quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20120: Facebook...ando (53): Grande foi a abnegação dos artilheiros no CTIG, a avaliar pelo que lá vivi e testemunhei (Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau e Fulacunda, 1969/71; reside em Almada)


O 7º Pel Art de Catió, comandando pelo 2º sargento Issa Jau, morto em combate em 27/2/1970. Na foto, o único elemento não guineense, na segunda fila, de pé, o terceiro a contar da esquerda, é o major art José Manuel Mello Machado (1928-2012),  2º cmdt e mais tarde comandante, depois de promovido a tenente coronel,  do BART 2865 (Catió, Cufar e Bedanda, fev 1969 - dez de 1970). 

Foto do cor art Mello Machado, reprodizida no poste P9514, de 21/2/2012. Presumimos que a fonte  seja: Mello Machado - Aviltafos e traídos: resposta a Costa Gomes. Lisboa: Editora Literal, 1977, 120 pp.



1. Comentário de Domingos Robalo, ao poste P20107, a partir da página do Facebook da Tabanca Grande Luís Graça (*);

[O Domingos Robalo tem página no Facebook desde março de 2009; vive em Almada, está ligado à Universidade Sénior Dom Sancho I, de Almada, onde faz voluntariadodo, desde julho de 2013, como professor da disciplina de "Cultura e Arte Naval"; é praticante de golfe; foi nosso camarada na Guiné, 1969/71; e fica desde já convidado a integrar a Tabanca Grande, com o nº 795; gostaríamos de ter o seu endereço de email e uma ou mais fotos do tempo do BAC 1 / GAC 7; temos dois amigos comuns,  os artilheiros João Martins e José Francisco Borrego] (**(

Fui artilheiro na Guiné (BAC1/GAC7),  de maio de 69 a maio de 1971.

Muito milicianos passaram por esta unidade artilheira daí que cada um tenha a sua história e o seu conhecimento não só em relação ao periodo em que prestou serviço, como também no lugar (leia-se Pel Art) em que esteve. 

Em agosto de 1969, estava eu colocado na sede em Bissau (BAC1), onde dava a especialidade de artilharia aos militares africanos que vinham com a recruta feita de Bolama, quando recebemos cerca de 2 dezenas de obuses 10,5 cm para reforçar as companhias distribuídas pelo TO. 

Em setembro de 1969, sou nomeado para dar instrução de artilharia a furriéis, sargentos e alferes pertencentes a pelotões de morteiro do TO. No início de outubro os obuses 10,5 cm começam a ser distribuídos pelo TO, em reforço a companhias e de forma a que todo o teatro de operações pudesse ser batido pela artilharia e entreajudarem-se entre si. 

Em outubro de 1969, sou nomeado para ir instalar um pelotão de artilharia em Fulacunda, a quem foi atribuído o nº 22, estava constituído o 22º  Pel Art e eu como comandante do mesmo, tendo o posto de furriel. Estive em Fulacunda até principio de maio de 1970, sendo colocado na sede em Bissau. 

No fim do mesmo mês, maio de 1970, sou destacado para uma operação em Cutia/Mansoa, para flagelar a mata do Morés (?). A artilharia flagelava de noite e a FA [Força Aérea] de dia. Nesse período, vêm a falecer os deputados à Assembleia Nacional que nos visitaram em Cutia [, José Pedro Pinto Leite, Leonardo Coimbra, Vicente de Abreu e Pinto Bull].(***)

Um dos deputados era pai de um camarada meu da artilharia que estava colocado em Catió, razão pela qual o deputado trocou com um outro para poder visitar o filho. Deslocação inglória, porque não se encontraram. 

Colocado na BAC1/GAC7 tenho entre muitas outras tarefas na sala de operações a incumbência de dar escola de cabos a naturais da Guiné e especialidade de artilharia a mais mancebos que vinham de Bolama. Outra das tarefas era a de participar nas principais operações de artilharia levadas a cabo no TO. Outra das missões coadjuvando o capitão Fradique, era a elaboração das cartas de tiro para todos os Pel Art do TO.

