Crachá da CCAÇ 3545, "Os Abutres" (Canquelifá e Dunane, 1972/74)
Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Canquelifá > CCAÇ 3545 (1972/7) > Março de 1973 > o 1.º cabo radiotelegrafist com "a sua companheira de guerra, de seu nome Eufrásia"
O José Peixtoto, c. 2016, ex-inspetor da CP, reformado.
Vive em Vila Nova de Famalicão
1. O José Peixoto é o único membro da Tabanca Grande, pertencente à CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883 (Canquelifá, 1972/74); era 1º cabo radiotelegrafista; sentou-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 731, em 30 de outubro de 2016. Deixou-nos um relato dramático dos últimos tempos da sua comissão, retirado de um texto seu, memorialistico, de 12/13 páginas que foi escrevendo ao longo dos anos e que intitulou "Arauto da Verdade" (*).
O texto, extenso, foi publicado na íntegra (poste P16656). Achamos por bem agora desdobrá-lo, por episódios, e cruzá-lo com outros postes que temos publicado sobre Canquelifá, com referênica à situação militar que se agravou, naquele aquartelamento e povoação do nordeste da Guiné, região de Gabu, a partir de agosto de 1973.
Por outro lado, há factos que precisam de ser esclarecidos (c0mo, por exemplo, os alegados 22 guerrilheiros mortos que deram entrada no quartel e tabanca; esta questão tem de ser sujeita a contraditório, e é importante o rigor factual, até porque está em causa a honra e o bom nome de muita gente das NT, a começar pelos comandantes das duas companhias em causa, infelizmente já falecidos, a CCAÇ 3545 (cap mil inf Fernando Peixinho de Cristo), e a CCAÇ 21 (tenente graduado 'cmd', Adbul Jamanca): só temos até à data documentada a morte de três guerrilheiros do PAIGC, e fotograficamente a de dois, o cabo-verdiano Jaime Mota e um conselheiro cubano que seria o tenente Ramón Maestre Infante. Para já há discrepância nas datas: 7 de janeiro de 1974 ou 24 de março ?
Nunca mais tivemos notícias do José Peixoto: não deve ter conta no Facebook, mas disse-nos que era inspector reformado da CP - Caminhos de Ferro de Portugal (desde 2013), vivia nos arredores de Vila Nova de Famalicão, era casado, tinha dois filhos formados em engenharia.
"Canquelifá era o seu nome" - Parte I: os ataques do início de janeiro de 1974 e a morte do fur mil op esp Luís Filipe Soares
por José Peixoto
(...) Senti-me um tanto ou quanto penhorado quando há dias visitei o nosso Blogue, e li toda a introdução deixada pelo seu autor Jorge Araújo, ex-Furriel Mil da CArt 3494, a quem quero aqui deixar muito particularmente um forte abraço, pelo facto de se ter ocupado dos acontecimentos de Canquelifá, concretamente a respeito da morte do então saudoso Furriel Luís Filipe Soares. (**)
Com efeito, destaco a incerteza dos pormenores, conforme referido em “Os acontecimentos de janeiro de 1974" (em Canquelifá) relativo às circunstâncias que
envolveram a sua morte.
O Luís Filipe Soares, que também era meu amigo, pois é facto que assentámos praça juntos no RI7, Leiria, na recruta de então, para apuramento dos militares cujo seguimento seria o Curso de Sargentos Milicianos (CSM). Dado na altura eu possuir o 4.º ano industrial, e tendo corrido menos bem as provas de seleção, fui considerado não apto, tendo ele seguido em frente na sua formação.
O Luís Filipe Soares, que também era meu amigo, pois é facto que assentámos praça juntos no RI7, Leiria, na recruta de então, para apuramento dos militares cujo seguimento seria o Curso de Sargentos Milicianos (CSM). Dado na altura eu possuir o 4.º ano industrial, e tendo corrido menos bem as provas de seleção, fui considerado não apto, tendo ele seguido em frente na sua formação.
Reencontrámo-nos em Abrantes, e por ironia do destino estávamos mobilizados para a mesma Província e Companhia.
Para além das suas ausências de Canquelifá, conversávamos com alguma regularidade, pois tratava-se efetivamente de pessoa afável.
O dia 6 de janeiro de 1974 foi o dia fatídico para o Soares, que ficará para sempre na minha/nossa memória.
