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quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25083: O segredo de... (41): António Rosinha (ex-fur mil, Angola, 1961/62; topógrafo da TECNIL, Bissau, 1987/1993): Luís Cabral, a camarada Milanka, eu e o 'mau agoiro' do meu patrão

Angola > Luanda > 1961 > Desfile de tropas > O António Rosinha, beirão,  vivia já em Angola há uns anos (foi para lá adolescente e fez lá a tropa)... Vemo-lo aqui a desfilar com o seu pelotão, que parece ser composto apenas por militares do recrutamento local (ele nunca nos disse a que unidade ou subunidade pertenceu, e por onde andou, em concreto; sabemos que teve uma "guerra" relativamente tranquila, apesar dos acontecimentos de 1961...). Era furriel miliciano aparece aqui em primeiro plano, depois do alferes, cmdt do pelotão, na segunda fila, a dos comandantes de secção: é o primeiro a contar da direita para a esquerda, está de óculos escuros e empunha, durante o desfile, pistola-metralhadora FBP, tal como os restantes graduados; as praças usavam, evidentemente, a velha espingarda Mauser 7,9 mm m/937 ... A farda, em 1961, era o do "caqui amarelo"... E, em plenos trópicos, os combatentes da época usavam capacete de aço.

Angola > s/l > c. 1961/62 > O então fur mil António Rosinha

Fotos (e legendas): © António Rosinha  (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O António Rosinha não queria entrar para a nossa Tabanca Grande (em 2006, chamava-se apenas "tertúlia"), não obstante a estima que lhe logo lhe manifestaram alguns dos nossos camaradas como o Amílcar Mendes, o Vítor Junqueira e eu próprio, que fiz questão de o "apadrinhar". E ainda bem que ele acabou por aceitar sentar-se à sombra do nosso poilão em 29/11/2006 (nessa altura ainda não havia poilão nem tabanca, tratávamo-nos uns aos outros como "tertulianos", membros da "Tertúlia dos Amigos & Camaradas da Guiné").

E em boa hora ele começou a colaborar connosco, desfiando as suas memórias do império: além de Angola (onde diz que foi "colón até 1974"), fez a diáspora dos "retornados",  passou pelo Brasil e pela Guiné-Bissau, onde depois da independência, de 1979 a 1993, trabalhou como "cooperante", exercendo a sua profissão, como topógrafo,  na empresa de construção e obras públicas TECNIL (que fez muitas das infraestruturas daquele país, antes e depois da independência; foi herdada do "colonialismo" tanto por Luís Cabral como pelo seu carrasco, 'Nino' Vieira, o mesmo aconteceu com o comandante Pombo, que ficou a pilotar o avião a jato privado Falcon da presidência).

O Rosinha é autor de uma notável série, a que demos o nome de "Cadernos de Notas de Um Mais Velho", em geral alimentada com pequenas notas e comentários que ele vai deixando no blogue. Já se publicaram uma meia centena de postes.  Além disso, é um caso notável de longevidade, vida ativa saudável, proatividade... A brincar, a brincar, ele deve chegar aos 90 para o ano se as minhas contas não falham! (Tinha 77 anos em 2012)... É, pois, um grande exemplo para todos nós!... (Não tenho ideia de ter alguém , com a sua idade, ainda tão ativo como ele, no nosso blogue, neste momento!)

Num desses postes (P16701) (*), deparámos com uma saborosa pequena história que mete o Luís Cabral, primeiro presidente da República da Guiné-Bissau, mais dois arquitetos (e pessoas gradas do regime, o casal Lima Gomes) e a empresa portuguesa TECNIL,  na pessoa do topógrafo António Rosinha e do patrão Ramiro Sobral.

Ao reler o poste, demos conta que uma das personagens era a arquiteta Milanka Lima Gomes, uma jugoslava casada com o então Ministro das Obras Públicas, 'Tino' Lima Gomes, e também a autora do projeto  (1976/78) da casa de férias de Luís Cabral em Bubaque (em parceria com outro arquiteto, jugoslavo, cooperante, Nikola Arsenic). A casa, dizem os entendidos, é uma referência da arquitetura pós-colonial: infelizmente, ficou amaldiçoada, com a queda política, a prisão e o exílio do seu dono. Hoje é uma confrangedora ruína, engolida pelo mato, na "ilha paradisíaca" de Bubaque que já teve muitos "donos e senhores"...

Pelo  seu bom senso, sensibilidade, perspicácia, inteligência emocional, história de vida, cultura e memória de "africanista", o Rosinha, um dos nossos veteranos, é merecedor do apreço e  elogio de muitos camaradas nossos, é profundamente estimado e respeitado na nossa Tabanca Grande, mesmo quando as nossas opiniões podem divergir.

A ele poderá aplicar-se  inteiramente o provérbio africano, há tempos aqui citado pelo Cherno Baldé, o "menino e moço de Fajonquito": "Aquilo que uma criança consegue ver de longe, empoleirado em cima de um poilão, o velho já o sabia, sentado em baixo da árvore a fumar o seu cachimbo".    

Esse provérbio veio mesmo a propósito desta pequena história "pícara", que não é "nenhum segredo de Estado", mas queremos "repescar" e preservar, agora na série "O segredo de...".  (**). 

É uma história com piada, com chiste, com humor, típico dos velhos africanistas, e é também uma lição sob o "sic transit gloria mundi", a vaidade e a transitoriedade do poder e da glória...

Que fique claro: não é intenção do Rosinha  (nem dos editores do blogue) achincalhar ninguém nem muito menos bater nos mortos ou ajustar contas. Simplesmente o picaresco, o burlesco, a ironia, o riso, o humor, etc., fazem parte da nossa "caserna" de velhos combatentes. Uma boa piada, uma boa história sobre os "nossos homens grandes", seja o Spínola ou seja o  Amílcar Cabral, são a prova de que aqui somos plurais e defendemos  a todo o custo a liberdade de expressão, pedra basilar da democracia que recuperámos há 50 anos.

Guiné > Bissau > s/d [meados dos anos 60] > Aspecto parcial do centro histórico, Câmara Municipal à direita, Palácio do Governador ao fundo à esquerda, Praça do Império, monumento "Ao Esforço da Raça", telhados de outros edifícios públicos, etc... Bilhete postal, nº 133, Edição "Foto Serra" (Colecção Guiné Portuguesa")...

O António Rosinha pede-nos para "enriquecer o poste com esta  lindíssima foto  onde se vê a casa que o Luís Cabral queria que a Tecnil lhe adaptasse, antes de ser deposto em 1980 (...). Essa foto (tirada de helicóptero, penso eu) é das mais bonitas sobre Bissau (...): uma lindíssima residência, r/c  e 1º andar com um Jeep Willys da nossa tropa junto à entrada de casa (...).  Foi essa casa que o Luís Cabral queria adaptar para sua residência, e que o Ramiro Sobral, o patrão da Tecnil (***), lhe agoirou o destino."

Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalizações e edição: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010)


 O segredo de... (41): António Rosinha (ex-fur ml, Angola, 1961/62; topógrafo da TECNIL, Bissau, 1987/1993): 

Luís Cabral, a camarada Milanka, eu e o "mau agoiro" do meu patrão


Luís Cabral pretendia reformular uma residência bastante moderna que foi propriedade de um antigo 'colón',  que eu não conheci, para sua residência, penso eu. Essa residência ficava atrás do gabinete do primeiro ministro, e tinha uma portaria que era preciso adaptar, na cabeça de Luís Cabral, para receber o Volvo presidencial, bem junto à porta da casa.

Só que havia um pedaço de jardim e duas colunas à entrada do edifício que era preciso derrubar, construir noutra disposição, e isso Luís Cabral não queria.

E, agora,  vou falar em nomes de gente muito simpática e não quero de maneira nenhuma fazer «politiquice» nem com as pessoas nem com a atitude das mesmas nem do momento. O ministro das Obras Públicas era 'Tino' Lima Gomes que era arquitecto e ainda chegou a dar uma vista de olhos na portaria mas sem adiantar qualquer solução.

A esposa dele, a camarada Milanka, de nacionalidade jugoslava, arquitecta nas Obras Públicas,  é que foi encarregue de descalçar a bota, e eu no campo 
[como topógrafo] para executar o impossível. 

Só que a camarada Milanka não tinha coragem de dizer ao presidente que era impossível executar como ele queria, e eu descarreguei o meu fardo para o meu patrão Ramiro Sobral [engenheiro, dono da TECNIL], velho "africanista que se encontrava em Bissau, onde ia,  mês sim, mês não.

E o velho,  de 75 anos, e muitos anos de África, habituado a resolver casos bicudos, analisou e solucionou:
– Senhora Dona Milanka (toda a gente dizia "camarada Milanka"), sabe porque ando nesta vida com esta saúde aos 75 anos? Porque a porta da minha casa em Viseu tem 3 degraus. E subir e descer esses 3 degraus dão-me imensa saúde. Convença o senhor presidente que com 3 degraus resolve o problema e dá-lhe imensa saúde para daqui a muitos anos continuar com o meu dinamismo.

Passados uns instantes,  já só comigo no automóvel, Ramiro Sobral, como que a falar para os próprios botões, previa:

Com degraus ou sem degraus,  não vais envelhecer aqui, não.

Talvez uns 15 dias depois, dá-se o golpe a 14 de Novembro de 1980 que derruba Luís Cabral.

Adenda:

Pessoalmente conheci um desertor guineense, ou que ficou para a história da Guiné como desertor, e que levou com ele uma avioneta de Bissau para Conacri.

Tinha o seguinte currículo popularmente conhecido na sociedade de Bissau:

(i) era furriel da Força Aérea, guineense, da minha idade, portanto foi para a Força aérea antes da Guerra do Ultramar;

(ii) era guineense de uma família antiga,  "colonialista", que se foi "amestiçando";

(iii) como era menino bonito e inteligente, era um desperdício ir lutar para o mato como os indígenas. (Isto o povo pensava em crioulo, mas eu traduzo.)

Foi de armas e bagagens estudar com bolsa para a Jugoslávia e regressou com bagagem pesada, canudo de engenheiro/arquitecto, após a independência.

O PAIGC, reconhecido, atribui-lhe mais que uma pasta governamental, e também agradecido o governo português concedeu-lhe bolsas de estudo para os filhos nos Pupilos do Exército em Lisboa.

Já faleceu. em acidente com arma de caça.

Chamava-se 'Tino', Alberto 'Tino' Lima Gomes, foi ministro das obras públicas de Luís Cabral. Era um português como milhares de transmontanos, açorianos, angolanos, etc., nunca foi indígena, nasceu «assimilado». (*)

António Rosinha 

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos: LG)



Guiné-Bissau > Arquipélagos dos Bijagós > Ilha de Bubaque > 2013 > A antiga casa de Luís Cabral, projeto dos arquitetos de origem jugoslava (1976/1978) Milanka Lima Gomes e Nicola Arsenic. Foto do nosso camarada José Martins Rodrigues (ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72) (****)


Guiné-Bissau > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Bubaque > 2016 > Casa de Luís Cabral. Construída com financiamento público, projeto dos arquitetos Milanka Lima Gomes (1976) e Nikola Arsenic (1978). Fotograma do filme "The Vanished Dream" (2016),  reproduzida no artigo de Lucas Rehnman (2023), a seguir citado. (Com a devida vénia...)


Curiosamente, o poste do Rosinha, P16701 (*), tem honras de citação num artigo sobre a arquitetura pós-colonial da Guiné-Bissau, da autoria do brasileiro Lucas Rehnman (n. 1988, S. Paulo), investigador, artista e curador (vive em Berlim), e donde extraímos com a devida vénia esta outra imagem da casa, em ruínas, do Luís Cabral. O título do artigo, em inglês, pode ser traduzido por: "Acabado de construir, e logo em ruinas: descolonização e dis-conectividade na Guiné-Bissau pós-colonial, 1973-1983":

Bibliografia (...): 

Tabanca Graca Luís, Graça. ‘Caderno de Notas de Um Mais Velho’. Blog. Luís Graça & Camaradas Da Guiné (blog), 9 November 2016. https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2016/11/guine-6374-p16700-caderno-de-notas-de.html.

Diz o autor, Lucas Rehnman,  sobre a casa de Luís Cabral em Bubaque (Vd. imagem acima):

(...) Seguramente mais ambiciosa e formalmente inventiva é a antiga residência presidencial, que se situa na ilha de Bubaque, no arquipélago dos Bijagós, e que está agora em ruínas (...) . Apesar da sua aparência enganadoramente brutalista, a estrutura de betão foi originalmente pintada de branco e coberta por placas betuminosas. Este corpo de trabalho arquitectónico aqui apresentado pode ser visto como uma ingestão criativa e digestão de arquitectura estrangeira, o que significa que não apenas ocorreu um mero empréstimo de formas e soluções modernistas brancas, mas que também se deu  uma apropriação, interpretação e transformação local do vocabulário modernista. constituindo por isso uma arquitetura original e híbrida que vale a pena documentar e preservar." (...) (tr. livre, Google / LG)
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 9 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16701: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (49): quatro apontamenmtos: (i) Angola, as boas famílias e os seus desertores; (ii) o nosso presidente em Havana; (iii) o desertor guineense da Força Aérea; e (iv) o ministro das obras públicas de Luís Cabral, Tino Lima Gomes, a camarada Milanka e o meu velho patrão Ramiro Sobral, que não precisava de subir ao alto do poilão para ver ao longe...

(**) Último poste da série > 8 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25048: O segredo de...(40): Patrício Ribeiro, 76 anos: Angola, Quifangondo, 1975: uma das "minhas guerras" a que assisti ao vivo

(***) Sobre a TECNIL, vd. postes de;

3 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9555: Caderno de notas de um Mais Velho (19): TECNIL, importante empresa de obras públicas, que desaparece do mapa (Parte I)

5 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9561: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (20): TECNIL, importante empresa de obras públicas, que desaparece do mapa (Parte II)

25 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9655: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (21): TECNIL, importante empresa de obras públicas, que desaparece do mapa (Parte III)

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14800: Memória dos lugares (297): O Rio Geba e o macaréu no Xime (António Manuel Sucena Rodrigues, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972/74 / José Martins Rodrigues, ex- 1º cabo aux enf, CART 2716, Xitole, 1970/72)


Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 5


Foto nº 4

Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1973/74) > Xime > Rio Geba > c. 1973/74

Fotos ( e legendas): © António Manuel Sucena Rodrigues (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Estas fotos [, nºs 4, 5, 6 e 7,] mostram um fenómeno natural que poucos rios no mundo podem mostrar: o macaréu no rio Geba Trata-se de uma onda que se forma na confluência do "Geba estreito" com o "Geba largo".

