quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20124: Os nossos seres, saberes e lazeres (352): A festa da Atalaia, Lourinhã: oito dias pantagruélicos porque aqui o marisco é rei... Na festa da Atalaia, alarga-se o cinto e aperta-se a saia... (Luís Graça)


















Fotos: cortesia da página do Facebook da Associação de Festas da Atalaia


1. É uma pena, mas  acaba já amanhã, sexta feira dia 6 de setembro... A Festa da Atalaia, Lourinhã, 2019, em honra de N. Sra. da Guia. A mais popular e concorrida festa anual do concelho de Lourinhã, a 70 km a norte de Lisboa.

Há muitos anos, dezenas de anos, que tem fama e proveito. Ainda me recordo, no regresso da Guiné, em 1971, lá ir comer os famosos mexilhões das Berlengas assados na brasa!... Agora, já não são das Berlengas, são  cozidos à espanhola... Dizia-se que os pescadores e mariscadores da terra tinham um privilégio real, do tempo da Dona Maria II, o de poder ir apanhar mexilhões às Berlengas por ocasião da festa anual...

Nessa altura, a Lourinhã era seguramente o concelho onde mais se pescava e comercializava a lagosta. Tinha portos pesqueiros: porto das Barcas, porto Dinheiro e Paimogo, onde ainda se podem hoje observar o que resta dos numerosos viveiros de rocha...Mas a tradição dos viveiros mantem-se, a Lourinhºa continua a ser um dos grandes fornecedores das marisqueiras de Lisboa...

A festa de N. Sra. da Guia coincide sempre com o primeiro domingo de setembro: este ano começou a 30 de agosto e prolonga-se até 6 de setembro... São oito dias pantagruélicos, porque aqui o marisco é rei!... E, como diz o povo, na festa da Atalaia alarga-se o cinto e aperta-se a saia...

Não tenho estatísticas, mas em anos anteriores, ouvi falar em 10 toneladas de mexilhão... E seguramente centenas e centenas  de quilos de lagosta, sapateira,  camarão, gambas, polvo, amêijoas, búzios, etc. Para não falar das bebidas, da cerveja, da sangria, do vinho leve,  ao litro, ao metro... Do pão com chouriço, das bifanas, etc.

Durante 8 dias, a ribeirinha vila da Atalaia (, que tem como praia e porto de pesca, o antiquíssimo Porto das Barcas), a escassos 2 ou 3 quilómetros da sede do concelho, Lourinhã, é um ventre gigante!... Milhares e milhares de pessoas, do concelho e de toda a região Oeste, passam por aqui todos os anos, sobretudo por causa da "manjedoura de mariscos"....

A relação qualidade/preço é imbatível: a travessa maia cara (38 euros) é a "mariscada" que leva diversas iguarias, incluindo uma lagosta inteira... Apanha-se uma barrigada de mexilhões por 5 ou 6 euros... A sapateira recheada é a oito e meio... Idem uma salada de polvo... Um litro de cerveja, quatro euros... Tudo por conta da santa que nos guia nos dias de mar calamo e nas noites de temporal,

Fui lá na segunda feira, às 20h00, e já não havia mesas vagas...A lotação, não faço ideia, mas é da ordem das muitas centenas de lugares, sentados incluindo dentro do recinto do Pavilhão Multiusos da Atalaia e tendas anexas, à volta... Este pavilhão acolhe outras iniciativas ao longo do ano, como, por exemplo,  o Festival da Abóbora (em outubro) e o Festival do Marisco da AMA (Associação Musical da Atalaia) (em julho).

Naturalmente vai-se à festa da Atalaia, em grupo, com os amigos, que vêm de perto e de longe. Sou fã desta festividade, há mais de meio século. Mais dos que os milhares de forasteiros, o que me impressiona é o trabalho voluntário da comissão organizadora, que mobiliza cerca de duas centenas de pessoas da terra... Nada disto seria possível sem o entusiasmo e a competência desta gente trabalhadora, que tem o mar e o campo no seu ADN... e que também já tem a sua conta na história trágico-marítima de Portugal...  Tenho cá bons e velhos amigos!

A vila da Atalaia está dividida em quatro setores,  cada um dele organiza, à vez. a festa, que é anual. Homens, mulheres e jovens fazem todos os anos uma verdadeira maratona: importa que tudo corra bem e que o pessoal volte sempre e traga mais cinco...

Os lucros da festa, que movimenta muito dinheiro,  revertem para a comunidade... É um exemplo extraordinário de dedicação e amor à terra, o que se passa todos os anos, por esta altura, na vila da Atalaia. Terminda a festa a 6m, começa logo a 7 a do Seixal da Lourinhã: eu e os meus amigos lá estaremos, no sábado... LG

PS - A festa da Atalaia já é objeto de letras de música, como a do nosso jovem amigo e conterrâneo Diogo Picão, que lançou, em 2018, o seu álbum de estreia, "Cidade de Saloia". Trocou a Lourinhã pela cidade grande e pelo mundo, mas não esquece as suas raízes telúricas e afetivas. Um grande poeta, músico, cantor, saxofonista.  Com a devida vénia reproduzo aqui uma das suas bem humoradas letras,  ora irónicas, ora divertidas, ora sarcásticas, justamente a do tema que dá o título ao álbum.

