sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20126: Jorge Araújo: ensaio sobre as mortes de militares do Exército no CTIG (1963/74), Condutores Auto-Rodas, devidas a combate, acidente ou doença - Parte I


Foto 1 – Nuvem de fumo provocada pela explosão de mina anticarro, provavelmente accionada por viatura militar no decurso de uma coluna auto. Como sabemos, estas minas (A/C), bem como as anti-pessoais (A/P), constituíam, de facto, um enorme obstáculo ao desenvolvimento das acções militares e um permanente perigo para a vida de cada um dos combatentes das forças terrestres, como provam as imagens e os relatos que seleccionámos para a elaboração deste trabalho.

Fonte: Centro de Documentação da Universidade de Coimbra (arquivo electrónico), com a devida vénia.





O nosso coeditor Jorge Alves Araújo

ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 

(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior,

indigitado régulo da Tabanca de Almada; tem c. 225 registos no nosso blogue.



ENSAIO SOBRE AS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE, ACIDENTE, DOENÇA (PARTE I)


1. INTRODUÇÃO


Continuando mobilizado para as acções incluídas nos trilhos da investigação, nomeadamente no estudo da temática das "baixas em campanha", por permitir não só a sua organização quantitativa e qualitativa como a consequente análise demográfica, levo hoje ao conhecimento do fórum a abertura de mais um dossier "Ensaio", este abordando os casos de mortes de militares do Exército durante a guerra no CTIG (1963-1974), da especialidade de "condutor auto rodas", identificados na literatura "oficial" publicada pelo Estado-Maior do Exército.

Para além do processo de colecta e organização dos dados, foi possível cruzá-los com algumas narrativas históricas específicas, produzidas por cada um dos sujeitos nelas envolvidas, com recurso às memórias que constam do importante espólio da «Tabanca Grande» e a outras que, por via do seu aprofundamento, encontrámos em diferentes lugares. Estes casos serão apresentados ao longo dos diferentes fragmentos.

Importa referir, neste contexto, que a opção por esta "especialidade" da organização militar foi influenciada pelo facto da primeira morte em combate, ocorrida no dia 23 de Janeiro de 1963, em Tite, ter sido  a de um "condutor auto rodas", o camarada Veríssimo Godinho Ramos, natural de Vale de Cavalos, Chamusca.

Porque se trata, como referido, de um "ensaio", este apuramento pode vir a ser alterado em função de outras colaborações e/ou informações complementares que, por estarem dispersas, possam surgir após a avaliação realizada por cada um de vós. A esta situação acresce o facto de existirem registados, nos dados oficiais, óbitos onde consta somente o posto do militar falecido.

Por razões metodológicas e estruturais do presente trabalho, nesta primeira parte não se referem os nomes dos sujeitos em cada uma das diferentes ocorrências, opção que será alterada a partir da segunda narrativa.

2. ANÁLISE DEMOGRÁFICA DAS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-19
74), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE, ACIDENTE, DOENÇA (n=191)

A análise demográfica que comporta esta investigação, e as variáveis com ela relacionada, incidiu, como referido na introdução, sobre os casos de mortes de militares do Exército durante a guerra no CTIG (1963-1974), da especialidade de "condutor auto rodas", identificados nos "dados oficiais" publicados pelo Estado-Maior do Exército, elaborados pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II, Guiné; Livros 1 e 2; 1.ª Edição, Lisboa (2001).

O tratamento estatístico que seguidamente se dá conta está representado por gráficos e quadros de distribuição de frequências, simples e acumuladas, conforme se indica em cada um dos títulos. Cada gráfico e respectivo quadro relata os valores quantitativos de cada um dos elementos das variáveis categóricas ou quantitativas relacionadas, tendo em consideração os objectivos que cada contexto encerra.


Gráfico 1 – Distribuição de frequências segundo a variável número de mortes de condutores auto rodas do Exército, por posto (1963-1974) – (n=191)

O estudo mostra que dos indivíduos que constituíram a população deste estudo (n=191), 93.2% (n=178) dos casos de mortes de condutores auto rodas do Exército eram soldados, enquanto 13 (6.8%) casos eram 1ºs. Cabos.



