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terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21599: Efemérides (345): Foi em 1 de Dezembro de 1640, há 380 anos, executada a "Operação da Restauração da Independência" (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

1. Em mensagem do dia 30 de Novembro de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66, autor do livro "Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalu"), enviou-nos este texto lembrando a Restauração da Independência de Portugal em 1 de Dezembro de 1640,  que hoje se comemora.


Há 380 anos, em 1640: duas mulheres, D. Luísa de Gusmão, duquesa de Bragança, e a moça Constância de Faria, noiva de 17 anos, provocaram os nossos camaradas conjurados à execução da “Operação da Restauração”…

Manuel Luís Lomba

Tornei-me recorrente na partilha com os Camaradas da minha hermenêutica (herética) dos compêndios de História.

Naquele tempo, os reinos eram enformados por dinastias, de jure pela “Graça de Deus”, a “via urinária” ou a “manu militare” a sua legitimação.

Rei Filipe II de Espanha
(1527-1598)

Em Abril de 1580, pela Graça de Deus e legitimação por “via urinária”, o rei Filipe II de Espanha, neto do nosso rei D. Manuel I, logrou que as Cortes realizadas no Convento de Cristo, Tomar, o aclamassem rei de Portugal, Filipe I, jurando-lhe um compromisso, à maneira de bom discípulo de Maquiavel: dinastia a mesma, mas independentes os reinos, os impérios separados e a obrigação de alçar o seu primogénito a rei de Portugal em exclusividade.

Nenhum dos primogénitos dos seus 4 casamentos sobreviveu, o filho e neto seus sucessores não só não se quiseram diminuir a rei de Portugal em exclusividade, como cuidaram de corromper o que restava da nossa traumatizada nobreza (dizimada em Alcácer-Quibir) e a nossa alta burguesia. Mas o povo ficou de fora dessa corrupção.



Estava o rei Filipe IV (e nosso III da dinastia filipina) a acudir à guerra dos Países Baixos, à Guerra dos Trinta Anos e o ex-Cónego Católico Gaspar de Gusmão, Duque de Olivares, seu potente Primeiro-Ministro, arranjou-lhe mais duas, ao convencê-lo a decretar a “castelhanização” dos reinos da Espanha - a Catalunha reagiu com a sublevação e fez chegar à Resistência portuguesa a informação do seu decreto secreto da anexação pura e simples de Portugal e do seu império à Espanha -, e ao decretar a mobilização das Forças Armadas Portuguesas para combater a Catalunha e a cometer essa missão ao então seu Chefe do Estado-Maior General (Governador de Armas de Portugal), o Duque de Barcelos e Bragança D. João I, que, por ser trineto de D. Manuel I, se perfilava como o candidato de maior potencial ao trono de Portugal.

Com esses decretos e seu proceder, inaugurava a contagem decrescente da nossa Restauração.
A Resistência portuguesa começou a organizar caçadas conspirativas nas herdades de Vila Viçosa com o futuro rei D. João IV, a Duquesa sua mulher (espanhola de naturalidade e grande portuguesa de coração) dispensou-lhes a melhor hospitalidade e apoio, a sua contra-informação despistou a “secreta” castelhana com a “revolta” popular encabeçada pelo Manuelzinho, um jovem deficiente, começada com o fogo posto às repartições públicas em Évora, ganhou escalada e passou a ir apedrejar as janelas e os telhados do palácio de Vila Viçosa, a vociferar que o Duque era pró-castelhano.

A eclosão da Restauração pertence a D. Luísa de Gusmão, ao animar o marido com a afirmação, solene, o que os conjurados já sabiam dela: “Prefiro ser rainha por uma hora que duquesa toda a vida!”

D. Antão Vaz de Almada, mentor da conjura aos 80 anos de idade, então Governador de Lisboa, convocara os 40 operacionais, dos cerca de 60 conjurados, para jantar, em 30 de Novembro, no seu Palácio de S. Domingos (actual Palácio da Restauração da Independência), reunião de concertação da “ordem das operações” previstas para o dia 9 de Dezembro, data simbólica, fazia 60 anos que Filipe I entrara em Portugal por Elvas, em armas, onde passara 2 meses a preparar a sua aclamação de nosso rei. António Telo, Capitão-Mor das Naus das Índias, o mais decidido e fogoso desses operacionais, falhou a janta, compareceu alta noite, a bufar e afogueado, declarou o seu juramento da eliminação às suas mãos e nesse mesmo dia, o valido do rei de Espanha e Primeiro-Ministro Miguel de Vasconcelos e Brito. Estava a chegar de livrar a sua noiva da tentativa de rapto pela sua guarda e à sua ordem.