Após os ataques consecutivos que antecederam os dias 2, 3, 4 e 5, a Canquelifá, cuja hora de início das flagelações foi variável, no dia 6, iniciaram-se cerca das 17h30, com intervalos de bombardeamentos compreendidos entre 10 a 15 minutos. Foram estimado na altura cerca de 40 a 50 foguetões 122 mm disparados durante todo o período da flagelação à mistura com o morteiro 120.
Cerca das 22h30 encontrava-me no abrigo de transmissões, e bem assim o nosso não menos saudoso Capitão Peixinho Cristo, entre outro pessoal de transmissões, quando surge ao cimo das escadas térreas do referido abrigo o nosso guia africano Anso Sané, exclamando:
O dia 6 de janeiro de 1974 foi o dia fatídico para o Soares, que ficará para sempre na minha/nossa memória.
Após os ataques consecutivos que antecederam os dias 2, 3, 4 e 5, a Canquelifá, cuja hora de início das flagelações foi variável, no dia 6, iniciaram-se cerca das 17h30, com intervalos de bombardeamentos compreendidos entre 10 a 15 minutos. Foram estimado na altura cerca de 40 a 50 foguetões 122 mm disparados durante todo o período da flagelação à mistura com o morteiro 120.
Anso Sané, em traje domingueiro |
- Nosso Capitão, “muri-lá” nosso furriel Soares, abrigo um.
O Anso Sané, aos olhos de quantos privaram com ele, era uma excelente pessoa que, com a intenção de nos proporcionar uma boa ajuda, durante o desenrolar dos ataques que sofremos, calcorreava “a pé descalço” toda a periferia do aquartelamento, por sistema, a fim de se inteirar das situações ao longo dos abrigos, trazendo as notícias à chefia.
O Soares encontrava-se na vala do lado norte do referido abrigo n.º 1, próximo a si refugiava-se também o “puto africano”, ou seja, o impedido daquele abrigo, que tinha por missão
O Soares encontrava-se na vala do lado norte do referido abrigo n.º 1, próximo a si refugiava-se também o “puto africano”, ou seja, o impedido daquele abrigo, que tinha por missão
levantar as refeições junto da cozinha que funcionava no centro, tal como arrumar o refeitório após a tomada das mesmas pelos militares daquele abrigo, tendo sido também ceifada a sua vida, com o mesmo míssil.
De referir também outros feridos daquele abrigo, pois já não recordo com exatidão.
O Soares tinha chegado a Canquelifá cerca de 3 ou 4 dias antes da sua morte, após o gozo de férias na metrópole, tendo ficado retido em Bissau durante um ou mais meses por motivo de não haver transporte para Canquelifá, acabando por chegar, por fim, numa coluna de abastecimento.
Relativo ao incidente a que o Jorge Araújo alude, no trajeto da sua urna até Bissau, sinceramente, também não me recordo.... Também foi notícia para mim.
Caro Jorge Araújo, espero desta forma ter contribuído para algum desmistificar do acontecido: o nosso amigo Filipe Soares não tombou em confronto direto com as tropas do PAIGC, mas durante o ataque, perpetrado contra aquartelamento de Canquelifáendo, com utilização foguetões 122 e morteiro 120, .
O Soares tinha chegado a Canquelifá cerca de 3 ou 4 dias antes da sua morte, após o gozo de férias na metrópole, tendo ficado retido em Bissau durante um ou mais meses por motivo de não haver transporte para Canquelifá, acabando por chegar, por fim, numa coluna de abastecimento.
Relativo ao incidente a que o Jorge Araújo alude, no trajeto da sua urna até Bissau, sinceramente, também não me recordo.... Também foi notícia para mim.
Caro Jorge Araújo, espero desta forma ter contribuído para algum desmistificar do acontecido: o nosso amigo Filipe Soares não tombou em confronto direto com as tropas do PAIGC, mas durante o ataque, perpetrado contra aquartelamento de Canquelifáendo, com utilização foguetões 122 e morteiro 120, .
Retrocedendo nos acontecimentos, e bem assim no tempo recordando desta forma o dia 3 de janeiro de 1974, cerca das 16h00, o aquartelamento começou a ser flagelado com um tipo de arma, que para nós era nova, pois tratava-se na realidade dos foguetões 122 mm, cujo término de ação já foi de noite.
