepassado” Jorge Ferreira (e virtuoso fotógrafo de “bajudas”), e, do lado de lá, em Kandica, bem pertinho, à distância de apenas de 1,5km, estava aquartelada uma unidade de pára-quedistas da Rep. da Guiné-Conacri, comandava-a um jovem e comunicativo tenente. As patrulhas cruzaram-se por duas ou três vezes, com o pequeno rio Piai em separador, trocávamos continências vistosas, uns amistosos e uníssomos “bonjour!”, dávamos-lhes cigarros “Português Suave” e cerveja Sagres, que eles retribuíam com abacaxis, evidenciando privações.
As patrulhas e o seu tenente deixaram de ser vistas, constava que, por denúncia do PAIGC, o tenebroso Skou Touré mandara-o prender e fuzilar, notícia coincidente com o seu decreto dele a criar uma faixa com o fundo de 15Km, em terra de ninguém, para a maior manobra do PAIGC, o nosso Estado-Maior deu-nos o alerta e fez chegar à Companhia fotos do tal canhão s/r russo 82B-10, rodeado de guerrilheiros, que não chegamos nem a ver nem a experimentar, um prenúncio do seu uso de armamento pesado, o fluxo de cidadãos guineanos entrou em decadência e Buruntuma ficou isolada – uma ilha rodeada de IN por todos os lados. Evidências da parceria dos dois líderes e da sua determinação em nos infernizar a vida à mão armada. E nós não deixamos de proceder em conformidade…

Canhão s/r russo 82B-10
 Foto: Carlos Vinhal

No quadro das minhas funções de instrução e comando de milícias e de Apsico (Acção Psicossocial) junto da população, coube-me fazer o levantamento e a estatística do gado vacum, roubado pelo PAIGC às tabancas da quadrícula de Buruntuma, e, baseando-me nas quantidades reclamadas nas queixas das populações, refugiadas desde Cundagá, a Ajango e até Catabá, o roubo de gado na área da nossa quadrícula aproximava-se das 10 000 cabeças! Naquele tempo, na sua Frente Leste, o PAIGC era bem-sucedido como ladrão de gado e mal sucedido na subversão e pior como “libertador”, o que provocou a perda da vida a dois dos seus comandantes – primeiro Vitorino Costa e, depois, Domingos Ramos.
Então foi organizado e treinado à moda dos “comandos” um pequeno grupo de voluntários, que passou à acção do outro lado com a táctica do olho por olho e dente por dente, sob o disfarce de “bandido”, munido de armamento capturado, com os brancos a enfarruscar o rosto com fuligem dos caldeirões do rancho.

Na “operação vaca” não se recapturava manadas, apenas 1 ou 2 cabeças, menos por razões de manobra e logísticas, mas para encobrir outra: a quantidade implicava a restituição aos lesados, que, depois, não as vendiam – por serem o símbolo da importância social de cada um, em relação aos “homens grandes”, e a moeda para a “compra de bajuda” (moça), em relação aos “djubis” (os moços). A malta da “patrulha da vaca” amealhava bons “pesos”, mas, enquanto não foi extinta (o seu efectivo ameaçado com uma “porrada”), a carne de “vaca de bandido” não faltou ao passadio da tropa, nem à “vianda” das milícias e das mais de 5 000 almas residentes, naturais e refugiados, nessa grande tabanca de fulas e mandingas, um triângulo incrustado e linha da fronteira com a Guiné-Conacri.
No contexto da sua perseguição ao fulas guineanos, prolongamento dos da Guiné Portuguesa e seus oposicionistas, a “germanderie” de Skou Touré matava, mas, havia sempre alguns que corriam os riscos, circulando nessa terra de ninguém para aceder às lojas e ao serviço de saúde da tropa portuguesa, em socorro da sua penúria, enquanto a acção da nossa “patrulha das vacas” criava a conjuntura do açular dos cães da animosidade entre guinéus e os “bandido” bissau-guineenses. Nunca vi gente tão miserável e esfarrapada como esses cidadãos guineanos, que arriscavam a vida para chegar a Buruntuma, em demanda dos bens de primeira necessidade.
A “patrulha da vaca” manteve-se activa, até ao dia em que, já próximo da nossa rendição, se deixou seduzir pela mais formosa e melhor nutrida vitela, jamais vista nos nossos encontros com manadas de vacas a pastar em território inimigo, - uma cilada para os apanhar à mão; safaram-se todos e incólumes, graças ao “calo” de combatentes e, sobretudo, ao desembaraço do nosso cabo da milícia Mamadu Jaló, aliviando-se do incómodo da pesada fita de munições com rajadas da sua MG 42, rompeu o cerco e cortou ao meio os dois primeiros pára-quedistas IN que surgira na “exploração do sucesso”.
Em quase 2 anos da vida de combates pelos quatro quadrantes da Guiné, nunca tínhamos feito uma retirada tão acelerada, esta também com a cobertura da sorte: reencontramos a vitela da nossa desgraça no nosso caminho, escoltámo-la até Buruntuma, como troféu do nosso contentamento, mas o vagomestre só pagou “um preço justo”, depois de ameaçarmos a sua libertação… Mas a coisa ficou preta!

Os dois grupos de milícias, de 30 elementos cada, eram comandados por mim e pelo saudoso camarada e amigo Manuel Simas – deixou-nos há pouco, que Deus o tenha –, continuamos a “frequentar” o outro lado em reconhecimentos e, pela detecção de alterações das rotinas, no quartel de Kandica, recebemos a incumbência, a minha da segurança e apoio, a dele, de medir distâncias, de o mapear e de mapear suas acessibilidades.
Éramos apenas 4, iniciamos a nossa missão ao início da tarde, progredindo pelo lado da tabanca queimada e desabitada de Catabá, pela calmaria, em que toda a gente se recolhia, o calor a rondar os 50 graus e a humidade do ar os 98%, passo a passo, ou melhor: a rastejar. Enquanto evoco esta memória, sinto os mesmos calafrios, já velhos de mais de 50 anos, dos minutos que pareceram eternidade, em que estive colado ao chão, escondido na grande plantação de abacaxis, do outro lado da estrada que servia a sua porta de armas, a uns 30 metros das duas corpulentas sentinelas, a ver-lhes as botas de cano alto até ao joelho, a boina vermelha no “catulo” e a pistola-metralhadora a tiracolo.
Emitido pelo nosso rádio o sinal convencionado, a malta dum dos nossos morteiros de 81 mandou uma morteirada de reconhecimento, a granada explodiu longe e muito ao largo, soou a cornetada do “à rasca”, aquele quartel entrou em desassossego, as sentinelas desapareceram e a porta de armas fechou-se.

No dia seguinte, o Manuel Simas, que virá a notabilizar-se nos Estados Unidos, nas esculturas de ossos de baleias e de cachalotes e, depois, como docente na Escola Secundária de Ponta Delgada, entregou ao capitão a planta das acessibilidades e do aquartelamento, devidamente assinados o posto de transmissões, a caserna, o paiol, o parque das 2 Panhard, etc. e os azimutes e as estimativas da distância de tiro, pelos quais ele determinou as coordenadas de tiro dos 3 morteiros de 81 e desse canhão s/r M40.

Ao corrente da iminência da nossa rendição, os IN´s da outra banda tornaram-se recorrentes em nos fazer chegar as ameaças que nem todos estaríamos vivos à data da partida para Lisboa, pela sua vingança do combate e da captura daquela sedutora vitela.
Mas o Capitão Fernando Lacerda, um brioso oficial da Cavalaria clássica e estereótipo da valentia em combate – nunca se lançara ao solo, ironizando que “não queria sujar a farda”, estava à altura das circunstâncias e obviou-nos o problema.
Por analogia com o ardil que o oficial de Cavalaria Marechal Rommel montara no deserto egípcio de Al Amim, e que confundiu o Marechal Montgomery, ele mutilou os camiões, unimogs e jipes das suas panelas e tubos de escape, mandou-os circular em alta aceleração pelo perímetro de Buruntuma, da alvorada à noite, o seu escape livre a roncar em altos decibéis, para IN ouvir, da alvorada à noite, postou exploradores das milícias de vigilância ao troço crítico, na estrada do Gabú, entre Buruntuma e Ajango, que o mantiveram a par das emboscadas montadas pelo IN, e este, de desmobilização em desmobilização, acabou por desistir, com essa roncadura activa, prolongada até ao dia da nossa rendição.