António Telo estava noivo de Constância de Faria, moça de 17 anos, aparentada com D. Antão, órfã de pai, um herói da nossa História Trágico-Marítima, a residir com D. Joana de Faria, a viúva sua mãe, na sua quinta de Almada, e quisera o acaso de Miguel de Vasconcelos comprar a quinta confrontante. Entrado no alcoolismo, começara a assediar a mãe e a filha, o seu insucesso levou-o à anexação por expedientes ilícitos da quinta delas à dele e a fazer-lhes um ultimato: ou a Constância aceitava consolar-lhe a solidão decorrente do seu alto cargo, ou perdiam a quinta e eram postas na rua, por despejo.

Dado o seu comprometimento como conjurado, António Telo foi-se limitando à vigilância, e então o apelo da noiva falou mais alto – e “é pra hoje e não para o dia 9”!

A “ordem de operações” terá sido mais ou menos assim: o Paço do Governo (da Ribeira) e o Castelo de S. Jorge (comando das forças espanholas) os objectivos principais, o confinamento de personalidades espanholas ou pró, objectivos secundários.

Às 9H00 daquele 1 de Dezembro de 1640, o comando encabeçado por António Telo neutralizou com um golpe de mão a sua conhecida guarda desse Paço, a mesma que tentara o rapto da sua noiva, lançou-se na procura de Miguel de Vasconcelos, escapado para a outra ala, matou um criado tudesco por engano, enquanto outro grupo assaltava a ala de D. Margarida de Sabóia, viúva do Duque de Mântua e Vice-Rainha de Portugal. 

Encontraram o Miguel de Vasconcelos escondido num seu armário-arquivo, liquidaram-no com uma estocada, apresentaram-se como oficiais e cavalheiros ante a Vice-Rainha, esta assinou o auto de rendição da guarnição espanhola, como representante do rei de Espanha, António Telo ficou senhor do Paço, o cadáver do Miguel foi atirado pela janela, o peito vazado pela sua espada, em vingança da honra da sua noiva, o outro grupo foi executar outro golpe de mão, este incruento, ao Castelo de S. Jorge, e o general espanhol subordinou-se à rendição da sua superiora hierárquica.
Aclamação de D. João IV como rei de Portugal, pintado por Veloso Salgado 
(Museu Militar de Lisboa).


Restauração da Independência Nacional – em memória e celebração dos nossos camaradas de antanho, quase desconhecidos, que conjugaram na “Operação Restauração” o amor pátrio com o amor mátrio:

