domingo, 26 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P18016: Blogues da nossa blogosfera (81): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (2): "Botão-flor da primeira folha verde" e "Venho de um jardim distante"



Do Blogue Jardim das Delícias, do nosso camarada Adão Cruz, médico, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos dois textos e duas imagens da sua autoria.




Botão-flor da primeira folha verde

Adão Cruz

© Adão Cruz

Há uma mulher de alvor azul, com um fio de azeite nos lábios finos e uma gota de água no canto dos olhos secos.

Os lábios foram carnudos e vermelhos de sangue, e os olhos eram verdes como o sol, quando o sol era verde.

Tem o rosto sumido na sombra descaída ao longo dos braços, como vela despregada de navegar.

Outrora, o mar encapelado e nu brilhava nos seus olhos, cobrindo de espuma branca as alamedas do desejo.

Havia uma cidade entre os lábios, envolta em lagos de montanha, com peixes verdes voando entre os pinheiros.

Não havia pombas brancas caídas no chão da cidade morta.

Nas ruínas da ilusão, um edifício muito alto erguia-se nas paredes do deserto e rompia o céu de nuvens negras.

No vão da noite que acolhe os sonhos, o botão-flor da primeira folha verde inverteu a vida entre o real e o imaginário nas dobras do tempo em universal dilema.

Há uma mulher de alvor azul com um fio de azeite nos lábios roxos e uma gota de água gelada no canto dos olhos, mas cedo se fez tarde a madrugada sem tempo para morrer na vida de um poema.

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Venho de um jardim distante

Adão Cruz

© Adão Cruz

Venho de um jardim distante florido de memórias ou de um sonho qualquer entre risos e lágrimas caindo de um céu de chumbo ou de um céu de magnólias.

Venho do seio do orvalho da madrugada num punhado de vida libertada em qualquer rumor de passos brincando nos telhados acesos pela luz do dia....

Venho de um jardim distante onde grinaldas de flores abrilhantam a festa do azul dos tempos no incêndio do crepúsculo ou no ardor da manhã do meu berço de mistério e universo.

Venho das esquinas do tempo em recordações avulsas ao sabor das pontes da vida cavalgando o vento que assobia nas ruas estreitas ou mordendo as pedras com punhais de silêncio.

De onde venho ninguém sabe.

Venho talvez da intimidade salgada do mar ou de um jardim distante com um rio de passos e palavras e pedaços de sol num rosário de pérolas abrindo a neblina do nascer da vida.

Venho… quem sabe da nudez adormecida no silêncio do tempo destinado à simplicidade da morte pelo sinuoso caminho das recordações perdidas no chão fundo das angústias ou nos retalhos da esperança.

Venho talvez das sombrias entranhas prenhes de fulvos e ilusórios tesouros que emergem do fundo do mar sublimados de cor e luz à superfície traiçoeira das águas bordadas de espuma. Ou então…

Ou então serei filho de um mundo sem resposta sujeito a ventos e marés que enrugam o latejar das veias e quebram o voo das artérias com lugar no corpo rompendo o fluir da vida no interior do sonho.

Não.

Eu não venho de lugar algum fora da mente nem trago comigo a erva daninha.

Eu venho de um jardim distante entre o sonho e a razão onde o pensamento se agiganta contra as trevas e a ilusão.
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17989: Blogues da nossa blogosfera (80): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547

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