sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20127: Notas de leitura (1215): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (22) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Abril de 2019:

Queridos amigos,
O bardo continua na ilha do Como, chora amargamente os camaradas que partiram e que ficarão no cemitério de Bissau. É o momento propício para dar um pano de fundo da Frente Norte, já se falou de Mansabá e Bissorã, a seguir à batalha do Como o destino será Farim, importa esclarecer o que na região aconteceu ao longo de 1963, aí se passarão muitas coisas que o bardo a seguir irá contar.
Feitas as contas, a batalha do Como assegurou uma retirada estratégica dos elementos do PAIGC, não podiam resistir ao potencial de fogo e à capacidade ofensiva das forças portuguesas. Só que o Como acabou por deixar de ter interesse estratégico, o PAIGC ganhou posições no Sul muito mais influentes. O mesmo PAIGC que usou o Como como arma de arremesso propagandístico, mentiu até dizer basta.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (22)

Beja Santos

“Ao virem para o Ultramar
seus paizinhos abraçaram.
Grande azar os perseguia,
ao Continente não voltaram.

O 820 falou
pouco antes de morrer
dizendo: - “é má de vencer
a força que nos enfrentou”.
Com coragem rastejou,
para conseguir escapar.
Ele e o 311 com azar
levaram muita rajada,
tinham a vida determinada
ao virem para o Ultramar.

Acabaram sua lida.
Aqui a lutar na guerra
ficaram debaixo da terra
tão longe da família querida.
Já não gozam mais na vida,
a mocidade deixaram,
pela nossa Pátria lutaram
com prazer e com orgulho.
Em 63, no mês de Julho
seus paizinhos abraçaram.

Ao abraçarem seus pais
foi uma coisa amargurada.
Na hora da abalada
deram suspiros e ais.
Já não tornam a ver mais
quem os trouxe à luz do dia.
Foi tão grande a agonia
quando este caso se deu.
Pinto e o condutor: morreu
grande azar os perseguia.

Na Província da Guiné
foi este acidente passado,
o condutor era Soldado
e o 1.º Cabo Henrique José.
Foi na mata de Uncomené,
que as amarguras passaram.
Para Bissau se evacuaram
onde foram enterrados.
E assim, estes malfadados,
ao continente não voltaram.”

********************

Enquanto o bardo exprime a sua dor pela morte dos camaradas, penso que chegou o momento azado de introduzir duas obras como pano de fundo para este PAIGC que desencadeara uma luta armada consequente logo no início de 1963 e ouvir um ponto de vista sobre a utilidade desta batalha do Como, do lado de investigadores portugueses, deixando para mais adiante a opinião de Basil Davidson, num trabalho panegírico sobre a libertação da Guiné.

Em “Os Anos da Guerra Colonial”, Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso, a propósito da expansão da guerra, lembram que em junho de 1963 o PAIGC instalava-se na região que liga o Morés à fronteira norte, e escrevem:
“O comando militar português não esperava que essa actuação fosse desencadeada com tanta agressividade, nem que os grupos guerrilheiros do PAIGC dispusessem de armamento tão aperfeiçoado e em tal quantidade. A seguir a esta acção sucedem-se várias outras, reveladoras do potencial de combate e das capacidades militares do PAIGC”.
E vem um rol de datas com eventos: viaturas alvejadas entre Binta e Farim; grupos guerrilheiros a tentar destruir com explosivos diversas pontes e pontões nas estradas Olossato-Farim, Olossato-Mansabá e Mansoa-Nhacra; ataques a Binar e Olossato, aqui saquearam-se casas comerciais; emboscada a uma força militar de Mansabá; ataque a Encheia.
E os autores comentam:
“Era evidente que a atuação do PAIGC obedecia a um plano bem definido. A PIDE de Bissau tinha informações de um plano para o desencadeamento de acções armadas na zona norte da Guiné e de que as acções seriam desencadeadas por guineenses residentes no Senegal. O PAIGC contava nessa altura, na região de Zinguinchor, com perto de 300 elementos em Samine, e a PIDE estimava existirem no interior do território cerca de 6500 elementos treinados para a luta. Era ainda conhecida a existência de um depósito de armamento em Biambe, concelho de Bissau, e que estavam a aguardar mais material para distribuir nas áreas de Bula e Canchungo, onde, em princípio, pensavam desencadear as ações militares. O plano do PAIGC que a PIDE descobriu incluía ainda sabotagem de aviões e barcos".

