segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25048: O segredo de...(40): Patrício Ribeiro, 76 anos: Angola, Quifangondo, 1975: uma das "minhas guerras" a que assisti ao vivo


Patrício Ribeiro, ex-grumete fuzileiro, Angola, 1969/72


1. Afinal, todos temos pequenos/grande segredos da tropa, da guerra e da Guiné (e de outros lugares do planeta) que em vida ainda não partilhámos, ou só contámos a alguma ou outra pessoa das nossas relações mais íntimas: o pai, a esposa, o filho mais velho, o amigo do peito, o camarada de armas que ficou nosso amigo para sempre... Ou às vezes nem isso... 

Há coisas que decidimos não contar à família nem aos amigos do peito... Há coisas que nem às paredes se confessa, como diz a cohecida letra de fado. São coisas "muito nossas" que até preferimos, nalguns casos, levar connosco para o caixão... Todos temos esse direito. 

Outras há que, com o passar dos anos, achamos que podem entrar "no domínio público", sem consrangimento, sem mágoa, sem ferir ninguém... Pode até ser um forma de fazer o luto (em caso de perda de alguém ou de alguma coisa muito preciosa para nós)..

Já aqui publicámos, no blogue, cerca de quatro de dezenas de postes na série "O segredo de...". Em 20 anos, dá uma média de 2 por ano. Mas o "confessionário" continua de portas abertas... 

Já aqui o dissemos, a propósito de segredos partilhados por (e segundo a ordem cronológica, com alguns a partilharme mas do que um segredo):

  • Mário Dias, 
  • Santos Oliveira, 
  • Luís Faria (1948-2103),
  • Virgínio Briote, 
  • Amílcar Ventura, 
  • Joaquim Luís Mendes Gomes, 
  • António Medina,
  • Ovídio Moreira,
  • António Carvalho,
  • Sílvio Fagundes Abrantes,
  • Amadu Djaló (1940-2015),
  • Antóno Graça de Abreu,
  • Augusto Silva Santos,
  • Ricardo Almeida,
  • Fernando Gouveia,
  • Vasco Pires (1948-2016),
  • Cláudio Brito,
  • Ribeiro Agostinho,
  • Mário Gaspar,
  • Domingos Gonçalves,
  • João Crisóstomo,
  • Victor Garcia,
  • António Ramalho
  • Manuel Oliveira Pereira,
  • Alcídio Marinho (1940-1921),
  • João (Candeias da) Silva (1950-2022)
  • Dionísio Cunha, 
  • José Ferraz de Carvalho, 
  • Jorge Araújo,
  • Demburri Seidi/Cherno Baldé, 
  • António Branquinho (1947-2023)

Seria uma pena que estes e outros camaradas levassem  para a cova os pequenos/grandes segredos contaram no nosso "cofessionário"... São histórias fabulosas que humanizam a guerra, que engrandecem os seres humanos que as protagonizam, e que nos tocam, fundo... 

Claro que algunas são como abrur a caixinha de Pandora... (Foi o caso, por exemplo, do Amílcar Ventura que teve  comentários... agrestes).

Este, que hoje trazemos a público, já foi dito em comentário ao poste P25035 (*). Mas merece ser recuperado e publicado, na montra grande do nosso blogue, nesta série...

Sobre o Patrício Ribeiro, convém lembrar:  nascido em Águeda, em 1947, cresceu em Angola, em Nova Lisboa (hoje Huambo), onde casou, viveu e trabalhou; ali fez a tropa como fuzileiro (1969/72). 

Ficámos a saber que veio para Portugal na véspera da independência; mas deu-se mal com a sua condição de "retornado": "africanista", decidiu ir viver e trabalhar, em 1984, na Guiné-Bissau; empresário, fundou uma empresa ligada à energia; agora, aos  76 anos está cá e lá, dedicando-se ao neto e à sua agricultura em Águeda mas também dando uma mãozinha ao filho que lhe sucedeu nos negócios... Aqui, em Águeda, sente-me mais confortável para falar do seu passado, como foi o caso há dias (*).

É autor da série "Bom dia desde Bissau", é um histórico do nosso blogue, para onde entrou formalmente em 2/1/2006: é nosso correspondente em Bissau, colaborador permanente da Tabanca Grande para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau; mais de 130 referências no blogue..

 
O segredo de...(39): Patrício Ribeiro, 76 anos: Angola, Quifangondo, 1975: uma das "minhas guerras" a que assisti ao vivo (**)

Assisti e ouvi perto a artilharia durante muitos dias, da batalha do Quifangondo.

Ia trabalhar todos os dias a poucos quilómetros do Cacuaco.

Todos os dias a caminho do trabalho, passava junto de diversos guerrilheiros mortos, que durante a noite ali eram abatidos e recolhidos, durante o dia, pela tropa Portuguesa para a morgue, que eu visitava quase diariamente, a fim de ver quem chegava, pois poderia ser um amigo.

Havia ex-tropa portuguesa de ambos os lados da batalha, alguns vieram mais tarde para Portugal, onde constituíram família.

Nos últimos dias do fim do mês de outubro de 1975, passavam por mim os carros blindados com cubanos para a linha da frente, que saíam dos navios às escondidas, ou não, da tropa portuguesa. A saída era pela linha do comboio, do porto de Luanda.

Até que no dia 30 de outubro de 1975, resolvi não morrer naquela estrada e naquela guerra, já que por vezes disparavam para todos os lados, até para o meu carro, quando diariamente lá passava e tinha que mostrar um cartão de filiado em qualquer movimento, o que eu não queria.