As consequências foram terríveis, sem explicação.
Descrever os chamados “horrores da guerra“ que estavam a ter o seu ponto alto, não é tarefa fácil, pois durante o desenrolar da flagelação foram-se criando alguns focos de incêndio na zona da população/tabanca, tendo-se desenvolvido ao longo de todo o aldeamento, que mais se assemelhava ao fim do mundo ou a um filme de terror, provavelmente um holocausto.
Estamos a falar de uma área estimada em cerca de 1,1 km de cumprimento por 500 m de largura, em que toda a tabanca era combustível para alimentar as chamas, tornando-se o ar irrespirável.
De lembrar que toda a colheita da mancarra (amendoim) daquela época se encontrava arrecadada em grandes quantidades no interior de círculos formados por esteiras seguras na vertical por estacas, ao lado da morança de cada proprietário, a aguardar a sua venda, para desta forma ser realizado algum capital, dando esta ainda maior consistência ao fogo deflagrado.
De lembrar que toda a colheita da mancarra (amendoim) daquela época se encontrava arrecadada em grandes quantidades no interior de círculos formados por esteiras seguras na vertical por estacas, ao lado da morança de cada proprietário, a aguardar a sua venda, para desta forma ser realizado algum capital, dando esta ainda maior consistência ao fogo deflagrado.
Para quem não possa imaginar, o amendoim é tão combustível como se de algum derivado petrolífero se tratasse, volvidas que foram cerca de duas semanas após os acontecimentos, ainda havia focos de chamas alimentadas pelos resíduos amontoados do amendoim.
Fotografia extraída do nosso blogue! Creio bem da autoria do então alferes Fernando de Sousa Henriques. Apenas com a intenção de documentar a situação.
Dia 4 e 5 de janeiro de 1974
Perante a situação anteriormente descrita, uma grande percentagem da população abandonou Canquelifá, tendo permanecido apenas 3 ou 4 “putos lava-pratos” de alguns abrigos, mais fiéis, entre eles o Ernesto Somaila Sané que era filho do Régulo da zona da Pachisse, tendo este sempre rodeado o pessoal de transmissões.
No dia 5 de janeiro de 1974, por volta das 14h00, toda a malta da companhia (CCAÇ 3545), aproveitando o que parecia ser um tempo de acalmia, apenas aparente, após a análise de tudo o que se encontrava à sua volta, decidiu abandonar os abrigos, cada um acompanhado da sua arma mais os parcos haveres.
Perante a situação anteriormente descrita, uma grande percentagem da população abandonou Canquelifá, tendo permanecido apenas 3 ou 4 “putos lava-pratos” de alguns abrigos, mais fiéis, entre eles o Ernesto Somaila Sané que era filho do Régulo da zona da Pachisse, tendo este sempre rodeado o pessoal de transmissões.
No dia 5 de janeiro de 1974, por volta das 14h00, toda a malta da companhia (CCAÇ 3545), aproveitando o que parecia ser um tempo de acalmia, apenas aparente, após a análise de tudo o que se encontrava à sua volta, decidiu abandonar os abrigos, cada um acompanhado da sua arma mais os parcos haveres.
No grupo estavam incluídos os artilheiros, apresentando-se no abrigo de transmissões no qual se encontrava o nosso comandante capitão Peixinho Cristo.
Perante tal situação, todo o pessoal que se encontrava na área das transmissões, ficou aturdido, sem saber o que se estava a passar, facto estar ali toda a companhia reunida!
Após alguns minutos de conversa com o Capitão, logo se ficou a saber que a intenção do pessoal era de abandonar Canquelifá. (#)
A intenção não passou disso mesmo pelo facto de o capitão ter pedido alguma calma, descendo ao posto de transmissões no qual estabeleceu contacto com Nova Lamego e desta creio com Bissau.
Com quem falou não me apercebi, apesar de estar junto, a resposta que lhe foi dada também não sei, apenas sei que na posse do que lhe foi dito/prometido, subiu ao cimo do abrigo de transmissões onde aguardava toda a companhia e disse:
- Rapazes, é uma virtude confiar nos chefes. Vamos todos para os abrigos mais uns dias.
