sábado, 7 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20424: Os nossos seres, saberes e lazeres (367): A quintessência do ultrarromantismo: Monserrate (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Maio de 2019:

Queridos amigos,
Quando se fala de Sintra, associa-se imediatamente o Palácio da Vila e o Palácio da Pena, mas na vila há muitíssimo a ver, em museus e casas de elevado valor arquitetónico. E depois a Regaleira, um verdadeiro regalo para quem gosta de neogótico, do exótico e dos antros mágicos, ou aparentados. E mais adiante, o parque e o Palácio de Monserrate, e também o Convento dos Capuchos.
Aqui se deixam imagens daquilo que se designa por quintessência do ultrarromantismo, os jardins de facto são românticos, o palácio é um excesso, mas um belíssimo excesso que nenhum de nós pode ignorar.

Um abraço do
Mário


A quintessência do ultrarromantismo: Monserrate

Beja Santos

Aqui, tanto no palácio como nos jardins, reclama a adjetivação mais hiperbólica, permite todos os excessos: a cortina da bruma, a sobrecarga do neogótico, as atrações edénicas, os excertos de várias proveniências, as imitações de ruínas… Mas nada, absolutamente nada, impede o embevecimento de quem visita este território dos contos de encantar. Atenda-se à bruma, logo ocorre inspiração poética neste território que no século XVI foi propriedade do Hospital de Todos os Santos de Lisboa e que no século XVIII teve o seu primeiro palácio neogótico mandado construir por Gerard de Visme, no fim desse mesmo século William Beckford, um dos homens mais ricos do seu tempo arrendou a propriedade e mandou criar um jardim paisagístico, chegava o tempo das imitações, o ideal romântico era quem mais ordenava.


Pode dizer-se com carga de convicção que Monserrate é uma das mais belas criações paisagísticas do romantismo. Dirá o viandante que é excessivo, é ultra quanto ao palácio, mas rende-se quanto ao conceito de romantismo para o jardim. Olhe-se para este metrosidero que se cobre de flores vermelhas no início do verão, chama-se Árvore-de-Natal-da-Nova-Zelândia, quem está na varanda do palácio tem-no ali ao pé, não é uma casualidade.


Em 1856, outro ricaço, Sir Francis Cook, adquire a quinta, reconstrói o palácio, revoluciona os jardins. O palácio passou a ser a residência de verão, o arquiteto inglês James T. Knowles correspondeu aos desejos de Sir Francis Cook, aproveitou a base, isto é, as ruínas da mansão neogótica edificada por Gerard de Visme, o resultado é espetacular, logo a seguir à escadaria temos a Fonte do Tritão, o átrio é um recinto ortogonal, segue-se um longo corredor que termina na sala de música, e nas faces laterais temos a sala de jantar, a capela, a sala de estar indiana, a sala de bilhar, no meio um átrio principal onde se encontra uma fonte em mármore de Carrara, ali bem perto uma escadaria decorada com um padrão de folhas de hera que leva ao piso superior, onde estão os quartos e a torre sul, onde ficavam os aposentos de Francis Cook.





Comprova o viandante que esta sala de música é de uma excelente acústica, tem cúpula em estuque com motivos florais dourados e friso com representações das Musas e das Graças. Nos saudosos tempos em que havia festival de música em Sintra, escolhia-se esta sala para recitais de piano ou música de câmara, o piano é fabuloso, ouvir aqui Chopin, Rameau ou Liszt numa tarde de outono, e se o intérprete é de primeira plana, pode ser acontecimento inesquecível.


Esta é a galeria, constitui o corredor de ligação entre as três torres do palácio. O arquiteto foi feliz, conseguiu um efeito de profundidade com a sucessão de arcos e colunas e uma delicada infiltração da luz.




Voltemos à história de Monserrate. Os descendentes de Sir Francis Cook venderam o recheio fabuloso da casa, o Estado comprou uma peça, recorreu ao direito de preferência, já houve uma exposição em Monserrate com as peças que fazem hoje parte de coleções e museus nacionais, em 1949 o Estado adquiriu o parque e a tapada, num total de 143 hectares, as obras tardaram, o interior arruinou-se. Nas últimas décadas, tem-se processado a reabilitação. O visitante não deixa de vir à biblioteca, esta porta de madeira trabalhada enche-lhe as medidas, sofre por ver as estantes vazias, tudo fruto do tal leilão que nunca devia ter acontecido.



Em 1995, a UNESCO classificou a Serra de Sintra, onde se localiza Monserrate, como Paisagem Cultural – Património da Humanidade. A classificação fez bem ao palácio e aos jardins, em 2010 as obras de recuperação do palácio foram inauguradas. E vão continuar por muito tempo, espera-se.



Um dia virá para visitar a preceito o parque. Diz-se sumariamente que alberga uma notável coleção botânica com espécies de todo o mundo, há estrelícias, roseirais, araucárias, metrosideros, pinheiros, uma boa porção do parque avista-se da varanda, ali perto há um arco indiano, um arco romano e um tanque, lá em baixo o vale dos fetos. Há para aqui muita encenação teatral, já se disse. É o caso de um falso cromeleque, nem chega a ser kitsch, mas enche o olho.
Em jeito de despedida, veja-se a beleza destas flores de cato, uma especialidade primaveril, deixam-se igualmente imagens do tanque e do arco indiano. Até ao próximo passeio.





