terça-feira, 27 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20099: A galeria dos meus heróis (32): o angolano que serviu duas pátrias, Portugal, como furriel miliciano do exército colonial (1973/75) e Angola, como tenente das FAPLA (1975/ c. finais de 1980) (Luís Graça)


Bandeiras de Angola & Portugal. Imagem: Foto Arte.  Cortesia de Angop (2014)



A galeria dos meus heróis > Servir duas vezes a pátria, ontem Portugal, hoje Angola...

por Luís Graça


 



1. Ilha de Luanda, Clínica X. 23/7/2013. Levanto-me às cinco e meia da manhã. É dia ou quase dia. Às seis em ponto,  o motorista de ambulâncias da clínica  já está pronto para me levar ao aeroporto, de regresso a Lisboa. É o meu motorista habitual, quando aqui venho, à ilha de Luanda em serviço... É o meu motorista das partidas.

Já o conheço há uns anos... E costumo trazer-lhe uma garrafa de vinho tinto português, comprada 
no "freeshop" do aeroporto de Lisboa.  Voltarei a encontrá-lo para a próxima semana.  Sábado, venho de novo a Luanda, para dar formação, desta vez,  a futuros médicos do trabalho. É a 1ª edição do curso de medicina do trabalho em Angola.

O meu motorista, o  C... [, não o quero identificar, nem a ele nem à empresa onde trabalha, já que não lhe pedi autorização expressa para contar a sua história de vida,]  "estava de férias", mas levantou-se para me conduzir, a tempo e horas, até ao aeroporto de Luanda.


Há um outro motorista, mais jovem, mas mora longe. Sair de casa a essa hora é arriscado, devido à insegurança nos musseques. Mesmo assim, na Clínica, há gente (incluindo médicos) que sai de casa às 4h da manhã para vir trabalhar!...A vida é dura para os luandenses que precisam de trabalhar. 

Esse outro motorista, mais jovem, que costuma ir buscar.me ao aeroporto, à noite, não é tão fiável: um dia, ficou à minha espera, à noite, devia estar cansado, adormeceu na viatura,  o avião atrasou-se... Enfim, deixou-me completamente "pendurado", sem transporte nem telemóvel: foi uma pequena aventura, chegar, à Clínica, às 11 h da noite, com um jovem "taxista" de ocasião, numa viatura, sem portas, completamente "descaracterizada" e "canibalizada", com o tabliê esventrado... 

Foi, seguramente, a viagem de "táxi" mais surrealista da minha vida: custou-me 40 euros,  todo o dinheiro trocado que tinha no bolso, nem sequer tinha cuanzas ou dólares para pagar ao mais jovial, simpático e prestável "taxista da candonga", a quem confiei a minha bolsa e talvez até a minha vida. 

Fomos todo o caminho a conversar sobre tropa, médicos e militares... Ele fizera tropa mas já não fora à guerra... Puxei dos meus galões, e falei-lhe de alguns nomes de gente da "nomencltura" que me gabava de conhecer... Acabou por ser uma relação empática e lá cheguei ao destino sem mais problemas.

2. Mas voltando ao C... É um homem afável, de 59 anos, mestiço, do Kuanza Sul (, salvo erro), província a sul, a cerca de 300 km de Luanda...  Pelas minhas contas deve ter nascido em 1953/54.


É preciso atravessar Luanda, de uma ponta à outra, até chegar ao aeroporto... Nas horas de ponta, pode ser um inferno. Daí ter que me levantar às 6 da manhã... para estar com uma certa margem de segurança, a tempo e horas, no aeroporto... É outra aventura, mesmo com "passaporte especial", até poder sentar-me no meu lugar do avião da TAP e poder, enfim, respirar fundo... 

Além disso, levo comigo, dez mil dólares, em maços de notas, limite máximo legal... E o credo na boca:  não é dinheiro meu, é da minha Escola, e vai servir para pagar viagens e ajudas de custo dos próximos formadores... Enfim, uma forma expedita, um desenrascanço, à portuguesa e à angolana, para contornar a morosidade burocrática da transferência de dinheiro entre os dois países...

O C... mora na ilha de Luanda, perto da Clínica aonde fui dar formação e onde ele trabalha, como motorista de ambulâncias... Trabalho que, diga-se de passagem, não é pêra doce: há uns largos anos atrás, talvez em finais da década de 1990, a sua ambulância foi metralhada num musseque dos arredores (, ele disse-me o nome, que não fixei), quando um "grupo de bandidos" (sic) tentava assaltar a casa de um "fulano ricaço" (sic)... 


Os "bandidos, que não sabiam ler" (sic), confundiram o "tinonim" da ambulância com o carro da polícia... Houve feridos graves, baleados dentro da ambulância; mas, mesmo com os pneus todos furados, e o assento do motorista todo crivado de balas, o meu amigo C... lá conseguiu safar-se, são e salvo... Revelou grande sangue frio e coragem, dois atributos essenciais para se poder sobreviver numa cidade como Luanda de 5 ou 6 milhões de habitantes onde só uma escassa elite privilegiada tem vida segura e  decente.