E assim foi, pois toda a companhia recolheu aos seus abrigos. de armas e bagagens, reconhecendo a Liderança e Motivação de um chefe. Honra lhe seja feita. (***)
(Continua)
(Seleção, revisão/fixação de texto, notas, negritos: LG)
(#) O dispostivo das NT em 1 de julho de 1972 no subsector de Canquelifá era o seguinte:
- CCaç 3545 (-) em Canquelifá
- 1 Pel em Dunane
- 19° Pel Art (14cm) em Canquelifá
- 1 Esq do Pel CanhSRc 2298 em Canquelifá
- Pel Mil 267 em Canquelifá
- Pel Mil 268 en Dunane
Notas do editor:
(**) Vd. poste de 23 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16127: (De)Caras (40): A Canquelifá da CCAÇ 3545 (1972-1974) e os acontecimentos de janeiro de 1974: a morte do "ranger" fur mil op esp Luís Filipe Pinto Soares (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)
16 comentários:
Sem o nosso blogue, esta e outras histórias iriam perder-ser.
Infelizmente o Fernando Peixinho de Cristo já não está entre nós para confirmar o testemunhoz do José Peixoto.
Tudo leva a crer que tenha havido uma tentativa de abandono do quartel, na sequência do pânico gerado pelos bombardeamentos da artilharia do PAIGC nos dias 3, 4, 5 e 6 de Janeiro... A CCAÇ 21 vem reforçar Canquelifá depois dos contactos com Nova Lamego (CAOP2),e Bissau...
Mas não se pense que toda a Guiné estava a ferro e fogo no inicio de 1974. Os Perintreps desmentem esse mito... O PAIGC desfalcou muitas zonas (sector L1, Bambadinca, por exemplo) e concentrou-as nas zonas fronteiriças, donde era mais fácil mobilizar homens e armas...
Clado que Canquelifá não tinha meios para se defender do temivel morteiro 120 nem dos foguetes (e não foguetões. ...) 122 mm.
O que diz a CECA(2015, pág. 426) sobre a situação militar nesta altura (1º trimestre de 1974):
(...) No que respeita à actuação militar das Unidades do PAIGC, verificou-se
uma alteração do conceito de manobra, materializado no emprego maciço de
meios de fogo sobre objectivos mais vulneráveis, deixando os seus efectivos
militares de actuar, como até aí, de forma dispersa. (Negritos nossos).
Na nova modalidade de acção, o inimigo passou a fazer uso intensivo
de mort 120 mm e fog 122 mm, além do míssil "SA-7" "Strela", com o qual
limitava significativamente a actuação da Força Aérea Portuguesa.
Assim, em Janeiro, na continuidade de uma situação herdada do ano anterior
e caracterizada por um inimigo moralizado pelos êxitos alcançados, em
particular sobre a Força Aérea, o IN "passava verdadeiramente à ofensiva, a
qual se caracterizou pela definição de duas áreas de incidência de esforço, diametralmente opostas, uma no extremo NO do TO onde se desenvolvia a operação
'Abel Djassi' e a outra a Sul, no Cubucaré, para o que inclusivamente
tinha constituído um novo órgão coordenador das acções de guerrilha nesta
zona: o Comando Sul.
As acções foram desencadeadas, numa e noutra das áreas referidas, com base em novas unidades das FARP, e com largo emprego de Artilharia e armas pesadas, nomeadamente mort 120mm e Fog 122mm.
Além destes meios os mísseis "SA-7" "Strela" eram frequentemente utilizados,
o que limitava grandemente o apoio da Força Aérea às guarnições terrestres
e, a 31Mar74, apareciam as primeiras viaturas blindadas em Bedanda
(Cubucaré).[ ... ]
No Sul a ofensiva aí realizada permitia ao PAIGC o controlo efectivo de
uma área de razoável superficie em que se inseria o "corredor" de Guileje, percorrido
frequentemente por viaturas das FARP [... ]" (#)
(...) Além disso, o lN conduziu fortes flagelações a nordeste da Província sobre as guarnições de Canquelifá, Buruntuma e Copá, e no Sul sobre o itinerário Cadique - Jemberém.
Em 20 de Janeiro, aniversário da morte de Amílcar Cabral, o PAIGC flagelou
com armas pesadas 17 aquartelamentos e povoações, e fez rebentar num
café de Bissau um engenho explosivo, que provocou um morto.