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Nota do editor

Último poste da série de 30 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20400: Os nossos seres, saberes e lazeres (366): A minha ilha é um cofre de Atlântidas (8) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20423: Facebook...ando (54): António Rios, ex-fur mil mecânico de artilharia (GA 7, Bissau, 1972/74), algarvio de Vila Real de Santo António, a viver em Tavira




1. Na nossa página do Facebook,  o António Rios escreveu em  4 de dezembro, a propósito da Acção Mabecos (subsetor de Piche, 22-24 de fevereiro de 1971):

"Também por lá andei [, na Guiné],  em  1972/74.  Furriel Mecânico de Artilharia".

2. O editor, Tabanca Grande Luís Graça, comentou:

António, esta foto é um raridade!... Foste furriel mecânico de artilharia... Presumo que no GAC7 (1972/74)... Saías de Bissau ? Se sim, o que é conheceste ? Tens, por certo, histórias para contar, e mais fotos para divulgar... Escreve-nos: luis.graca.prof@gmail.com... Estamos no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Confesso que o António Rios devia ser uma "avis rara" (, sem ofensa)... Eu, pessoalmente, nunca vi nenhum mecânico de artilharia no CTIG... E a havê-los (na BAC 1 / GAC 7 / GA 7), como é caso deste nosso camarada, algarvio,  deviam ser poucos... mas bons.

De qualquer modo, os mecânicos de artilharia tinham também competências raras e a sua arte era imprescindível para o bom andamento da guerra, já que estes "brinquedos de guerra" (os obuses 8.8. 10.5 e 14 e as peças de artilharia 11.4) também se avariavam, danificavam, partiam,  desgastavam, etc.
Pela sua apresentação no Facebook, sabemos que o António Rios:

(i) foi eletrotécnico de energias, hoje na reforma;
(ii)  trabalhou na PT - Portugal Telecom, Faro;
(iii) colabora na Rádio Gilão. e está ligado ao Rancho Folclórico de Tavira;
(iv) andou na escola Escola Técnica de Tavira (1962/69);
(v) vive em Tavira;
(vi) é natural de  Vila Real de Santo António;
(vii) nasceu a 14 de agosto de 1951;
(viii) temos 22 amigos em comum (no Facebook).

Fica aqui o nosso convite para o António Rios  integrar a Tabanca Grande, a tertúlia do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.  Sabemos, pela foto abaixo, que só regressou a casa já depois do 25 de Abril de 1974.




Guiné > Bissau > HM 241 > 13 de junho de 1974 > Almoço convívio no hospital militar de Bissau. O António Rios parece-nos ser o primeiro da segunda fila, a contar da direita para a esquerda.

Já agora um desafio ao autor, o nosso camarada António Rios (e aos leitores):

António, nesta foto, de uma almoço-convívio, em 13/6/1974, no Hospital Militar de Bissau, diz-me onde é que tu estás, e o que lá estavas a fazer... (Pareces-me ser o primeiro da 2ª fila, a contar da direita...). Não estavas doente para estar no HM 241... Tinhas lá malta conhecida, é isso ?!... Por mera curiosidade, pergunto-te o que é que vocês estavam a comer ?... Parecem-me bivalves... Ostras, não, não me parecem ser cascas de  ostras, eram  maiores... Ameijoas, não havia na Guiné, que eu saiba... Frango ? Passarinhos ?... Que raio de petisco era esse ?... E a cerveja, em lata, era Sagres, ou não ?... 

Fotos (e legendas): © António Reis (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné 61/74 - P20422: Dossiê cap cav Luís Rei Vilar - Parte III: declarações da primeira testemunha, fur mil op esp , da CCAV 2538, José Vigia Batalha Polaco





Declarações da 1ª testemunha, fur mil op esp José Vigia Batalha Polaco, da CCAV 2538 (Susana, 1969/71) no âmbito do processo por ferimento em combate de que resultou a morte do cap cav Vilar; foi instrutor do processo o cap cav Rogério Silva Guilherme, substituto do cap cav Luís Rei Vilar, no comando da companhia.

Local e data, Susana, 26 de fevereiro de 1970.

Fonte: Cortesia de cor art ref Morais da Silva



1. Mais uma peça do processo do infausto cap cav Luís Rei Vilar (1941-1970), ex-comandante da CCAV 2538 (Susana, 1969/71), morto em combate em 18/2/1970, no decurso da Op Selva Viva. (*)



Cap cav Luís Rei Vilar (1941-1970).
Foto: cortesia de cor art ref
Morais da Silva


Sobre as circunstâncias da morte deste intrépido oficial de cavalaria, no TO da Guiné, vamos continuar a publicar, sob a forma de dossiê, os documentos que nos enviou, gentilmente, o cor art ref Morais da Silva, autor de um notável trabalho de pesquisa sobre os 47 oficiais da Escola do Exército / Academia Militar, mortos em combate, na guerra colonial, que também temos vindo a publicar, no nosso blogue (**).