- D. Afonso de Meneses, Capitão-Mor de Monção
- D. Álvaro Abranches da Câmara, Governador Militar das Beiras e de Entre Douro e Minho
- D. Antão Vaz de Almada, Governador de Lisboa
- D. António de Alcáçova, Alcaide-Mor de Campo Maior e Ouguela
- D. António Luís de Meneses, General de Cavalaria
- D. António de Mascarenhas, Comendador da Ordem de Cristo
- António de Melo e Castro, Capitão de Sofala e da Índia
- António Teles da Silva, Capitão-Mor das Naus da Índia
- António Saldanha, Almirante
- D. António Telo, Capitão-Mor das Naus da Índia
- Aires de Saldanha, Comandante da Infantaria do Alentejo
- D. Carlos de Noronha, Presidente da Mesa de Consciência e Ordens
- Estevão da Cunha, Prior de S. Jorge, Lisboa
- D. Fernando Teles de Faro, Mordomo de D. Luísa de Gusmão
- D. Filipa de Vilhena, viúva de D. Luís de Ataíde, Capitão-Mor de Leiria
- D. Francisco de Vilhena, filho que ela armou Cavaleiro, para participar
- Francisco de Melo, Monteiro-Mor e o primeiro a angariar conjurados
- Francisco de Melo e Torres, Alcaide-Mor de Terena
- D. Francisco de Noronha, Coronel do Terço de Ordenanças
- Francisco de São Paio, Governador de Armas de Trás-os-Montes
- D. Francisco de Sousa, Governador de Armas de Setúbal
- Gaspar de Brito Freire, Morgado da Baía - Brasil
- D. Gastão Coutinho, General de Cavalaria
- Gonçalo Tavares de Távora, Capitão de Cavalos
- Gomes Freire de Andrade, Capitão de Cavalos
- D. Jerónimo de Ataíde, Capitão-General da Armada
- D. João da Costa, Alcaide-Mor de Castro Marim
- D. João Pereira, Prior de S. Nicolau
- João Pinto Ribeiro, Administrador da Casa de Bragança
- João Rodrigues de Sá, Capitão da Índia
- João Rodrigues de Sá e Meneses, Comendador da Ordem de Santiago
- João Saldanha da Gama, Capitão de Cavalos
- João Saldanha e Sousa, Tenente-General de Cavalaria
- Jorge de Melo, Almirante
- D. Luís de Almada, Cavaleiro e filho de D. Antão
- Luís Álvares da Cunha, Morgado dos Olivais
- Luís da Cunha, Cavaleiro
- Luís da Cunha de Ataíde, Presidente da Junta de Cavalaria
- Martim Afonso de Melo, Governador de Mascate – Índia
- D. Miguel de Almeida, Alcaide-Mor de Abrantes (94 anos de idade)
- Nuno da Cunha Ataíde, General de Artilharia
- D. Paulo da Gama, Cavaleiro e bisneto de Vasco da Gama
- Pedro Mendonça Furtado, Alcaide-Mor de Mourão
- D. Rodrigo da Cunha, Bispo de Lisboa e Inquisidor-Mor
- Rui Figueiredo de Alarcão, Comendador da Ordem de Cristo
- D. Rodrigo de Meneses, Governador da Relação do Porto
- Rodrigo de Resende Nogueira, Capitão-General de Angola
- Sancho Dias de Saldanha, Capitão de cavalos
- Tomé de Sousa, Comendador da Ordem de Avis
- D- Tristão da Cunha Ataíde, Comendador da Ordem de Cristo
- Tristão de Mendonça, Almirante

(Fontes: Casa Real Portuguesa e Wikipédia)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21508: Efemérides (344): No dia de Finados, lembro os meus camaradas Manuel Gaio Neto, Joaquim Pinto de Sousa, Gabriel Pereira Bagaço e João Fernandes Caridade (Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742)

domingo, 1 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20405: Escritos do António Lúcio Vieira (5): Alvorar

António 
Lúcio 
Vieira

[ex-fur mil, CCAV 788 / BCAV 790,
Bula e Ingoré, 1965/67; 
natural de Alcanena;
vive em Torres Novas; 
jornalista, poeta, 
dramaturgo, encenador; 
autor, entre outros, do livro "25 poemas de dores e amores", vencedor da primeira edição do Prémio Literário Médio Tejo Edições, 2017;
membro da Tabanca Grande, nº 794] 


ALVORAR

era quase alvor a liberdade
era quase a vida quase a voz
era um rio em cheia quase foz
brandos ventos feitos tempestade

e foi alevantado este meu povo
gente viva, erguida, agigantada
era um tempo velho feito novo
tempo aceso luz na alvorada


assim nasceu esta ânsia de nascer
de novo neste chão por amanhar
chão regado a pranto e a sofrer
chão de medos, chão de tanto esperar


e das noites algemadas de morrer
e das horas avisadas de acordar
que eu sou do povo que então quis saber
quanto de si o povo sabe dar

e sou também desta terra feita
de cravos de soldados e canções
da pátria onde me deito e onde se deita
a gesta que moldou mil gerações


e sou o filho e sou também irmão
dessa gente que já vive na memória
sou da noite de escrever libertação
com a pena do poeta coração
e as musas de inventar a nova história

e era assim o dia a madrugar
no sangue e no fio de uma espada
esperança tanto sonho embainhada
olhos tanta noite a vigiar

e as lágrimas que correram tanto mar
e as vozes que rasgaram tanta estrada
e as armas onde a flor se viu plantada
não eram já as armas de matar
que o povo tem no peito e na raiz
a seiva da floresta libertada

aqui e era Abril e era amar
estava a renascer o meu país
quando se alvorou a madrugada