A observação do tiro era efetuada por DO - 27 da FA. De notar que os alferes e os furriéis tinham todos a mesma função nos seus pelotões, independentemente de terem a especialidade de Campanha, IOL ou PCT. Os pelotões estavam bem estruturados e as guarnições competentemente cumpriam com as suas tarefas. 

Participo nas cerimónias de passagem de BAC 1 para GAC 7, com a presença do Comandante Chefe e Governador, General Spínola. Nesse mesmo dia é dado à parada o nome do 2º Sargento Issa Jau, natural da Guiné e falecido em combate junto à sua boca de fogo [, em 27/2/1970; foi subtituído, no comando do Pel Art de Catió por Carlos Marques de Oliveira]

Eu próprio, sou mobilizado em março de 1969, já com dois cursos mobilizados, a seguir ao meu. Fui em rendição individual substituir o furriel A. Batista [, António da Conceição Dias Baptista], morto em combate em [14 de] fevereiro de 1969 juntamente com o alferes [, José Manuel de Araújo Gonçalves, natural de Lisboa], agarrados à boca de fogo depois de terem mandado os soldados para o abrigo. 

Na semana de carnaval do ano de 1971, participo na operação Mabecos,  em Piche [, Acção Mabecos, em 22 de fevereiro de 1971]. Nesta operação e durante a deslocação para o local onde viria a ser executada a flagelação,  somos emboscados ficando com alguns mortos e creio que dois soldados da companhia de Piche que nos dava proteção apanhados à mão, entre eles o soldado Fortunato que já vi entrevistado na televisão, tendo sido libertado após o 25 de abril. [ Duarte Dias Fortunato, ex-1º cabo at art,  CART 3332, 1970/72].

Esta pequena descrição não dá a ideia do que foi a abnegação dos artilheiros em todo o TO, pelo menos no periodo em que eu lá estive. Sei que, posteriormente, a guerra teve outro desfecho quando os Strela são utilizados pelo IN. 

Para finalizar, muito teria a contar mas o tempo já vai demasiado longo para recordações. Durante anos estes temas não eram abordados sob pena de sermos apelidados de reacionários. Com as redes sociais aparecem relatos aqui e ali, mas [nem sempre com] objectividade esclarecedora e muitas vezes analisando a guerra com as ideias de hoje.

É verdade que a nossa perspectiva mudou, mas nem isso deve fazer com que tenhamos vergonha da nossa passagem por África para uma guerra que, supostamente, seria para dar tempo ao poder politico para resolver a contenda. A descolonização terá tido efeitos mais nefastos que a própria guerra e quase 50 anos passados ainda temos relações frias entre povos, embora os governos digam que temos boas relações, o tanas. 

No pós 25 de abril, uma das coisas que mais me chocou com a descolonização foi o fuzilamento de muitos dos soldados a quem não devia ter sido negada a opção de ser português. Fuzilamentos em força, comandos africanos, milícias, artilheiros etc...etc.. Já vai longa a prosa.. 

Saudações de Artilheiro

Domingos Robalo
________________

Notas do editor:

(**) Último poste da série > 19 de julho de  2019 > Guiné 61/74 - P19994: Facebook...ando (52): Viva o STM - Serviço de Transmissões Militares, embora as nossas "comunicações" andem um bocado lentas... (Guilherme Morgado / Hélder Sousa)

(***) Vd. postes de:

10 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3292: Controvérsias (3): O acidente de helicóptero que vitimou Pinto Leite (J. Martins / J. Félix / C. Vinhal / C. Dias)

6 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Camarada Domingos Robalo, somos contemporâneos da Guiné. O que viveste e testemunhaste foi intenso e merece ser partilhado no nosso blogue, Luís Graça & Camaradas da Guiné... A página do Facebook, Tabanca Grande Luís Graça, tem outra função... Daí vir aqui reforçar o meu convite para te juntares aos 794 amigos e camaradas da Guiné: com mais de 15 anos e já com mais de 20 mil postes, não deixamos que as nossas memórias se apague... Conto contigo. Conheci a malta de artilharia (obus 10,5) do Xime e de Mansambo, no tempo em que fui fur mil armas pesadas inf, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, maio de 1969 / março de 1971), também de rendição individual.