As viaturas da CCav 703 tinham iniciado a sua roncadura pela alvorada, os cães, que, atraídos pelo cheiro do rancho, orbitavam o estacionamento, organizaram-se em matilhas e faziam o seu coro a ladrar, a CCaç 1418 chegou de Nova Lamego em nossa rendição, o pessoal foi rápido na desestiva da deles e na estiva da nossa tralha e a CCav 703 fez-se à estrada do Gabu e foi passar uma curta nomadização em Fá Mandinga, que não foi de estágio, mas problemática, a maior estação agrária da Guiné, ora área em subversão, praticamente ao abandono, que havia sido a menina dos olhos de Amílcar Cabral, enquanto engenheiro agrónomo do governo provincial, cujas instalações virão a ser reconvertidas em aboletamento da 1.ª Companhia de Comandos Africanos, a menina dos olhos do General António de Spínola e viveiro de alguns heróis nacionais, estou a lembrar-me do João Bacar Jaló e do Marcelino da Mata.
Ao aperceberem-se do logro, os IN´s da outra banda juntaram-se, montaram um cerco em meia-lua a Buruntuma e lançaram um denso ataque, com a base em Kandica, e o seu novo comandante, Capitão Gonçalves (?), na posse dos nossos dados, enquanto se defendia em proximidade, mandou os morteiros de 81 e aquele canhão s/r vomitar granadas e terão sido as nossas 18 “p… caras” que calaram o ataque. O nosso levantamento e a competência do Furriel Manuel Simas tiveram consequências: Kandica ficou arrasada, as suas acessibilidades revolvidas até às entranhas, as baixas humanas terão sido numerosas, e o primeiro momento da internacionalização da Guerra da Guiné havia acontecido.
Então o governo de Conacri e o PAIGC objectivaram todo o seu potencial bélico pela destruição e ocupação de Buruntuma, obrigando o Comando-Chefe General Arnaldo Schulz a investir as suas reservas de Artilharia, de tropa normal, de comandos, fuzileiros, pára-quedistas na defesa dessa quadrícula, a oportunidade para os “guerreiros do ar” de Bissalanca demonstrar a sua perícia no lançamento das suas “bilhas”.

A Guerra da Guiné privou-nos “dos anos o doce fruto” da vida, mas partimos e chegamos a Lisboa, mais mortos que vivos, macilentos, mirrados, só pele e osso e exaustos, e “Buruntuma um dia será grande”, citando o Jorge Ferreira.

Outra conclusão e com penumbras. Se, em 1965, Lisboa nos impusera um apertado racionamento ao gasto das granadas desse nosso canhão s/r, pelo seu elevado custo, quando os capitães da guarnição da Guiné iniciaram a sua reconversão em conjurados, em 1973, com a criação do MOCAP (Movimento dos Capitães), os conselheiros militares da União Soviética junto do PAIGC propuseram a Moscovo que reconsiderasse os fluxos do fornecimento gratuito das granadas do canhão s/r russo e do outro armamento pesado, pela sua alta taxa de desperdícios e por a sua relação custos/benefícios se oferecer muito negativa.

Indício de prova e um recado à nossa História Contemporânea: se, em 1973, a coisa não estava muito branca para os capitães da Guiné, impelindo-os a essa “insubordinação castrense descontrolada”, estava a ficar muito preta para o PAIGC, impelindo-o a criar a crise dos “três G´s” – eram 3 G´s, um P (Pirada) e um B (Buruntuma). Como falhou estes dois, o resultado da primeira ronda foi: PAIGC (Guileje) 1 – FA portuguesas 4, mas o resultado final foi: PAIGC 1, de derrota em derrota - FA portuguesas, 0, pela vitória do MFA.
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P20003: (In)citações (137): Obrigado, amigos/as e camaradas, pelos votos de parabéns que me deram ao km 73 da minha "picada da vida" (Jaime Silva)

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P20007: In Memoriam (344): António Duarte Parente, 2º srgt inf, Pel Caç Nat 53, falecido no HMP, em Lisboa, em 12/7/1970, vítima de acidente com canhão s/r, russo, 82 B-10, no Saltinho, em 13 de maio de 1970, ao tempo da CCAÇ 2701... Era natural do Fundão, foi inumado na Covilhã (Paulo Santiago / José Martins)



Guiné > Região de Gabu > Piche >  Setembro de 1968 >  Canhão s/r M40 106 mm, de origem americana, montado em jipe... Era uma arma pesada de infantaria.. Foto do álbum do artilheiro João Martins (ex-alf mil Art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69), que só lidava com os obuses 14...

Caraterísticas da armas (**):

Origem: EUA;
Ano: 1954;
Calibre: 105 mm (,embora fosse comhecido pelo 106, para se distinguir da versão anterior, M27, que se revelou um fiasco, também de calibre 105 mm);
Comprimento: 3,040 m;
Peso: 209,5 kg;
Altura: 1, 12 m;
Alcance máximo: 6870 m;
Alcance prático: 1350 m;
Capacidade de fogo: : 1 granada por minuto;
Alinhamento do aparelho de pontaria:: Colocado do lado esquerdo da arma, ao lado da espingarda M8.
Funcionamento: O projéctil está ligado ao cartucho perfurado, como numa munição de arma ligeira, para um melhor alinhamento, carregamento e extracção do cartucho. O cartucho está perfurado para melhor saída dos gases, após o disparo, evitando o recuo da arma.
Munição: Granada explosiva HEAT 106 x 607 mm
Velocidade de saída: 503 m por segundo (podendo penetrar 400 mm de blindagem)

Fotos (e legendas): © João José Alves Martins (2012). Todos oas direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Resposta do Paulo Santiago, ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 53 (Saltinho e Contabane, 1970/72), ao Jorge Narciso (ex-1º Cabo Especialista MMA, Bissalanca, BA 12, 1969/70) que conhecia o 2ºsargento A. Duarte Parente, justamente do Saltinho, e que faz parte da guarnição do heli AL III que fez a sua evacuação para o HM 241, em Bissau (" talvez, a evacuação mais penosa das incontáveis que realizei na Guiné: desde logo pelo seu gravíssimo estado físico (completamente crivado); pelo seu estadoemocional, com a sua lúcida compreensão da sua situação clínica;  finalmente porque era alguém com quem mantinha uma relação, diria de quase amizade, o que exponencia largamente o nossas próprias emoções") (*):

Caro Jorge Narciso:

Vou tentar contar o episódio de que falas (**) , que aconteceu já depois da saída, do Saltinho, da CCAÇ 2406, a que pertenceu o António Dias [. O CCAÇ 2406, "Os Tigres do Saltinho", 1978/70, pertencia ao BCAÇ 2852, com sede em Bambadinca].

A tragédia, confirmei agora a data com um camarada, deu-se no dia 13/05/70, quando já se encontrava naquele quartel a CCAÇ 2701. O 2º Sarg [António Duarte] Parente, o militar de que falas, não pertencia a nenhuma daquelas companhias, era um dos graduados do Pel Caç Nat 53, comandado naquela data pelo alf mil António Mota que eu fui substituir em outubro de 1970.


O canhão s/r 82 B-10, de fabrico soviético, usado em muitas

 guierras civis, uma arma hoje obsoleta  mas que foi o "canhão 
dos pobres"  (caso da luta de guerrilha do PAIGC). 
Exemplar existente no museu Batey ha-Osef,  Tel Aviv, Israel.
 Cortesia de Wikipedia.
O trágico acidente resultou de um disparo ocasional do Canhão S/R 82 B10 [, de fabrico russo,] naquele dia instalado no Saltinho, mais tarde foi comigo para o reordenamento de Contabane. (Por curiosidade: também nos primeiros dias de novembro  de 1970,  foi um heli ao Saltinho buscar, por ordem do Com-Chefe, o canhão s/r 82-B10. Voltaram a entregá-lo em dezembro. Tinha ido na invasão de Conacri, Op Mar Verde,  soubemos à posteriori.)

Ninguém tem uma explicação cabal para o sucedido. Havia ordens expressas para a arma estar sempre com a culatra aberta, e sem granada introduzida, parece que naquele dia havia uma granada introduzida,e a culatra estava fechada.