Enquanto, no momento mais baixo da maré, a água do Geba estreito corre para a foz a grande velocidade e com grande caudal (rio de planície), no mar, e por isso também no "Geba largo" a maré começa a subir rapidamente devido à grande amplitude das marés. 

Este encontro das duas águas provoca uma onda que sobe o rio lentamente (a cerca de 10 a 20 Km/h ???). A sequência desta onda pode ver-se nestas fotos. Na época das chuvas esta onda pode atingir, perto de um metro ou um pouco menos (???). No fim da época seca apenas se observa uma pequena perturbação das águas. Nesta foto não se vê com muita nitidez essa onda,

Foto nº 4 - O rio Geba estreito, na maré vazia ], do lad esquerdo, a margem sul, onde se situava o quartel e tabanca do Xime; do lado direito, a margem norte, onde se situava a tabanca e o destacamento do Enxalé]:

Foro nº 5 - Já se pode ver [ e , "in loco", ouvir...]  o macaréu ao longe;

Foto nº 6 - Uma visão perfeita do macaréu à passagem junto ao cais do Xime [onde estava o fotógrafo];

Foto nº 7 - Após passar o cais,  vimos essa onda "pelas costas" e dá uma ideia de que não existe. Era bastante perigosa para os barcos pequenos que subiam o rio e talvez por isso se verificaram alguns acidentes graves [, caso de um sintex, com a companhia anterior no Xime, a CART 3494, em 10/8/1972, em que morreram três camaradas nossos ].  Neste ponto foi afundada uma das duas canoas que se encontravam na margem [norte].

António Manuel Sucena Rodrigues

[ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972-74]

2. Comentário do editor:

Temos dozes referências a este marcador, macaréu... Há um vídeo do nosso camarada José Martins Rodrigues, aquando da sua primeira viagem de saudade à Guiné-Bissau, em que ele filmou o macaréu no Xime, no dia 10 de Abril de 2001. O vídeo (6' 58'') está alojado no You Tube, na conta do nosso coeditor Carlos  [Esteves] Vinhal. Tomámos a liberdade de incorporá-lo neste poste.

O José Martins Rodrigues, nosso grã-tabanqueiro,, foi 1º cabo aux enf,  CART 2716 / BART 2917, Xitole, 1970/72). A sua primeira viagem à Guiné-Bissau, depois da guerra, foi em 1998.




O macaréu no Rio Geba, Xime, 10/4/2001.

Autor: José Rodrigues Martins (2001) 
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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14797: Memória dos lugares (294): O porto fluvial do Xime, no final da guerra (António Manuel Sucena Rodrigues, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972/74)

sábado, 18 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13756: Ser solidário (167): Diverso material carregado num contentor, no Porto de Leixões, com destino à Guiné-Bissau (Jaime Machado / José Rodrigues)

1. Mensagem do nosso camarada Jaime Machado (ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) com data de 17 de Outubro de 2014:

Caro Amigo e Camarada Carlos
Vimos pedir-te publicação no Blogue do texto e imagens abaixo caso aches seja de interesse para os nossos camaradas de armas.
Ficamos gratos pela tua disponibilidade

Um abraço para ti
Jaime Machado


Jaime Machado (à esquerda) e José Rodrigues (à direita) seguram a tarjeta do Lions Clube de Bissau

Matosinhos, 17 de outubro de 2014 

O MOVIMENTO LIONS AJUDA A GUINÉ-BISSAU

Partiu esta semana do Porto de Leixões com destino à Guiné-Bissau, um contentor com cerca de 15 toneladas de material. 

Esse material destina-se ao Lions Clube de Bissau e será distribuído por 2 escolas na região de Bissau. 

Todo o processo de entrega do material será supervisionado no local pela Cl Natália Oliveira e presidente da ONG “Viver 100 Fronteiras”, entidade nossa parceira naquele país Lusófono.

Foram carregadas 192 mesas, 444 cadeiras, 10 quadros e cerca de 200 caixas com material escolar, roupa, calçado, brinquedos e material hospitalar. 

Todo o material será descarregado em Bissau por volta do dia 5 de novembro próximo.

Nós Servimos.



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Nota do editor

Último poste da série de 15 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13737: Ser solidário (166): SOS, Ébola!... Uma epidemia que tem dIne ser levada a sério, só podendo ser prevenida e combatida por todos, a começar pelos mais ricos...

sábado, 10 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13126: Convívios (593): XVIII Almoço do pessoal da CART 2716 (Xitole, 1970/72), dia 31 de Maio na cidade do Porto (José Martins Rodrigues)

A pedido do nosso camarada José Martins Rodrigues (ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72) em mensagem de hoje, 10 de Maio de 2014, damos notícia do 18.º Almoço/Convívio do pessoal da CART 2716:


CART 2716

18.º ALMOÇO CONVÍVIO – 2014 – PORTO 

ESTIMADO AMIGO E EX-CAMARADA DE ARMAS 

Honrando uma já longa tradição de que muito nos orgulhamos, vamos festejar esta “família” que a nossa estadia Guiné ajudou a nascer. A cada ano, este um é dia único e muito especial porque transforma os nossos rostos em sorrisos abertos de alegria pelo reencontro e os nossos abraços são cúmplices de uma sincera, leal e fraterna Amizade.

Desejamos sinceramente que todos se sintam motivados a alegrar este nosso almoço convívio que se vai realizar no próximo dia 31 de Maio (sábado) na cidade do Porto.

O repasto terá início pelas 13horas no Restaurante “O Assador Típico” na rua D. Manuel II nº 22, junto ao Museu Soares dos Reis, a pouca distância do Palácio de Cristal e próximo das traseiras do Hospital de Santo António.

Cumprindo o nosso tradicional roteiro gastronómico, da ementa constará, como entrada, as inevitáveis Tripas à moda do Porto e o repasto será de churrascos e grelhados de diferentes peixes e carnes e suas guarnições.

O local da concentração será a partir da 10horas na rua D. Manuel II, junto da entrada principal do Palácio de Cristal. O estacionamento terá que ser encontrado nas ruas próximas do restaurante e do local concentração e para quem optar por estacionamento no privado Cristal Parque, defronte do restaurante, este oferece duas horas de estacionamento gratuito.

O nosso muito estimado e respeitado Capitão Espinha de Almeida irá, como é seu habitual desejo, dirigir-nos algumas palavras de estímulo. De seguida, serão distribuídas as lembranças alusivas ao Convívio.

Faz deste dia uma festa e trás a tua família para partilhar connosco as vivências da nossa experiência em terras da Guiné.