Em 12 de Fevereiro, a guarnição das NT em Copá, no Leste, constituída
por 1 Pelotão destacado da Companhia de Bajocunda, reforçado com alguns
milícias, foi evacuada, dada a sua fragilidade, a proximidade geográfica com
a fronteira do Senegal e a impossibilidade de garantir, seguramente, o seu
reforço ou apoio, em caso de necessidade.
Em 22 de Fevereiro, em Bissau, o inimigo conseguiu fazer deflagrar um
engenho explosivo nas instalações do Quartel-General, tendo provocado a
destruição de parte do edificio.
Em Abril, dado o esgotamento das reservas do Comando-Chefe, previa-
-se o relançamento da ofensiva inimiga na região do Nordeste com incidência
em Canquelifá e Buruntuma, o que, a concretizar-se com êxito, daria ao inimigo
a possibilidade de ligar essa área com duas outras situadas a Sul, sobre
as quais exercia já um controlo efectivo, o "corredor" de Guileje e a vasta área
a norte desta, o Boé, desocupado pelas nossas tropas desde 1969.(...)
(#) Relatório da 2ª Rep/QG/CCFAG, referente ao período OlJAN73 a l50UT74 - Anexo n°
4 deste Capítulo).
Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pág. 426 (Com a devida vénia...)
Continuação: Situação militar (CECA, 2015, pp. 427/428)
(...) No Sul do território, a actividade inimiga provocou claro desequilíbrio nalgumas guarnições das nossas tropas, particularmente em Bedanda e Jemberém, e, nalguns casos, as nossas guarnições sofreram forte pressão, com ataques que duraram dias consecutivos.
O inimigo reforçou os seus efectivos e passou a instalar bases de fogo com observadores avançados, que faziam a regulação do tiro, assim melhorando de forma significativa a eficiência das suas acções de fogo.
Estas acções visavam particularmente algumas guarnições militares isoladas do Nordeste, particularmente Buruntuma, Canquelifá e Copá e, no Sul, Cadique e Jemberém.
Face a esta ameaça sobre as posições do nosso dispositivo implantado no terreno próximo das fronteiras, o Comando-Chefe estava ciente de que o Governo de Lisboa não dispunha de meios para reforçar o dispositivo atempada e suficientemente para uma oposição eficaz às intenções inimigas. Por isso, tinha já previsto a retracção do dispositivo das nossas tropas, passando a linha geral mais avançada a ser definida pelos seguintes pontos - Rio Cacheu, Farim, Fajonquito, Paunca, Nova Lamego, Aldeia Formosa, Catió.
Esta manobra de retracção do dispositivo, quando efectivada, significava recuperar ou melhorar a liberdade de acção das nossas tropas trocando-a por cedência de espaço ao inimigo, permitindo a este ocupar uma fatia considerável das áreas das fronteiras norte e leste e mais, no interior, no nordeste e Boé".(#)
Os esforços militares do inimigo exerciam-se também sobre os meios aéreos e navais, do que resultavam dificuldades no funcionamento do dispositivo logístico necessário à vivência das nossas tropas, e, no caso particular da Força Aérea, no cumprimento das suas missões específicas e o indispensável apoio às forças terrestres e navais.
Os resultados obtidos pelo inimigo eram posteriormente explorados e ampliados por uma dinâmica acção de propaganda que fazia eco além fronteiras, conseguindo grande receptividade em elevado número de países.
A situação tomou-se de tal forma complicada, que o Comandante-Chefe enviou a 20 de Abril, para o EMGFA, uma nota em que confessava: "[ ... ] são motivo de grande preocupação para este Comando-Chefe, cumprindo-lhe assinalar as consequências que podem resultar da possível evolução do potencial de combate do PAIGC ou do seu eventual reforço com novos meios das FA da Guiné, quer quanto à capacidade de resistência das guarnições militares que porventura sejam atacadas, quer quanto às limitações de intervenção com meios à disposição do Comandante-Chefe, em especial meios aéreos".'
(#) Nota n" 9 de 13 de Novembro de 1973 do CCFAG ao CEMGFA (Anexo n" 4 do Capítulo III).
(##) Relatório da 2." Rep/CCFAG, referente ao período OIJAN73 a 150UT74 _Anexo n" 4 deste Capítulo.
Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 427/428 (Com a devida vénia...)