Como aconteceu? Junto da arma encontravam-se vários militares, o cap [Carlos] Clemente [, cmdt da CCAÇ 2710], o alf mil  [Martins] Julião,  o srgt Demba, da Milícia, 2º srgt  Parente e ainda mais dois ou três militares. A arma,  para disparar, granada na câmara e culatra fechada, accionava-se o armador, premia-se o gatilho, acontecia o disparo. Diziam que alguém tocara com o joelho no armador e dera-se o disparo...

O 2º srgt Parente estava logo atrás do canhão s/r, foi parar a vários metros de distância, e tu, Jorge Narciso, sabes como ele ía. Ficaram também feridos o cap Clemente, queimaduras numa mão e virilha, e o Demba, queimaduras numa perna. Foram também evacuados para o HM 241-

Como dizes,o Parente morreu passado um mês [, em 12 de junho de 1970, no HMP, em Lisboa]. 

Já como comandante do Pel Caç Nat 53, recebi uma carta da viúva, pedindo-me ajuda na resolução de um qualquer problema que agora não recordo.

Foi um dia trágico no Saltinho.Isto é, muito dramático, o Parente tinha recebido naquele dia um telegrama, via rádio, informando-o que fora pai de uma miúda...e andara na tabanca a comprar uns frangos para fazer um jantar comemorativo do nascimento...

Por sua vez, o alf mil Fernando Mota, da CCAÇ 2701, recebeu uma carta com a notícia que o irmão fora morto com um tiro da GF ]. Guarda Fiscal]. O Sarg Demba da Milícia irá morrer, dois anos mais tarde,  no Quirafo,  em abril de 72... 

Será que o Parente ainda viu a filha antes de morrer? Apesar de não o ter conhecido, é-me penoso falar desta tragédia.

Abraço
Paulo Santiago (***)


2. Dados recolhidos em tempos pelo nosso colaborador permanente, José Martins  (*):

(i) António Duarte Parente, 2º Sargento do Infantaria nº 50698311; 

(ii) natural da freguesia de Vale de Prazeres, concelho do Fundão;

(iii) filho de LuÍs Moreira Parente e Conceição Nascimento Duarte;

(iv) casado com Maria da Conceição EmÍlia da Silva Parente, 

(v) mobilizado no Regimento de Infantaria nº 14 em Viseu;

(vi) pertenceu ao Pelotão de Caçadores Nativos nº 53 do CTIG;

(vii) faleceu em 12 de junho de 1970 no Hospital Militar Principal (hmp), em Lisboa, vitima de acidente cm arma de fogo, no Saltinho, tendo sido atingido pelo sopro de canhão sem recuo em 13 de maio de 1970;

(viii) foi inumado no Cemitério Municipal da Covilhã.


3. CANHÃO SEM RECUO (CSR)  82 B-10 

Características desta arma segundo o nosso especialista de armamento, Luís Dias (ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74) (**):

[Em inglês, B-10 recoilless rifle]

Tipo: Canhão Sem Recuo (CSR) B-10;
Origem: União Soviética:
Ano: 1954:
Calibre: 82 mm;
Comprimento: 1,660 m;
Peso: 85,3 Kg (71,7 Kg, sem rodas):
Elevação: -20º / +35°;
Alcance máximo:  4500 m;
Alcance prático: 400 m;
Capacidade de fogo : 5 granadas por minuto;
Guarnição: 4 elementos;
Alinhamento por aparelho de pontaria: Colocado do lado esquerdo da arma e a funcionar por sistema óptico;
Funcionamento: Percussão do cartucho, após carregamento por abertura da culatra;
Munição: Vários tipos de granada explosiva: por exemplo,  BK-881 HEAT FS de 3,87 kg ou BK-881M HEAT-FS 4.11 kg (, velocidade de saíde: 320 metros por segundo);
Velocidade de saída: dependia do tipo de granada (que podia penetrar até 240 mm de blindagem);

Observações:

(...)  Quanto ao CSR 10,6 cm, esse era usado [, pelas NT,] , no tempo em apreciação, em situação defensiva, montado em jipes, assegurando a defesa de alguns aquartelamentos. Era uma excelente arma e montado no jipe poderia ser deslocado para acorrer a zonas do quartel que estivessem a sofrer um ataque. Poderia também ser usado em escoltas, em situações operacionais que o seu uso fosse ponderado (no entanto, nas zonas por onde andei, nunca vi nenhum ser utilizado desse modo). Sei que em aquartelamentos maiores a arma montada no jipe era transportada, às vezes debaixo de fogo, para a zona de onde o IN estava a lançar o ataque, por quem era responsável pela arma.

(...) O PAIGC utilizava essencialmente o CSR para defesa das suas instalações, mas também para flagelações aos nossos aquartelamentos e, por vezes, em emboscadas às nossas tropas, seja a colunas auto, seja a elementos apeados. 

(...) Em 17 de Abril de 1972, os guerrilheiros do PAIGC, comandados por Paulo Malu, emboscaram uma coluna da CCAÇ 3490 (Saltinho), na zona do Quirafo, recorrendo nessa acção à utilização de um CSR e foi o que já muito foi falado, uma das mais duras emboscadas, em termos de perdas de vidas, de toda a guerra na Guiné.

O CSR B-10 era uma excelente arma e relativamente manobrável para aquele tipo de cenário, daí o recurso ao seu uso por parte dos guerrilheiros. As forças portuguesas também utilizaram estes CSR (apreendidos) mas sempre no sentido defensivo.

Não esquecer que o uso deste tipo de armamento requeria os cuidados semelhantes aos que se tinham com os LGF, ou seja, aquando do disparo da arma, ninguém podia estar atrás da mesma, por causa do cone de fogo que lançava à retaguarda. (...)
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Notas do editor:

terça-feira, 23 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P20006: Estórias avulsas (97): quando ia ficando soterrado no abrigo do canhão s/r, 82-B10, de fabrico russo... Salvei-me por um triz... Afinal, ainda não tinha chegado a minha hora! (Martins Julião, ex-alf mil, CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72)


Guiné > Região de Bafatá > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > Destacamento de Contabane  (reordenamento) > Pel Caç Nat 53 (1970/72) > O Paulo Santiago com o canhão sem recuo 82 B-10, russo,  que esteve na origem do acidente que provocaria a morte do 2.º Sargento Parente (, apanhado pelo "cone de fogo" do canhão s/r disparado inadvertidamente por alguém)... A tragédia deu-se no dia 13/05/70, quando já se encontrava naquele quartel a CCAÇ 2701, que rendeu a a CCAÇ 2406, "Os Tigres do Saltinho" (1968/70). O 2.º Sarg Parente não pertencia a nenhuma daquelas companhias, era um dos graduados do Pel Caç Nat 53, comandado naquela data pelo alf mil  António Mota que eu fui substituir em outubro de 1970. O canhão s/r, apreendido ao PAIGC; foi mais tarde transferido do Saltinho para o reordenamento de Contabane (hoje, Sinchã Sambel).

Foto (e legenda): © Paulo Santiago (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)

Estórias avulsas > Quando ia ficando soterrado no abrigo do canhão sem recuo, de fabrico russo... Salvei-me por um triz... Afinal,. ainda não tinha chegado a minha hora!

por Martins Julião 
Brasão da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)

[ex-alf mil, CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72), membro da nossa Tabanca Grande desde 23 de julho de 2006 (*), e um dos "históricos" do nosso I Encontro Nacional, na Ameira, Montemor-o-Novo; empreário em Oliveira de Azeméis; espantosamente, ainda não temos nenhuma foto dele, à civil ou à militar, como mandam as NEP do blogue]

O almoço decorreu, como habitualmente, na nossa messe de oficiais e sargentos, onde o ambiente de camaradagem e de bom convívio era exemplar.

Após a refeição normalmente bebia-se um café com uma(s) dose(s) generosa(s) de whisky, mas era ao jantar que as libações eram superiores.

Como sempre estava o calor infernal da Guiné, abafado, húmido, dificultando a respiração e, entre as 12 e as 15 horas ninguém, em seu perfeito juízo, se atrevia a expor-se às suas violentas carícias, excepto quando as operações o exigiam.

Resolvi fazer uma sesta procurando fugir a este período de enorme desgaste.