                                                                     António Lúcio Vieira           
                                                              25-4-1999 - 25 anos
                                                                                                                                   
                          
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Nota do editor:


domingo, 18 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20071: Manuscrito(s) (Luís Graça) (165): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte VII - De 61 a 70 de 100 pictogramas)



Pieter Bruegel (ou Brueghel), o Velho ) (Breda, c. 1525-1530  - Bruxelas,  1569) > Provérbios flamengos (1559).

Fonte: Wikimedia Commons, com a devia vénia...



Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde [em 100 pictogramas]
Texto (inédito):

© Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados.




(Continuação) (*)

[...] 1. Domingo à tarde… Sempre detestaste os domingos à tarde: ou chovia ou fazia vento e um cão uivava na vinha vindimada do Senhor. Nada acontecia, no domingo à tarde, e até o tempo parava no relógio, sonolento, da torre da igreja da tua aldeia.[...]



61. Ah!, põe aí na tua 
petite histoire de vie o bife ao domingo com batatas fritas e ovo a cavalo [1], pequeno luxo da gente remediada, chegaste a ganhá-lo, ao bife, no Chico do talho, e ao lado a tasca onde pontificava a matriarca, a ti Clorinda... que tresandava a iscas com elas, a vinho tinto carrascão, a serradura, a carvão..., em troca de uma pirueta contra a parede, menino com vocação circense, era de pequenino que se torcia o pepino, a espinha cervical, a rabeca e o violino, enquanto o gaiteiro da Atalaia acompanhava o círio do Seixal até ao santuário do Senhor Bom Jesus do Carvalhal, as carroças e os burros engalanados de flores.

Ainda hoje tens um fascínio pelo som encantatório da gaita de foles, pelos círios, pelas romarias, pelos bombos, pelas festas do povo, com exceção dos foguetes, dos cães, dos doidos e do alvoroço do povo… (Não, nunca gostaste de foguetes, de doidos e sobretudo do alvoroço do povo, açaimado pelos mastins dos ricos e poderosos).





Igreja do Santuário do Senhor 
Bom Jesus do Carvalhal (séc. XIX),
Carvalhal, Bombarral.
Fonte: Cortesia da 
página do Facebook.

62. Mas também havia bruxas, diziam, como, mais tarde, a bruxa de são Bartolomeu dos Galegos, ou Samertlameu, que o povo não falava fino nem esdrúxulo, como o padre, a professora ou o homem de leis: não dizia rapariga mas "priga", não dizia cooperativa, mas "comprativa", nem fêvera mas "fêbra", nem boroa mas "broa" nem chicharro mas "xarro"… nem raia mas "arraia"…nem tuberculoso mas "trabecloso" nem piaçaba mas "piaçá".

O santo, o sã Jorge, que pisava a seus pés um diabo negro como o carvão, que da peste, da fome, e da guerra e do bispo da nossa terra, libera nos, Domine


Quem não se livrou, da desonra e da desgraça, foi o sacristão, que se mataria num poço, por maldição, diziam os vizinhos, talvez invejosos e maldizentes, depois de roubar ao mafarrico uma nota de vinte paus, um santo antoninho, deixada por um qualquer pagador de promessas, a mando da bruxa da terra. O dinheiro do diabo é sagrado, tanto ou mais que o pão que o diabo amassa e que os pobres comem!... O sacristão tinha a obrigação de saber isso.


63. E no 1º de dezembro, 

A defenestração do Miguel de Vasconcelos 
em 1/12/1640. Imagem de banda desenhada, 
cuja autoria não conseguimos apurar.(M. Gustavo?
a banda da tua terra a tocar o Oh! ti Zé da Pera Branca, que era o hino da Restauração [2], efeméride gloriosa da história pátria, e que um punhado de patriotas, monárquicos e republicanos, fazia seu, na tua aldeia, quiçá para acicatar os grandes de Espanha e os pequenos de Portugal, e todos os traidores da pátria, os lacaios que tinham servido os F’lipes entre 1580 e 1640



Sabias lá tu quem era o Franco, o Salazar e os demais grandes deste mundo!...

