sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18033: Manuscrito(s) (Luís Graça) (131): o 1º de dezembro no teu tempo de menino e moço


Foto e texto: © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados [. Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


O 1º de dezembro
no teu tempo de menino e moço


por Luís Graça (*)



E no 1º de dezembro, 
a banda da tua terra a tocar
o 'Ó ti Zé da Pera Branca',
que era o hino da Restauração (**), 
e que um punhado de patriotas, monárquicos e republicanos, 
fazia seu, na tua aldeia,
quiçá para acicatar o Franco de Espanha 
e o Salazar de Portugal, 
e todos os traidores da pátria, 
os lacaios que tinham servido os Filipes! 

(Sabias lá tu quem era o Franco, 
o Salazar e os demais grandes deste mundo!)

Fazia frio, de tremer o queixo, 
nas efemérides do 1º de dezembro de 1640, 
e ias agarrado ao capote do teu pai, 
com outros meninos e outros pais, 
atrás da banda,
Rua Grande acima,
a gritar morte ao traidor Miguel de Vasconcelos (***):
- Vais Com Cuspo e Selo, Vasconcelos, 
Vais
Morte a Castela e aos seus serviçais!

(Sabias lá tu, meu menino, quem era a pátria, 
e o pai e a mãe da pátria?! 
E os seus heróis, os seus filhos, 
mais do que homens, menos do que deuses, 
sabias lá tu quem era eles, os heróis,
e os traidores, 
e os progenitores da pátria, 
os pais-fundadores!)

Sabias lá tu quem era 
o senhor, professor, doutor, Salazar,
que nos tinha salvo da guerra,
só conhecias o rapa-tudo, a espátula 
que a tua mãe usava na cozinha quando fazia bolos!
Não sabias, pois claro, 

nem nunca tinhas saído da tua terra,
mas tinhas-lhe medo, ao cara de pau, 
de nariz aquilino, 
especado na parede da tua escola do Conde de Ferreira,
olhando-te de soslaio,
vigiando-te e punindo-te, 
que os símbolos do poder eram
como o código de barras da zebra:
ou memorizas ou morres, logo à primeira,
mal nasças, ó zebrinha!

De um lado, o Craveiro Lopes, 
que irá a marechal de opereta, 
e do outro o Salazar,
ou era ainda o Óscar Carmona,
esse sim, o marechal de bigodes farfalhudos ?!

Não te esqueças dos nomes dos altos magistrados da Nação 
que te pode perguntar, 
lá em Lisboa, no exame da admissão,
algum senhor professor de óculos de aros
de casca de tartaruga,
e de nariz aquilino!

(Madruga, meu rapaz, madruga, 
para um dia chegares a ser homem!)

Não te perguntaram por eles, 
pelos altos magistrados da Nação,
lá no liceu Dom João de Castro,
mas pelos reis de Portugal:
nomes, cognomes... e moradas!


Excerto:

In: Luís Graça - Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde, 2005, c. 50 pp. (inédito)

______________

Notas do editor:



(**)  Letra do Hino da Restauração:

Portugueses, celebremos
O dia da Redenção,
Em que valentes guerreiros
Nos deram livre a Nação.

A Fé dos Campos de Ourique
Coragem deu e valor
Aos famosos de Quarenta
Que lutaram com ardor.

P'rá frente! P'rá frente!
Repetir saberemos
As proezas portuguesas.

Avante! Avante!
É voz que soará triunfal
Vá avante, mocidade de Portugal!
Vá avante, mocidade de Portugal!


[Diz o blogue Avenida da Liberdade:  "A autoria do hino, com data de 1861, é de Eugénio Ricardo Monteiro de Almeida (música) e de Francisco Duarte de Almeida Araújo e Francisco Joaquim da Costa Braga (poema original). Monteiro de Almeida era um compositor e professor do Conservatório Nacional (1826 - 1898). Almeida Araújo e Costa Braga eram os autores da peça de teatro musical em que o hino se incluía."...

A letra inicial, que fazia parte da peça "1640 ou a Restauração de Portugal”, estreada e publicada em 1861, já não é a mesma, sofreu alterações, no tempo da República, para se tornar "politicamente correta"... O hino (patriótico) tornou-se "viral", como díríamos hoje, e sobreviveu até agora, a 4 regimes...


(***) "Miguel de Vasconcelos (1590-1640):

Miguel de Vasconcelos foi nomeado escrivão da Fazenda do Reino em 1634 pelo Conde-Duque de Olivares. Um ano depois, a vice-rainha Margarida de Saboia (Duquesa de Mântua) nomeia-o Secretário de Estado [, equivalente a 1º ministro]. 

A deficitária economia do país e o constante favorecimento de Castela em detrimento dos interesses portugueses, fizeram eclodir em várias localidades do país revoltas e motins populares. O desprestígio das ações de Miguel de Vasconcelos neste contexto levou ao levantamento das massas em Évora e no Algarve em 1637, com ecos noutras zonas do país.

O culminar desses distúrbios deu-se a 1 de dezembro de 1640 (Restauração da Independência), quando um grupo de fidalgos invade o palácio real de Lisboa e mata a tiro o Secretário de Estado, lançando em seguida o seu corpo pela janela, para junto da multidão que se aglomerava no Paço da Ribeira."

4 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Era uma festa, o 1º de dezembro, na minha vila da Lourinhã. Primeiro, porque era feriado, não se ia à escola, e segundo, porque a filarmónica local percorria as ruas principais, com o povo e os putos atrás... Era um tradição que já vinha da Monarquia Constitucional, da República e que se manteve no tempo do Estado Novo... Como não sabíamos a letra do hino da restauração, cantarolávamos: "Ó Tí Zé da pêra branca"... LG

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Vou ter o prazer de ver a banda da minha infãncia, a AMAL Associação Musical e Artística Lourinhanense, participar hoje. na Av da Liberdade, em Lisboa, na 6ª Desfile Nacional de Bandas Filarmónica...

É um banda centenária, fundada em 1878... Creio que é a 1ª vez que vemn a este desfile...


https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2017/11/guine-6174-p18029-agenda-cultural-614.html

Mário Vitorino Gaspar disse...


O 1.º de Dezembro na Vila de Alhandra é celebrado desde as 6/ 7 horas. A Banda Filarmónica da SEA percorre toda a vila e presta Homenagens a todas as Colectividades da terra. Curiosamente quase todas foram fundadas a 1 de Dezembro. Em cada Sede tocam e sobem os músicos para beberem um copo. Todo o trabalhador acorda, tenha estado ou não de serviço durante a noite. E os putos acompanhavam a Banda. Para a criançada da minha época a letra era: - "Tu não queres é trabalhar... Tum, tum, tum...". Gostaria de ter sido acordado em Gadamael com esta letra...

Cesar Dias disse...

Tinha 12/13 anos, no dia 1º de dezembro lá estavam as escolas da grande Lisboa representadas nos Restauradores, devidamente perfiladas com os uniformes da Mocidade Portuguesa, cantando o hino da restauração.
Eram 4 horas dificeis para a rapaziada que nem podia arredar pé para as necessidades, daí os charcos que se viam na praça depois do toque de destroçar.
Outros tempos

César Dias