No livro Guerra da Guiné - a Batalha de Cufar, edição de autor, há uma dúzia de anos, registei:
Os bombardeamentos massivos por morteiros de 120, misseis de 122 e canhões sem recuo não foram consequentes para vergar a guarnição tuga de Canquelifá, na base da CCaç. 3545, comandada pelo capitão Peixinho Cristo - referência muito redutora, que lamento.
Sofremos como as passas do Algarve em Camajabá, fui o último comandante do seu destacamento de de guarnição a nível de secção de metropolitanos, confraternizamos com o destacamento da ponte Caim, aboletada sobre o seu tabuleiro e conheci comandante da CCaç. 727 e de Canquelifá, o capitão e poeta Evónio de Vasconcelos.
Ansumane Mané terá sido o comandante dessa metralha que mortificou Canquelifá, Pirada, Copá, Bajocunda, Mareué, etc., terá o dedo de Nino Vieira, chefe das Operações Militares do PAIGC, proclamador da independência unilateral e comandante-chefe da Operação Amílcar Cabral, contra os 3 G, Guidaje, Guileje e Gadamael.
Abraço
Manuel Luís, e tens aqui mais uma ilustração da perversão ética da guerra: com o Spínola deixou de se atacar tabancas sob controlo do PAIGC; este, por seu turno, condiderava que todas as tabancas que não podia controlar (fulas, mas também balantas e outras) eram alvos militares
...
Claro, é uma falsa questão: em todas as guerras (e mais aindA milita nas guerras de guerrilha e contraguerrilha), e dificil, para não dizer impossível,distinguir e separar população e combatentes. A militarização da vida na Guiné aconteceu nos dois campos. E em boa verdade os contendores tinham milícias populares e população em autodefesa, isto é, todos tinham armas.
Pela forma como o Com.Chefe e o QG conduziam a guerra na Guiné, nos anos 1973/74, parece-me evidente que já se tinha desistido de combater ofensivamente a guerrilha do PAIGC.
E o assassínio de Amílcar Cabral em 20 de janeiro de 1973, retirou a Spínola o possível interlocutor com quem poderia negociar a paz.
A morte de Cabral, arrastou consigo, possíveis informadores que estariam próximos da direção do PAIGC.
Sem interlocutor e sem informações, o que fazer? Pelos vistos, pouco ou nada.
E a seguir aconteceu a surpresa dos mísseis Strela, com os resultados conhecidos, prelúdio do que se seguiu em Guidage, Guileje e Gadamael.
Amouchar nos abrigos, sem capacidade de reação, parece ter sido a única atitude possível das NT perante o potencial ofensivo do IN, com os seus morteiros 120 e foguetes 122. As ações de socorro e de defesa aconteciam à retardadora, atrás do prejuízo e em desespero de causa, como se verificou em Guidage e em Gadamael em 1973 e em Canquelifá em 1974.
Teria sido possível fazer melhor perante as circunstâncias adversas?
Por não ser militar, nem estratega, apenas observador, mas também, por ter andado 6 meses com um pelotão de 30 homens, mal armados, cansados e desmotivados, a patrulhar as matas do Balenguerez e do Burné, nas barbas da Caboiana, penso que sim!
A passividade e falta de combatividade das NT, a falta de patrulhamentos de reconhecimento por pessoal especializado e capacitado para obter informações sobre o IN e as suas manobras ofensivas, a falta de intervenção musculada em antecipação aos ataques do IN, mesmo que se tivesse que atravessar as fronteiras, conduziram ao estado caótico de que Canquelifá é só um exemplo.
A desmotivação era muito grande e os maus exemplos vinham alguns das altas chefias.
Para não falar, nos elementos In infiltrados nas NT e que, objetivamente apoiavam o IN e faziam o seu jogo, passando informações ou facilitando a sua penetração no interior do território.
E o engenho explosivo colocado no QG e feito explodir em 12 de fevereiro de 1974? Quem foi o seu autor? E os cúmplices?
É claro que o fim do governo, que em Lisboa teimava em prolongar a guerra, tinha que acabar!
É claro que o fim da guerra na Guiné, era um desejo de todos nós, que sofríamos as suas consequências.
Só que, quando se discutiu a paz e a cessação das hostilidades,também por causa da situação a que se tinha chegado no Teatro de Operações, partiu-se de uma situação de grande vulnerabilidade e não se soube ou pôde negociar, de modo a melhor salvaguardar a vida e o futuro das populações e dos soldados guineenses que nos tinham sido leais e em nós tinham confiado para construir uma Guiné Melhor.