Gráfico 2 – Distribuição de frequências segundo a variável número de mortes de condutores auto rodas do Exército, por ano (1963-1974) (n=191)

O estudo mostra que durante o período em análise (1963-1974) em todos os anos ocorreram mortes de condutores auto rodas. Os valores mais baixos foram verificados em 1963 (n=7) e 1970 (n=10). Durante os doze anos em que decorreu o conflito, por três vezes o número de mortes ultrapassou as duas dezenas de casos: em 1966 (n=21), em 1967 e 1968 (n=24) cada.



Quadro 1 – Quadro das mortes de condutores auto rodas do Exército por ano e território de recrutamento (1963-1974)(n=191)



Da análise ao quadro supra (Quadro 1), verifica-se que o número total de condutores auto rodas do Exército que morreram no CTIG (1963-1974), e que constituíram a população deste estudo, é de 191. Verifica-se, também, que desse total, 171 (89.5%) eram militares do continente, enquanto 20 (10.5%) eram do recrutamento local. 

Quanto ao número de continentais, 162 (94.7%) casos eram soldados e 9 (5.3%) casos eram 1.ºs cabos. No âmbito do recrutamento local, 16 (80%) casos eram soldados, enquanto 4 (20%) casos eram 1.ºs cabos.



Gráfico 3 – Distribuição de frequências segundo as causas de morte de condutores auto rodas do Exército, por ano e por categorias (combate, acidente, doença) (1963-1974)(n=191)


O estudo mostra que durante o período em análise (1963-1974) em todos os anos ocorreram mortes de condutores auto rodas do Exército em todas as categorias em que foram divididas as suas causas, com excepção do ano de 1963, em que não se observaram mortes "por doença" (Gráfico 3).


Os valores mais altos foram verificados em 1966 e 1967 (n=15 casos cada) e em 1968 (n=14 casos),  na variável "em combate". 




Quadro 2 – Quadro das causas de morte de condutores auto rodas do Exército por ano e por categorias (1963-1974) (n=191)


Da análise ao quadro supra (Quadro 2), verifica-se que as causas de morte de condutores auto rodas do Exército, no CTIG (1963-1974), ocorreram, em primeiro lugar na variável "combate", com 112 (58.6%) casos, seguida pela variável "acidente", com 57 (29.9%) casos e, finalmente, a variável "doença", com 22 (11.5%) casos.




Gráfico 4 – Distribuição de frequências segundo as causas de morte "em combate" de condutores auto rodas do Exército, por ano e por categorias (1963-1974)(n=112)


O estudo mostra que durante o período em análise (1963-1974) o número total de condutores auto rodas do Exército que morreram em "combate" é de 112. Na categoria de "contacto", o valor mais alto foi verificado em 1964 (n=12) casos, seguido dos anos de 1966 e 1967 (n=10) casos cada (Gráfico 4). 


Na categoria de "minas", o ano que registou maior score foi o de 1968 (n=7) casos. Na categoria de "ataque ao quartel", os anos de 1965, 1969, 1970 e 1972, tiveram dois casos cada.



Quadro 3 – Quadro das causas de morte em "combate" de condutores auto rodas do Exército por ano e por categorias (1963-1974) (n=112)


Da análise ao quadro supra (Quadro 3), verifica-se que as causas de morte "em combate" de condutores auto rodas do Exército, no CTIG (1963-1974), ocorreram, em primeiro lugar na variável "contacto", com 70 (62.5%) casos, seguida pela variável "minas", com 30 (26.8%) casos e, finalmente, a variável "ataque ao aquartelamento", com 12 (10.7%) casos.




Quadro 4 – Quadro das causas de morte "por acidente" de condutores auto rodas do Exército por ano e por categorias (1963-1974)(n=57)

Da análise ao quadro supra (Quadro 4).  verifica-se que as causas de morte "por acidente" de condutores auto rodas do Exército, no CTIG (1963-1974), ocorreram, em primeiro lugar na variável "acidente de viação", com 24 (42.1%) casos, seguida pela variável "acidente com arma de fogo", com 16 (28.1%) casos, em terceiro "por outros motivos" com 10 (17.5%) casos, e, finalmente, "por afogamento", com 7 (12.3%) casos.