Dirigi-me a um abrigo pequeno, chamado abrigo do canhão, onde na anterior companhia passava a noite a equipa que tinha por responsabilidade manusear um canhão sem recuo de fabrico russo, que fazia parte das nossas armas mais pesadas de defesa do aquartelamento e, que, provavelmente, participou no ataque a Conacri, pois durante um período de alguns meses foi-nos retirado, exactamente, no mesmo período em que decorreu a preparação e o referido ataque à capital da República da Guiné-Conacri.

Embora nos tenha deixado bastante apreensivos, durante esse período, uma vez que o armamento mais pesado era muito escassos , quando o recebemos ele vinha reparado e em muito melhor estado do que anteriormente. O canhão tinha imensas folgas o que tornava perigoso as operações de fogo, uma vez que provocavam fugas de chamas laterais, obrigando a sua guarnição a rigorosos cuidados de posicionamento.

O abrigo era pequeno: descia-se uma escada de cerca de 2 a 3 metros e no seu interior havia um beliche duplo e uma outra cama, ficando todo o espaço quase totalmente ocupado. O tecto era uma cobertura com troncos de árvores, flexíveis, duras e resistentes (cibes: um tipo de palmeira), terra e cimento a fechar o exterior.

Havia a pretensão de se afirmar que estes abrigos resistiam ao impactos das granadas inimigas, mas dificilmente se poderia acreditar nessa total segurança. Eu nunca acreditei , sobretudo após a terrível experiência por que passei.

Tirei a parte superior do camuflado e, em tronco nu, estiquei-me na cama paralela ao beliche ( 2 camas militares sobrepostas).

Lá dentro a temperatura não era tão fresca e agradável como se possa supor, mas era melhor estar debaixo de terra do que estar noutro local mais exposto. Talvez por esta razão não adormeci ou então não estava marcada a minha morte para esse dia.

Mantive-me acordado mas procurando relaxar e deixando a minha imaginação a vaguear por caminhos longínquos.

Num dado momento, ao passar a mão pelo peito nu, verifico que tinha uma muito pequena camada de areia sobre a pele. Passei a um estado vigilante e compreendi que caia uma fina camada de areia e terra sobre o meu peito, mas uma camada muito fina e intermitente.

Reagi de imediato; saltei da cama, peguei na parte superior do meu camuflado e corri para as escadas. Estava quase a chegar aos últimos degraus quando uma pancada violenta me atirou contra as escadas, ficando de barriga para baixo, quase esmagado, pelo peso da terra e dos troncos em cima das minhas costas. Apenas fiquei com a cabeça de fora e o braço esquerdo meio coberto.

Senti as primeiras dores sobre uma das pernas, que estava a ser submetida a uma pressão muito violenta,  comprimidas entre os degraus, suportando o peso pressionante dos escombros.

Tentei ver no exterior se alguém aparecia, mas seria muito difícil haver deslocações de soldados àquela hora, pois toda a gente disponível teria providenciado uma solução de abrigo do calor.

Não valia a pena gritar por socorro, pois ninguém me iria ouvir, dadas as distâncias entre a posição em que me encontrava e outros abrigos. Optei por esperar e ver se alguém passaria no meu campo de visão ou se dariam pelo colapso do abrigo.

Nesse período em que me encontrava imobilizado, naquela dolorosa posição, dei por mim a pensar se teria havido um milagre que levou à minha reacção ou se teria sido o meu rápido raciocínio a prever a derrocada em curso e me teria permitido escapar, no limite dos limites, para aquela posição, qual purgatório antes de uma libertação final.

Quando já não acreditava numa ajuda e as dores subiam de intensidade, eis que surge uma soldado mecânico, homem bom, de físico possante, mas francamente para o pesado. Quando me viu entrou em pânico e disse que ia procurar ajuda. A custo, consegui acalmá-lo e pedir-lhe para não chamar ninguém e fosse buscar uma pá, pois se aparecesse muita gente, na ânsia de ajudarem e de me tirarem debaixo dos escombros podiam partir-me a perna que se encontrava no limite da resistência e do sofrimento.

Lá o convenci e ele cumpriu escrupulosamente o meu pedido. Pouco tempo passado,  estava de regresso com a pá e, para cumulo da situação, passou sobre mim e posicionou-se sobre a terra e os escombros que me esmagavam.

Dei um berro valente, umas tantas asneiradas e gritei-lhe para sair de cima de mim. Expliquei-lhe que, com muito cuidado, procedesse à remoção da terra que cobria uma parte do meu braço esquerdo.

Concluído esse trabalho e libertado o meu braço, pedi-lhe que me desse a pá. Retirei cautelosamente uma parte da terra que me cobria permitindo assim poder-lhe dar indicações para ele, agora de novo com a posse da pá, me ir destapando e aliviando da terra e dos escombros.

Passado um bom bocado,  fiquei a salvo e pude-me levantar.  Nessa altura deu para ver que a minha perna esquerda estava muito maltratada e com ferimentos diversos, embora, felizmente, não muito profundos.

Agradeci ao meu salvador e dirigi-me ao balneário onde no chuveiro me limpei da terra agarrada à pele e de algum sangue. Depois dirigi-me ao posto médico, meio nu, e onde o nosso médico Drº Faria, bem como o furriel enfermeiro trataram das escoriações.

A perna inchou bastante nos dias seguintes e chegou-se a pensar que teria de ser evacuado para o Hospital Militar de Bissau, uma vez que, naquele clima as infecções , causadas por qualquer tipo de ferimentos, tendem a fazer perigosas patologias mas acabou por não ser necessário e passado alguns dias estava pronto para o meu dia a dia habitual.

Não tinha chegado a minha hora!

NOTA: O nosso capitão, na companhia do aguerrido e ilustre alferes ranger, chegaram um pouco depois, regressados do Xitole.
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Notas do editor:

quarta-feira, 7 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18387: (D)o outro lado do combate (21): "Plano de operações na Frente Sul" (Out - dez 1969) > Ataque a Bedanda em 25 de outubro de 1969 (ao tempo da CCAÇ 6, 1967-1974) - Parte I (Jorge Araújo)


Citação: (1963-1973), "Combatente do PAIGC com um grupo de jovens carregadores", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43743 (2018-2-11) 

Fonte: Portal Casa Comum > Fundação Mário Soartes > Arquivo Amílcar Cabral (com a devida vénia)



Infografia: Jorge Araújo (2018)



Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue, desde março de 2018



GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > "PLANO DE OPERAÇÕES NA FRENTE SUL" [OUT-DEZ'69] - ATAQUE A BEDANDA EM 25 DE OUTUBRO DE 1969 (AO TEMPO DA CCAÇ 6, 1967/1974) 

(Parte I)

1. INTRODUÇÃO

Nas duas anteriores narrativas [P18346 e P18350], tivemos a oportunidade de partilhar com o colectivo da «Tabanca» o calendário do "plano de acções militares" do PAIGC, aprovado para ser operacionalizado durante o último trimestre de 1969 nas regiões do Quinara e do Tombali, situadas na zona Sul da Guiné, envolvendo a mobilização de um numeroso contingente de guerrilheiros de infantaria apoiados por uma quantidade considerável de equipamentos de artilharia pesada, incluindo peças anti-aéreas DCK.

Aos oito ataques a diferentes aquartelamentos previstos nesse "plano", os seus responsáveis militares, nomeadamente Nino Vieira (1939-2009), decidiram acrescentar mais um, exactamente ao mesmo local com que abriram as hostilidades – Buba, em 12OUT1969 – com o objectivo de corrigir os fracos desempenhos registados durante a primeira missão do seu "exército" neste "programa", depois de ela ter sido considerada de "enormes fracassos". Esta nova acção/missão, classificada como sendo um segundo ataque a Buba, ficou agendada para o dia 10 de Dezembro de 1969, com a qual se daria por encerrada esta "campanha".

Recorda-se que a elaboração desta narrativa, como de todas as outras que fazem parte deste dossier, tem na sua génese o relatório "das operações militares na Frente Sul" [http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40082 (2018-1-20)], documento dactilografado em formato A/4, sem capa e sem nome do seu autor [mas que seguiremos em frente na busca da sua identificação], localizado no Arquivo Amílcar Cabral, existente na Casa Comum – Fundação Mário Soares. A esse documento base foram, ainda, adicionadas outras informações de diferentes fontes bibliográficas tendentes a ampliar a compreensão/explicação de cada ocorrência, gravadas nos dois lados do combate, instrumentos indespensáveis para o seu aprofundamento histórico.