CIDADE SALOIA

Eu não sou mais do campo, acuso minha origem
Recuso enxada e pão, fruta madura e fisga
Recluso da cidade e da doce vertigem
Ter tudo a toda a hora, adormecer na bisga

Que horror, unhas com terra, desleixo no trato
Beijocar os parentes, comer bom e barato
Ser filho do fulano e fulana de tal
Recordarem quem me pariu no hospital

Agora sou da cidade e dos seus miradouros
Vitrines luminosas e avenidas largas
Sibilando palavras-chave citadinas
Recalcando saloias memórias amargas

Na noite glamorosa até horas decentes
Bebendo um cocktail, palrando entredentes
Ou no Cais do Sodré, mão apontada à saia
Creio que sou superior à festa da Atalaia

Mas às vezes tropeço no antigo sotaque
Sou gemada sem gema e me dá um baque
Sou couve, não alface, e penso nos avós
Na canja de galinha e na velha filhós

Se eu brinquei entre as canas, nelas fiz cabanas
Se a cabra e a carraça entraram no meu conto
Quem quero eu enganar, memória por quem chamas
Se entro ao serviço engravatado às oito em ponto

(Fonte: Com a devida vénia, Diogo Picão > Letras > Cidade Saloia)

5 comentários:

Valdemar Silva disse...

Qual sardinhada qual quê, o Santo António ponha os olhos nesta mariscada da Senhora da Guia.

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Passe a publicidade, a Lourinhã tem pelo menos dois grandes viveiristas e distribuidores de marisco:

(i) ConchaMar - Exportações, Importações, SA. Casal Niovo, Lourinhã

Diz o marketing deles que têm atulamente o maior viveiro de marisco da Península Ibérica...

Entre os seus clienets, estão o Pingo Doce, o Feira Nova, o Recheio, a Makro, o Jumbo, o Intermarché, o Carrefour, os restaurantes Portugália...

Na sua página fornece receitas, em ficheiros dpf, para preparar os melhores pratos de marisco:

Açorda de Marisco
Ameijoas na cataplana
Camarão frito com ananás
Gambas ao alhinho
Gambas fritas picantes
Santola no carro
Sapateira recheada com Vinho do Porto
Sapateira recheada

http://www.conchamar.pt/conchamar.php


(ii) Frutos do Mar. *Porto das Barcas, Atalaia,Lourinhã

http://www.frutosmar.pt/

É a empresa mais antiga, nascida em 1927, são 4 gerações a trabalhar no ramo.. Tem um dos maiores viveiros de lagosta da Europa. Tem também restaurante, ao lado (260 lugares), com o mar em frente...



Valdemar Silva disse...

Lui
p.f. só esta simples leitura de... açorda de marisco, ameijoas na cataplana, camarão frito com ananás, gambas ao alhinho (ah! gambas ao alhinho), gambas fritas picantes, santola no carro (na bicicleta ou a pé) sapateira recheada com Vinho do Porto, sapateira recheada... pode causar dependência irreversível.
Aconselho às autoridades da Atalaia a colocação de AVISOS, como se tratasse de vias com possibilidades de acidentes, prevenindo/aconselhando os forasteiros da possibilidade ficarem com grave e irrecuperável dependência de mariscada.
Evidentemente, a rapaziada que esteve na guerra da Guiné tem toda uma experiência de mariscadas, travessas de ostras ou de camarão, que não estranha estas coisas de gambas ao alhinho, quanto muito pede umas gambas fritas picantes e umas bazucadas de bioxene.

Abraço e como diria o outro, q'a Nossa Senhora da Guia não nos falte.
Valdemar Queiroz

Valdemar Silva disse...

….é pá, eu não disse, até já te tratei o Luis por Lui… uuup!

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não, não há ostras, na festa da Atalaia, não sei porquê... Os franceses ), ou melhor, os parisienses, adoram ostras, dizem. E acompanham-nas com champanhe... E as melhores eram "les portugaises", até que veio a industrialização, a siderurgia nacional, as químicas do Barreiro, as lisnaves, e mataram o Tejo... Só agora, lentamente, estamos a recuperar a ostreicultura nacional, no Tejo, no Sado, na ria de Aveiro, na ria Formosa (, aqui há mais tempo)...

Confesso: aprendi a comer ostras em Bissau... Mas antes disso, antes de ir para a guerra, aprendi a apreciar o ensopado de enguias na Murtosa... Ainda há dias fui à Costa Nova repetir a dose...

Se calhar, a maior parte de nós a aprendeu a comer ostras me Bissau... Calhaus de ostras!... Com molho de lima e piripiri... E nunca apanhei nenhuma diarreia, a comer ostras. Hoje nem pensar comê-las na Guiné... Já não há ostras em Bissau... Talvez em Quinhamel, dizem... E quando lá voltei, em 2008, nem sequer o caldo de ostras provei...

Depois do 25 de abril, gostava de ir a Vigo, comer ostras das rias Baixas... Temos excelentes vinhos brancos, a começar pelo Verde, para acompanhar as ostras ao natural... São um manjar do pecado... Um sabor intenso...Os portugueses gostam mais de percebes...

Temos uma gastronomia riquíssima ligada asos "frutos do mar", de Norte a Sul do país... Oxalá saibamos defender, preservar e valorizar. cada vez, mais este "manjar dos deuses", que são os crustáceos, os bivalves, o peixe, as algas, e todas as coisas boas que o mar nos d+a...

A sobrepesca, a apanha de alhas, a pesca de arrasto, os adubos e os pesticidas da agricultura intensiva deram cabo de muita coisa boa, ligada aos nossos sabores de infância e adolescência... Felizmente que há coisas que estão a recuperar como o lavangante nacional e o camarão da costa... Ainda há dias comprei, por 25 euros, um lavagante de quilo, vivinho da costa, na praça da Lourinhã...

Nos viveiros, o lavangante nacional está ao dobro do preço (e no restaurante a 120) e lagosta nacional a 80...

Claro que na festa na Atalaia a lagosta não é nacional... Hoje é só para os ricos... E estáa perder o hábito de comer uma lagosta suada...