Inscreve-te até ao dia 25 de Maio, pelos telefones: 
Santos - 229 812 148 
Rodrigues – 229 517 464
Guimarães – 227 345 236 
Faria - 252 942 314 


RESTAURANTE ASSADOR TÍPICO I

ENTRADAS: 
RISSÓIS, CHOURIÇO, TOSCANA, ROJÕES, MOELAS E TRIPAS A MODA DO PORTO.

PRATO DE PEIXE: 
MISTO DE PEIXES; BACALHAU NA BRASA, LULAS GRELHADAS E SALMÃO NA BRASA. 

PRATO DE CARNE: 
MISTO DE CARNES: POSTINHA DE VITELA, ENTRECOSTO, COSTELINHAS E FRANGO. 

SOBREMESA: 
DOCE DA CASA, FRUTA LAMINADA. 

BEBIDAS: 
VINHO VERDE, VINHO MADURO, ÁGUA, SUMOS E CERVEJA. 

CÁFE E DIGESTIVO.

BOLO COMEMORATIVO E ESPUMANTE. 

Preço por pessoa – 20 euros 
Crianças entre os 5 e os 10 anos – 10 euros 

CONTACTO: 222015149 
RUA D. MANUEL II, 18/26 
4050-342 PORTO

Se tiveres dificuldade em encontrar o local liga para: Rodrigues - 967 409 449

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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE MAIO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13112: Convívios (592): XXIX Almoço anual da CART 3494, comemorativo do 40.º aniversário do regresso, dia 7 de Junho de 2014 em S. Pedro de Moel

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12445: Boas Festas (2013/14) (6): José Martins, José Rodrigues, José Santos, Joaquim Mexia Alves e Ernestino Caniço





1. Em mensagem do dia 9 de Dezembro de 2013, o nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviou-nos os seus votos de Feliz Natal

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2. Mensagem do nosso camarada matosinhense José Martins Rodrigues (ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72) com data de 10 de Dezembro de 2013:

Caros Editores do Blogue
Caros Camaradas ex-combatentes da Guiné
O “Postal” que agora vos dirijo, enviei-o à minha família quando estava na Guiné no ano de 1971, provavelmente por estas altura do ano e a propósito da quadra natalícia que se aproximava.
Apesar da simplicidade dos meios e do resultado final, atrevo-me a usar esta “obra prima” para enviar a esta Grande Família do Blogue os meus mais calorosos votos de Festas Felizes.

FELIZ NATAL E PRÓSPERO ANO NOVO, PARTICULARMENTE GENEROSO EM SAÚDE PARA TODOS OS CAMARADAS

José Martins Rodrigues
CART 2716
XITOLE, 1970/72


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3. Mensagem do nosso camarada José Santos (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 3326, Mampatá e Quinhamel, 1971/73), com data de 11 de Dezembro de 2013:

FELIZ NATAL E UM 2014 RECHEADO DE TUDO BOM

JOSÉ SANTOS



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4. Mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves (ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492/BART 3873, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73),  com data de hoje, 13 de Dezembro de 2013:

Meus camarigos
aqui vão os meus:

Votos de Natal e Ano Novo para a Tabanca Grande

Que a paz esteja contigo
No amor e sem quezília
Um feliz Natal, camarigo
Para ti e tua família.

E passados sete dias
Os votos que eu renovo
De boas novas e alegrias
Trazidas p’lo Ano Novo.

Joaquim Mexia Alves
Monte Real, 13 de Dezembro de 2013

Um abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves

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5. Mensagem do nosso camarada Ernestino Caniço (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Rec Daimler 2208, MansabáMansoa e Bissau, 1970/72), com data de hoje, 13 de Dezembro de 2013:

Amigo Carlos
Anexo os meus votos de Boas Festas para todo o pessoal da Tabanca.
Não sei fazer de outra maneira.

Um abraço
Ernestino Caniço


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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12440: Boas Festas (2013/14) (5): De Macau, com saúde, paz e amor, os ingredientes para a felicidade (Virgílio Valente, ex-alf mil, CCAÇ 4142, Gampará, 1972/74)

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12392: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (8): Último dia nos Bijagós, em Bissau e na Guiné. Até um dia destes

1. Oitavo e último episódio da série do nosso camarada José Martins Rodrigues (ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72), dedicada às suas viagens de saudade à Guiné-Bissau, a primeira efectuada em 1998.




CRÓNICAS DAS MINHAS VIAGENS À GUINÉ-BISSAU

A PRIMEIRA VIAGEM - 1998

8 – Último dia nos Bijagós, em Bissau e na Guiné... até um dia destes

Eram as últimas horas em Bubaque e o retorno a Bissau, com a amarga sensação de que estes dias memoráveis na Guiné estavam a chegar ao fim. Como o voo para Bissau seria logo após o almoço, levantámo-nos bem cedo para desfrutarmos de mais umas horas na pequena, mas acolhedora piscina de água salgada. Foi uma manhã muito agradável, na companhia do jovem casal de noivos, e esticada até ao limite do possível antes do apronto final das bagagens e do último almoço nesta ilha.

Enquanto nos deliciávamos com uns mergulhos, apercebemo-nos da chegada do avião que nos levaria de regresso a Bissau. Acabado o almoço, na companhia de todos os hóspedes, ficamos aguardar ainda algum tempo que nos transportassem até à “pista” porque a tripulação da aeronave teria ido almoçar a outro lugar.

Durante a espera dei comigo a pensar que, exceptuando-se as semelhanças da natureza no interior da ilha, esta sociedade animista, fortemente baseada na influência das mulheres, não tinha qualquer registo nas minhas memórias. Esta estadia em Bubaque mostrou-me também uma outra realidade. Conheci uma Guiné que não se sente prisioneira de memórias da guerra, tal como é latente em qualquer pequeno rincão e nos habitantes do seu espaço continental.

Pensamentos! E por falar em pensamentos, é inevitável que nos assaltem alguns receios quanto ao voo para Bissau, já que não é fácil esquecer o atribulado episódio da aterragem que até aqui nos trouxera. Mas, como não havia alternativa, só nos restava confiar nos homens e na máquina.

De novo no jipe lá seguimos a caminho da “gare”, uma pequena construção de tijolos e chapa de zinco, uma torradeira aquela hora do dia para quem se atrevesse a ficar lá dentro. Aqui chegados, fomos surpreendidos pela presença de dois aviões estacionados. Um, era naturalmente o nosso já conhecido velhinho biplano, e o outro era um pequeno mas moderno, elegante e colorido aparelho em que predominava o azul e branco.
Perante a nossa admiração, o condutor do jipe informou-nos de que o aparelho pertenceria ao casal homossexual, que eram também hóspedes do hotel.

Chegara a hora da partida. Para além de nós e da tripulação, embarcaram também dois outros europeus que não conhecíamos, sendo um deles bastante “robusto” e que nos disse depois que era o proprietário do aparelho. Motores em marcha para o aquecimento e feitas as verificações finais o aparelho começa a mover-se lentamente, quando se gera algum burburinho a bordo. Alguém se terá apercebido de que uma nova passageira, que em marcha acelerada se dirigia para o aparelho, fazia sinais para que esperassem por ela. Imobilizado o aparelho, a senhora guineense bastante cansada e ofegante lá subiu e se acomodou num dos lugares ainda vagos. Este episódio fez-me lembrar situações semelhantes que acontecem na minha cidade com os transportes públicos. Tudo resolvido e o avião faz-se à pista. A descolagem decorreu normalmente e o avião deixa Bubaque, sobrevoando a praia que frequentamos e a ilha de Rubane.