2. AS ORIGENS DA CCAÇ 6 (COMPANHIA DE CAÇADORES N.º 6) – SUBSÍDIO HISTÓRICO

A CCAÇ 6 é a herdeira da estrutura orgânica da 4.ª CCAÇ (Companhia de Caçadores Nativos [ou Indígenas], esta criada e instalada primeiramente em Bolama em finais de 1959. Quatro anos e meio depois, em Julho de 1964, mudou-se para Bedanda, por necessidades operacionais, como resposta ao pedido de intervenção dos africanos no esforço da guerra. Foi aí, em Bedanda, que em 1 de Abril de 1967, decorridos três anos após a instalação dos seus primeiros efectivos, esta Unidade foi renomeada, passando a designa-ser por Companhia de Caçadores n.º 6 [CCAÇ 6 - "Onças Negras"].

Esta companhia de caçadores, constituída por praças africanas de Recrutamento Local, era enquadrada por oficiais, sargentos e praças especialistas oriundos da Metrópole, tal como as restantes que foram organizadas nessa época no CTIG, cumprindo os últimos o período da Comissão de Serviço obrigatório previsto na Lei. Quanto aos primeiros, estes mantinham-se, marioritariamente, ligados à sua Unidade de base, uma vez que um dos objectivos emergentes para a sua criação foi/era a segurança e/ou defesa das suas populações, estando implicita neste conceito a actividade operacional na luta contra os grupos da/de guerrilha armados.

Para além da CCAÇ 6, o Aquartelemanto de Bedanda dispunha também de um Pelotão de Canhões sem Recuo [PCS/R], de um Pelotão de Artilharia «obus 14 mm» [Pel Art] e de um Pelotão de Milícias [Pel Mil n.º 143] da etnia fula.

Devido à sua intensa e porfícua acção operacional realizada ao longo dos anos, com importantes resultados obtidos nas múltiplas missões que lhe foram confiadas, a Companhia de Caçadores n.º 6 [CCAÇ 6] viria a ser merecedora de uma condecoração atribuída pelo Governo Central ao seu Estandarte [Cruz de Guerra de 1.ª Classe], em cerimónia pública presidida pelo Chefe de Estado, Almirante Américo Thomaz (1894-1987), de homenagem às Forças Armadas Portuguesas, realizada no Terreiro do Paço, em Lisboa, no dia 10 de Junho de 1968, data que até ao «25 de Abril de 1974» era também conhecida como "Dia de Camões, de Portugal e da Raça".

Para que conste, eis a transcrição do texto que originou a condecoração tornado público na comunicação social [ex.: Diário de Lisboa, em 11 de Junho de 1968, p11; e Diário de Notícias, em 12 de Junho de 1968].





Fonte: Ultramar TerraWeb - Portal dos Veteranos dao Ultramat: Angola, Guiné, Moçambique, 1959-1975 [http://ultramar.terraweb.biz/10Jun1968_Lisboa.htm (com a devida vénia)]


3. O ATAQUE A BEDANDA EM 24OUT1969… QUE PASSOU PARA 25OUT1969 DEVIDO A SUCESSIVAS FALHAS NA SUA ORGANIZAÇÃO


Desenvolvimento da acção:

No dia 24 de Outubro [de 1969], às 17h15, as forças do Corpo Especial de Exército deviam atacar as instalações militares do campo de Bedanda com as seguintes forças, assim constituídas [apresentamos um quadro comparativo entre o 1.º ataque a Buba, em 12OUT1969, e este 2.º a Bedanda]:

Contavamos com a ajuda de 80 "povo" no transporte das munições até à posição de fogo. Devido ao número insuficiente de transportadores não pudemos concentrar no local toda a quantidade de munições necessária e muito menos distribui-la a tempo para as 3 posições de fogo, razão principal porque tivemos que adiar a missão.

Por acaso, as forças de infantaria tinham tido muitas dificuldades e atrasado bastante a sua chegada ao local e a tomada de posição no trerreno, não se verificando portanto qualquer desajuste. 


No dia seguinte, e com a aprovação do camarada Nino [Vieira], Comandante do Corpo Especial de Exército, nos prontificamos (as forças de Artilharia) a realizar a operação e a iniciá-la à mesma hora indicada para o dia anterior [17h15].

Realmente, às 15h30 inciamos a colocação das peças e a instalação das ligações telefónicas. Às 17h00 todas as peças estavam prontas para o tiro, quando descobrimos avaria na comunicação, devido a esse imprevisto só às 17h30 iniciamos o fogo de enquadramento com uma peça de canhão 75, desde a posição de fogo do GRAD. O inimigo [NT] respondeu imediatamente, cortando a instalação em dois pontos. Só 15 minutos depois retomamos a direcção de tiro e demos por terminado o enquadramento para as [peças] GRAD.

Imediatamente as peças de canhão abriram fogo, realizando tiro indirecto desde a distância de 2.000 metros. Do posto de observação, pareceu-nos (a visibilidade, dada a hora já avançada da tarde, era deficiente) ser um tiro efectivo, cobrindo a zona indicada. 





Citação: (1966-1970), "Guerrilheiros do PAIGC transportando as peças de um canhão sem recuo [B-10]", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/ fms_dc_44172 (2018-2-11) (com a devida vénia).

Fonte: Portal Casa Comum > Fundação Mário Soartes > Arquivo Amílcar Cabral (com a devida vénia)

Final da Parte I.

Na Parte II desta narrativa, serão abordados os seguintes pontos:

1 – Conclusão do desenvolvimento da acção e respectivos resultados.

2 – Análise crítica à actuação da artilharia.

3 – Correcção das informações obtidas posteriormente pelo PAIGC.

4 – Quadro de baixas militares da CCAÇ 6 (de 1Abr1967 a 27Abr1974).

5 – Quadro de baixas militares da 4.ª CCAÇ (de Jul1963 a Fev1967).

Obrigado pela atenção.

Com forte abraço de amizade,

Jorge Araújo.

26FEV2018.
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sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Guiné 61/ 74 - P18346: (D)o outro lado do combate (19): Os fracassos assumidos pelo PAIGC no ataque a Buba, de 12 de outubro de 1969 … E os outros que se seguiram (ao tempo da CCAÇ 2382 e do Pel Mort 2138) - Parte I (Jorge Araújo)



Guiné > Região de Quínara > Buba  > Material capturado ao PAIGC em 23 de novembro de 1968: granadas, minas, cunhetes de munições, medicamentos, géneros alimentícios enlatados, material diverso, incluindo um "poster" (ou retrato em tamanho médio, tipo 18'' x 24'')  de 'Che' Guevara, seguramente trazido pelos cubanos...

Foto do camarada Francisco Gomes, 1.º cabo escriturário da CCS/BCAÇ 2834 (Buba, Aldeia Formosa, Guileje, Cacine, Gadamael (1968/1969). In: https://guine6869.wordpress.com/album/  (com a devida vénia.


Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974)


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE  > OS FRACASSOS ASSUMIDOS PELO PAIGC NO ATAQUE A BUBA [12OUT1969] … E OS OUTROS QUE SE SEGUIRAM  (AO TEMPO DA CCAÇ 2382 E DO PEL MORT 2138 - Parte I


por Jorge Araújo


1. INTRODUÇÃO

Nas últimas três narrativas estivemos focalizados na região de Buba, ao tempo da CCAÇ 2382 e Pel Mort 2138, com a primeira visita a acontecer por acaso, quando encontrámos uma foto de um «espaldão de morteiros 81» no Arquivo Amílcar Cabral, localizada na Casa Comum – Fundação Mário Soares, e que, após identificado o local, nos permitiu chegar ao episódio de um ataque a esse Aquartelamento ocorrido em 12 de Outubro de 1969, domingo. Desse ataque foi produzido um “Relatório do Ataque”, como procedimento habitual, redigido pelo CMDT da CCAÇ 2382, ex-Cap Mil Carlos Nery Gomes de Araújo [vidé P18223].