Hoje reproduzimos as declarações do fur  mil op esp,  José Vigia Batalha Polaco, da CCAV 2538 ,  natural da Nazaré, no âmbito do "processo por ferimento em combate de que resultou a morte [do cap cav Vilar]".   Foi instrutor do processo o cap cav Rogério Silva Guilherme, substituto do cap cav Luís Rei Vilar, no comando da companhia.
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Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série >


5 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20417: Dossiê Cap Cav Luís Rei Vilar (Cascais, 1941- Susana, 1970) - Parte II: declarações do ex-alf mil op esp, da CCAV 2538, Eurico Borlido

(**) 1 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20402: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XXXI: Luís Filipe Rei Vilar (Cascais, 1941 - Susana, região de Cacheu, Guiné, 1970)

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20421: (Ex)citações (362): a crise de vocações castrenses: de 1962 a 1969, a quebra é brutal: o nº de admissões ao 1º ano da Academia Militar passa de 266 (em 1962) para 33 (em 1969) (Morais da Silva, cor art ref, investigador, antigo professor da Academia Militar)



Fonte: Morais Silva (2010)



Dois comentários ao poste P20418 (*)


(i) Tabanca Grande Luís Graça:

É impressionante, um militar de carreira [, o major inf Magalhães Osório], aos 40 anos, já tinha 4 comissões de serviço no Ultramar: uma na Índia, outra em Angola, duas na Guiné... 

Por muito que "a fábrica de oficiais" trabalhasse, não conseguia repor o "produto"... E, infelizmente, começou a escassear a "matéria-prima"... Porquê ? Atenção, Morais da Silva e tanto outros camaradas e amigos entraram já para a Academia Militar em plena guerra colonial (ou do Ultramar, como quiserem).


(ii) Morais da Silva:

Vale a pena conhecer o número de admissões para o 1º ano da AM (no final do 1º ano ocorria a escolha do ramo e arma desejadas: inf,art,cav, eng civil, mecânica e electrotécnica, eng aeronautica, força aérea (pilotos), administração militar exército ou força aérea).

Admissão [Vd. Gráfico acima reproduzido]: 



1961:257 
1962:266
1963:180 
1964:137 
1965:129 
1966:90 
1967:90 
1968:58 
1969:33 
1970:62
1971:103
1972:72
1973:88

Os cadetes das Armas e Pilotos entravam para os quadros, com o posto de alferes, 4 anos após a admissão. As engenharias terminavam os cursos 7 anos após a admissão, já com o posto de tenente.

De 1962 a 1969 a quebra é brutal e deu origem à escassez de subalternos para a instrução, de tal modo que, em 1971 e 1972, não houve uma única promoção a capitão e, naturalmente, à queda do "stock" destes para o comando de companhias.

Não há estudos, que eu conheça, sobre o que animava estes jovens que, em plena guerra, acorriam à AM [Academia Militar]. Da minha parte sempre quis, desde menino, ser militar e em boa hora o consegui.


Morais Silva
artilheiro-infante


2. O Cor Art Ref António Carlos Morais da Silva, natural de Lamego, pertence a uma família de militares.  Foi cadete-aluno nº 45/63, do corpo de alunos da Academia Militar. É membro da nossa Tabanca Grande, com o nº 784, desde 7/3/2019

Foi professor do ensino superior universitário, docente da Academia Militar, do Instituto Superior de Gestão e da Universidade Autónoma de Lisboa, sendo especialista em Investigação Operacional. Também passou pelo TO da Guiné como oficial do QP: no CTIG, foi instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972. É membro da nossa Tabanca Grande,

O Morais da Silva teve a gentileza de, em 2010,  nos facultar, em pdf e em word, um exemplar do seu estudo, de 30 pp., sobre a "Guerra de África - O QP e o Comando das Companhias de Combate" (Março de 2010), que circulou internamente, na nossa Tabanca Grande, através da nossa rede de emails. Foi depois publicado no blogue, na série "Estudos", dividido em 6 partes (**). 

É desse estudo o gráfico que acima reproduzimos, e que merece o devido destaque e reflexão, além dos comentários ( que serão bem vindos...) por parte dos nossos leitores (***).
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(***) Último poste da série > 29 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20285: (Ex)citações (361): Do meu amigo Zé Saúde, com quem estive estes anos todos sem falar da guerra, até ao segredo dos 'Asas Brancas' de Contuboel (Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547, 1972-74)

Guiné 61/74 - P20420: Notas de leitura (1243): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (35) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Aproveitando a circunstância de o bardo se centrar em situações do quotidiano, desde acidentes de viação a caneladas com fratura, pretendeu-se dar o quadro ambiental daquele ano de 1964, turbilhonante, foi um doloroso separar de águas, gente em fuga para países limítrofes, gente a ser obrigada a tomar posição, como o régulo Malan Soncó, do Cuor, que resistiu a todas as ameaças e pediu proteção às tropas portuguesas.
Na área em que se movimentavam as unidades do BCAV 490 este relato do Leopoldo Amado parece rigoroso, minucioso, sobre tudo quanto aconteceu naquela convulsão territorial. Leopoldo Amado estudou aturadamente a documentação portuguesa, como demonstrou. Atribui a Schulz uma falta de estratégia e de conhecimentos para uma resposta firme, o que está longe de ser verdade, basta ler as suas diretivas e instruções. Quando ele chega à Guiné, em maio de 1964, está tudo num autêntico pé de guerra, ele tinha que responder à defesa das populações, foi a reboque do alastramento imprimido pelo ímpeto guerrilheiro. Veremos adiante que estas diretivas de Schulz estavam sustentadas por um conhecimento real da situação, fez previsões que bateram certo, importa não esquecer que não lhe deram os meios que aquela avalanche exigia, independentemente de todos os erros que terá cometido na implantação de destacamentos.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (35)

Beja Santos

“Setúbal teve grande azar,
sendo logo evacuado.
O Sadio, bom camarada,
ficou um pouco atrapalhado.