Esse sangue frio e coragem vêm-lhe do tempo da guerra. É um duplo ex-combatente. Tem muitas histórias para (e por) contar. Rapidamente criei com ele um laço de cumplicidade e uma grande empatia. Nada como dois ex-combatentes encontrarem-se.... Fez a guerra colonial, do lado português, com "muita honra" (sic), creio que por volta de 1972/74 (*) ou até talvez 1973/75 (, já não posso precisar). Era furriel miliciano. Serviu "a sua pátria de então" (sic). 

Angola > Posição relativa da privíncia de
 Kuando Kubango, 
Adapt. de Wikipedia
Quando os sul-africanos, os zairenses e outros invadem Angola, sua terra, as FAPLA, as Forças Armadas para a Libertação de Angola, convocam-no para as suas fileiras. Foi então 1º tenente de infantaria, comandando cerca de 70 homens (, se bem percebi). Participou em várias batalhas. E lá ficou na tropa e na guerra até à desmobilização, em finais de 1980, se não erro... Também se queixa, tal como nós,  de o Estado angolano ter abandonado os seus antigos combatentes...

3. Pelo que percebi, também terá estado  na província do Kuando Kubango (e, possivelmente, na batalha de Kuito Kuanavale, de trágica memória para todos os contendores de um lado e do outro, angolanos, cubanos, soviéticos, sul-
africanos)...


Mas a cena mais dramática da guerra para o meu amigo C... não foram os bombardeamentos 
maçiços  da artilharia, cavalaria e aviação dos sul-africanos no sul, foi sim uma emboscada às portas de Luanda (a cerca de 100 km, se bem percebi), a um coluna de várias viaturas guarnecidas po um grupo de combate que ele comandava, composto por cerca de 30 homens. 

Tenho dúvidas se foi na altura da batalha de Kifangondo [, em 10/11/1975], às portas de Luanda ou se foi no âmbito da batalha do Ebo...  Em qualquer dos casos, o desfecho destas duas batalhas foi fundamental para reforçar a posição do MPLA. 

Pela descrição da batalho do Ebo (no portal cubano EcuRed, que não pode todavia ser considerado uma fonte independente), inclino-me mais para a primeira hipótese, a da emboscada em que caiu a coluna comandada por C..., ter ocorrido no âmbito da batalha de Kifangondo, a escassa centena de quilómetros de Luanda, a nordeste.

Nessa altura as forças que apoiavam a FNLA já tinham tomado o Caxito, estando às portas de Luanda.  Eram constituídas pelos comandos de Santos e Castro, por forças do exército regular do Zaire, e por uma unidade de artilharia dos sul-africanos mais um grupo de mercenários.   

Sobre batalha de Kifangondo (em 10 de novembro de 1975), vd. aqui o depoimento do general António França 'Ndalu' (chefe do Estado-Maior da 9ª Brigada, uma unidade das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola,  criada uns meses antes para "defender Luanda das investidas do inimigo contra a capital, nos dias que antecederam a Independência no dia 11 de Novembro de 1975"]. 

Já agora leia-se, com atenção, também o seguinte comentário de um anónimo:

"O que o General António dos Santos França, na altura Comandante N´Dalu, não mencionou, talvez por não lhe ter sido perguntado, foi a constituição da 9ª Brigada . Estavam incluídos nela os melhores guerrilheiros das então FAPLA, e principalmente militares angolanos desmobilizados das forças portuguesas, onde se incluiram também paraquedistas e comandos portugueses. 

Ouvi pessoalmente oficiais cubanos a elogiarem a preparação destes militares do contingente de Angola nas forças portugueses. Foi a 9ª Brigada e os cubanos quem destroçaram as forças da FNLA/Zairenses/sul-africanos a norte, e perseguiram os sul-africanos estacionados próximos de Porto Amboim até à fronteira, no Cunene. 

Paradoxal e infelizmente, a maioria dos militares da 9ª Brigada foi fuzilada dois anos depois, nos acontecimentos do [27] de Maio [de 1977]".

É muito possível que o meu amigo C... seja um daqueles jovens, desmobilizados do exército português, que se ofereceu voluntário para a 9ª brigada... Mas tenho que admitir também a  hipótese do meu amigo C... ter participado na batalha do Ebo onde morreria o comandante cubano Raul Díaz-Argüelles (1936-1975),em 11 de dezembro de 1975 (um mês depois da proclamação da independência de Angola). 

Recorde-se que o Diaz-Argëlles também passou pelo TO da Guiné, em 1972, ao tempo da guerra colonial, tendo ajudado o PAIGC a planear a operação contra Guileje.
Angola > Província de Cuanza Sul.
Fonte: Cortesia de Wikipedia

A batalha do Ebo, a sudeste de Luanda, que teria sido travada em 23 de novembro de 1975, a par da batalha de Kifangondo (a nordeste de Luanda),  foi decisiva para suster o avanço das forças  anti-MPLA  que pretendiam impedir a proclamação da independência em Luanda pelo partido de Agostinho Neto.

É bom lembrar que, à revelia da potência colonizadora, Portugal, e do Acordo do Alvor (janeiro de 1975),  cada um dos três movimentos nacionalistas proclamou a independência de Angola em sítios e datas diferentes: a FNLA  no Uíge, a UNITA no Huambo e o MPLA em Luanda.

