sábado, 31 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20111: Os nossos seres, saberes e lazeres (351): Tavira, a encruzilhada de civilizações (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Abril de 2019:

Queridos amigos,
Regresso sempre a Tavira com curiosidade e nunca dali saio dececionado com aquele caleidoscópio cultural, os vestígios da Antiguidade bem prezados (intriga-me o que vai ser a pesquisa arqueológica do espaço romano de Balsa, ainda não percebi onde começa a fronteira da presença romana e acaba a fantasia), as belas igrejas, os passeios ao longo do Gilão, o espaço rural envolvente... E a Ria Formosa ali ao lado, e a sucessão de povoados, como Luz de Tavira, ainda a ecoar uma vida piscatória e aquele passado em que Tavira era inevitável ponto de passagem de e para as praças do Norte de África.
À falta de frase mais imaginativa, direi que Tavira propicia uma viagem que nunca acaba, tem tais e tantos atrativos que só apetece regressar.

Um abraço do
Mário


Tavira, a encruzilhada de civilizações (3)

Beja Santos

O viandante dá-se muito bem com a História, a urbanística, a arquitetura civil, militar e religiosa, é impressionante o diálogo de confluências que aqui se estabelecem, é o peso natural de uma região onde se imanam, com flagrante coexistência, civilização e cultura. Percorre-se esta zona do rio Gilão, aqui se está extasiado com o incêndio do poente, já se foi muitíssimo mais adiante junto de ruínas de uma fortaleza, outrora importante para prevenir incursões de um vizinho hostil, sabe-se lá se até de piratas magrebinos, por ali se passeia entre muralhas que parecem ossadas jurássicas depositadas no areal, produto do assoreamento, assim se entra na cidade para este céu limpo percorrido por um cometa de fogo.


Tavira é o ponto do Algarve que mais diálogo oferece sobre civilizações, é possível entrar numa pousada e descer ao passado a falar fenício ou romano, é verdade que não há mesquitas mas a cultura árabe deixou impressionantes marcas de água, é cidade de igrejas cheias de caráter, mosteiros e ermidas, imagens preciosas a distintos cultos a santos, e há até mesmo uma ponte que parece simbolizar a ponte dessas culturas, o rio atravessa a cidade e parece não chegar ao mar, pura ilusão, cidade caleidoscópica, possuidora de uma arquitetura civil cheia de requinte, cidade de escala humana, naquele casco histórico um arranha-céus seria clara monstruosidade.




Já se disse, e qualquer viandante o pode confirmar, a arquitetura civil tavirense tem património prodigioso, próprio de uma rica burguesia argentária ou rural, não esquecer as ricas pescarias e a indústria de conservas, um mundo agonizante a caminho da Ria Formosa. O Palácio da Galeria, o mesmo é dizer Museu Municipal foi restaurado a preceito, vale a pena quem o visita deliciar-se com os seus tetos pintados. Visitar a Igreja da Misericórdia é ser confrontado com azulejaria requintada, assim como não faltam vestígios flagrantes de fenícios ou árabes, medievos ou modernos, há barroco de alta qualidade, é tudo uma questão de pedir informações sobre as igrejas, que são muitas. O viandante bem procurou uma publicação sobre casas solarengas, nada encontrou, o que não diminuiu o prazer da deambulação.



Nos escaninhos da memória, o viandante recorda o seu primeiro passeio fora de Lisboa, tinha 7 anos, a mãe comprou bilhetes na Rodarte para ir ver as amendoeiras em flor. A memória reteve campos que pareciam floridos pelos flocos de neve, isto passou-se em 1952, havia então um Algarve de quintas e muitas pitas, carroças, uma agricultura de subsistência, vendiam-se na berma da estrada figos com amêndoa, e a fruta local. Um modo de viver que entrou em ebulição na década seguinte, com a enxurrada do turismo de massas e as empreitadas para gente altamente abonada, veio a descaraterização de Olhão, Albufeira e Quarteira. Há poetas como Nuno Júdice que cantam essa maldição.




Nos arredores de Tavira, encontrou-se um parque para piquenicar, falava-se em gamos e eles apareceram, não com pezinhos de lã mas com olhar desconfiado e por ali andaram a mordiscar, a criançada em alvoroço, os gamos não lhes deram troco, foram buscar comida um pouco mais longe. A viagem chegou ao seu termo, regressa-se a Tavira e de saco às costas parte-se para a estação da CP, antes porém colhem-se duas imagens de registo antigo, com imenso prazer, é indício seguro que se descobre sempre algo de cativante, são os tais atrativos que asseguram a vontade de regressar. Como vai acontecer.



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Notas do editor

Poste anterior de 24 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20090: Os nossos seres, saberes e lazeres (349): Tavira, a encruzilhada de civilizações (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 30 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20110: Os nossos seres, saberes e lazeres (350): a mítica estrada nacional, EN 304, em pleno Parque Natural do Alvão, entre Mondim de Basto e Vila Real... E finalmente conheci o "Ginho", "ao vivo e a cores", na sua terra natal, em terras de Basto, na "Casa do Lago"...(Luís Graça)

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