Como sempre acontecia,
e quando havia vagar,
o futebol íamos praticar
a qualquer hora do dia.
O Artur tudo vencia
com o seu modo de driblar.
O Ruas, a atrapalhar,
fez grande exibição
e o Rebelo ao jogar-se ao chão,
Setúbal teve grande azar.

O 1.º Cabo Clarim
de Setúbal é natural.
Ficou com a perna muito mal
ao jogar à bola em Farim.
A pouca sorte surgiu assim,
sem andar no mato cerrado:
este pobre desgraçado
a perna direita rachou
e a avioneta poisou,
sendo logo evacuado.

O nosso amigo Caixeiro
quis ser condutor na estrada.
Ia levando uma porrada
pelo nosso Comandante Cavaleiro.
Pagou grande conta em dinheiro,
ajudado pela rapaziada.
Numa árvore deu uma pancada
que o Unimog amolgou
e grande susto apanhou
o Sadio, bom camarada.

Rondas temos que fazer
aqui neste aquartelamento.
No mato em todo o momento
terroristas se estão a prender.
Aqui a Farim vieram ter
mas não tiraram resultado.
O Jacinto ficou assustado
atirando-se para o chão
e o Sargento Napoleão
ficou um pouco atrapalhado.”

********************

O bardo dá-nos notícias do quotidiano, onde não faltam acidentes mortificantes. De novo emerge a vontade de procurar entender um pouco melhor o que se vai passando nesse ano de 1964 por toda a Guiné, e assim perceber com mais clareza as tribulações em que vivem as unidades do BCAV 490. Vai-se fazer uso da tese de doutoramento de Leopoldo Amado publicada com o título “Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional, 1950-1974”, edição do IPAD – Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, 2011, precisamente dando atenção ao que ele escreve sobre esse ano de 1964:
“Em todo o primeiro semestre o PAIGC despendeu esforços enormes para dispersar as tropas portuguesas, nomeadamente com a abertura de novas frentes de combate, com objetivos claros de provocar a diluição daquelas, apesar de concentrar o principal esforço de guerra ao Norte do Canal do Geba, de onde alastrou a Farim, na margem direita do rio Cacheu, e a toda a área circunvizinha, em especial para Leste e Nordeste. No final de Janeiro, aquele centro populacional, já importante, encontrava-se já isolado, pois as unidades guerrilheiras do PAIGC, destruindo pontes, montando emboscadas, colocando abatises e minas, procuraram cortar as estradas que ligavam a vila às povoações de Bigene, a Oeste, Bissorã, a Sudoeste, Mansabá, a Sul, e Cuntima, a Nordeste. Além disso, havia notícias de novas infiltrações de grupos do PAIGC pelas fronteiras Leste e Nordeste da Guiné, na direção de Farim. Estes grupos teriam o seu ponto de irradiação em Koundara, na República da Guiné.
Esta situação agravou-se ainda mais durante os meses de Fevereiro e Março, com as constantes flagelações a Farim e Binta, onde o PAIGC objetivava claramente a destruição de infraestruturas, a saber, pontes e pontões, ao mesmo tempo que fustigava as populações civis da área de Jumbembem – Canjambari – Cuntima, com o objetivo de as desequilibrar psicologicamente e de as ‘coagir’ a colocarem-se do seu lado. Esta atuação levou Fulas e Mandingas a fugirem para o Senegal e originou a paralisação quase completa das serrações locais e da atividade madeireira, de que Farim é um dos principais centros da Guiné.
Entre os rios Cacheu e Mansoa, a grande mancha florestal do Oio era a mais afetada, tendendo o PAIGC a alastrar a sua atuação para Oeste, na direção de Binar e Bula, e para Leste, tomando como eixo a estrada Mansabá – Bafatá. Por quase toda esta grande área, os guerrilheiros atacavam as forças militares portuguesas em operações que flagelavam aquartelamentos e povoações. Essas ações do PAIGC foram em geral caraterizadas por uma enorme agressividade, na área de Umpabá – Biambi (entre Binar e Bissorã) e no troço Bissorã – Olossato (que viria a deter o recorde de emboscadas entre todas as estradas da Guiné). Merece também referência especial a oposição do PAIGC à reabertura da estrada Mansabá – Bafatá, numa altura em que elementos do Exército Português estavam entregues às tarefas de limpeza de inúmeros abatises”. 