Calados, expectantes e ansiosos, rogamos aos céus para que tudo corresse bem. Os últimos minutos da aproximação a Bissalanca foram de alguma turbulência mas, apesar disso, o aparelho tocou a pista com suavidade. Respiramos fundo. Com a recordação sempre presente da aterragem em Bubaque, exclamamos: desta já nos safamos.

Seriam cerca das 15 horas e aqui o calor apertava. Na gare, para além dos ocupantes do aparelho, não se via uma só pessoa. De malas nas mãos dirigimo-nos para a praça defronte da gare para se arranjar um táxi que nos levasse até ao Hotti Bissau. Também aqui era o vazio. Percebi que havia falhado ao imaginar que esse elementar serviço num qualquer aeroporto estaria sempre disponível. Estávamos a conhecer a realidade guineense e a “saborearmos” mais um dos encantos da África. O proprietário do aparelho, atento e percebendo o desconforto da situação em que nos encontrávamos, apressou-se a oferecer-nos boleia na sua viatura que estaria a chegar.

Deixou-nos depois no hotel, desta feita por poucas horas. Aqui instalados, fizemo-nos à magnífica piscina para um resto de tarde de relaxe e da contemplação do bonito enquadramento em que estava integrada. Outros europeus, sobretudo cooperantes, eram a nossa companhia neste hotel que era um pequeno paraíso neste pobre, mas único país. Programamos para marcar o fim da nossa estadia, um jantar no restaurante do hotel e convidamos o Candé a partilhá-lo connosco, aquele a quem passamos a considerar como Amigo e que muito contribuiu para o sucesso desta viagem.
Depois do prolongado jantar era a hora do transporte para o aeroporto, com uma paragem no Lusófono para uma última bebida antes do regresso a casa.

O avião partiu com o meu coração muito apertadinho por tantas emoções, mas de uma coisa eu tinha a certeza; voltarei um dia. Senti que uma semana é sempre muito pouco tempo para um primeiro retorno à terra em que vivemos uma parcela da nossa juventude, aquela fase da vida em que escolhemos e confirmamos as nossas opções para o futuro. Mas apesar disso, e como escreveu um dia a esposa de um amigo, nesta terra é possível num só dia lançar a semente à terra, ver crescer a planta e colher as suas flores. É assim nesta terra, os dias parecem imensos e vive-se docemente sem o stress da vida agitada da nossa sociedade. Aqui, são tantas e tão intensas as emoções que nos envolvem e tão grande o choque com as realidades sociais e humanas, que acabamos por crescer e a aceitar o mundo com as suas diferenças e aprendemos a ser mais tolerantes e solidários. Por isso, quando se vem à Guiné é indispensável trazer na bagagem uma atitude mental de disponibilidade para se aceitar as realidades que vamos encontrar. Não devemos comparar nada. Não comparem os preços nem as condições de higiene, não comparem a qualidade dos transportes nem a qualidade de vida. Não comparem nada, mesmo nada. E sobretudo, aceitem e respeitem os diferentes usos e costumes das diferentes etnias. Não se vem à Guiné para se provar nada. O que aqui me trouxe foi a procura das minhas memórias, dos lugares, das imagens e dos interlocutores das vivências do meu passado. Vim ao encontro da minha juventude. Em troca, recebi afectos que julgava perdidos e as mais efusivas demonstrações de amizade, de respeito e até de gratidão. Vá-se lá encontrar a explicação para esses sentimentos. Talvez até nem seja difícil.

Como algo fica sempre por fazer ou por ver, como a não concretização do ansiado encontro com Galé Djaló, voltarei um dia de coração ainda mais aberto, para rever esta terra e as suas gentes. Para os que me acompanharam nesta viagem, em especial a minha esposa que da Guiné só guardava os aerogramas do nosso tempo de namorados, todos ficaram maravilhados com o povo Guineense.
Abençoada viagem.

Neste momento, em que alinhavo os últimos retoques para dar por finda esta série (8) “CRÓNICAS DAS MINHAS VIAGENS À GUINÉ - A MINHA PRIMEIRA VIAGEM – 1998”, preparo-me para iniciar os contactos para voltar à Guiné em 2012, na minha quarta viagem. A seu tempo, para não correr o risco de ser repetitivo, vos darei um resumo dos momentos mais interessantes do conjunto das posteriores visitas e, por considerar que é no relato da primeira viagem que reside o maior encanto e a magia do reencontro com um passado, que é património da personalidade de cada um de nós.

Zé Rodrigues

Hotti Bissau, acesso à piscina

Deliciosos momentos

Restaurante Asa Branca, último almoço em Bissau

Regresso a Lisboa, paragem no Lusófono com o Candé

A minha primeira viagem à Guiné - 1998 (6) - Vôo para Bissau, estadia e regresso a Lisboa
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Nota do editor

Postes da série de:

17 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12162: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (1): A asfixiante e inadiável ideia de voltar

24 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12195: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (2): A minha primeira viagem em 1998

31 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12226: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (3): A minha primeira viagem em 1998 - A descoberta da nova realidade

7 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12260: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (4): A caminho do Xitole, 26 anos depois

14 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12290: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (5): O dia seguinte no Xitole com as pessoas

21 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12322: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (6): Bubaque, a outra Guiné com sabor a férias
e
28 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12356: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (7): Segundo dia em Bubaque, na descoberta do povo Bijagó

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12356: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (7): Segundo dia em Bubaque, na descoberta do povo Bijagó

1. Sétimo episódio da série do nosso camarada José Martins Rodrigues (ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72), dedicada às suas viagens de saudade à Guiné-Bissau, a primeira efectuada em 1998.




CRÓNICAS DAS MINHAS VIAGENS À GUINÉ-BISSAU 

A PRIMEIRA VIAGEM - 1998

7 - O SEGUNDO DIA EM BUBAQUE, NA DESCOBERTA DO POVO BIJAGÓ

Após uma noite bem dormida e um pequeno-almoço frugal (os franceses são uns unhas de fome) a pressa era dar uma saltada até à praia, não longe dali. Toalhas ao ombro e chinelos nos pés, fizemo-nos ao caminho aproveitando para apreciarmos a especial beleza de algumas espécies de flores que fomos encontrando.

Continuando, deparamo-nos com uma construção de aspecto bizarro e de gosto duvidoso, ali virada ao canal que nos separa da Ilha de Rubane. Imagine-se uma casa a quem os alicerces cederam e toda a estrutura ficou tombada, como se as janelas ficassem viradas para o “céu”. Estranhamos o aspecto da vivenda, mas logo percebemos que havia sido construída assim mesmo. Quer a casa, quer os jardins estavam no mais completo abandono. Ao que nos disseram depois, teria sido a casa de férias do primeiro Presidente da Guiné, Luís Cabral. O poder e as suas excentricidades, neste pobre país.