Não tive oportunidade, no trajeto até ao aeroporto, 
de esclarecer este e outros pormenores importantes da história... que me foi contada a título de confidência. 

Ia com um ouvido atento à conversa com o motorista e um olho no vidro da janela do meu lado... Reconstitui a nossa conversa uns dias depois de chegar a Lisboa. E posso estar a ser traído pela memória. Mas confio na boa fé do meu amigo angolano.

Essa emboscada (ou ataque de artilharia ?) poderia ter sido  quando as forças sul-africanas,  que invadiram Angola,  chegaram até ao sul do Ebo, na província do Kwanza Sul, ameaçando Luanda. Os angolanos e os cubanos destruiram as pontes e sustiveram o avanço dos invasores justamente no Ebo (município a 300 km de Luanda).

Segundo o depoimento do C..., nessa emboscada, as viaturas foram todas destruídas, as FAPLA tiveram cerca de 2/3 de baixas mortais, incluindo 7 cubanos e 12 angolanos... O C... , na altura tenente e comandante da força, nunca mais se esqueceria desse "dia pavoroso" (sic), em que viu, mais uma vez, a morte à sua frente.


Mas o nosso amigo C... diz que a emboscada ocorreu a c. de 100 km de Luanda, portanto às portas de Luanda, a nordeste da capital... Logo só poderia ser no âmbito da batalha de Kifandongo e não do Ebo (a mais de 300 km, a sudeste de Luanda)

Depois de desmobilizado, começou a trabalhar na Clínica quando esta reabriu em 1990/91. Ele já pertencia ao quadro de pessoal da Endiama (, herdeira da Diamang), proprietária da Clínica. 

Conversa puxa conversa, diz-me que "já não há bandidos na ilha de Luanda e no centro de Luanda" (sic). A polícia "limpou-os" (sic). A esta hora, 6 da manhã, há grupos de 3 e 4 brancos (presumivelmente estrangeiros, incluindo portugueses,  a trabalhar em Luanda) que andam a fazer "jogging" na marginal. 

As praias estão "limpas",  contrariamente ao que se via há uns anos atrás... A zona agora é "turística" (sic), as barracas dos pescadores desapareceram... Enfim, a cidade mudou, "para melhor"... "Bandido é no musseque onde a polícia não entra" (sic). 

Tinha-lhe prometido trazer uma garrafa de vinho de Lisboa. Deixei-lhe cuanzas para beber um copo à nossa saúde e à nossa condição de antigos combatentes, homens da mesma geração, nascidos sob a mesma bandeira, falando a mesma língua...

Percebo agora melhor porque é que os nossos amigos  angolanos, são pessoas que vivem com tanta intensidade o dia que passa e manifestam publicamente a sua felicidade, através da comida, da bebida, do sexo, da música, da dança. 

"Para ser feliz tem que ser aqui em Angola", diz um kudurista dos musseques de Luanda no filme angolano "I Love Kuduro", do realizador português Mário Patrocínio, (a cuja estreia, em Portugal, eu assisti, em novembro de 2013, no Cinema São Jorge, no âmbito do doclisboa'13)... 

4. Confesso, por outro lado, a minha grande ignorância em relação à história e à geografia de Angola, apesar de lá ir já desde 2003...  

Por exemplo, Kuando Kubango... É uma província situada no sudeste do país. Verifico que é limitada a norte pelas províncias do Bié e Moxico, a leste pela República da Zâmbia, a sul pela República da Namíbia e a oeste pelas províncias do Kunene (onde a guerrilha da SWAPO tinha bases e campos de refugiados) e Huíla. A capital da província é a cidade de Menongue e dista de Luanda mais de mil km e de Kuito menos de 350 km. Tem cerca de 140.000 habitantes e ocupa uma superfície duas vezes superior a Portugal...

É constituída pelos municípios de Kalai, Kuangar, Kuchi, Kuito Kuanavale, Dirico, Mavinga, Menongue, Nancova e Rivungo. O clima é tropical no norte da província e semi-árido no sul. Esta região de Angola é conhecida atualmente como "terras do progresso», devido ao seu grande potencial económico, praticamente por explorar.

Mas voltemos à guerra, à chamada segunda guerra da independência em que participou o nosso amigo C.... Durante muito tempo alguns municípios (como Mavinga, Dirico, Cuchi e Kuito Kuanavale) serviram como bases de apoio à guerrilha da UNITA, liderada por Jonas Savimbi, que só abandonou completamente estes territórios (a famigerada "Jamba") em finais de 2001, aquando da ofensiva das forças armadas angolanas. 


É sabido que o Movimento do Galo Negro recebeu apoio dos EUA e da África do Sul, na luta contra contra o MPLA, que por sua vez era apoiado pela União Soviética e Cuba. Estávamos em plena guerra fria. Angola era uma peça importante no tabuleiro do xadrez da geopolítica mundial, sendo cobiçada pelas potências neocloniais pelas suas riquezas (, o petróleo, os diamantes) mas também era fundamental para a sobrevivência do regime de supremacia branca na África do Sul...

A batalha de Kuito Kuanavale terá sido o maior confronto militar da guerra civil angolana. Foi um batalha sangrenta e prolongada durante mais de 4 meses, entre 15 de novembro de 1987 e 23 de março de 1988.