Voltemos ao Morés, onde o PAIGC estimava poder manter no centro do Oio um quartel-general. Em poucas semanas, todas as pontes da região circundante do Morés foram destruídas e as estradas cortadas com abatises, em especial a de Bissorã-Mansabá. O PAIGC pretendeu inutilizar eixos rodoviários de interesse económico, o principal dos quais era a estrada Mansoa-Mansabá-Bafatá, por onde se escoava boa parte da mancarra produzida no leste da Guiné.
E adiantam os autores:
No final de agosto de 1963, a situação na região-chave que abrangia Bissorã, Binar, Encheia, Mansoa, Mansabá e Olossato era idêntica à de grande parte do sul da Província: populações fugidas, tabancas abandonadas ou destruídas, estradas obstruídas, a vida administrativa e a atividade comercial profundamente afectadas.
Amílcar Cabral emitiu um comunicado difundido em Agosto pelas emissoras de Dacar e de Conacri sobre este alastramento da actividade militar, confirmou que a luta estava a ser intensificada para tornar mais sólidas as suas posições no sul da Guiné ao mesmo tempo que se estendia a acção armada ao centro e ao norte.
A intensificação da luta, anunciada por Amílcar Cabral, correspondeu à realidade. No sul, o PAIGC, além de continuar a obstruir as estradas com abatises ou vales, aumentou o número de acções contra aquartelamentos militares, tendo sido especialmente visados os de Fulacunda, Catió, Buba, Cacine, Chugué, Empada e Bedanda. Estas acções foram quase sempre realizadas de noite e com maior ou menor violência. Para responder a esta situação de grande violência, as Forças Armadas deslocaram para a Guiné cerca de 5 mil homens durante o ano de 1963.”

O bardo e camaradas a caminho da Ilha do Como.

E chegamos agora à batalha do Como, evento militar maior, quase coincidente com o congresso do PAIGC em Cassacá. O PAIGC ocupava desde fevereiro de 1963 as ilhas de Como, Catunco e Caiar, ilhas estrategicamente importantes, a sua posse pela guerrilha dificultava a navegação pelo sul e facilitava-lhe ataques ao lado continental da colónia. Os autores de “Os Anos da Guerra Colonial” descrevem a Operação Tridente, a retirada de todo o contingente do PAIGC em que as suas bases foram destruídas após 71 dias de operação. Foi posteriormente construído um aquartelamento em Cachil onde ficou instalada uma companhia, com o objetivo de assegurar o controlo da ilha. Como seria de esperar, o PAIGC regressou à ilha e não deu vida fácil a quem estava em Cachil. Só que o Como acabou por perder a importância estratégica na justa medida em que a guerrilha se consolidou em vários locais do continente. Feitas as contas à batalha do Como, do lado português pôde dizer-se que os guerrilheiros resistiram e depois fugiram e a propaganda do PAIGC usou a batalha como uma grande vitória, falando sem pudor de centenas de mortes do lado português e de uma retirada das forças portuguesas perseguidas pelo PAIGC.

Se demos um pano de fundo sobre os acontecimentos da abertura da Frente Norte é para enquadrar o que, depois da batalha do Como, se irá passar com a atividade operacional do BCAV 490. E referir o livro “A libertação da Guiné”, por Basil Davidson, que teve a sua edição original em 1969 e edição portuguesa em 1975 é para ter uma imagem da profunda admiração sentida pelo jornalista e escritor britânico pelo pensamento e ação de Amílcar Cabral e como ele fez eco da batalha do Como. Prefaciou o livro Amílcar Cabral, fica demonstrada a conivência, a afinidade ideológica entre ambos, começara em 1960, quando Cabral se deslocou a Londres para pedir apoios políticos, deixando ali um importante documento.