Quadro 5 – Quadro das causas de morte "por doença" de condutores auto rodas do Exército por ano e por categorias (1963-1974)(n=22)

Da análise ao quadro supra (Quadro 5), verifica-se que as causas de morte "por doença" de condutores auto rodas do Exército, no CTIG (1963-1974), ocorreram, em primeiro lugar na variável "Hospital Militar 241 - Bissau", com 10 (45.5%) casos, seguida pela variável "Metrópole", com 7 (31.8%) casos, e, por último, "Unidade Militar", com 5 (22.7%) casos



3.QUARTEL DE TITE - 23 DE JANEIRO DE 1963: A PRIMEIRA BAIXA - O CASO DO SOLDADO 'CAR' VERÍSSIMO GODINHO RAMOS



Foto 2 (Quartel de Tite em 1964) – Do álbum do camarada Santos Oliveira (2.º Sarg Mil PMort 912; Como, Cufar e Tite (1964/1966) – P16812 «O início da guerra colonial no CTIG, contada pelo outro lado: entrevista, de 2001, como o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam 'N'Djamba' Mané (1945-2004) - Parte II (José Teixeira)». Ou, do mesmo autor da foto, «A Guiné no meu tempo… Da mobilização ao regresso», p38, com a devida vénia.

Foi pelo acesso assinalado acima (foto 2) (porta de armas do quartel de Tite) que em 23 de Janeiro de 1963, 4.ª feira, um numeroso grupo de autóctones levou à prática o primeiro ataque a uma unidade militar do Exército Português presente no território, ficando este na historiografia da Guerra do Ultramar como sendo o prenúncio do conflito armado, no CTIG, e que serviu de ponto de partida para a perenização das acções da guerrilha.

Nas diferentes narrativas sobre este episódio, que ao longo dos anos foram sendo publicadas, encontramos pormenores divergentes que o transformam em objecto histórico onde será difícil encontrar uma unanimidade factual.

Aceita-se que assim continue a ser, na medida em que um pequeno detalhe pode alterar a percepção sobre a "verdade dos factos", particularmente porque ocorreram durante a noite e onde o desenrolar das acções teve por base o recurso ao efeito surpresa. Por outro lado, esse efeito surpresa acabou por influenciar todas as narrativas (escritas e orais), uma vez que os protagonistas, de um lado e do outro, agiram certamente por impulso, ainda que cada qual soubesse do seu papel.


Foto 3
Porém, existem detalhes de grande unanimidade como sejam a hora do início do ataque (01h45) e a morte de um soldado [condutor auto rodas, Veríssimo Godinho Ramos, foto 3 ao lado].

Recuperamos, agora, alguns detalhes divergentes entre si retirados das fontes consultadas.

O primeiro dá conta das informações remetidas para Lisboa pelo gerente do BNU, em Bissau, citadas no P19291 «Notas de leitura: Os cronistas Desconhecidos do Canal do Geba» pelo camarada Mário Beja Santos, do seguinte teor:

"Em complemento à nossa carta-extra de 21 do corrente, cumpre-me informar V. Exas. que, segundo nos acaba de ser revelado [não são citadas as fontes], à 01h45 horas de hoje [23.Jan.1963], um grupo de terroristas munidos de pistolas-metralhadoras, atacaram o Quartel de Tite, sede do Batalhão [BCAÇ 237] que faz a cobertura da área de Fulacunda. Uma bomba de regular potência [?] foi lançada, causando a morte de um soldado [condutor auto rodas], e ferindo outros sem gravidade. A tropa prontamente respondeu ao ataque, fazendo numerosas baixas entre os terroristas."

Neste contexto, aproveitamos agora para citar algumas das memórias escritas na brochura de 2002 - «Tite: 1961/1962/1963, Paz e Guerra» - de que é autor o camarada Gabriel Moura, do Pel Mort 19, na medida em que era um dos três militares de serviço, acordados, naquela ocasião e, por isso, considerado como testemunha privilegiada.

Conta que o seu serviço de vigia ao aquartelamento de Tite, naquele início do dia 23 de Janeiro de 1963 era da meia-noite até às duas horas. Tinha por missão percorrer o caminho, pelo lado de fora do arame farpado, com as luzes de iluminação colocadas dentro do aquartelamento e projectando o seu foco para o caminho que teria de percorrer, desde a messe de sargentos (parte de baixo, fora do aquartelamento) até à messe dos oficiais (parte de cima e fora do aquartelamento) na estrada que passava por Tite e seguia para Nova Sintra, Fulacunda e Buba (foto 2).