Leopoldo Amado
E, mais adiante:
“Nesse ano, o PAIGC alarga a sua atuação para o Norte, a partir do Oio até à fronteira com o Senegal, criando assim condições para poder ser reabastecido a partir deste país. Iniciou também a atividade no extremo Noroeste da Guiné e na área do Boé, visando pressionar a etnia Fula, e surge pela primeira vez com o chamado Exército Popular, numa ação sobre Guilege. De notar ainda, neste princípio de 1964, as flagelações em Mansabá, a Binar, ao Olossato e às zonas suburbanas de Bissorã e de Mansoa, bem como a primeira atuação dos guerrilheiros na estrada Bula – São Vicente, única que permitia ligações seguras entre Bissau e toda a região fronteiriça a Norte do rio Cacheu.
Em Abril, a atividade do PAIGC agravou as já enormes dificuldades das atividades económicas coloniais, na medida em que, conjugada com a obstrução das estradas que, na margem Sul do Cacheu, dão acesso à região, a sua ação abrangeu o ataque às serrações madeireiras que restavam e a destruição das tabancas fulas da zona fronteiriça de Cuntima, povoação, aliás, alvejada mais do que uma vez, na noite de 27 para 28, por diversos grupos de guerrilheiros que nesses mesmos dias atacaram Farim. O trânsito nas estradas tornava-se dia a dia mais difícil e perigoso, pois o PAIGC não só continuava a destruir pontes e pontões, a colocar abatises e a montar emboscadas, como começava também a implantar minas.
A primeira colocação de minas foi assinalada a norte do rio Cacheu, em Maio de 1964, numa altura em que a atividade do PAIGC já atingira o porto de Binta e se aproximava de Bigene. Os ataques às tabancas de Genicó e Sansancutoto, respetivamente a oeste e noroeste daquele porto, e a destruição da ponte de Sambuiá indicavam que os guerrilheiros pretendiam interromper as ligações rodoviárias entre Bigene e Farim e tornar ainda mais precária a situação em toda a área, ao mesmo tempo que, no Senegal, se procedia a uma grande campanha de mobilização junto dos refugiados (…). Em Junho de 1964, grandes massas nativas indefesas refugiam-se quer no Senegal (a maioria), quer ainda em Bissau, procurando fugir a todo o custo das pressões exercidas sobre elas dos dois lados: guerrilheiros e exército português”. 

E Leopoldo Amado acrescenta uma outra dimensão do alastramento da guerrilha:
“O alastramento para oeste do meridiano de Bula, realizado por grupos vindos do Senegal, foi feito em perfeita combinação com a progressão para leste de Farim e do Oio. Do mesmo modo, junto à fronteira senegalesa, o PAIGC começava a atuar na área de Canhamina, a sudeste de Cuntima. Um conjunto de ações e infiltrações desde Canhamina, ao norte até Cantacunda, Banjara e Badora, indicava claramente que o PAIGC pretendia alargar para leste a atividade que até então desenvolvera apenas nas regiões do Oio e de Farim”.

O historiador recorda também as atividades na chamada Região Centro-Leste, Enxalé, Xime, aliás foi no Xime a primeira localidade a usar-se o RPG, a bazuca soviética. No Corubal, em especial entre Margai e Ponta Varela, começaram os ataques aos navios comerciais ou de transporte pessoal. Ao norte de Bambadinca, em abril, a tabanca de Missirá foi assaltada. Outro aspeto que não se pode minimizar é o do uso de novos armamentos, metralhadoras, morteiros 82, o seu uso alastrou-se por muitas regiões e o uso de minas anticarro armadilhadas e detonadas à distância com a ajuda de um fio preso à cavilha de segurança. Pensa-se que ficou mais nítido o ambiente narrado pelo bardo a partir de Farim. Em Binta, como veremos adiante, a CCAÇ 675 reage com uma mentalidade ofensiva pouco comum, iremos ler algumas páginas do diário de JERO.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 29 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20395: Notas de leitura (1241): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (34) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 2 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20409: Notas de leitura (1242): Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária (4): “O Prazer da Leitura”; Teorema e FNAC, 2008 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20419: Efemérides (316): Foi há 50 anos que desembarquei em Bissau: fomos para a guerra, privilegiámos a paz! (António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639, Binar, Bula e Capunga, 1969/71)


Guiné > Bissau > c.1970/71 > Chaimites evoluindo no estuário Geba em Bissau. À esquerda, o edifício das Alfãndegas
. As primeiras Chaimites chegam a Bissau, as V-200, para teste, em finais de 1970,  e depois a partir de 1971 vão substitundo algumas das nossas obsoletas viaturas blindadas, mas revelam alguns problemas, a nível da blindagem e do armamento.



Guiné > Região do Cacheu > Bula > CCAV 2639 (1969/71)  > A AM [autometralhadora] Panhard, companheira insubstituível nas nossas colunas.

Fotos (e legendas): © António Ramalho (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)





1. Mensagemn de António Ramalho, de 26 de novembro de 2019, 13h19

[ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas,  a viver em Vila Franca de Xira, membro da Tabanca Grande, com o nº 757: tem cerca de duas dezenas de referências no nosso blogue;  A ccav 2639, mobilizada pelo RC 7, partiu para o TO da Guiné em 22/10/1969m e regressou a 25/9/1971; esteve em Binar, Pete e Bula; comandante: cap cav Alfredo Jorge Gonçalves Farinha Ferreira;era uma companhia independente, adida ao BCAV 2868; a companhia chegou a Bissau em 28/10/1969, o Ramalho só um depois depois; ficou 3 semanas por Bissau, e o mandarem para o mato em 20/12/1969]


Caro camarada Luís Graça, boa tarde.