Terá sido casa de férias de Luís Cabral

Continuamos o nosso percurso e chegamos a um conjunto de construções com todo o aspecto de ser uma unidade hoteleira. Tratava-se do Hotel Bijagós, com um grande bungalow central que seria a sala das refeições com cozinha anexa e ainda vários pavilhões de construção térrea, implantados nas proximidades. Esta unidade já existiria na era colonial com a finalidade de ser uma “colónia de férias” para Sargentos e Oficiais das nossas Forças Armadas. À época, devia ser um paraíso, hoje um lugar muito tranquilo e quase deserto.

Um pouco mais à frente, acedemos à praia através de um “trilho” em declive e logo deparamos com um grupo de jovens frequentadores locais. O nosso olhar deliciou-se com a imagem de uma praia magnífica. Estendidas as toalhas na areia finíssima e depois de uns mergulhos nas águas cálidas e com ondulação praticamente inexistente, logo percebemos que éramos os únicos brancos por aquelas bandas.

Alguns coqueiros e outras árvores eram o nosso guarda-sol. A pouca profundidade das águas permitiu-nos um passeio ao longo da praia para apreciarmos a paisagem que nos envolvia. Alguns jovens Bijagós acercaram-se de nós, talvez na expectativa de uma qualquer oferta. Uma grande canoa a motor, de pesca, aportou à praia e era esperada por um adulto que entretanto chegara.
Da canoa, foram arremessados vários peixes para o areal que prontamente foram recolhidos. Das palavras trocadas entre um dos tripulantes da canoa com o adulto que recolhera os peixes, pareceu-nos ter ouvido a expressão “brancos na praia”.
Uma saudação, um comentário ou uma exclamação de espanto pela raridade da presença de europeus por aquelas bandas?

Enquanto a canoa de pesca se ia afastando da praia, os nossos olhares distinguiam no horizonte os contornos de outras ilhas.

Regressamos ao hotel para o almoço e percebemos que um jovem casal nos fazia agora companhia. À conversa com esse casal, durante o almoço, a jovem informou-nos ser filha do proprietário do Anura Clube, um outro empreendimento turístico na região de Bula, e que ali estariam em lua de mel. Após o almoço era tempo do planeado passeio, a pé, pela povoação e tabancas próximas, na procura dos sinais da cultura e das tradições daquele povo.

A caminho da povoação e acompanhados de alguns jovens, fomos visitar um local em que estavam “expostas” uma quantidade apreciável de máscaras, estatuetas e outras obras de arte, executadas em diferentes materiais, e que eram certamente muito antigas. Estávamos perante uma das mais conhecidas expressões de arte deste povo animista e, como em anteriores crónicas já citei, com referências em muitos trabalhos de estudiosos sobre as diversas expressões de arte Africanas.
Quase como quem receia tocar em algo sagrado, perguntamos ao respeitável ancião, guardião daquele espólio, quanto poderia custar uma pequena máscara que nos captou a atenção. Delicioso no trato e com um português perceptível, disparou um valor incomportável para nossas exauridas carteiras em fim de “férias”.

Na impossibilidade do negócio, continuamos até à principal “avenida” da povoação, sulcada de canais em resultado de muitas chuvadas e ausência de reparações, que nos conduziria até ao cais de Bubaque. Este era o principal ponto de ligação do arquipélago dos Bijagós com a parte continental da Guiné. As construções próximas do cais eram precárias, pequenos estabelecimentos comerciais e muito pouco movimento naquela hora.
Inflectimos para outra zona da ilha e fomos ao encontro de uma missão católica dedicada ao apoio a crianças, e não só, dirigida por um religioso italiano. Pelo caminho, conhecemos uma jovem, filha de Portugueses emigrados na Bélgica e que, estando na missão em serviço de voluntariado e a preparar uma tese, nos acompanhou até lá.

A missão estava integrada num conjunto urbano com traço colonial e militar e várias das construções estavam a ser utilizadas, nomeadamente pelos serviços telefónicos. Prosseguimos mais para o interior da ilha ao encontro de uma tabanca. Caminhando, fomos abordados por dois jovens, membros de uma cooperativa de artesanato local e que nos propuseram a compra de algumas das esculturas que exibiam. Deixamo-nos seduzir quer pela beleza, quer pelo preço, regateado, e trouxemos para casa algumas peças, de que destaco a escultura de um Irã que representa o espírito dos animistas nas cerimónias e rituais de ligação à natureza.

Levamos depois as peças à presença de uma autoridade tradicional, que através de um carimbo, certificou cada uma delas como sendo autêntico artesanato dos Bijagós. Satisfeitos com as peças e com o preço pago por elas, continuamos o nosso caminho até uma tabanca próxima. Era ainda a época seca e as hortas estavam por cultivar.

O tempo era já escasso e só permitiu observar visualmente alguns pormenores da vida dos Bijagós. Gente hospitaleira, amiga de conversar e que se desloca para a região de Bissau na procura do trabalho que garanta o sustento da família. Imigrantes na sua própria terra, como em tantos outros lugares do Mundo.

Já na saída da tabanca deparamo-nos com um peixe de grande tamanho secando ao sol, espetado numa esteira que servia de vedação a um terreno de cultivo. Até aqui nada de anormal, não fora o cheiro nauseabundo e a quantidade de moscas que o peixe nos “oferecia”.

Cansados, decidimos regressar ao hotel e, aqui chegados, saímos disparados para um refrescante banho. Reunidos depois na esplanada para uma “loira” fresquinha, a tempo de assistirmos à chegada de mais hóspedes. Eram dois cavalheiros de meia-idade. Um deles, exprimindo-se em francês e substancialmente mais alto que o outro, exibia uns trejeitos efeminados. Não tardamos a concluir que se tratava de um casal de homossexuais.
Este pedaço de terra, perdido na costa ocidental africana, era o local ideal para se fugir a olhares indiscretos.

A hora do jantar confirmou, mais uma vez, que o peixe era a base de quase todas as refeições que degustamos, sendo a barracuda o principal sacrificado.

O sol escondia-se já no horizonte por detrás de uma qualquer daquelas ilhas, anunciando a hora do recolher.
Foi um dia cansativo mas enriquecedor, no contacto com o povo Bijagó.

( Continua)

Na esplanada do hotel em Bubaque

Praia em Bubaque

À descoberta de Bubaque

A minha primeira viagem à Guiné-Bissau - 1998 (5) - Estadia em Bubaque, na descoberta do povo Bijagó
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12322: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (6): Bubaque, a outra Guiné com sabor a férias

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12322: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (6): Bubaque, a outra Guiné com sabor a férias

1. Sexto episódio da série do nosso camarada José Martins Rodrigues (ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72), dedicada às suas viagens de saudade à Guiné-Bissau, a primeira efectuada em 1998.