Desde o primeiro minuto da sua vigia, sentiu, como é comum dizer-se "um arrepio pelas costas abaixo" que lhe causou uma desagradável sensação e um pressentimento deveras esquisito, face ao aparentemente, e de acordo com o zero de informação de que os responsáveis davam às tropas, nada que havia a recear!

Como de costume, naquela noite, eram três os militares em vigia. Ele na frente do aquartelamento, percorrendo para baixo e para cima com as luzes a "bater-lhe nas costas" e o lado do mato negro como carvão. Outro camarada fazia a vigia na porta da prisão (dentro do aquartelamento), onde estavam mais de cem presos. O terceiro fazia a vigia do lado do "Calino" mas pela parte de dentro do arame farpado.

Quando chegou, na sua primeira passagem, 

junto do "Cavalo de Frisa", que dava entrada aos veículos pesados e ligeiros no aquartelamento, pela parte da frente, pensou que aquela noite iria ser como tantas outras: um combate sem tréguas aos milhões de "sanguinários inimigos" que em sua volta tentavam sugar-lhe o sangue e os pensamentos (os mosquitos). (…) Todos dormiam, apenas os três militares de serviço estavam acordados (pelo menos não estavam deitados). [op.cit. pp79-80 – P17640]

Passado algum tempo viu os dois primeiros pretos a surgir, ao fundo, vindos do mato, correndo em direcção ao cavalo de frisa, logo seguidos de muitos mais, tendo apenas tempo para gritar em crioulo: "Jube onde bó vai"? (Tu, onde vais?). No mesmo instante, atirou-se para o chão, quando do mato foram disparadas rajadas de metralhadora, em sua direcção, fazendo ricochete em vários pontos do caminho, levantando poeira, sem que nenhuma das balas das rajadas das metralhadoras o acertasse, talvez porque o ângulo do seu corpo, no chão, não fosse fácil para os atiradores e fizesse que os seus disparos errassem o alvo.

Apertou o gatilho da metralhadora G3 e começou a disparar em direcção a uma pequena multidão de pretos que começou a rastejar no caminho para entrar no aquartelamento. Outros, os da frente, os que mais se aproximaram do cavalo de frisa, ainda conseguiram movê-lo e entrar no aquartelamento, indo pela parada numa grande confusão, pelo medo que as rajadas da sua metralhadora estavam a causar juntamente com as dos outros para si. (…)

Nos minutos iniciais, todas as reacções do interior do aquartelamento, perante os atacantes que conseguiram entrar no aquartelamento, foram lentas e há medida que cada um dos militares ia acordando e saltava da "tarimba" (cama), em cuecas, para ver o que se passava.

A cada minuto que se passava, a confusão era maior. Os camaradas, naquela grande confusão, de uns a sair pelos estreitos corredores entre as camas, umas por cima das outras, onde só cabia uma pessoa, se o de cima descia sem reparar no de baixo, caía em cima dele, ainda mais com as luzes apagadas, lá conseguiram ir buscar as suas armas às casernas, descarregadas, por vezes, por ordem "superior", sem algumas peças para evitar o roubo ou apropriação do "inimigo" e a sua utilização. Deu, como era de esperar uma grande "barraca", pondo os militares uns contra outros, com as casernas às escuras, uns com armas junto das camas ou nos armeiros. O nervosismo 'aos montes', o medo, a falta de experiência e alguns camaradas a berrar feridos com estilhaços de granadas e furos de balas, eis o cenário que se instalou na madrugada daquele dia 23 de Janeiro de 1963 [op cit. pp-88-89 – P17649], que teve como consequência a morte do camarada soldado condutor auto rodas Veríssimo Godinho Ramos, natural de Vale de Cavalos, Chamusca, conforme se prova na ficha de óbito abaixo.




Ficou na historiografia da guerra como sendo o primeiro militar morto em "combate", o primeiro "condutor auto rodas" a tombar no CTIG, o primeiro soldado a morrer em "ataque ao quartel", e, por tudo isto, o primeiro a constar na relação do livro do Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); p23.


Foto 4 (Tite, em 2015) - Ruínas do antigo quartel. Foto de Alfredo Cunha, in «Expresso» de 16.09.2015, com a devida vénia. 

Cinquenta e dois anos depois do "Ataque a Tite", o jornal «Expresso», na sequência do trabalho realizado pelos seus colaboradores – Luís Pedro Nunes e Alfredo Cunha – publica, na sua edição de 16.09.2
015, uma reportagem sobre este acontecimento.
Sobre a pergunta do jornalista: "E o tal primeiro tiro, como Foi?" A resposta foi que "o homem que o deu morreu há poucos meses."