Querendo comemorar os 50 anos da nossa chegada à Guiné, homenageando todos aqueles que já partiram, elaborei o texto que anexo para analisares e publicares no nosso Blogue, se assim o entenderes.

Gostaria de ver maior participação de elementos da minha Companhia, tenho feito algumas acções de informação, não vejo resultados, contudo não desistirei!

Quando nos encontraremos num almoço em Algés?
Um forte abraço para todos.

António Fernando Rouqueiro Ramalho (757)





2. Fomos para a guerra e privilegiámos a paz! 

por António Ramalho

Desembarcado em Bissau em Novembro de 1969, fui acompanhado por um T6 na subida do Rio Geba, um ruído ensurdecedor. Antes disso atravessei o Golfo da Guiné apinhado de barcos de pesca, uma imagem lindíssima, qual baía de Cascais, logo ali tive o primeiro sobressalto na manhã seguinte!Na noite anterior o Uíge ficou ancorado ao largo com a proa para Norte. Do meu camarote via a Bissau nocturna. Na manhã seguinte, quando acordei, vi floresta. Pensei que já nos tinham levado para outro local. Ignorância minha. Como os rios na Guiné sofrem de influência marítima, o navio tinha rodado, tudo bem! 





T/T Uíge > Lisboa-Bissau > Outubro de 1969 > "O primeiro (e único) cruzeiro da minha vida.



Guiné > Região Cacheu > Bula > Ponta Consolação > CCAV 2639 (1969/71) > Capunga > Reordenamento

Fotos (e legendas): © António Ramalho (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)



Desembarcado sem arma mas com bagagem, tinha à minha espera o meu conterrâneo João Unas, distinto marinheiro. Percorri Bissau num autocarro das Viagens Costa a distribuir camaradas pelos diferentes quartéis até que me apresentei no QG (Biafra), tal era a desordem! Feito o chek in fui almoçar ao Pelicano! 

Instalado nos Adidos à espera de transporte, ia diariamente ao QG (Biafra) saber da minha sorte. Não havia vaga, graças a Deus. Assim conheci melhor Bissau que, comparada com os dias de hoje está irreconhecível, um desconsolo! 

Mais tarde, nas poucas vindas a Bissau, era hóspede do meu amigo José Germano,  no quartel de Engenharia [, BENG 447], sempre principescamente recebido. Também em Bissalanca [, BA 12] saboreava as excelentes refeições e usufruía do ar condicionado dos Paraquedistas onde o meu conterrâneo João Belchiorinho me recebia. Já cá não estão os dois entre nós! 

Aproveitei os meus tempos livres para conhecer a cidade, os seus bairros. Fui ao Pilão, como era óbvio, aos seus mercados, às suas escolas e liceu, passei bons momentos na 5ª Rep., na Solmar, também fui ao Chez Toi, Messe da FA e passei pelo HM [ 241} conhecer e saber do estado de saúde de alguns camaradas que tinham sofrido umas pequenas escoriações numa emboscada em Binare. 

Fiquei com uma imagem que guardarei para toda a vida: sentados nos lancis dos passeios dos bairros de Bissau,  estudavam crianças à luz dos candeeiros da iluminação pública, que vontade de aprender, que encanto me proporcionaram aqueles jovens! 

Noutra ida ao HM apercebi-me da chegada de helicópteros. A minha curiosidade levou-me até às urgências, estarão a imaginar o dantesco cenário que presenciei naquela tarde! Que grande estímulo para um periquito! Resisti às imagens e ao ambiente tentando confortar aqueles que me ouviam... Não conheci ninguém! Na minha permanência nos Adidos em Bissau fiz rondas desde as antenas da EN, ao Presídio Militar onde numa das idas levei um oficial despromovido por “incompatibilidade” com outro oficial superior que foi calorosamente recebido pelos presentes, antes de o entregar tomámos uma cerveja e dei-lhe um abraço! 

Esperei um mês pela coluna de reabastecimento e lá fui até Binar (Missão do Sono) de onde voltei no mesmo dia para Bula, ficando alojado num Celeiro fora do quartel. Fui na GMC da frente, carregada de sacos com batatas, para resistir melhor ao eventual rebentamento de alguma mina, fazendo companhia a um condutor nativo que fazia a sua estreia nestas andanças. Era ele e eu. Lá nos safámos! 

O BCAV 2868 estava aquartelado em Bula nuns pavilhões desactivados (isotérmicos com ventilação estática) da petrolífera ESSO com piscina (entulhada), que em tempos fez prospecção de petróleo na província! 

Lembro-me perfeitamente da minha Consoada de 1969 no mato: um pacote de bolachas da MM [, Manutenção Militar,] e um cantil com chá. Soube-me tão bem! 

De Bula partimos para Capunga, Pete e Ponta Consolação para fazer o reordenamento das Tabancas, localizado no triângulo Bula, Choquemone (Base do IN) e Binare, aquartelados em magníficas e apropriadas instalações (tendas de lona) até ao fim da comissão! 