Por efeito da pesquisa com ela [foto] relacionada, na qual se adicionou o contributo escrito das NT, tivemos acesso, «do outro lado do combate», a um relatório, sem referência ao seu autor, elaborado a propósito “das operações militares na Frente Sul”, realizadas pelo PAIGC no último trimestre de 1969, onde se incluía a análise crítica a um primeiro ataque a Buba efectuado naquele dia 12 de Outubro, com se indica acima [http://hdl.handle.net/ 11002/fms_dc_40082 (2018-1-20).

Aí são apresentadas as principais razões para os fracassos contabilizados nessa acção [P18244].

Finalmente, e para concluir a investigação sobre os Pelotões de Morteiros que passaram pelo Aquartelamento de Buba, foi elaborado um cronograma com essas Unidades, tendente a identificar os períodos das suas respectivas comissões, no quadro temporal iniciado em 1964 até 1974 [P18283].


Por todas estas razões, o presente trabalho procura dar sequência ao modo como os responsáveis do PAIGC (re) agiram aos fracassos anteriores e o que preconizaram fazer depois disso, e com que resultados.


2. OS FRACASSOS ASSUMIDOS PELO PAIGC EM 12OUT1969… E OS SEGUINTES…

Recorda-se que este primeiro ataque só foi concretizado depois de um longo período de minucioso reconhecimento sobre as melhores condições geográficas para a actuação da artilharia com três posições de fogo distintas. Por outro lado, esse reconhecimento previa também identificar as melhores vias de acesso para a infantaria e locais para a sua disposição, uma vez que iriam estar no terreno um universo superior a três centenas de combatentes, comandados pelo capitão cubano Pedro Peralta e por Nino Vieira.

Entretanto, durante esse reconhecimento, um grupo de guerrilheiros foi descoberto pelas NT, no dia 7 de Outubro, quando o sentinela do Pel Mort 2138, colocado no posto de vigia junto à Pista de aviação, detectou um guerrilheiro nas imediações da Pista. No dia seguinte (dia 8), na continuação do reconhecimento supra, um grupo IN accionou uma mina A/P reforçada implantada pelas NT junto ao cruzamento das estradas de Nhala e Buba (in: História do Pel Mort 2138, p3, recorte abaixo). 


Pelo acima exposto, confirma-se, então, o que é descrito no relatório da acção do PAIGC; “no cumprimento desta última missão de reconhecimento temos a lamentar a morte de um camarada e o ferimento de outros dois, entre os quais o camarada CAETANO SEMEDO, em consequência da detonação duma mina antipessoal” [P18244].

"Esta operação, que deveria ter início pelas 17 horas, só se iniciou meia hora mais tarde devido a atrasos na instalação dos canhões. O ataque iniciou-se com fogo dos canhões B-10, que falharam os alvos, tendo apenas dois obuses atingido o quartel. O inimigo [NT] respondeu com um nutrido fogo de morteiros [Pel Mort 2138], canhões [2.º Pelotão/BAC], metrelhadoras e armas ligeiras [CCAÇ 2382 + Pel Milícia]. Além disso, unidades inimigas [NT] de infantaria cruzaram o rio [de Buba], pondo sob a ameaça de liquidação do posto de observação, os canhões, em retirada, e os morteiros".


Citação: (1963-1973), "Irénio Nascimento Lopes; ensinando os combatentes do PAIGC a manobrar um canhão sem recuo [B-10] de origem soviética", [será que se trata do actual presidente da Federação de Futebol da Guiné-Bissau - Manuel Irénio Nascimento Lopes “Manelito”?] CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/ fms_dc_43809 (2018-2-2).

"Nestas condições, abortou a acção da artilharia, que teve que se retirar, sempre debaixo do fogo das armas pesadas do inimigo [NT]. Como não actuou a artilharia, tampouco actuou a infantaria. Tivemos duas baixas na operação: dois feridos, um dos quais veio a falecer mais tarde. Além disso, temos a lamentar a morte de um camarada de infantaria, por acidente."


Infogravura adaptada do livro «Guerra Colonial», do Diário de Notícias, p. 295. 

As setas a amarelo servem para referenciar a zona onde se iniciou o ataque. 

Em função do desempenho das NT, que certamente teria provocado uma “louca correria” [digo eu] dos diferentes grupos em direcção a terrenos mais protegidos e estáveis, o que não é de estranhar neste contexto, não houve tempo para utilizar a totalidade do material de guerra transportado para o local do ataque e que, em princípio, seria todo para “queimar”. Assim sendo, e porque era mais cómodo e mais fácil correr sem pesos nas mãos ou noutros locais, grande parte desse material ficou no terreno, sendo recolhido no dia seguinte pelas NT. Disso dá-nos conta a “História do Pel Mort 2138, p.90”.

Como curiosidade, uma outra situação de captura de material ao PAIGC já se tinha verificado um ano antes, mais concretamente em 23 de Novembro de 1968, sábado, pelas 15h30, quando elementos da mesma Unidade - CCAÇ 2382/BCAÇ 2834 (1968/1969) -, que se encontravam perto do cruzamento de Buba, contactaram com uma coluna de reabastecimento IN, causando a estes baixas prováveis. 

Foram apreendidas [, vd. foto acima]: 
 - 74 granadas RPG; 
- 16 granadas de Morteiros 82;
- 3 minas anticarro;
- 11 minas antipessoais;
- 20 cunhetes 7,9 mm;
- muitos medicamentos e géneros enlatados, incluindo um "poster" do 'Che' Guevara [in; História da Unidade, da qual retirámos a citação que abaixo se reproduz].



Como consequência dos sucessivos fracassos observados nas suas acções contra o contingente sedeado em Buba [NT], foi aprovado pelos comandantes da Frente Sul [que desconhecemos] a realização de um segundo ataque a esse aquartelamento, com a inclusão de alterações estratégicas e de outros procedimentos operacionais.

Como elemento histórico, seguidamente daremos conta do seu conteúdo, dividido em pequenos fragmentos, ficando a sua conclusão para a Parte II, a publicar oportunamente.


3. O SEGUNDO ATAQUE A BUBA EM 10DEZ1969)… QUE PASSOU PARA 11DEZ1969 DEVIDO A SUCESSIVAS FALHAS NA SUA ORGANIZAÇÃO

"Dado o fracasso da primeira operação contra Buba, tentada no dia 12 de Outubro [1969], foi decidido cumprir a missão de atacar Buba na fase final da campanha [último trimestre]. Para isso levámos a cabo novos reconhecimentos: novas vias de acesso para a infantaria e escolha de novo posto de observação.

As nossas forças deviam actuar no dia 10 de Dezembro [1969], quarta-feira, com os seguintes efectivos [indicam-se no quadro abaixo, como elemento de comparação logística, as quantidades utilizadas no 1.º ataque]:


Desenvolvimento da acção: 

"Deviam actuar primeiro as peças do GRAD, em seguida os morteiros 120 da mesma posição de fogo que as peças do GRAD e, por último, a infantaria devia assaltar o quartel."



"Utilizávamos, pela primeira vez, os “rádios 104” para garantir a comunicação entre o posto de observação e a posição de fogo. Infelizmente, estes não funcionaram no momento em que se devia iniciar a operação, forçando-nos a adiá-la para o dia seguinte, com a substituição dos rádios por telefones."


Citação: (1963-1973), "Operador de rádio da guerrilha", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43758 (2018-2-2) 

"De novo tivemos de suspender a operação que devia ter lugar no dia 11 [Dez’69], devido a uma série de falhas nas instalações telefónicas e, mais tarde desistir da utilização da artilharia, dada a actuação independente da infantaria, com a qual, por falta de meios de comunicação, não foi possível combinar um outro plano em substituição do que estava previsto."


Final da Parte I.

Na Parte II deste tema, serão abordados os seguintes pontos:

1 – Conclusão do desenvolvimento da acção e respectivos resultados.

2 – Análise crítica sobre os aspectos que influenciaram a marcha das operações, como sejam: o reconhecimento dos quartéis; equipamento (fardamento); alimentação; comunicações e funcionamento do corpo de exército.

Obrigado pela atenção.

Com forte abraço de amizade,

Jorge Araújo.