A impressão que nos fica, é que alguns dos capitães que assumiram o poder militar em 25 e 26 de abril de 1974, abandonaram à sua sorte aqueles que tinham comandado e quem neles tinha confiado.
E isso tem um nome, que me custa escrever.
Saudações amistosas
JLFernandes
É verdade, Luís Graça.
A Guerra da Guiné foi terrorista e nós seus atores.
No ano que partíamos da Amura em missões de intervenção às ordens do Comando-chefe, para as áreas em subversão chamadas pelo PAIGC de Frente Norte e de Frente Sul, abordávamos tabancas e éramos recebidos à metralha, mais forte e mais duradoura era a nossa resposta, as armas calavam-se e passávamos à exploração do sucesso, foi rara a vez em que encontramos guerrilheiro morto ou ferido, encontramos sempre populares mortos ou feridos por nós, os habitantes serviam-lhes de escudos protetores . os guerrilheiros tinham que estar para as populações, estavam para as populações como o peixe estava para a água - era dogma de Mao Tsé Tung. Depois acusavam-nos e a comunicação internacional propagandeavam-nos de criminosos colonialistas.
As hagiografias de Amílcar Cabral não registam, mas aquele líder foi sempre assessorado por oficiais argelinos e norte-vietnamitas, distintos no combate contra a França e a América.
A extensão e profundidade da guerra de Israel ao Hamas será inaceitável, mas, por experiência própria, sentimos algo de compreensão do dilema operacional e ético dos combatentes israelitas.
Abraço e saúde da melhor.
Meu caro JL Fernandes:
O PAIGC ganhou a guerra não no plano militar mas da opinião pública internacional, isto é, da propaganda. E, claro, na instàncias internacionais (OUA, ONU, etc.)
Por outro lado, não se entende que um Estado policial como o nosso, com uma polícia politica tão eficaz na defesa do regime a nível interno (contra o "reviralho", o "inimgo interno"), não tenha conseguido antecipar-se aos strelas e a escalada da guerra...
A PIDE/DGS foi completamente amadora face aos "inimigos externos"... Já o tinha sido na recolha de informações sobre Conacri, o que levaou em grande parte ao fracasso da Op Mar Verde... A PIDE/DGS e as "secretas militares"...
Oh meu caro Luís Lomba, a volta que foi necessário dar para bater certo com o que se está a passar em Gaza.
Na guerra da Guiné aconteceu outra coisa muito diferente, a NT é que estava resguardada com a população da tabanca.
Não me lembro ter havido na Guiné mortes civis em tabancas serem causadas por ataques da NT.
Quais as operações que foram feitas, atacando a população sabendo que na tabanca havia elementos armados do PAIGC?
Lembras-te de Piche, Quartel de um lado e tabanca em frente no lado oposto da estrada. Nos vários ataques, julgo que nunca fomos atacados do lado da tabanca.
Os mortos entre a população na guerra da Guiné, em grande maioria foram causados pelos ataques do PAIGC.
Saúde da boa
Valdemar Queiroz
Meu caro Luís Graça, estou plenamente de acordo com o que escreves no primeiro parágrafo. E por esse facto, nas "negociações" da cessação das hostilidades e da transferência da soberania na Guiné, de Portugal para o PAIGC, deveriam ter sido envolvidos representantes da OUA, ONU, etc, que ficariam comprometidos com a segurança dos militares, milícias e povo em geral, que estavam do lado das NT (que eram a maioria da população) e até mesmo, com a boa governação da Guiné-Bissau, livre e independente.
Já sobre o que escreves nos outros 2 parágrafos, tenho uma opinião um pouco diferente.
A PIDE, na sua génese, era a polícia política do regime. Os seus alvos principais eram, os que, de alguma forma, atentavam contra o regime, por ideias, palavras e atos. Infelizmente foi isso que tivemos em Portugal e muitos sofreram as suas investidas traiçoeiras.
Na condução da guerra na Guiné, parece-me errado que na obtenção de informações sobre o IN, se tenha ficado na dependência da PIDE. No muito, poderia ter alguma complementaridade, de informações sobre as atividades do IN na chamada "zona zero" na área urbana de Bissau.