Foi aqui , na província de Kuando Kubango , e mais concretamente no munícipio de Kuito Kuanavale, que as FAPLA (Forças Armadas Populares de Libertação de Angola), apoiadas pelos cubanos e com armamento soviético, se confrontaram com a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), apoiada pelo exército sul-africano.

Foi considerada a batalha mais longa travada no continente africano desde a Segunda Guerra Mundial.

Nesta batalha de Kuito Kuanavale, foi posto em cheque o mito, aos olhos dos angolanos, da invencibilidade do exército "racista" da África do Sul. 

Independentemente das duas partes terem clamado vitória, a África do Sul terá sido obrigada a reconhecer tacitamente a superioridade demonstrada pelas FAPLA (e seus aliados cubanos) no campo de batalha. 

Isso explicará a posterior assinatura dos Acordos de Nova Iorque, ponto de partida para o fim de um conflito que afinal não era apenas uma guerra civil, nem um simples conflito regional. 

Como é sabido, a implementação da resolução 435/78 do Conselho de Segurança da ONU vai levar à independência da Namíbia e apressar o fim do regime de segregação racial, que vigorava na África do Sul.

Se eu ainda conseguir voltar a Angola em 2020, espero poder reencontrar e  abraçar o meu amigo e camarada C..., agora com 65 ou 66 anos. E continuar a nossa conversa, à mesa, com um copo de tinto português. Ele é um dos bravos que passa a figurar na "Galeria dos Meus Heróis" (**). 

Lisboa, julho de 2013. Revisto.

_________________

Notas do editor:

(*) Quem sabe, pode ter feito parte do BCAÇ 3880 ou até da CCAÇ 3534, do nosso camarada Fernando de Sousa Ribeiro... 

17 comentários:

Fernando Ribeiro disse...

Caro Luís,

1 - O ex-furriel que referes não fez parte do meu batalhão, nem deve ter feito parte de qualquer unidade que se tenha formado na Metrópole. Em Angola, todos os oficiais e sargentos que serviram nas unidades metropolitanas foram incorporados na própria Metrópole. É verdade que no meu batalhão houve um alferes moçambicano, chamado Osman (que é muçulmano, é um grande companheiro e é estimadíssimo pelo pessoal que foi da sua companhia, a CCAÇ 3537), mas até este foi incorporado na Metrópole, pois se encontrava no Porto a frequentar a Faculdade de Economia. Ele não era da Metrópole, mas foi incorporado como se fosse.

Portanto, o tal ex-furriel C., de que falas no teu texto, cumpriu com certeza o seu serviço militar numa unidade de incorporação da Província, como então se dizia, e não é muito provável que tivesse sequer combatido na guerra colonial. De uma maneira geral, as unidades de incorporação da Província não costumavam ser utilizadas em combate, talvez porque o regime não tivesse muita confiança nelas. Só meia dúzia de companhias independentes o fizeram, dizia-se que por castigo, tendo sido colocadas, na verdade, em locais muito pouco recomendáveis, como Quipedro no Norte ou Mavinga no Cuando-Cubango. Tirando os militares angolanos que prestaram serviço em unidades metropolitanas, como o meu batalhão, na qualidade de "grupo de mesclagem" (era a designação oficial), poucos militares angolanos tiveram participação ativa na guerra entre 1961 e 1974. A guerra colonial em Angola foi feita, sobretudo, pelos metropolitanos, enquanto os militares da Província guarneciam as cidades e outros pontos estratégicos afastados da guerra, como pontes, barragens, etc. O popular cantor angolano Bonga, por exemplo, fez a sua tropa no santuário da Muxima, nas margens do rio Cuanza e a cem quilómetros de Luanda, onde nunca houve guerra absolutamente nenhuma.

2 - Reparo que tens o cuidado de escrever os topónimos angolanos com K: Kuito, Kuando Kubango, etc. No entanto, oficialmente, todos os topónimos em Angola se escrevem com C e não com K. A razão é simples: Angola não aderiu ao Acordo Ortográfico. Como as letras K, W e Y não fazem parte da ortografia antiga da língua portuguesa, em Angola continuam a ser usadas as letra C, U e I em lugar delas: Cuanza, Cuito Cuanavale, etc. Recentemente, o governo angolano determinou explicitamente isto mesmo. Esta determinação é motivo de grande celeuma em Angola, havendo muitas pessoas que fazem questão em usar o K, o W e o Y, mesmo contra o que está determinado superiormente. Há só uma exceção, que é a moeda angolana, a qual se chama mesmo Kwanza, e não Cuanza.

(continua)

Fernando Ribeiro disse...

(continuação)

3 - Conheci um casal de portugueses que ficaram em Angola depois da independência, mais precisamente na barragem do Biópio, perto da cidade do Lobito. Eles foram os únicos brancos que lá ficaram. A descrição que esse casal fez da invasão de Angola por parte das forças armadas sul-africanas foi dantesca. Os sul-africanos avançaram da Namíbia para norte, a caminho de Luanda, como um rolo compressor, esmagando quem quer que encontrassem pela frente. Segundo esse casal, o bombardeamento dos bairros africanos da cidade do Lobito pelos sul-africanos resultou numa chacina sem precedentes, com milhares e milhares de mortos. Embora tivessem visto armas apontadas ao seu peito, prontas a disparar, eles escaparam porque eram brancos. Regressaram depois a Portugal, desgostosos com o regime de tipo soviético imposto pelo MPLA, e pouco depois voltaram para África, mas fixaram-se em S. Tomé e Príncipe.