05FEV2018.
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Nota do editor::

Último poste da série > 23 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18244: (D)o outro lado do combate (17): ataque a Buba em 12 de outubro de 1969, ao tempo da CCAÇ 2382 e Pel Mort 2138: os fracassos assumidos pelo PAIGC (Jorge Araújo)

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15502: Tabanca Grande (479): José Fernando Estima, de Aguada de Cima, Águeda, ex-fur mil, CCAÇ 3546 / BCAÇ 3883 (Bissau, Bolama, Piche, Cambor, Canquelifá, Dunane, Ponte Caium, Camajabá, 1972/74)... Grã-tabanqueiro nº 708... quase cinco anos depois de um primeiro (e único) contacto telefónico


Foto nº 1





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Foto nº 11


Fotos:  © José Fernando Estima (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG]



1. Mensagem do nosso leitor e camarada José Fernando Estima, com data de 13 do corrente:

Sou ex-combatente,  fur mil José Fernando Estima,  da CCaç 3546 / BCaç 3883 [, 1972/74].  E,  como prometi ao Luis Graça há tempos,  sou a enviar algumas fotos da minha passagem por terras da Guiné, nomeadamente, Bissau, Bolama, Piche, Cambor, Canquelifá, Dunane, Ponte Caium, Camajabá.

Presentemente, estou reformado tendo trabalhado sempre na indústria,  ora como desenhador, ora como encarregado geral (Portugal e África do Sul).

Cumprimentos a todos os camaradas. Sempre ao dispor.

PS - Luis, sou aquela pessoa que te contactou por telefone há uns tempos (*)  e falamos acerca do teu amigo e meu camarada Jacinto Cristina, padeiro em Ponte Caium. Se quiseres,  na próxima mando mais fotos , pois tenho muitas (**). Um forte abraço.


2. Resposta do editor LG:

Camarada Estima, és bem vindo à Tabanca Grande!... Vou fazer a tua apresentação. Passas ser o nosso grã-tabanqueiro nº 708...

Como vês, já somos mais do que um batalhão. Vou dar conhecimento da tua presença à malta da tua companhia, registada no nosso blogue:

 (i) Jacinto Cristina, de Ferreira do Alentejo (representado pela sua filha, a engª Cristina Silva, que vive na Madeira; o Jacinto não tem email); 

(ii) Carlos Alexandre, de Peniche (, aliás, era conhecido pelo "Peniche", a última vez que falei com ele ao telefone, trabalhava nos estaleiros navais da sua terra); 

e (iii) Florimundo Rocha, de Alagoa, Algarve (também representado pela filha, Susana Rocha)...


Todos eles eram do 3º Gr Comb, "os fantasmas do leste"... Vão, por certo, ficar felizes por terem notícias tuas...

Quanto ao teu telefonema, já tem uns aninhos (*): deve ter sido em fevereiro de 2011... Na altura disseste-me que eras natural de Águeda, e que  trabalhavas em Aguada de Cima, mesmo junto ao Restaurante Vidal, um dos restaurantes de referência dos apreciadores de leitão. Deves conhecer os nossos camaradas da tua terra, Paulo Santigo e Victor Tavares...

Também, me pediste, nessa ocasião,  a tua entrada formal na nossa Tabanca Grande. Ficaste de pedir ajuda, a um dos seus filhos ou filhas, para digitalizar fotos do seu álbum. Pediste-me t6ambém para mandar um abraço à malta da tua companhia e do seu batalhão, extensivo a toda a Tabanca Grande. Demoraste uns aninhos, mas aqui estás!... Que sejas bem vindo!

Quanto às fotos do teu álbum, que dizes ter muitas, vai mandando, de preferências com legendas (data, local, etc.). Os créditos fotográficos serão sempre teus. Mandam as fotos digitalizadas com boa resolução. As que mandaste não estão más, mas podiam ter o dobro da resolução... E vieram sem legendas... Nas fotos nº 1 e 2, deves estar tu... Será que eras de arnas pesadas de infantaria ?  As fotos nº 4 e 5 dizem respeito ao obus 14... Estava em Piche ?... As fotos nº 6 e 7 parecem-me ser da ocasião em que a TECNIL, que estava a fazer a estrada de Piche-Buruntuma, sofreu um ataque com mortos e destruição de viaturas... As fotos nº 8 e 9 dizem respeito a um canhão sem recuo, montado num jipe, que foi à vida... Qual a razão ? Rebentamento de mina A/C ? RGP 2 ou 7 ? Autoexplosão ?.. A foto nº 10 deve ser sido tirada num destacamento, depois de um ataque...

E diz-nos algo mais sobre ti e a tua companhia... De que grupo de combate é que eras, quando passaste pela Ponte Caium, o que fazes atualmente, etc. Ah!, e não te esqueças de me mandar um foto atual, tipo passe, e outra, do tempo da Guiné, para a malta te reconhecer... Já são muitos anos de distância...  Serás o nº 708, em termos de antiguidade na Tabanca Grande: és o último que acaba de entrar...

Desejo-te boas festas para ti e toda a família. Muita saúde, feliz Natal. Luís Graça e demais editores e colaboradores.

3. Saudação da Cristina Silva, em nome do pai, Jacinto Cristina, com data de ontem:

Olá, meu amigo, Luís Graça!!

Espero que esteja bem, junto de toda a família!

Que bom ter notícias de mais um camarada da Guiné! Espero que em breve nos juntemos todos, a uma mesa portuguesa. com certeza, para estarmos e recordarmos...

Um grande beijo.

Cristina
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 8 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7742: O Nosso Livro de Visitas (106): José Fernando Estima, natural de Águeda, ex-Fur Mil, CCAÇ 3546/BCAÇ 3883, Piche, Cambor (1972/74)

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11982: Estórias do Xitole (David Guimarães, ex-fur mil, CART 2716, 1970/72) (5): Uma noite em Tangali com ataque ao Xitole, o quico do furriel Fevereiro e o meu baptismo de... voo em 1971

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Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716 (1970/72) > "... 58, 59 ... 70, 71...89, 90... 98... 99... 100!  Cem canhoadas em dez  minutos no ataque ao aquartelamento do Xitole".

Foto (e legenda): © David Guimarães (2005). Todos os direitos reservados


1. Texto do David Guimarães (ex-Fur Mil Guimarães, CART 2716, Xitole, 1970/72) [, foto à esquerda, Saltinho, 2011]. Continuação da série Estórias do Xitole (*),  a partir de postes da I Série do nosso blogue:

Era costume nós irmos fazer protecção nocturna à tabancas. Era também uma forma de acção psico... Um dia lá fui eu e o [furriel] Fevereiro (**) a comandar uma secção do 3º grupo de combate. Tangali era o nome da tabanca, a última que estava à guarda do Xitole. Ficava na estrada Xitole-Saltinho (os da CCAÇ 12 muitas vezes passaram por ela).

Bem, saímos pelo fim da pista do Xitole, com dois Unimogs 411 e lá fomos. Era mesmo chato, ir dormir para a tabanca e logo para aquela:
─ Pôça, eles até eram todos de lá!  ─ pensei eu, pouco ou nada confiante na lealdade da população local para com as NT.

Na realidade, os de Tangali [, a seguir a Cambesse, na estrada para o Saltinho] jogavam para os dois lados, conforme as conveniências... Bem, lá fomos e ao fim de 7 Km lá estávamos nós.... Nisto, diz-me o Fevereiro:
─ Porra, Guimarães, perdi o meu quico!

Entretanto, vejo e ouço toda aquela gente alarmada:
─ Furriel, furriel, manga de ronco lá para o lado do Xitole!... Muito tiro, muito tiro.
 Transmissões, liga para o quartel, pergunta o que houve ─ ordeno eu.
─ Furriel, ninguém atende, não consigo nada, porra para isto!
─ Bem, nós estamos aqui, amanhã veremos o ronco  arrematei  eu.

Nessa noite não dormimos tão descansados:
─ Porra, ronco e tiros, sei lá, vamos mas é ficar atentos...

A noite nunca mais acabava... De manhã cedo, bem formados e atentos, lá fomos estrada fora, de regresso ao Xitole e entrámos pelo fundo da pista de aviação... Bem, buracos no chão não faltavam. Diz-me o Fevereiro:
 ─ Guimarães, olha ali o meu quico!
 Boa ─ disse eu tiveste  sorte, ele apareceu.