O que faltou foi uma atividade de recolha de informações, sistemática e permanente sobre as manobras do IN, no terreno onde estava implantado. Para isso, deveriam ter sido preparados grupos de militares, com valências para essas delicadas missões. Havia nas CCSs os PelRec, mas a sua ação neste campo era quase nula.Teriam que ser constituídos, na sua maioria por militares guineenses. Um pouco ao exemplo do grupo do Marcelino da Mata, mas não como guerreiros. Mais como "ratos das matas".
Spínola e o seu Estado Maior, com a colaboração da PIDE, terão infiltrado alguns homens, próximo da direção do PAIGC, mas da eficácia da sua ação de informadores, pouco se sabe.
O que sabemos foi o que se passou em 20 de janeiro de 1973 e nos dias que se lhe seguiram: Quem controlava a guerra que se desenvolvia na Guiné, pelos guerrilheiros do PAIGC, de uma "cajadada", eliminou 3 obstáculos: O Amílcar Cabral, pelo que representava de perigo de não se submeter a orientações externas, ou podendo até ser aliciado por Spínola a negociar a paz e a independência da Guiné, em modos não desejados; os conspiradores que executaram Cabral, sob orientações recebidas e que não poderiam sobreviver, como testemunhas; Os eventuais informadores infiltrados no seio do PAIGC que se teriam agrupado aos conjurados.
E depois desta "limpeza", a guerra pode tomar um outro rumo. Entraram os mísseis Strela em ação, o reforço de armas pesadas, com os foguetes 120mm e os morteiros 122mm, mais conselheiros e instrutores externos, no terreno, nova estratégia de guerra, com cercos e ataques musculados às guarnições das NT próximas das fronteiras, etc.
E foi o que sabemos: A guerra acabou passado ano e meio, e a história da Guiné-Bissau de então para cá, também sabemos o que foi. O presente e o futuro está em elaboração.
O que desejamos, é o melhor para o martirizado povo da Guiné Bissau.
A nossa convicção é que tudo poderia ter sido muito diferente e para muito melhor, a começar, por se ter evitado a guerra, que a todos sacrificou e empobreceu.
Abraços.
JLFernandes
Julgo que havia em cada Batalhão ou Companhia elementos de Informações Militares.
Havia em Contuboel um Furriel miliciano que andava sempre fora com uns caçadores nativos, que seriam os informadores, e com permanente visita a tabancas da zona incluindo Sonaco de grande concentração comercial mas sem NT.
Também havia em Nova Lamego outro Furriel miliciano com a mesma especialidade, mas pouco me lembro o que fazia.
Valdemar Queiroz
Entro novamente nos comentários só para corrigir gralhas no meu comentário anterior:
O calibre da metralha IN que fustigava as guarnições das NT próximas das fronteiras era: morteiros 120mm e foguetes 122mm. (tinha trocado os números)
Outro erro que devo corrigir é a data da deflagração do engenho explosivo, no QG, em Bissau. Foi a 22 de fevereiro de 1974 e não a 12, como erradamente escrevi.
As minhas desculpas.
Cordialmente
JLFernandes
Vou tentar de novo.
Julgo termos pertencido à mesma incorporação em Leiria e depois à especialidade no Porto.
Em Leiria estive na companhia do capitão Caetano no pelotão do Aspirante Simões e do Cabo Meliciano Pacheco, Açoriano.
No porto estive no pelotão do Aspirante Francisco Silva, pessoa excepcional e de reconhecido valor, integrou os quadros da PT e destacou-se pelo trabalho na UE, autor de livros sobre comunicações.
Também estive na Guiné, no STM, entre Junho de 1972 e Julho de 1974.
Há dois anos estive aí no almoço organizado para encontro do pessoal de transmissões do STM, mas fazíamos todos parte de transmissões de engenharia...
Tenho os meus contactos aqui neste blogue, quer o endereço electrónico quer o telemóvel.
Se achares por bem e estiveres interessado podes contactar-me para falarmos.
Este últmo counicado não vem "assinado"... E a mensagem parece ser dirigida ao JL Fernandes, que é de Leiria-
Não Luís graça! Nada do meu percurso militar na Metrópole e na Guiné se alinha com o teor do anónimo comunicado supra.
O que me relaciona com Leiria, é ser o meu concelho de naturalidade e residência.
Obrigado pela cuidada chamada de atenção.
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