Esta foi uma das "minhas guerras" a que assisti ao vivo.




Angola > Luanda > Cacuaco > Quifangondo  (o Kifangondo) 

"Esta obra é de autoria do museu nacional de história Marco Histórico do Quifangondo, fotografada por Abraão Fernando Figueira, 01:02, 5 September 2015, numa exposição escolar realizada pela escola Flor viva. Mostra os heróis que lutaram para libertação nacional de Angola." Fonte (e legenda): Wikimedia Commons (imagem editada, com a devida vénia, pelo Blogue Luís Greaça & Camaradas da Guiné...)

(...) No local da batalha, uma colina com vista para o rio Bengo, foi construído o Memorial da Batalha de Quifangondo, como um tributo a todos aqueles que participaram na luta de libertação nacional. O memorial foi projectado pelo escultor Rui de Matos e inaugurado em 2004 pelo presidente de Angola, José Eduardo dos Santos" (...) (Fonte: Wikipedia > Quifangondo)

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4 comentários:

Antº Rosinha disse...

Cacuaco era um dos passeios de fim de semana, de quem vivia em Luanda, a par da barra do Cuanza, Ilha do Mussulo,e umas pescarias por aquelas praias.

Alguns aventureiros não passavam sem umas caçadas, algo arriscadas, que para o Patricio seria "canja".

Luanda possui um Museu Militar, que deve ser uma coisa riquíssima.

Diz a wiquipédia que tem os artefactos da guerra da independência 1961-1975, (14 anos), e a Guerra civil, 1975-2002, (27 anos).

Mas tem também a estátua de Diogo Cão o primeiro europeu a chegar a Luanda, a de Paulo Dias de Novais, o fundador de cidade de São Paulo da Assunção de Luanda, a de Vasco da Gama, o descobridor do caminho marítimo para a Índia, a de Luís de Camões, o maior poeta da língua portuguesa, entre outros[1].

Claro que faltam algumas estátuas, digo eu, falta a de Neto, a de Savimbi, a de Holden Roberto, a de Fidel Castro, e a de Zedu, etc.




Tabanca Grande Luís Graça disse...

Quifangondo ou kifangondo ?

Temos de respeitar a ortografia nacional angolana nestes topónimos...

Veja-se o que diz a Wikipédia sobre o "Português angolano":

https://pt.wikipedia.org/wiki/Portugu%C3%AAs_angolano

(...) De todos os países africanos, Angola é o país onde a percentagem de falantes de português como primeira língua é a maior:(...) cerca de 80,05 % dos 36,6 milhões de habitantes, isto é, 29,3 milhões falam português. (...) Angola é o segundo país com maior número de pessoas lusófonas, atrás apenas do Brasil. (...)

(...) Ortografia

À excepção do Brasil, todas as demais ex-colónias portuguesas, Angola inclusive, seguem o padrão ortográfico de Portugal.

Apesar de ter participado na redacção do Acordo Ortográfico de 1990, firmado pelo Secretário de Estado da Cultura de Angola, José Mateus de Adelino Peixoto, e nas reuniões da CPLP onde os dois protocolos modificativos foram aprovados, o governo angolano ainda não ratificou nenhum desses documentos. Em Março de 2010, Angola solicitou uma moratória de três anos para ratificar o Acordo Ortográfico pela necessidade de incluir o vocabulário específico do país no vocabulário comum.(...)

Até ao momento, no país continuam a vigorar as normas do Acordo Ortográfico de 1945, o que paradoxalmente já não acontece em Portugal.

No entanto, em Angola recorre-se frequentemente ao uso de k, w e y na escrita de certos antropónimos, topónimos e outras palavras que, em Portugal, se escreveram com c ou q, u e i, respectivamente. Exemplos: Soyo em vez de Soio; Kwanza em vez de Cuanza; kimbundu em vez de quimbundo, etc. (...)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Ptrício Ribeiro e António Rosinha:

Quifangondo (ou Kifangondo) terá sido, pois, a "última batalha da guerra colonial", travada na véspera da independência de Angola...

Não esqueço, por outro lado, que o Patrício Ribeiro tem "outro segredo", desconhecido da maior parte dos nossos leitores, embora já aqui relatado: as peripécias em Varelas ao tempo da guerra civil da Guiné-Bissau, em 1998/99...A sua ação heroica ainda não foi reconhecida pelo Govermo Português, que eu saiba...

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2022/03/guine-6174-p23090-incitacoes-198.html

Antº Rosinha disse...

Sobre a nossa "submissão estúpida" a estes e outros acordos ortográficos ditados pela maioria brasileira, não serão desnecessários?

Ainda bem que não começamos a pronunciar o português a imitar a Gabriela da novela, nem o sinhorzinho Malta ou o ítalo brasileiro Baldaracci.

Mas sobre os K, Y e W angolanos não passa de uma atitude psicológica de emancipação, não dos velhos e novos sobas e régulos angolanos, mas dos afamados "estudantes do império" da velha casa do estudante de Lisboa, mas também dos estudantes em linguas várias do Leste, quase todos do MPLA que ganharam a guerra final.

Esse complexo de "descolonizado" quem pode explicar seria um Luandino Vieira que escreveu Luuanda e foi premiado, e que foi criado junto dos jovens dos subúrbios de Luanda, que falavam um português característico, que ele recriou naquele livro.