Fazia frio, de tremer o queixo, nas efemérides do 1º de dezembro de 1640, e ias agarrado ao capote do teu pai, a gritar morte ao traidor Miguel Vasconcelos:

- Vais Com Cuspo e Selo, Vais! Morte a Castela e aos seus serviçais!






Salazar, ilustração de Emérico Nunes.  In: Livro de Leitura da 3ª classe (4º edição,Porto
Editora, 1958, p. 177)


Os putos naquele tempo gostavam de avacalhar tudo, do padre nosso à letra dos hinos patrióticos. De resto, quem é que, então,  saberia entender e explicar a letra do hino da restauração ?

"Portugueses, celebremos
O dia da Redenção,
Em que valentes guerreiros
Nos deram livre a Nação."


Nem o comandante de castelo da Mocidade Portuguesa, que era barra em história, nem a "Branca de Neve", a tua catequista, que tinha as maminhas mais lindas das meninas da igreja, nem  muito menos os estúpidos do "Brutamontes" e do "Frasco do Veneno", que odiavam a escola.


64. Sabias lá tu, meu menino, quem era a pátria, e o pai e a mãe da pátria?! E os seus heróis, os seus filhos, mais do que homens, menos do que deuses, sabias lá tu quem eram eles, os heróis e os traidores, e os progenitores da pátria, os pais-fundadores!...

Em boa verdade, nunca tinhas visto a pátria, ao vivo, em carne e osso. E só saberias do traidor Miguel de Vasconcelos, mais tarde, da lições de História de Portugal, resumidas, ilustradas e explicadas às crianças.


65. Sabias lá tu quem era o senhor, professor, doutor, Salazar, o salvador da pátria, só conhecias o rapa-tudo, a espátula, o salazar, que a tua mãe usava na cozinha quando fazia bolos!

Não sabias, pois claro, mas tinhas-lhe medo, ao cara de pau, de nariz aquilino, especado na parede da tua escola do Conde de Ferreira, olhando-te de soslaio, vigiando-te e punindo-te, que os símbolos do poder eram como o código de barras da zebra: ou memorizas ou morres, logo à primeira, mal nasças, ó zebrinha!

De um lado, o Craveiro Lopes, que irá a marechal de opereta, e do outro o Salazar, (ou era ainda o Óscar Carmona, esse sim, o marechal de bigodes farfalhudos ?!)


66. Não te esqueças dos nomes dos altos magistrados da Nação que te podem perguntar, lá em Lisboa, no exame da admissão, algum senhor professor de óculos de aros de casca de tartaruga!

Madruga, meu rapaz, madruga, para um dia chegares a ser homem, homem com H grande!

Não te perguntaram por eles, os altos magistrados, no liceu Dom João de Castro, no exame de admissão ao liceu, mas pelos reis de Portugal, nomes, cognomes e moradas: desde o Dom Afonso Henriques, o Conquistador, que morava no castelo de Guimarães, ao Dom Manuel II, o Desaventurado, que vivia em Lisboa, no Palácio das Necessidades, e que depois seguiu para o exílio, coitado, tão novo. Passou um dia pela terra, em 1908, no 1º centenário da batalha do Vimeiro, mas não dormiu lá, na tua aldeia, que era um perigoso coito, diziam, de republicanos.

E tu sabias tudo isso na ponta da língua, os nomes dos reis, cognomes e moradas! Tal como os rios de Portugal, e todos os seus afluentes, e as linhas e estações de caminho de ferro, coisa que nunca tinhas visto, a estação mais próxima era no Outeiro da Cabeça. E todas as serras de Portugal, por ordem decrescente de altura.


67. Naquele tempo não havia fax, nem correio azul, nem internet, e o telefone era um luxo, e o tempo era uma eternidade, e a eternidade, nesse tempo, não tinha história, muito menos no domingo à tarde, em que nada acontecia e um cão gania na vinha vindimada do Senhor, e até o tempo parava no relógio, sonolento, da na torre sineira da igreja da tua aldeia.