CRÓNICAS DAS MINHAS VIAGENS À GUINÉ-BISSAU 

A PRIMEIRA VIAGEM - 1998

6 - BUBAQUE (BIJAGÓS), A OUTRA GUINÉ... COM SABOR A FÉRIAS

Depois do pequeno-almoço no Capé (Bafatá), partimos para Bissau a tempo do almoço no Restaurante Asa Branca, propriedade de um alentejano, bem no centro da cidade. Partilhamos o repasto na companhia do nosso amigo Candé, que nos iria acompanhar depois até ao aeroporto para um voo com destino a Bubaque.
Esta parte final da nossa presença na Guiné, com um cheirinho a férias, foi o preço que tive que pagar para as senhoras me acompanharam nesta viagem. Mas, convenhamos que, depois de uns dias tórridos na zona centro/leste do país, impunha-se um pequeno período de relaxe, de usufruto da natureza e do convívio com alguns dos aspectos da cultura deste povo animista, muito conhecido pelas suas esculturas, quase sempre referidas na literatura especializada no estudo das origens desta antiga arte Africana.

Alguns episódios, completamente inesperados e que rodearam esta viagem até Bubaque, iriam transformar-se nos momentos mais agitados de toda a nossa estadia na Guiné. Desde momentos bizarros e rocambolescos, até ao receio pela nossa segurança, de tudo um pouco aconteceu.

Depois das elementares formalidades de embarque, dirigimo-nos para a placa do aeroporto e, de imediato, procuramos visualizar o nosso meio de transporte. Lá ao fundo, um pouco à esquerda, encontravam-se dois helicópteros e um pequeno avião. Saquei da minha Sony e apressei-me a registar imagens das aeronaves. De repente, um agente da autoridade puxa-me por um braço e informa-me que tenho que lhe entregar a cassete vídeo, porque estava a filmar em local proibido. (Para nos situarmos, registe-se que nesta data vigorava em Bissau o regime de partido único).

Tentei, com calma, explicar-lhe que desconhecia a proibição, que não via qualquer risco para a segurança do país, etc. etc. etc.
Não tendo conseguido demover o agente da autoridade, recusei veementemente a entrega da cassete, porque tal significaria perder imagens únicas e irrepetíveis desta viagem à Guiné. Perante a minha recusa e a estupefacção dos meus acompanhantes, o agente levou-me para a esquadra do Aeroporto.

Era a Guiné e a África destes tempos. Fiquei rodeado de alguns agentes da autoridade num espaço exíguo e, fizeram-me sentar numa cadeira. Exigiram-me o passaporte e ameaçavam retirar-me a máquina de filmar. Voltei aos mesmos argumentos, tentando de forma firme, mas respeitadora, explicar-lhes o que significava perder as imagens de uma viagem há tantos anos sonhada. Continuaram irredutíveis. Já não sabia o que mais fazer. Num relâmpago, ocorreu-me a ideia do suborno. Depressa desisti, porque poderia ser pior a emenda que o soneto.

Enquanto isso, lá fora, os meus familiares procuraram, e encontraram, o nosso amigo Candé a quem contaram o sucedido. Apercebo-me da entrada de mais uma pessoa. Era Candé. Coloca-me a mão no ombro e diz-me para estar calmo. Sinto-me agora mais confiante. Até aí, sentia-me perdido e prestes a desistir. Candé, dirige-se aos mais graduados e troca com eles algumas palavras em crioulo. Inesperadamente, diz-me para me levantar e para sair para junto dos meus.

Quando saí daquele abafado espaço, respirei bem fundo, devido ao ar sufocante e ao alívio da situação. Os meus familiares, meio incrédulos, viveram momentos de ansiedade. Candé voltou para junto de nós e, devolvendo-me o passaporte, disse-nos que estava tudo resolvido. Enquanto isso, o avião para Bubaque esperou por nós mais de uma hora.

Informados os pilotos de que estávamos prontos, recebemos indicações para nos deslocarmos para o aparelho. Os inevitáveis abraços ao Candé e lá nos dirigimos ao aparelho. Tratava-se de um mono-motor muito antigo, de dupla asa, pertencente à “ASTRÁVIA” e com capacidade para dez passageiros. Acomodamo-nos.

Tínhamos por companhia dois pilotos na cabine e uma simpática hospedeira, todos eles guineenses. Estávamos a meio da tarde e um calor asfixiante dentro do aparelho. O avião começou a movimentar-se na pista, preparando-se para a descolagem. A cabine de pilotagem não teria porta, o que permitia que os passageiros assistissem aos procedimentos do voo. Do tecto da cabine pendia um qualquer instrumento de medição que os pilotos consultavam. Tudo a postos e o avião descolou normalmente. Poucos minutos depois já estávamos sobre a água e, para além dos bancos de areia, começaram a ver-se os contornos de algumas ilhas. No aparelho, os tirantes que uniam as asas vibravam, mas o voo, de cerca de meia hora, decorria sem grandes oscilações. Os pilotos iam consultando o aparelho suspenso na cabine e tudo parecia bem. Um deles calçava um sapato rasgado na costura do calcanhar e as peúgas eram diferentes.

Viam-se agora com nitidez várias ilhas e sentimos que o aparelho iniciara a descida, apontando na direcção de uma delas. De relance vêem-se várias construções e uma linda praia bordejada de arvoredo, que sobrevoamos em direcção à pista de terra batida. Estávamos longe de imaginar o que nos esperava na aterragem. O avião faz-se à “pista”, desce normalmente e toca suavemente no solo e, de repente, sobe bruscamente aí uns dez metros. A pista começa a ficar curta e ao fundo, termina com árvores de elevado porte. Perante esta inesperada situação, os pilotos “atiram” o avião para o solo com tal força, que todos nós, sacudidos nas cadeiras, soltamos um assustado grito com a violência pancada.

Apesar do grande susto, lá conseguiram imobilizar o avião próximo do fim da pista. O trem de aterragem fixo, era dos rijos. Desde o episódio com a polícia no aeroporto de Bissau, até esta aterragem na ilha de Bubaque, estas “férias” nos Bijagós prometiam.

Num jipe sem cobertura e com os cabelos soltos ao vento, fomos conduzidos até ao “Maiana Village”. Esta unidade hoteleira, propriedade de um casal francês, ficava sobranceira a uma pequena falésia, bem junto ao canal que nos separa da Ilha de Rubane. Estava equipada com vários bungalows individuais, um salão restaurante, uma agradável esplanada e, de uma pequena piscina. No jardim, bastante arborizado, pontuavam muitos lagartos que se deliciavam com as sempre presentes formigas.

Resolvidas as formalidades da chegada, fomos deliciar-nos com um banho na piscina. Na esplanada e enquanto aguardávamos o jantar, comentamos as peripécias deste dia inusitado. Éramos os únicos hóspedes do hotel.

Ao jantar foi-nos servido um prato de massa com “estilhaços” de carne que, como habitual nos franceses, enchia mais os olhos que o estômago. A temperatura por aqui, neste delta com 88 ilhas e ilhéus, é bem mais amena que na parte continental da Guiné. Caiu a noite e, antes de nos recolhermos, decidimos que o dia seguinte seria de descoberta da ilha, das suas gentes e das suas praias.