Um alfabravo, Luís Graça.

Anónimo disse...

Domingos Robalo (via página do Facebook da Tabanca Grande=

4 set 2019 10h05

Camarada, Luís Graça. Obrigado pelo teu convite. Terei todo o gosto em participar embora a minha vivência na Guiné vista ao dia de hoje pareça inverossímil se comparados com o pensamento de hoje. Vou ter de organizar alguma documentação e fotos. Também fui para a Guiné em maio de 69, embarcado no Niassa a 7 e desembarcado a 12. Por acaso não teremos viajado juntos? Havia um grupo de furriéis que iam, tal como eu, em rendição individual. Abraço camarada.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

È com muita satisfação que te vou apresentar à nossa Tertúlia, a Tabanca Grande... Já disseste o essencial, preciso de uma foto tua do "antigamente"...

Não te preocupes com a dicotomia ontem-hoje. O nosso blogue não é politicamente correto. É plural, há uma grande diversidade de abordagens do nosso passado. Partilhamos apenas memórias e afetos da Guiné 61/74...

Pelo que me contas, estivemos quase a ir juntos. Fui também no Niassa, mas a 24 de maio de 1969... A minha companhia original era a CCAÇ 2590: cerca de 60 militares (capitão, alferes, sargentos e furriéis, cabos e soldados especialistas... O grosso da tropa esperava-vos em Contuboel: 100 militares, praças, do recrutamento local, todos fulas da região de Bafatá: regulados de Badora e Cossé).

Tens o meu/nosso endereço de email: luis.graca.prof@gmail.com

Abraço do Luís.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Já agora., Domingos, confirma ou corrija esta parte da tua mensagem, que foi por nós completada [, o que está entre parenteses retos..] , uma vez que estava incompleta e ambígua:

"Durante anos estes temas não eram abordados sob pena de sermos apelidados de reacionários. Com as redes sociais aparecem relatos aqui e ali, mas [nem sempre com] objectividade esclarecedora e [muitas vezes analisando] a guerra com as ideias de hoje." ...

Fica bem. LG

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Domingos, cinquenta anos depois é impossível "olharmos" o passado com os "óculos/olhos" dos 20/22/24 anos... A menos que tenhamos "documentos escritos" dessa época (diários, cartas, aerogramas...), é totalmente impossível reconstituirmos com total rigor o que vivemos e testemunhamos no TO da Guiné, e sobretudo o que sentíamos e pensávamos... DE resto, já não somos os mesmos desde que começamos aqui blogar, há 15 anos... Ab, LG

Unknown disse...

Meu caro Domingos Robalo, felicito-o pelo post sobre a artilharia na Guiné. O mundo é pequeno. Para além de termos viajado no Niassa de 7 a 12 de Maio de 69, foi meu instrutor na BAC1/GAC7, quando da minha formação artilheira, de recurso. Fiz parte do grupo de Furriéis e Alféres Milicianos Armas Pesadas de Infantaria que recebeu instrução de Materiais e Tiro de Artilharia tendo sido colocado no 5º PELART em Cabedu e mais tarde, por falecimento em combate do 2º Sarg. Issa Jau, no 7º PELART em Catió. Tive a honra e o privilégio de comandar valentes artilheiros. Conheci pessoalmente o Sarg. Issa Jau, que admirei, pois o meu PELMORT 2115 foi colocado de reforço ao BART 2865 em Catió. Na fotografia dos artilheiros de Catió está o então MAJ de Artilharia António José de Mello Machado, 2º Cmdt do BART 2865 mais tarde promovido a TENCOR passando a comandar o BART até final de comissão. Meu caro Luis Graça, obrigado pela possibilidade que nos tens dado de podermos partilhar e recordar tanto do que todos nós , os que estivemos na Guiné , temos de comum. Tanto que temos para conversar. Um abraço Domingos Robalo e quero que saiba que a instrução que recebemos valeu a pena. Não o deixámos ficar mal.
Carlos Marques de Oliveira
Magnífica Tabanca da Linha