4 - A Wikipedia em português refere a Jamba (que acabou por ser a "capital" da UNITA durante parte da guerra civil e onde João Soares quase perdeu a vida num acidente de avião) como estando localizada na província da Huíla. Há de facto na Huíla uma vila com o nome de Jamba (um soldado meu, chamado Domingos Dala, era de lá), mas a Jamba da UNITA era outra! Ficava bem no extremo sudeste de Angola, próxima da fronteira com a Namíbia. Há uma página em inglês na Wikipedia que a localiza: https://en.wikipedia.org/wiki/Jamba,_Cuando_Cubango.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Fernando, por todos estes preciosos esclarecimentos...

Fui "desenterrar" este escrito justamente por causa do teu notável texto, "O respeito pelos homens que comandei"... E a história que ouvi, entre as cinco e as seis da manhã do dia 23/7/2013, a caminho do aeroporto de Lusnda, precisa de ser sujeita ao crivo da crítica, do contraditório e da triangulação de fontes... Há pormenores que não pude comprovar, confirmar ou corrigir...

De facto, não sei onde o C... fez o serviço militar, com a farda portuguesa... Nem exatamente onde nem quando... Ele não me mostrou, obviamente, a caminho do aeroporto, nenhum documento que confirmasse as suas afirmações, e resto feitas em tom de confidência...

Mas não me pareceu um daqueles ex-combatentes fanfarrões. Pelo contrário: se calhar a emboscada em que ele caiu terá sido o seu batismo de fogo... E isso terá ocorrido dias antes da independência no decurso da batalha de Quifangongo ou na batalha do Ebo... Ou alguns dias depois...

Quanto ao resto, em 2013, era um angolano alinhado com o regime, e que procurava dar uma imagem tranquilizadora da sua amada Luanda e da sua ilha, a um estrangeiro como eu, tratado com deferência.

Quanto à grafia em uso em Angola, vou tomar boa nota dos teus reparos... Vejo, com agrado, que te mantens atualizado e atento ao que se passa naquele país que nós dois amamos, apesar das nossas experiências não serem as mesmas... Eu só lá fui meia dúzia de vezes, em geral por uma semana, desde 2003... E já não vou lá desde 2013 ou 2014...

Um candando (, estou habituado a escrever kandando, abraço)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A guerra civil e a chamada "segunda guerra da independência" foram acontecimentos traumáticos para o povo angolano... Ainda não há investigação independente sobre este período da história de Angola. Mas os angolanos precisam de se abrir, e falar, "de coração aberto", sobre a violência que viveram, sofreram e/ou exerceram... Ouvi confidências de um general, de um ou mais médicos militares e de outros combatentes... Ou de filhos de homens (e mulheres) que "desapareceram do mapa" em 27 de maio de 1975, na sequência da repressão da "Revolta Ativa"...

O nosso blogue pode ser um veículo, também, para a recolha de histórias e memórias desse tempo, incluindo naturalmente a colonização e a guerra colonial... Temos vários camaradas, na Tabanca Grande, que conhecem bem este período,mas já não o da "segunda guerra da independência".

Aceitam-se depoimentos desde que respeitem as nossas regras editoriais. A reconciliação entre os angolanos e entre os demais povos que intervieram nestes conflitos bélicos, antes e depois da independência, ainda está em larga medida por fazer. Nada disto se faz "por decreto"... Há ainda muita amargura e até ódio no coração de muita gente, sobretudo daqueles que, considerando Angola como a sua casa, a sua terra, a sua pátria, tiveram que abandonar tudo... e refazer a vida noutros países (Portugal, Brasil, África do Sul...).

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Fernando, gostava de saber mais sobre a composição orgânica das subunidades (companhias e pelotões) que estiveram no TO da Angola, de 1961 1975, nomeadamente no que diz respeito à integração de graduados, do recrutamento local...

Sabemos, através do nosso blogue, que houve camaradas, oficiais milicianos, moçambicanos e angolanos, que foram parar à Guiné (caso, por exemplo, do Rui Alexandrino Ferreira; e os guineenses eram enviados para Angola (caso do António Estácio)... Mas era a regra ou a exceção ?

O meu cunhado, membro da Tabanca de Candoz, ex-1º cabo de transmissões, José ferreira Carneiro, de rendição individual, esteve numa companhia, de cujo nº já não se lembra, aquartelada em Camabatela, entre 1969 e 1971. E lembra-se de haver lá pelo menos um furriel angolano, mestiço.

Recorde-se que Camabatela foi fundada pelos portugueses em 1611, e é sede do município de Ambaca, na província do Cuanza Norte.

A companhia do Zé guardava os cafezais da região, perto de Negage e de Quitexe... Ele esteve sempre na sede, em Camabatela, e nos destacamentos do Bindo e Granja. Foi uma vez a Carmona e muitas vezes ao Negage.