Havia o telégrafo… Mas, se calhar nunca souberam, lá na tua terra, que o Carmona tinha morrido em 1951, e que no palácio cor de rosa, em Belém, na capital, a três horas de camioneta, ronceira, a do João Henriques, de Torres Vedras,  sucedera-lhe um tal Craveiro Lopes, legionário e aviador, mais tarde substituído por um marinheiro, a quem o povo chamará otário…


68. Na tua terra, só conhecias um carteiro, de resto teu amigo, mais tarde, na tua juventude, velho jarreta, monárquico dos quatro costados, ou não fora ele afilhado da Viscondezinha, filha do Visconde, senhor deputado da Nação, nobilitado, seguramente o senhor mais importante da tua aldeia, dono de terras que trepavam por montes e vales, até aos cabeços dos moinhos e às falésias do mar, no tempo em que el-rei de Portugal, dos Algarves e de Além-Mar, ainda tinha trono e coroa e cabeça e bigode façanhudo e sabre e império e palácio e rainha e real amante e tudo, e uma ninhada de infantes, legítimos e ilegítimos.


69. E, havendo um só carteiro, como é que se poderiam distribuir, a tempo e horas, todas as notícias do mundo, as boas e as más, pelas casas e casebres das pessoas, boas e más, do Estado Novo e do reviralho, incluindo malhados, pedreiros livres, jacobinos, republicanos, ateus, anarquistas, maçónicos e comunistas, sobretudo estes, que eram gentalha que na tua terra não existia (ou nunca poderia existir, vá-se lá a saber porquê) ?!

No tempo em que a falta de notícias já era uma boa notícia, que as más, essas, corriam depressa, tal como a doença, que vinha a cavalo, e ia a pé.


70. Ah!, o terrível dilema da salvação da alma, e o pai-patrão de todos nós, e a feira anual, e a barraca onde só iam os homens feitos, ó freguês, vai um tirinho!, e as virtuosas mães que, por engano, por ali passavam, persignavam-se, como se tivessem visto o diabo em figura de gente, coravam, murmuravam, cochichavam, benziam-se, tapavam a cara e, por entre as frestas das mãos, lançavam olhares de fogo, como os dragões, sobre a cortina do pecado.

Um dia irias descobrir o terrível mistério que escondia a barraquinha da feira, no tempo em que ainda havia casas de passe no teu país, com letreiro à porta: A puta não putes, e a ladrão não furtes. Ou então: gado e lazeira andam de feira e feira. Gado bravo, dizia a tua mãezinha, horrorizada,  arrastando-nos rapidamente dali para fora... 


(Continua)

________

[1] Nunca mais voltaste a comer um bife com batatas fritas e ovo a cavalo, que te soubesse tão bem, como aquele que ganhavas, com o "suor do teu rosto",  aos domingos. a fazer o pino, no talho do Chico, a não ser talvez na Guiné, em Bafatá, no restaurante Transmontana, entre 1969 e 1971... mas aqui era pago com o patacão (sujo) da guerra...

[2] Letra do Hino da Restauração:

Portugueses, celebremos
O dia da Redenção,
Em que valentes guerreiros
Nos deram livre a Nação.

A Fé dos Campos de Ourique
Coragem deu e valor
Aos famosos de Quarenta
Que lutaram com ardor.

P'rá frente! P'rá frente!
Repetir saberemos
As proezas portuguesas.

Avante! Avante!
É voz que soará triunfal
Vá avante, mocidade de Portugal!
Vá avante, mocidade de Portugal!



[Diz o blogue Avenida da Liberdade: "A autoria do hino, com data de 1861, é de Eugénio Ricardo Monteiro de Almeida (música) e de Francisco Duarte de Almeida Araújo e Francisco Joaquim da Costa Braga (poema original). Monteiro de Almeida era um compositor e professor do Conservatório Nacional (1826 - 1898). Almeida Araújo e Costa Braga eram os autores da peça de teatro musical em que o hino se incluía."...