Basil Davidson caminha no interior da Guiné ao lado de Cabral, fala-se da história da colónia, das bombas de napalm, colhe testemunhos de guerrilheiros, regista as tiradas tribunícias proferidas por Cabral junto das populações afetas, visita a região do Boé, descreve os princípios políticos do PAIGC: “É um movimento revolucionário que se baseia numa análise marxista da realidade social”. Dá como adquirido que organização política é uma democracia participativa, o PAIGC aceita apoio militar, formação profissional, nomeadamente na área da saúde e cita Cabral, a propósito do apoio internacional: “Não queremos voluntários. Conselheiros militares ou comandantes ou qualquer outro pessoal estrangeiro seria a última coisa que aceitaremos. Roubariam ao meu povo a sua única oportunidade de conquistar significado histórico pelos seus próprios meios, de reafirmar a sua própria história, de recapturar a sua identidade própria”. Mais adiante descreve a evolução dos meios militares sem antes, porém, enunciar as diligências perpetradas por Cabral para tentar negociar um processo de independência com o Governo Português. E assim chegamos à batalha do Como.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 30 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20109: Notas de leitura (1213): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (21) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 2 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20116: Notas de leitura (1214): Descrição da Serra Leoa e dos Rios da Guiné de Cabo Verde (1627), por André Donelha, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1977, prefácio de Avelino Teixeira da Mota (2) (Mário Beja Santos)

3 comentários:

José Botelho Colaço disse...

Sr. Coronel Matos Gomes e Aiceto Afonso (o PAIGC não deu vida fácil a quem estava no Cachil! Meados de Abril o comando chefe interino organisou uma batida à mata do Cassaca segundo se dizia para destruir as tabancas da mata do Cassaca essa força já o disse em outras ocasiões essa força era composta se a memória não me falha por comandos, páras, fuzileiros e tropa macaca na qual estava integrado parte da companhia de caç. 557 residente no Cachil, o modo de trabalho foi o mesmo que se usou durante toda a operação tridente, cerca da meia noite os obuzes de Catió bombardearam a mata, a seguir por volta das 3 ou 4 horas da manhã apareceu o bmbardeiro PV2-5 E despejou o seu bojo de bombas na mata, ao nascer do sol apareceram uma parelha de 2 F-86 e metralharam a mata a seguir entram em acção as forças terrestres apoiadas por dois aviões T6 seguiram do quartel do Cachil via Mata do Cachil sem qualquer problema mas quando chegar-mos à tentativa de passar para a mata do Cassaca, tinha-mos que atravessar uma clareira que nós baptizamos a clareira da morte porque por aí bo sentido Cahil mata do Cassaca nunca as nossas forças conseguiram passar, Nesse dia tvemos 12 feridos evacuados de helcóptero para Catió e daí para Bissau.
Passou por aí o tenente coronel Fernando Cavaleiro no final da operação tridente mas no sentido inverso mata do Cassaca, mata do Cachil.
Teria muito interesse ver esta área explorada pelos nossos militare e actuais escritores mas de modo profundo e não com gafes como fizeram no primeiro livro Anos da Guera em que até conseguiram transferir o congreso do PAIGC de Cassacá Cacine, para a mata do Cassaca Ilha do Como em plena operação tridente.
Nota: Não tenho preciso a data mas em 1964 creio que Julho ou Agosto foi recebida no Cachil uma mensagem confidencial em que desaconselhava as batidasà mata do Cachil, no entanto o quartel do Cachil só foi desativado e dinamitado em Julho de 1968 ! A mata do Cachil distava cerca de duzentos metros da mata do Cachil, outra que um dos nossos famosos aviadores da guerra da Guiné me confidenciou é que a Ilha do Como era uma entre outras zona proíbida na Guiné de ser metralhada ou bombardeadad o motivo ou razão não lhes era facultada aos oficiais aviadores?!

Manuel Luís Lomba disse...

O Coronel Matos Gomes e o General Aniceto Afonso são dois "capitães de África", do "25 de Abril" e ambos "catedráticos" da nossa História Militar.
O PAIGC só muito raramente sabotou obras de arte - limitou-os a alguns pequenos pontões. Até ao meu regresso, em 1966, nenhuma obra de arte foi sabotada na estrada Mansoa-Nhacra-Bissau (a única asfaltada). Essas sabotagens pertencem ao currículo do MLG.
Em abono da verdade, o PAIGC mandou formar quadros na China, etc, mas os seus guerrilheiro, diz-se que os primeiros 300, recrutou-no MLG...
No referente ao Basil Davidson, a contaminação das suas narrativas é uma evidência.
O I Congresso do PAIGC estava convocado para Cassacá. Amílcar Cabral só enviou estafetas a avisar a sua realização na Cassacá continental já com os pés na Guiné, depois de se inteirar da situação com a "Operação Tridente". Porquê. Por causa da malta do BCav. 490 e seus associados...
Ab
Manuel Luís Lomba

José Botelho Colaço disse...

Erro queria dizer : O quartel do Cachil distava cerca de duzentos metros da mata do Cachil.