Talvez o nosso António Rosinha, angolano de alma e coração, nascido nas Beiras, nos possa dar mais informação sobre este ponto... Ele também foi furriel miliciano, logo no início da guerra...

Um abraço, Luis... Aqui da Tabanca de Candoz que vai estar em festa no dia 31 de agosto... O grande convívio da família... Ferreira.


Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

A Faculdade de medicina de Bissau que começou a funcionar nos anos 90, ostenta o nome do Comandante Cubano Raul Diaz Arguelles, ignorava os factos que o Luis Graça nos traz a estampa sobre sua participaçao na Guerra da Guiné assim como da sua morte em Angola na historica batalha de Cuito Cuanavale.

Um abraço amigo,

Cherno Baldé

João Carlos Abreu dos Santos disse...

... por excepção, irei comentar um extenso "comentário" - do ex-alferes miliciano Fernando Sousa Ribeiro -, o qual contém sucessivas (digamos) inverdades, que passo a citar:
- «Em Angola, todos os oficiais e sargentos que serviram nas unidades metropolitanas foram incorporados na própria Metrópole. [...] De uma maneira geral, as unidades de incorporação da Província não costumavam ser utilizadas em combate, talvez porque o regime não tivesse muita confiança nelas. Só meia dúzia de companhias independentes o fizeram, dizia-se que por castigo, tendo sido colocadas, na verdade, em locais muito pouco recomendáveis, como Quipedro no Norte ou Mavinga no Cuando-Cubango. Tirando os militares angolanos que prestaram serviço em unidades metropolitanas [...] poucos militares angolanos tiveram participação ativa na guerra entre 1961 e 1974. A guerra colonial em Angola foi feita, sobretudo, pelos metropolitanos, enquanto os militares da Província guarneciam as cidades e outros pontos estratégicos afastados da guerra, como pontes, barragens, etc.»
1.- "Todos os oficiais e sargentos que serviram nas unidades metropolitanas foram incorporados na própria Metrópole", é afirmação que carece de demonstração, caso-a-caso, porquanto não se fundamenta em nenhum estudo-de-situação;
2.- "De uma maneira geral", é formato narrativo onde quase tudo cabe, incluindo o "talvez", a "meia duzia", o "dizia-se que", incluindo mencionar "companhias independentes", coisa inexistente porquanto nenhuma subunidade do Exército era/é "independente" (tipo 'guerra-do-Solnado'?!), fosse/seja a título orgânico e/ou operacional, isto é, de uma ordem-de-batalha;
3.- Quanto a "locais muito pouco recomendáveis"... , em contexto de um teatro-de-operações, "isso" é o quê?;
4.- "Poucos militares angolanos tiveram participação ativa [sic] na guerra", trata-se de insulto gratuito, difamação e injúria colectiva;
5.- "A guerra colonial [sic] em Angola foi feita, sobretudo, pelos metropolitanos, enquanto os militares da Província guarneciam as cidades e outros pontos estratégicos afastados da guerra, como pontes, barragens", é fraseado igualmente difamatório, denotando que o autor de tal afirmação carece de sólidos conhecimentos sobre a ordem-de-batalha (1960-1975) relativa à região militar onde - no período Jun72-Ago74 -, esteve colocado.
Permita-me, Fernando Sousa Ribeiro, sugerir-lhe que se atenha ao que viveu, no terreno, e igualmente ao que conhece - por recolha 'de motu proprio' e originado em diversas fontes, fidedignas e apartadas de 'ganga ideológica' -, sobre a derradeira defesa militar do Ultramar Português.
Cordiais cumprimentos.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cherno, o comandante Argürllrs esteve na tua terra em 1972:

1972

Maio (3-8 de maio) – Realiza-se a primeira visita do Comandante em Chefe Fidel Castro à Republica da Guiné. Fidel tem uma importante entrevista com Amílcar Cabral em que tratam temas relacionados com a ajuda cubana.

1972

Junho – Uma delegação militar chefiada pelo Comandante Raúl Diaz Arguelles visita os "territórios libertados" da Guiné-Bissau.

Chega a Conacri o barco cubano “Las Villas” com pessoal militar cubano e ajuda material ao PAIGC;

Uma delegação militar conduzida pelo Comandante Raul Diaz Arguelles, chega a Conacri para planificar e executar uma operação contra o quartel de Guiledje. Chegada de um grupo de oficiais cubanos para participar na planificação da operação contra Guiledje. (...)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2017/01/guine-6374-p16943-recortes-de-imprensa.html

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Raul Diaz Argüelles, chefe da missão militar cubana que wveio em apoio do Governo do MPLA, a seguir à independência de Angola, proclamada a 11 de Novembro de 1975, morreu ao accionar uma mina anti-tanque no município do Ebo, província do Canza Sul, a 11 de edzembro de 1975. Está sepultado no Cemitério do Alto das Cruzes, em Luanda.

A Faculdade de Medicina da Guiné-Bissau ostenta o seu nome... A faculdade recebe assessoria técnica e científica dos cubanos, propõe-se dar continuidade à formação de quadros que estava a cargo da Escola Nacional de Saúde (ENS), encerrada com o eclodir da guerra civil de 1998/99.

Criada em 1986, a ENS teria formado já cerca de uma centena de médicos guineenses. A parte terminal da licenciatura era (é) depois feita em Cuba.