Guiné > Guiné > Região do Cacheu > Carta de Bula (1953) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Ponta Consolação, ma margem esquerda do rio de Caleco ou de Bula, afluente do rio Mansoa. À direita da foz, ficava João Landim... Choquemone era uma das matas onde o PAIGC sempre teve as suas "barracas" (ou bases...).


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)


Aqui reordenámos as Tabancas, construíram-se escolas com mão-de-obra nativa mas supervisionada por nós. No princípio sentiu-se alguma relutância das populações já que a nossa presença prejudicava o reabastecimento do IN, uma vez que era ali o seu celeiro. 

No campo da educação foram submetidos a exame e aprovados 18 candidatos, tiraram a carta de condução 41 elementos. Construíram-se 538 moradias, fabricaram-se 582.799 Adobos, construíram-se 3 Escolas: população reordenada 2.509 pessoas. 

Dado estar a pouca distância do Choquemone (Base IN) éramos apoiados pela rectaguarda por enormes peças de artilharia de grande alcance (Obuses) instaladas em Bula. Os dados de tiro para o aparelho de pontaria eram fornecidos por nós tendo como base a inscrição no topo dos bidões das sentinelas! 

Apesar desta missão, eramos escalados para integrar operações. Naquelas em que fiz parte,  o IN não quis contactos comigo, nunca trocámos tiros, nunca nos flagelámos. Já no acampamento fomos contemplados com algumas flagelações à distância. 

Na terça-feira de Carnaval de 1970 uma bala perfurou-nos um pipo de vinho, uma pena! Efectuámos 148 Operações, muitos patrulhamentos e escoltas, picámos quilómetros de picadas! Uma noite fomos sobrevoados no acampamento a baixa altitude por um avião, o Pictures Enterprise, ficando sem saber o que andaria a fazer por ali àquela hora da noite! 

Logo no princípio da nossa comissão, foi efectuada noutra zona da província [, no corredor de Guileje, no sul, na região de Tombali], uma operação para capturar 'Nino' Vieira. Não o conseguiram, tendo contudo capturado o Capitão Peralta, um cubano integrado nas fileiras do PAIGC, ficando gravemente ferido num braço. Assistimos à construção e asfaltamento da estrada de São Vicente que ligava BULA à margem direita do Rio Cacheu que mais tarde faria parte do nosso roteiro para Bissum. 

Apesar do permanente patrulhamento naquela estrada, era o cilindro que com a sua carga máxima abria a picagem da estrada diariamente. É nesta altura que se despenha um helicóptero, devido ao mau tempo, com deputados, sendo um deles meu conterrâneo, José Vicente Abreu, e Pinto Bull, natural da Guiné, avô da actriz Patrícia Bull. 

Fomos visitados em Capunga por Juan Carlos de Bourbon, mais tarde Rei de Espanha, acompanhado pelo Major Marcelino. Apareceram-nos de jipe, nunca soubemos qual a razão da visita. 

De repente somos confrontados com a “Paz Podre”. Não podíamos usar armas, é verdade. Íamos nas colunas com as mãos nos bolsos até que se dá a cilada aos nossos ilustres Majores na zona de Teixeira Pinto, sendo que estava preparada para o General Spínola, como disseram os SI [, Serviços de Informação]. Neste período ofereceram-se enormes quantidades de tabaco e vinho do Porto ao IN. 

Em Novembro de 1970, o Comandante Alpoim Galvão vai a Conacri tentar libertar elementos das NT e capturar elementos do PAIGC. Julgo ter tido mais êxito na libertação dos elementos das NT! 

Lema da CCAV 2639 (1969/71): "Pro bono pacis"
 (, para o bem da paz)
O Major Casquilho [, Luís Maria Coelho Casquilho,] caiu ao Rio Mansoa [, em 29/10/1070,] levando consigo o jipe e a máquina de projecção de filmes que, solícito, queria fazer chegar a horas a Bissau. Ultrapassou as Panhards que o iriam escoltar... e foi em frente, uma tragédia! 

Também capturámos uma Kalachnikov ao IN enquanto namorava na Tabanca. Não era bem a nossa missão, já que íamos era comprar galinhas! 

Celebrou-se o Dia da Cavalaria com pompa e circunstância em teatro de guerra! Construíram-se dois heliportos, um em Pete e outro em Ponta Consolação.

É substituído em Bula o BCAV 2868 pelo BCAÇ 2928 de onde sairia a seu tempo a CCAÇ 2789 que iria substituir-nos no reordenamento das Tabancas de Capunga, Pete e Ponta Consolação. Entretanto fiz parte de um Gr Comb composto por elementos de todos os Pelotões (presumo os mais bem comportados) com destino a Bissum/Bissorã onde fomos ajudar uma Companhia Açoriana a adaptar-se ao cenário de guerra, efectuando algumas rondas e patrulhamentos. Nunca participámos em qualquer outro tipo de operação! 