Porém, entre os antigos combatentes do PAIGC, que constam na imagem abaixo, encontra-se Pape Dabo, de 89 anos (o quinto da esquerda). Esteve presente no ataque de 23 de Janeiro de 1963 e participou nas reuniões que decidiram a operação ao Quartel de Tite.


Foto 5 (Tite, em 2015). Antigos combatentes do PAIGC à sombra do poilão. Foto de Alfredo Cunha, in «Expresso» de 16.09.2015, com a devida vénia.

Quanto ao Tiro? Diz que não foi tiro, explicando: "Só́ tínhamos dez armas e a sentinela [de serviço] estava a dormir e, quando avançamos pela porta do quartel [cavalo de frisa], matámos o homem com um "Canhaco", que é uma lança que se põe num arco. Mas foi com a mão. Perfurou-lhe o pescoço.

Voltando um pouco atrás, Pape Dabo [que na data deste episódio tinha trinta e sete anos] conta a história [a sua versão] do ataque. Este começa com ele e o irmão no quartel, a trabalharem como padeiros dos portugueses, e termina depois do ataque com ele a voltar a ser reconhecido pelos militares portugueses como um "dos bons" e, assim, a poder espiar. Pelo meio, o ataque: [os atacantes] estavam divididos em quatro grupos, só́ o primeiro entra no quartel; os portugueses acordam; os tiros; as mortes do lado dos 'tugas' [só foi um!]. Depois, teve que voltar no outro dia, foi obrigado a ver os cadáveres dos companheiros mortos e ter de fingir que não os conhecia. E recorda ainda quando o comandante [do BCAÇ 237; Major Inf António Tavares de Pina] alinhou a população na praça em frente ao quartel e disse: "A guerra começou."

[Continua]

Fontes Consultadas:

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-569.

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 2; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-304.

Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

16Ago2019

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8 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Jorge, é uma justa homenagem dos nossos valentes condutores!... Lembro-me de os ver a fazer o sinal da cruz sempre que a gente partia para mais um coluna logística, indo evar os comes e bebes e toda tralha da guerra (de sacos de cimento a munições...) à rapaziada de Mansambo, Xitole, Saltinho, em plena época das chuvas... O pesadelo dos atascanços, das emboscadas, e sobretudo das minas A/C...

José Saúde disse...

Jorge, meu camarada e amigo

Excelente trabalho sobre a homenagem que fazes aos nossos condutores ao longo da guerra na Guiné. Recentemente falei do tema, mas pela rama, enaltecendo a sua valentia, e coragem, desses jovens militares que jamais atiraram a toalha ao chão sempre que uma nova missão, entenda-se saída do quartel, lhes era imposta.

Gostei de toda a narrativa, dos gráficos e da tua minuciosa pesquisa.

Abraço,

Zé Saúde

Anónimo disse...

Excelente trabalho tão pormenorizado, é de louvar,Jorge Araújo.
Os meus maiores amigos e camaradas de 'tainadas' sempre foram os nossos condutores, tenho por eles um enorme respeito e admiração, pois estavam sempre na primeira linha.
Eram eles que me conduziam nas muitas deslocações que fazia.
Também lhes agradeço, porque a eles se deve a minha carta de condução! Foram eles que me ensinaram tudo.
Abraço de amizade,

VT.


António J. P. Costa disse...

Olá Camarada

Trabalho exaustivo e bem preciso.
Resta saber o que se terá passado para aqueles "picos" de mortos em combate naqueles três anos. O aprofundamento desta investigação só nas Histórias de Unidade ou em entrevista aos participantes, mas isso só caso a caso. De qualquer modo, se se puder obter concllusões, será interessante.
As mortes por acidente acontecem sempre e em qualquer lado e só nos resta reduzi-las(?). Por doença será o mesmo.

Um Ab.
António J. P. Costa

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Antes de mais felicito o Jorge Araujo pelo excelente trabalho de pesquisa e de exposiçao analitica que nos facilita a compreensao sobre o caso em estudo.