A Faculdade de Medicina reabriu em 2006, sendo enquadrada na Universidade Amílcar Cabral (UAC), a única instituição do ensino superior pública existente na Guiné, e que lecciona, além de medicina, mais os cursos de licenciatura: Administração e Gestão, Educação e Comunicação, Sociologia, Economia, Jornalismo, Engenheira Informática.

A Guiné-Bissau dispõe ainda de uma Faculdade de Direito (FDB) cuja assessoria técnica e cientifica é dada pela cooperação portuguesa através da Faculdade de Direito, da Universidade de Lisboa.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Sobre a vida de Argüelles (incluindo a sua missão em Angola, em 1975) vd aqui o portal cubano ECURED... Não há muitas outras fontes...


https://www.ecured.cu/Ra%C3%BAl_D%C3%ADaz_Arg%C3%BCelles

Tabanca Grande Luís Graça disse...

António Rosinha, nosso "mais velho"... Peço-te desculpa mas, por lapso, eliminei o teu comentário e agora não consigo recuperá-lo e repô-lo...

Será que és capaz de o reconstituir ? Pelo que me lembro falavas das diferentes "visões" de Angola, que cada um de nós, que por lá passou, tem... E no fim referias os nomes do António Antunes e do Miguel Alegre.

O editor, LG

Fernando Ribeiro disse...

João Carlos Abreu dos Santos,

Eu não passei de um mísero alferes miliciano, mas esforçava-me por manter os meus olhos e os meus ouvidos abertos, para ver e ouvir o que se passava à minha volta.

As companhias independentes eram assim chamadas em Angola, porque não dependiam de qualquer batalhão. O mesmo se passava com os pelotões independentes, que não dependiam de qualquer companhia. Por exemplo, em Santa Eulália havia uma companhia que era independente, porque não estava "dependurada" em nenhum batalhão. Dependia diretamente do oficial general comandante do setor e do chefe de Estado-Maior deste, e atuava como companhia de intervenção do setor Dembos, também chamado Área Militar N.º 1 (AM1). No meu tempo, era a CART 3415, uma companhia de valentes da qual guardo as melhores recordações. Se isto era uma "guerra do Solnado", quem a inventou não fui eu. A companhia de Santa Eulália a que me refiro era exclusivamente constituída por europeus, tal como era constituído por europeus o Comando de Agrupamento que assessorava o comandante do setor. Não havia tropas de incorporação da Província absolutamente nenhumas em Santa Eulália. Nenhumas, mesmo nenhumas! Disto eu tenho a certeza absolutamente absoluta, porque estive lá inúmeras vezes.

De modo idêntico, não havia tropas da Província em Zala, nem na Fazenda Madureira, nem em Quitexe, nem na Damba, nem em Mucaba, nem em Luvaca, etc. etc. etc. Eu próprio sou testemunha disso. Salvo nos casos em que houvesse forças de GEs (Grupos Especiais), que eram constituídas por antigos guerrilheiros capturados ou apresentados, como acontecia em Nambuangongo, e que eram geralmente usados como carne para canhão (eram eles que eram mandados à frente, durante as operações, para morrerem em lugar dos europeus), a guerra em todo o norte de Angola foi quase toda ela travada por tropas exclusivamente europeias. Não houve em Angola uma africanização da guerra, como o Spínola fez na Guiné e como o Kaulza também tentou fazer em Moçambique após o desaire da operação Nó Górdio. Talvez a incorporação de militares do recrutamento da Província em unidades metropolitanas, como o meu batalhão, tenha sido uma forma tímida de africanizar a guerra em Angola. Portanto, os insultos e injúrias que refere vão direitinhas para os chefes de Estado-Maior das Forças Armadas em Angola, que foi quem determinou que assim fosse. Vá queixar-se ao general Luz Cunha, ao general Costa Gomes e aos outros, que já não estão neste mundo, e não a mim.

O batalhão que o meu rendeu em Zemba (BCAÇ 3840) era constituido exclusivamente por europeus. O batalhão que rendeu o meu em Zemba (BCAV 8322) era constituído exclusivamente por europeus. O batalhão que rendeu o meu em Maquela do Zombo (BCAÇ 5010) era constituído exclusivamente por europeus. O batalhão que o meu rendeu em Maquela do Zombo (BCAV 3845) era constituído exclusivamente por europeus, menos um. A exceção era um capitão (comandante da CCAV 3363), chamado Orlando Carvalho, que era mestiço e natural de Angola. Era do Quadro Permanente e oriundo da Academia Militar. Quando a minha companhia chegou a Ponte do Zádi para render a dele, este capitão manifestou-me a sua admiração por ver militares negros na minha companhia. A companhia dele não tinha africanos e no Leste de Angola, onde ele tinha estado antes, também nunca tinha visto uma companhia assim (mas havia). Se isto é uma injúria coletiva, dirija-a a quem de direito. Fique com a sua própria canga ideológica e que lhe faça bom proveito.

Saudações

Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alferes miliciano da CCAÇ 3535 do BCAÇ 3880, Angola 1972/74

Antº Rosinha disse...