A letra inicial, que fazia parte da peça "1640 ou a Restauração de Portugal”, estreada e publicada em 1861, já não é a mesma, sofreu alterações, no tempo da República, para se tornar "politicamente correta"... O hino (patriótico) tornou-se "viral", como díríamos hoje, e sobreviveu até agora, a 4 regimes...
Quanto ao Miguel de Vasconcelos (1590-1640):

(i) foi nomeado escrivão da Fazenda do Reino em 1634 pelo Conde-Duque de Olivares;

(ii) um ano depois, a vice-rainha Margarida de Saboia (Duquesa de Mântua) nomeia-o Secretário de Estado [, equivalente a 1º ministro];
(iii) a  deficitária economia do país e o constante favorecimento de Castela em detrimento dos interesses portugueses, fizeram eclodir em várias localidades do país revoltas e motins populares: o  desprestígio das ações de Miguel de Vasconcelos neste contexto levou ao levantamento das massas em Évora e no Algarve em 1637, com ecos noutras zonas do país;
(iv) o culminar desses distúrbios deu-se a 1 de dezembro de 1640 (Restauração da Independência), quando um grupo de fidalgos invade o palácio real de Lisboa e mata a tiro o Secretário de Estado, lançando em seguida o seu corpo pela janela, para junto da multidão que se aglomerava no Paço da Ribeira.

Fonte: Adaptado de AR - Assembleia da República

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Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série >

11 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20052: Manuscrito(s) (Luís Graça) (159): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte I - De 1 a 10 de 100 pictogramas)

13 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20056: Manuscrito(s) (Luís Graça) (160): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte II - De 11 a 20 de 100 pictogramas)

14 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20058: Manuscrito(s) (Luís Graça) (161): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte III - De 21 a 30 de 100 pictogramas)

15 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20060: Manuscrito(s) (Luís Graça) (162): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte IV - De 31 a 40 de 100 pictogramas)

16 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20064: Manuscrito(s) (Luís Graça) (163): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte V - De 41 a 50 de 100 pictogramas)

17 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20068 Manuscrito(s) (Luís Graça) (164): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte VI - De 51 a 60 de 100 pictogramas)

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18033: Manuscrito(s) (Luís Graça) (131): o 1º de dezembro no teu tempo de menino e moço


Foto e texto: © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados [. Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


O 1º de dezembro
no teu tempo de menino e moço


por Luís Graça (*)



E no 1º de dezembro, 
a banda da tua terra a tocar
o 'Ó ti Zé da Pera Branca',
que era o hino da Restauração (**), 
e que um punhado de patriotas, monárquicos e republicanos, 
fazia seu, na tua aldeia,
quiçá para acicatar o Franco de Espanha 
e o Salazar de Portugal, 
e todos os traidores da pátria, 
os lacaios que tinham servido os Filipes! 

(Sabias lá tu quem era o Franco, 
o Salazar e os demais grandes deste mundo!)

Fazia frio, de tremer o queixo, 
nas efemérides do 1º de dezembro de 1640, 
e ias agarrado ao capote do teu pai, 
com outros meninos e outros pais, 
atrás da banda,
Rua Grande acima,
a gritar morte ao traidor Miguel de Vasconcelos (***):
- Vais Com Cuspo e Selo, Vasconcelos, 
Vais
Morte a Castela e aos seus serviçais!

(Sabias lá tu, meu menino, quem era a pátria, 
e o pai e a mãe da pátria?! 
E os seus heróis, os seus filhos, 
mais do que homens, menos do que deuses, 
sabias lá tu quem era eles, os heróis,
e os traidores, 
e os progenitores da pátria, 
os pais-fundadores!)

Sabias lá tu quem era 
o senhor, professor, doutor, Salazar,
que nos tinha salvo da guerra,
só conhecias o rapa-tudo, a espátula 
que a tua mãe usava na cozinha quando fazia bolos!
Não sabias, pois claro, 

nem nunca tinhas saído da tua terra,
mas tinhas-lhe medo, ao cara de pau, 
de nariz aquilino, 
especado na parede da tua escola do Conde de Ferreira,
olhando-te de soslaio,
vigiando-te e punindo-te, 
que os símbolos do poder eram
como o código de barras da zebra:
ou memorizas ou morres, logo à primeira,
mal nasças, ó zebrinha!

De um lado, o Craveiro Lopes, 
que irá a marechal de opereta, 
e do outro o Salazar,
ou era ainda o Óscar Carmona,
esse sim, o marechal de bigodes farfalhudos ?!