Ele pega no quico e mesmo no local da nuca estava um furo:
 ─ Já viste ─  exclama o Fevereiro para mim  ─ se eu tinha a cabeça aqui dentro!...

Bem, lá chegámos ao aquartelamento [do Xitole]:
─ Tanto buraco!
É, pá, os gajos apontaram para aqui e até parecia que disparavam em rajada os canhões sem recuo... Vinha daquele lado do Corubal...


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Subsetor de Xitole > Carta de Xitole (1955) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Xitole, Cambesse (ou Cambéssé) e Tangali, na estrada que conduzia ao Saltinho.

Infografia: Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné (2013)

Tarefa matutinal: ver os estragos e contar as canhoadas; sim, as marcas bem visíveis e os cotos das granadas bem enterradas no chão como se fossem setas de índios:
─ Olha, esta entrou no depósito de géneros... vamos ver!

Depois de bem contados, parece que só se tinham partido 4 garrafões de vinho... Coitados dos garrafões, do mal o menos...
 ...58, 59 ... 70, 71.... porra e mais aqui ... 89, 90... 98... 99.... e esta também ... 100!!!

O ataque tinha demorado... dez minutos!
 Porra, porra!  ─ ainda dizia o Fevereiro, a olhar para o estado lastimoso em que ficou o seu quico.

Nessa altura tinha chegado ao Xitole um morteiro de calibre 107 mm  [, ou 10.7,  vd. imagem à esquerda, retirada do blogue do nosso camarada Luís Dias, CCAÇ 3491, Dulombi, 1971/74].

Para dar instrução sobre esse morteiro tinha vindo um primeiro sargento especialista de armas pesadas, ex-cabo e ex-comandante de um posto qualquer da GNR lá na Metrópole.

Experimentou-se o dez sete, assim chamávamos ao morteiro.... Poça, parecia uma arma de artilharia, boa não há dúvida, pelo menos muito barulho fazia....

De manhã, o 1º sargento costumava dar as aulas teóricas sobre o funcionamento da coisa e não é que, por ironia do destino, muitas noites e algumas seguidas éramos atacados sempre de canhão sem recuo.... A certa altura o homem do bar dizia:
─ Fui eu, ao bater a porta do frigorifico...

É que que esse barulho punha-nos todos a caminho do abrigo... Tantas vezes ele repetiram aquelas flagelações e o dez sete a funcionar... Logo de manhã, as aulas práticas e, à tarde, a teóricas...

Até que se aproximou o dia da minha licença disciplinar de 30 dias... Sim, aquilo que chamávamos férias.... Bem, mas antes teria que se ir a Satecuta [uma das bases do PAIGC, junto ao Rio Corubal, a oeste do Xitole]... Aquilo parecia uma cidade, já tinha sido visto de avioneta....

Na primeira ida, ficou a companhia de formação e comando e fiquei eu. Não relatarei o que disseram, relatarei apenas o que vi do aquartelanmento... Enfim, sem querer ser herói, percebi quanto um jogardor de futebol sofre quando está na bancada... Era o caso: a certa altura naquele dia, uma avioneta lá londe começou a andar em círculo, por baixo os jagudis na mesma em círculo, ouviam-se tiros e mais tiros, rebentamentos e mais rebentamentos. Um inferno!
─ Ai, como estarão eles, coitados, que coisa ─  dizia eu cá para mim.

A certa altura, inesperadamente a avioneta (uma DO) afasta-se e os tiros terminam. E os jagudis também desaparecem.... Por fim, todos sujos, cagados, os bravos voltam:
─ Não, não deu para entrar....

Em cada operação em que havia tiros, que coisa, vínhamos todos enfarruscados....
─ Bem, tudo muito bem, mas eles não deixaram, recebemos ordem de retirar pelo Comandante... Ninguém ficou ferido, ao menos isso... Enfim, desta vez ao menos as balas do inimigo nos acertaram.
─ Ainda bem, disse eu cá para os meus botões. Agora, Guimarães, vais até à metrópole, num voo TAP e pela agência Costa... E que tal? De avioneta até Bissau, que luxo!!!

Ai, era o meu baptismo de voo. Porreiro, o meu cu já tinha calos do Unimog...
─  Mas isto é mesmo bem bom... Adeus, Xitole, adeus,  camaradas, adeus, Fevereiro!... Até daqui a um mês!.

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Notas do editor:

(*) Postes anteriores da série:

(...) Um dia, novinhos ainda, piras, com as fardinhas novinhas em folha, aí vamos nós. Sai o 1º Grupo de Combate. Patrulha em volta do aquartelamento para os lados de Seco Braima, o que era normal: acampamento IN....

Era bem de manhã. E a certa altura, zás, ouve-se o matraquear de espingardas automáticas:
─ Que coisa!... Oh diabo, estão a enrolar. (...)


12 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11556: Estórias do Xitole (David Guimarães, ex-fur mil, CART 2716, 1970/72) (3): Era do caraças o paludismo

(...) Nós sabemos o que era uma coluna logística, uma operação de reabastecimento, mas outros nem calculam o que seja... O vai haver coluna já era uma grande chatice... Andar até ao Jagarajá, à Ponte do Rio Jagarajá, a pé e a picar, não era pera doce... E depois? Se acaso acontecia mais algo a seguir? (...)

(...) Até que enfim!... Acho que sim — não poderá haver tabus e ainda bem que o Zé Neto, o Zé Teixeira, o Jorge Cabral e o Luís são, afinal, os responsáveis por quebrarem o tabu... Falaram de algo que também é guerra... Foi e marcou a nossa guerra: a lavadeira, o cabaço, etc, etc... Ai, ai, ai, que começo a falar demais, ou talvez não...

Creio que nunca houve grandes abusos nesse sentido, nunca foi preciso apontar a G3 a nenhuma bajuda, já uns pesos, enfim ... Que mal fazia, se era dinheiro de guerra?!...(...)


18 de novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2278: Estórias do Xitole (David Guimarães, ex-fur mil, CART 2716, 1970/72) (1): A triste sorte do sapador Quaresma... morto por aquela maldita granada vermelha

(...) Sempre me preocupei, durante a guerra, em contar cá para a Metrópole (era assim que então se dizia) não propriamente as peripécias da nossa vida militar mas as coisas mais belas que encontrava na Guiné: os mangueiros carregados de mangas, os milhares de morcegos que povoavam o céu ao escurecer e ao amanhecer e que dormiam nas árvores, os macacos, as galinhas de mato, etc.
Eu achava que deveria poupar a minha família e que esta não teria que ouvir e até viver a guerra em directo: bastava para isso o sofrimento de saber que eu andava por lá (...).


(**) Fevereiro é pseudónimo. Lista dos sargentos da CART 2716 / BART 2917 (1970/72):

1º Sargento de Artilharia JOSÉ CARREIRA PEREIRA SANTOS 50453411
2º Sargento de Artilharia FIRMINO AUGUSTO PIRES 51106111
Furriel Mil. Alimentação JOAQUIM HORÁCIO OLIVEIRA MARQUES 01234769
Furriel Mil. Mecânico Auto ADELINO CABETE FONSECA 08792869
Furriel Mil. Enfermeiro ANTÓNIO REGO MEIRINHO 10725369
Furriel Mil. Transmissões FERNANDO SEVERO MENDES SILVA 02890068
Furriel Mil. Op. Especiais JOSÉ MARIA CARDOSO MARTINS 17221369
Furriel Mil. Atirador FRANCISCO MANUEL ESTEVES SANTOS 18613169
Furriel Mil. Atirador ELÍSIO MANUEL PINTO REI 01752169
Furriel Mil. Atirador JOSÉ TRIGUEIRO PEREIRA LEONES 08514269
Furriel Mil. Atirador JÚLIO MANUEL AUGUSTO 02131169
Furriel Mil. Atirador JOSÉ DANIEL ALVES RIBEIRO 10186669
Furriel Mil. Armas Pesadas DAVID JORGE PINTO BARROS GUIMARÃES 17345368
Furriel Mil. Atirador DIAMANTINO ENCARNAÇÃO FERREIRA 07995869
Furriel Mil. Atirador JOAQUIM MANUEL PALMA QUARESMA 03818069
Furriel Mil. Armas Pesadas JOSÉ CARLOS FIGUEIREDO HENRIQUES 03299869