Luís, não apagaste grande coisa, apenas tento dizer que é muito complicado falar sobre Angola porque cada cabeça sua sentença, Angola é grande demais em todos os sentidos, e dava para imaginar imensas coisas.
E o IN dava tantas folgas que dava tempo para formalizar muitas ideias, o que não era possível na Guiné ter muitas divagações, e digo isto tanto para pretos como para brancos.
Na Guiné não havia inspiração para um António Lobo Antunes, ou um Manuel Alegre, e tantos outros com menos nomeada, valha-nos o nosso Beja Santos escrever sobre a Guiné, e tu Luis, com este blog.
Quem passou por Angola, fardado por obrigação, sabe que muitos militares repetiram comissões e alguns até levaram as famílias, uns e outros ficaram com opiniões diferentes.
O que inspirou muito quem passou por Angola, o que não acontecia na Guiné, foi haver tantos futuros Retornados, que havia por todos os cantos em Angola, o que não acontecia na Guiné.
Na Guiné há muita unanimidade sobre o que se passou, tanto entre os pretos como entre brancos que por lá passaram, sobre Angola, é cada cabeça sua sentença, entre os brancos como entre os pretos.
Houve muitas fazes e muitos estratagemas,qual deles mais imaginativo e de desenrascanço em Angola.
E muitos fiascos também.
Era fabuloso, se não fosse a Guiné.
Como aprendem os jovens da JAC na Guiné, os outros «cá vale», (mais ou menos assim).



João Carlos Abreu dos Santos disse...

... Fernando Sousa Ribeiro, a frase com que concluiu a sua réplica é qb reveladora...
Assim, as suas diversíssimas - e espero que derradeiras - considerações, por exemplo no que respeita a companhias "independentes" e a pelotões "independentes", não me merecem quaisquer acrescentos, porquanto factos são factos que se não compadecem com ideologias tal como não têm cabimento em historiografia alguma.
Cpts.

Fernando Ribeiro disse...

Caro "Ultramar Naveg", finalmente estamos de acordo: «factos são factos que se não compadecem com ideologias tal como não têm cabimento em historiografia alguma.»

Saudações

Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alferes miliciano da CCAÇ 3535 do BCAÇ 3880, Angola 1972/74


P.S. - Onde escrevi "canga" devia ter escrito "ganga".

patricio ribeiro disse...

Luís, junto o meu comentário.
A minha 1ª Guerra civil - Luanda
Em 1975, deslocava-me diariamente para trabalhar na estrada perto do Cacuaco.
Tinha de atravessar diariamente a cidade de uma ponta à outra, já que morava perto do aeroporto.
Às 8h, eramos obrigados a parar por homens armados, cada vez que nos aproximávamos de uma sede, de cada um dos 3 partidos - e ao levantar da bandeira de cada partido, ai de quem não o fizesse … corria o risco de levar uns tiros na viatura e quem lá estava dentro.
Já na estrada do Cacuaco, de manhã cedo, encontrávamos todos os dias diversos corpos de pessoas, da refrega durante a noite, em que os apoiantes da FNLA, sitiados no forte de S. Pedro da Barra, (muitos deles eram antigas tropas especiais Portuguesas, nascidos em Portugal) faziam nas suas saídas noturnas, para arranjar alimentação. Conheci alguns …
Durante o dia, as nossas tropas retiravam os corpos das valetas e levavam-nos para a morgue, que era o único trabalho que tinham … e que eu visitava quase todos os dias, para ver quem chegava, se era alguém conhecido, já que por ali ficavam às moscas às dezenas, durante muitos dias.
Nos finais de Outubro deste mesmo ano, nas minhas deslocações para o trabalho, já se viam na estrada alguns carros blindados estranhos, a ser conduzidos por Cubanos.
Segundo se dizia, saiam do Porto de Luanda pela linha do comboio, para não passarem nos portões, que estavam guardados pelos militares Portugueses.
Nesta data, já havia barcos russos, no porto de Luanda.

Durante o dia, no meu local de trabalho, ouviamos a artilharia pesada a aproximar-se cada vez mais, lá para os lados do Panguila. Pensávamos que era a FNLA a chegar a Luanda…
Devido á batalha fortíssima, as pessoas fugiam do Cacuaco, para Luanda, com os poucos haveres à cabeça, e a dizer, eles estão a chegar!
(Mais tarde voltei a ver este desespero, na minha 2ª guerra civil em Bissau).

Em Lisboa passados uns meses … informaram-me que só queriam entrar em Luanda, depois de 11 de novembro, (data da independência).
Mas que nesta data já não conseguiram, devido aos Cubanos que entretanto, foram desembarcando em Angola.
Em Cuba, quando por lá andei em passeio, em casas de antigos internacionalistas que estiveram por Angola e pela Guiné, falei com pessoas em que os seus familiares por lá morreram nestas batalhas … estão revoltados, porque o governo não lhes deu qualquer apoio, pela morte dos seus familiares …
Muito ainda há para se escrever, sobre esta época…

João Carlos Abreu dos Santos disse...

... Fernando Manuel Saraiva de Sousa Ribeiro, deixe-se de graçolas e picardias.
O que v. acordado sabe (ou pensa saber), há muito e a dormir já esqueci... !
Respeite e será respeitado.
Passe bem; e ao largo (sff).