Éramos reabastecidos de víveres uma vez por mês por via fluvial. Para receber o correio fretávamos uma avioneta à Marinha. Dali ouviu-se o ataque a Bissau com mísseis às 22:00 horas de um qualquer dia de 1971, previamente conhecido e divulgado. Não foi surpresa para ninguém! Como forma de proteger a população da capital, faziam-se exercícios nocturnos de ofuscação de luzes. Mesmo assim estiveram muito perto de acertar nos alvos. Éramos sobrevoados por B26 da NATO a bastante altitude que mais tarde ouviríamos as suas barulhentas descargas “ecológicas”! 

No regresso de Bissum/Bissorã deslocaram-me para Ponta Consolação onde tive o privilégio de poder acompanhar o cabo enfermeiro Afonso Henrique da Silva Lucas ao nascimento de uma menina que baptizámos com Helga dos Reis já que nasceu ao meio dia do dia 6 de Janeiro de 1971. Também aqui fomos flagelados numa noite, felizmente sem consequências graves. Já em Pete, o ataque foi mais feroz, tendo o IN utilizado misseis que destruíram grande parte do aquartelamento, havendo alguns feridos, merecendo a visita das autoridades militares do CTIG. 

Entretanto, chega a CCAV 3420 comandada pelo então Capitão Salgueiro Maia, meu instrutor em Santarém. Aquartelou-se em Bula, para se adaptar ao terreno, mais tarde foi destacada para outros pontos da Guiné mais complicados. Não tiveram vida fácil! Mais uma vez para o mato para a sua adaptação a eventuais cenários reais com que se poderiam deparar. Uma manhã, ao romper do dia ouço um grande alvoroço nas hostes, os periquitos estavam irrequietos e assustados: nada mais, nada menos pelo barulho provocado pelos macacos a acordarem esfregando os olhos e que saltavam duns ramos para os outros cumprimentando-se em voz alta, de forma semelhante ao acordar humano. Passado o susto, lá se acalmaram! 

Só nos podemos orgulhar e sentir felizes: a Companhia regressou em 1971 com os mesmos homens com que chegou à Guiné em 1969, graças a Deus. Ainda que uns mais apanhados que outros! Hoje, que já muitos nos deixaram, é em sua memória que resumo a nossa permanência por aquelas terras há 50 anos! Que repousem em Paz!

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quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20417: Dossiê Cap Cav Luís Rei Vilar (Cascais, 1941- Susana, 1970) - Parte II: declarações do ex-alf mil op esp, da CCAV 2538, Eurico Borlido








Declarações do participante da ocorrência,  Eurico João Alves Borlido, alf mil op esp, CCAV 2538 (Susana, 1969/71) no âmbito do processo por ferimento em combate de que resultou a morte do cap cav Vilar; foi instrutor do processo o cap cav Rogério Silva Guilherme, substituto do cap cav Luís Rei Vilar, no comando da companhia.

Local e data, Susana, 26 de fevereiro de 1970.

Fonte: Cortesia de cor art ref Morais da Silva


1. Mais uma peça do processo do infausto cap cav Luís Rei Vilar (1941-1970),  ex-comandante da CCAV 2538 (Susana, 1969/71), morto em combate em 18/2/1970, no decurso da Op Selva Viva.  (*)

Cap cav Luís Rei Vilar (1941-1970).
 Foto: cortesia de cor art ref
Morais da Silva
Sobre as circunstâncias da morte deste intrépido oficial de cavalaria, no TO da Guiné, vamos continuar a publicar, sob a forma de dossiê, os documentos que nos enviou, gentilmente,  o cor art ref Morais da Silva, autor de um notável trabalho de pesquisa sobre os 47 oficiais da Escola do Exército / Academia, mortos em combate, na guerra colonial,  que também temos vindo a publicar, no nosso blogue (**).

Hoje reproduzimos as declarações do alf mil op esp Eurico João Alves Borlido, em serviço na CCAV 2538 (, e que presumimos que fosse o 2º comandante),  no âmbito do "processo por ferimento em combate de que resultou a morte [do cap cav Vilar]". O alf  Borlido aparece na qualidade de "participante". Foi instrutor do processo o cap cav Rogério Silva Guilherme, substituto do cap cav Luís Rei Vilar, no comando da companhia.

Sabemos que a família já teve acesso em tempos a esta documentação do processo individual  bem como ao relatório da autópsia.  Para o ano celebram-se os 50 anos da morte do cap cav Luís Rei Vilar.  Ser-lhe-á feita uma homenagem, em Cascais e em Susana, de acordo com a vontade manifestada pelos seus irmãos Manuel, Miguel e Duarte Vilar (que em  2007 nos pediram ajuda no sentido de identificar e localizar camaradas que pudessem trazer alguma informação adicional sobre este caso, e que hoje animam o projeto Kassumai,  em Susana,   cuja população felupe o Luís  tanto acarinhou e ajudou, no escasso tempo em que lá viveu; o projeto Kassumai é o de apadrinhamento das crianças do jardim-escola local). (***)

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(***)  20 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17492: Convívios (813): Irmãos, camaradas e amigos do saudoso cap cav Luís Rei Vilar (1941-1970) (cmdt, CCAV 2538, 1969/71) honram a sua memória e divulgam o projeto Kassumai (de apoio à escola de Suzana) em jantar-convívio no próximo dia 25, em Cascais. Aceitam-se inscrições até ao fim do dia de hoje