(Continua)

Pequeno-almoço, despedida do Capé


Avião que nos levará a Bubaque, nos Bijagós

Canal e Ilha de Rubane

Na piscina em Bubaque

A minha primeira viagem à Guiné - 1998 (4) - Despedida do Capé, Bissau e voo para Bubaque (Bijagós)
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12290: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (5): O dia seguinte no Xitole com as pessoas

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12290: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (5): O dia seguinte no Xitole com as pessoas

1. Quinto episódio da série do nosso camarada José Martins Rodrigues (ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72), dedicada às suas viagens de saudade à Guiné-Bissau, a primeira efectuada em 1998.




CRÓNICAS DAS MINHAS VIAGENS À GUINÉ-BISSAU



A PRIMEIRA VIAGEM - 1998

5 - O DIA SEGUINTE NO XITOLE COM AS PESSOAS

Após uma noite bem dormida e todos manifestamente bem dispostos, voltamos à estrada para mais um dia “fora de casa”, novamente a caminho do Xitole.
Aqui chegados, a motivação eram agora as pessoas. Sabiam que viríamos.

Os Homens e as Mulheres Grandes eram hoje em maior número. De muito poucos me lembrava. Uma Mulher Grande, de quem não recordava o nome, mas que reconheci sem grande dificuldade, era uma das esposas do proprietário dum camião civil que quase sempre integrava as colunas de reabastecimento ao Xitole. Ela e o Saido Baldé, eram os nossos principais interlocutores, talvez porque falando um Português, aqui e ali mesclado com o crioulo, facilmente se faziam entender.

Com uma mistura de sobriedade e de altivez, trajavam de vestes tradicionais e tinham uma memória soberba. Comecei a sacudir a poeira do baú das memórias. Ouvi falar de quem conhecera e dos que já haviam desaparecido. Ouvi falar de quem já não lembrava e daqueles que me foram mais próximos. Ouvi falar de quem esperava encontrar e que, por razões várias, não o consegui. Ouvi falar do antes e do agora das suas vidas. Ouvi os lamentos de uma vida dura e sem esperança e, ouvi falar com nostalgia dos tempos da nossa presença.

Saltavam os nomes do Capitão... do Alfero... do Furriel... que até tocava viola, do Formeiro... etc. etc. etc..
Era patente a alegria com que falavam desses tempos. Foi com alguma dificuldade que consegui disfarçar a emoção, sempre que faziam essas referências. Paternalismo ou outro qualquer “ismo”?

Naquele momento, eu tinha uma certeza. Era somente um ser humano, tocado pelos afectos forjados há muitos anos em circunstâncias particulares e que os deixava fluir sem mais “embrulhos”, na presença daqueles que a vida colocara no seu caminho. Estava feliz entre “a minha gente”.

O Saido Baldé era difícil esquecer. Com uma fisionomia muito peculiar, em que sobressaíam uns olhos que pareciam querer saltar a qualquer momento das órbitas, era um homem feliz. Não nos largava um minuto. Mas não tinha as notícias do Galé Djaló que eu esperava ouvir. Impunha-se uma nova ida a Quebo (Aldeia Formosa) na companhia do Saido. Voltaríamos a fazer o nosso almoço piquenique junto dos rápidos de Cussilinta, com nova paragem para um cafezinho no Saltinho. Quebo, era a derradeira tentativa para encontrar o camarada de “profissão” com quem privei, de forma quase fraternal, durante a minha permanência no Xitole. Um bom Camarada e Amigo, que a “sorte” não permitiu rever.

Se dúvidas houvesse, logo ali ficaram desfeitas. Eu tinha que voltar à Guiné. São tantos os motivos que nos “puxam” para aquela terra que, somados à necessidade de rever Galé, tornaram firme essa ideia. Eu sabia que iria voltar e, disso fiz promessa e anúncio em Quebo e o repeti no Xitole, para onde nos dirigimos novamente. Eram os nossos últimos momentos no Xitole.
Aproveitamos para dar mais uma vista de olhos, principalmente pelas redondezas do quartel. Sempre na companhia do Saido, aventuramo-nos ali para os lados da antiga picada, no sentido de quem vinha da “Ponte dos Fulas”, do antigo poço de que se abastecia o quartel e da casa do comerciante libanês Jamil. Ali por perto, a picada tinha virado trilho, o poço, que já fora substituído, estava abandonado e meio escondido e o alpendre da casa do Jamil ameaçava cair, apesar do interior estar em razoável estado de conservação. Ao que parece, esta casa teria sido utilizada para alojamento do pessoal da empresa que construiu a estrada alcatroada.

Não fora o novo posto de saúde e uma outra construção nova, e aquele local mais parecia uma cidade fantasma. Foi o último olhar sobre o Xitole. A despedida foi difícil. Algumas lágrimas envergonhadas caíram pelo meu rosto. Eram o tributo do meu carácter à reconciliação com as memórias do passado e, a expressão dos meus afectos pelas gentes do Xitole. Estava a despedir-me e já sentia saudades.

Desisti de procurar as explicações para o meu estado de alma. Era o “eu” de agora. Aquela mistura do “eu” com vinte e três anos e o “eu” com cinquenta e um anos de idade. Tantos e tantos anos a sonhar em voltar ao Xitole e já estava de partida. Emocionado, deixei aquelas gentes e aquela terra. Eu sabia que iria voltar, porque há mais mundo no nosso coração para além da nossa vida, neste cantinho à beira mar plantado. Os que me acompanhavam nesta viagem, estavam tão longe, ou não, de entenderem a guerra das emoções que estava a travar e que, com dificuldade, me esforçava por controlar.

Regressamos ao Capé para um resto de tarde na piscina e para dois dedos de conversa com os gestores do empreendimento turístico, senhor Fernando e D. Margarida. O senhor Fernando, para além de ter sido funcionário da Caixa Geral de Depósitos em Lisboa, era também um ex-combatente na Guiné. Gente simpática e com talento na arte de bem receber, e que decidira tentar a “sorte” na Guiné. O número de hóspedes tinha aumentado substancialmente. Contamos mais sete casais. Segundo o senhor Fernando, estes casais integravam médicos oriundos da Cidade do Porto e teriam vindo de avião até Dakar, prosseguindo depois de Jipe até Bafatá e, segundo nos confidenciou depois, estariam ali a expensas de um conhecido laboratório farmacêutico.

Talvez pelos muitos hóspedes, ou por ser a nossa última noite no Capé, fomos brindados durante o jantar e ao redor da piscina, com a exibição de um grupo de danças tradicionais da etnia Mandinga. Batuque forte e ritmado, jovens de ambos os sexos vestindo trajes tradicionais e dançando coreografias ancestrais. Espectáculo soberbo. No final, os hóspedes acabaram misturados com os “artistas”, na vã tentativa de os acompanharem.
Era a noite de despedida da região centro da Guiné-Bissau e dos locais que mais me marcaram. Fomos dormir. Amanhã, é o regresso a Bissau para a descoberta de uma “outra” Guiné.

Xitole - Antigo e atual enfermeiros

Xitole - Conversando, no local que era a entrada do quartel

Xitole - Reencontro com Saido Baldé

Xitole - Na escola, deixando material escolar

A minha primeira viagem à Guiné -1998 (3) - De Cussilinta, Saltinho, Ponte dos Fulas, até ao Cais do Xime

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12260: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (4): A caminho do Xitole, 26 anos depois