Não te esqueças dos nomes dos altos magistrados da Nação 
que te pode perguntar, 
lá em Lisboa, no exame da admissão,
algum senhor professor de óculos de aros
de casca de tartaruga,
e de nariz aquilino!

(Madruga, meu rapaz, madruga, 
para um dia chegares a ser homem!)

Não te perguntaram por eles, 
pelos altos magistrados da Nação,
lá no liceu Dom João de Castro,
mas pelos reis de Portugal:
nomes, cognomes... e moradas!


Excerto:

In: Luís Graça - Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde, 2005, c. 50 pp. (inédito)

______________

Notas do editor:



(**)  Letra do Hino da Restauração:

Portugueses, celebremos
O dia da Redenção,
Em que valentes guerreiros
Nos deram livre a Nação.

A Fé dos Campos de Ourique
Coragem deu e valor
Aos famosos de Quarenta
Que lutaram com ardor.

P'rá frente! P'rá frente!
Repetir saberemos
As proezas portuguesas.

Avante! Avante!
É voz que soará triunfal
Vá avante, mocidade de Portugal!
Vá avante, mocidade de Portugal!


[Diz o blogue Avenida da Liberdade:  "A autoria do hino, com data de 1861, é de Eugénio Ricardo Monteiro de Almeida (música) e de Francisco Duarte de Almeida Araújo e Francisco Joaquim da Costa Braga (poema original). Monteiro de Almeida era um compositor e professor do Conservatório Nacional (1826 - 1898). Almeida Araújo e Costa Braga eram os autores da peça de teatro musical em que o hino se incluía."...

A letra inicial, que fazia parte da peça "1640 ou a Restauração de Portugal”, estreada e publicada em 1861, já não é a mesma, sofreu alterações, no tempo da República, para se tornar "politicamente correta"... O hino (patriótico) tornou-se "viral", como díríamos hoje, e sobreviveu até agora, a 4 regimes...


(***) "Miguel de Vasconcelos (1590-1640):

Miguel de Vasconcelos foi nomeado escrivão da Fazenda do Reino em 1634 pelo Conde-Duque de Olivares. Um ano depois, a vice-rainha Margarida de Saboia (Duquesa de Mântua) nomeia-o Secretário de Estado [, equivalente a 1º ministro]. 

A deficitária economia do país e o constante favorecimento de Castela em detrimento dos interesses portugueses, fizeram eclodir em várias localidades do país revoltas e motins populares. O desprestígio das ações de Miguel de Vasconcelos neste contexto levou ao levantamento das massas em Évora e no Algarve em 1637, com ecos noutras zonas do país.

O culminar desses distúrbios deu-se a 1 de dezembro de 1640 (Restauração da Independência), quando um grupo de fidalgos invade o palácio real de Lisboa e mata a tiro o Secretário de Estado, lançando em seguida o seu corpo pela janela, para junto da multidão que se aglomerava no Paço da Ribeira."

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15431: Efemérides (204): 1º de dezembro de 1640: 0 hino da Restauração cantado pelo Coro dos Mineiros de Aljustrel e tocado por 27 bandas de todo o país, em Lisboa. na praça dos Restauradores



Vídeo (1' 12'')  > Alojado em You Tube > Luís Graça


Lisboa, praça dos Restauradores, 29 de novembro de 2015 > Comemoração do 1º de dezembro de 1640. Atuação do coro dos mineiros de Aljustrel,  entoando o hino da Restauração.


´
Vídeo (1' 01') Alojado em You Tube > Luís Graça

Lisboa, praça dos Restauradores, 29 de novembro de 2015 >  Comemoração do 1º dezembro 1640. 27 bandas, mais de 1500 músicos, oriundos de todo o país,  tocam o hino da Restauração.


Hino da Restauração (letra)

Portugueses, celebremos
O dia da Redenção,
Em que valentes guerreiros
Nos deram livre a Nação.

A Fé dos Campos de Ourique
Coragem deu e valor
Aos famosos de Quarenta
Que lutaram com ardor.

P'rá frente! P'rá frente!
Repetir saberemos
As proezas portuguesas.

Avante! Avante!
É voz que soará triunfal
Vá avante mocidade de Portugal!