Sobre o tema em analise e relativamente as duas primeiras e mais importantes variaveis (morte em combate e por acidente), como nao podia deixar de ser, chamou-me a atençao a curva ascendente do periodo que vai de 1965 a 1969 que, provavelmente coincidiu com o periodo em que o exercito Portugues acreditava poder aniquilar a rebeliao e quase todos assumiam riscos muito elevados no terreno.

- Seria abusivo concluir que o destino da Guerra ja estava traçado ja em 1968 e que o periodo subsequente nada mais era do que um compasso de espera, remetendo o assunto para os politicos resolverem como se costuma dizer para justificar o golpe militar de 1974?

- Ou ainda que, a partir desse periodo (1968/9), a iniciativa (ofensiva?) tinha passado para o lado da guerrilha e que culminaria nos ataques dos 3G?

Um abraço amigo,

Cherno Baldé

Valdemar Silva disse...

Jorge Araújo
Mais uma excelente pesquisa.
Seria interessante, com certeza difícil, saber se as mortes dos nossos camaradas condutores, por acionamento de minas a/c, teriam sido na época seca ou das chuvas e se as estradas previamente 'picadas' deu azo a menor incidentes.
Digo isto, por nos casos em que houve acionamento de minas a/c em que interveio a minha CART11 se passaram em época de chuvas (estradas Canquelifá-Dunane e Nova Lamego-Cabuca) e a 'picagem' ser muito mais difícil que na época seca.
No meu tempo, 1969-70, sempre que havia uma coluna auto, saíam uma hora antes elementos da milícia ou da tropa a fazer 'picagem' da estrada, com excepção Nova Lamego-Bafatá por ser estrada de alcatrão, e várias vezes, na estrada de Cabuca, foram desmontadas minas A/C por esses elementos da 'picagem'.

Ab.
Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Ao ler este trabalho em que se fala de condutores, fez-me recordar um dos momentos muito tristes que eu e os outros camaradas condutores tivemos que enfrentar em Mansambo, quando por ordem do nosso furriel mecânico fomos obrigados a retirar os sacos de terra que tinha-mos colocado junto ao banco do condutor, durante algum tempo nada nos foi dito acerca dos mesmos, não sei se teria protegido muito se o rebentamento acontecesse, mas psicologicamente ajudava e muito. Não faço ideia o que terá passado pela cabeça do furriel para ter tido aquela atitude para nós bastante perturbadora. A partir dessa altura o nosso chefe passou a ser alguém a quem tinha-mos de obedecer e nada mais...

António Eduardo Ferreira

Anónimo disse...

Caríssimos Camaradas e Amigos.

Agradeço os vossos comentários e sugestões sobre este primeiro poste, tendo por objecto de investigação "as causas de morte dos condutores auto rodas", do Exército, durante a nossa presença no CTIG.

Trata-se de um novo trabalho que terá mais de uma dezena de narrativas. Com início na próxima - a segunda -, e de acordo com o "desenho" previamente elaborado, teremos a oportunidade de apresentar outras análises estatísticas, com mais quadros e gráficos, que, de certo modo, respondem (ou procuram responder) às curiosidades apresentadas acima.

Não faremos, como tem acontecido em anteriores trabalhos, juízos de valor, pois não é esse o nosso principal objectivo, ficando aberta essa oportunidade para quem o desejar fazer... naturalmente.

Como avaliação final dizemos que as expectativas de partida só em parte foram conseguidas. Gostaríamos de ter tido mais informação, e mais detalhada, de cada um dos "CASOS" investigados (n=112), mas ela (a informação) ou não existe, ou não foi localizada, ou, ainda, é escassa.

Compreendemos que um contexto como este, onde quase tudo podia suceder de forma inopinada e casual, os registos históricos não eram a principal preocupação, ainda que muitos de nós tivessem esse interesse/motivação de o fazer nos seus "Diários de Guerra", muitos dos quais estão na génese de livros de "Memórias", e que eu aproveitei para consultar, e que desde já agradeço aos seus autores.

Daí que, o que se pretende é continuar a "ajudar a reconstruir o puzzle da nossa memória colectiva da guerra", ainda que tenha passado mais de meio século desde o seu início. Ou agora... ou nunca mais!

Dito isto, fico a aguardar mais comentários e outras sugestões sobre este tema. Podem juntar algumas fotos para ilustrar o(s) texto(s).

Com um grande abraço de amizade e votos de um óptimo fim-de-semana... com saúde.

Jorge Araújo.