1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Janeiro de 2017:
Queridos amigos,
A Guiné pode gabar-se de possuir, a partir de Gomes Eanes de Zurara, relatos que foram fundamentais, no seu tempo, para dar a conhecer por toda a Europa os contornos da Costa Africana, os seus povos e as potencialidades que se abriam ao comércio e à divulgação da fé cristã.
André Donelha é contemporâneo de André Álvares de Almada, um dos nomes maiores da literatura de viagens sobre a Guiné, se bem que fique um pouco atrás na comparação, é indispensável a sua leitura por razão da etnografia, etnologia e até da antropologia. Um dado curioso para o leitor de hoje, que esteja desarmado perante a essência do que eram as viagens na época, era a fluidez da descrição de todos estes territórios como se todos eles fossem conectáveis, e há mesmo quem proponha que depois das ilhas atlânticas era para aqui que a Coroa devia mandar gente, tais e tantas eram as maravilhas encontradas.
Um abraço do
Mário
Descrição da Serra Leoa e dos Rios da Guiné de Cabo Verde (1625), por André Donelha, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1977, prefácio de Avelino Teixeira da Mota (1)
Beja Santos
Dando continuidade ao que há de melhor da literatura de viagens na Costa da Guiné, desde o século XV ao século XVII, dirigimos a atenção para um relato que, não podendo competir no brilho da observação da obra de André Álvares de Almada, complementa e enriquece muita informação anterior sobre as paragens entre o rio Senegal e a Serra Leoa. O Almirante Teixeira da Mota trabalhou arduamente neste documento e na investigação sobre o autor. Merece com elementar justiça que destaquemos as suas observações.
O pouco que se sabe acerca de vida de André Donelha é aquilo que consta ou se infere do seu escrito sobre a Guiné. Terá passado a infância em Santiago, e pelo facto pode ser considerado um escritor cabo-verdiano, tal como André Álvares de Almada. Esteve, pelo menos, três vezes na Guiné, o que deve corresponder a outras tantas viagens que fez. Encontrava-se embarcado na armada de António Velho Tinoco, Capitão da cidade da Ribeira Grande, quando da batalha que ele travou, vitoriosamente, contra os Franceses, nas proximidades da Aguada das Naus da Índia, no rio da Serra Leoa, em 1574. Na sua descrição, Donelha diz ter conhecido o rei Beca Caia em S. Domingos, o que poderia ter-se verificado nesta viagem de 1574. Em 1581, Donelha esteve no Bruco, morada do rei de Guinala, a fim de vender dois cavalos, observou então a cerca feita com ossos dos Fulas vencidos aí na grande batalha travada no século XV.
Neste tempo o distrito da Guiné estendia-se do rio Sanaga (Senegal) até à Serra Leoa. A Descrição de Donelha esteve séculos no olvido. Consta dos manuscritos reunidos em volume na Biblioteca da Ajuda: “Neste livro se contêm as primeiras relações do descobrimento da Costa da Guiné, Mina, Cacheu, Angola, Congo, Benguela e outros Reinos e Nações; seus costumes, exercício, e de muitas e admiráveis Árvores, Plantas, Animais, Peixes, Minas de Ouro, Cobre, Cristal, Sal, e outras muitas coisas”.
Donelha viajou na Guiné entre 1574 e 1585, foi contemporâneo de André Álvares de Almada. Convém recordar que a corrente da literatura de viagens esboça-se no século XV mas corre pelo leito mais impetuoso nos séculos XVI e XVII, é aqui que tem o seu auge. Está intimamente relacionada com aquilo que Jaime Cortesão definiu como o “humanismo universalista dos Portugueses”, cujas raízes, segundo ele, mergulham no franciscanismo; o nascimento e os primeiros tempos da ordem franciscana foram acompanhados de uma profunda renovação das ciências geográficas e da literatura de viagens, campos em que os franciscanos se notabilizaram.
Entre os portugueses essa corrente traduz-se já, dos fins do século XV para os começos do século XVI, na coletânea de relatos anónimos recolhidos pelo impressor Valentim Fernandes e no Esmeraldo de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira. Contrariando o que se verifica nas restantes obras portuguesas destes tempos relativas à Guiné de Cabo Verde, em que a ordem da exposição é sempre de Norte para Sul, começando por o Senegal, Donelha inicia o seu relato com a Serra Leoa. Neste texto vamo-nos cingir aos capítulos 7, referente ao grande imperador Mandimansa e aos seus principais Farins ou reis Mandingas, no capítulo 8, em que Donelha se ocupa do rio Sanaga, ao Cabo Verde e aos Jalofos, matéria que prossegue no capítulo XIX, em que trata mais especialmente do Grão Jalofo; dá-se depois um salto para o capítulo XIV em que se trata da zona entre o rio Gâmbia e o Rio Grande e dos seus habitantes (Cassangas, Banhuns, Bramos e Beafares).
Almirante Avelino Teixeira da Mota |
No manuscrito que nos chegou de Donelha não há qualquer título, Donelha limita-se, no prólogo, a dizer que fez um “memorial” do que viu e soube no decurso das suas viagens. A palavra memorial não é de uso corrente na época: Almada usa Tratado Breve dos Rios (ou Reinos) da Guiné do Cabo Verde, o padre Manuel Álvares emprega Descrição Geográfica da Província da Serra Leoa, fórmula próxima da Descrição da Costa da Guiné, a que Lemos Coelho recorreu nos seus textos. “Inclinamo-nos, por isso, a escolher um título começado também por descrição”. Dá grande explanação à Serra Leoa. À semelhança de outros viajantes, verifica-se que a Guiné de Cabo Verde se estende entre o rio Senegal e um lugar indeterminado, é um território usualmente dividido em três regiões nos documentos da época: Costa do Jalofo, rios da Guiné e Serra Leoa. Posto este admirável elenco de comentários, demos a palavra a André Donelha.
(Continua)
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Último poste da série de 23 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20087: Notas de leitura (1211): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (20) (Mário Beja Santos)
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