sábado, 5 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2723: Poemário do José Manuel (6): Napalm, que pões branca a negra pele, quem te inventou ?


Uma das célebres fotos de Bara István, o fotógrafo húngaro que esteve embebed com forças do PAIGC, no mato, em 1969/70. Nesta imagem, da sua fotogaleria, mostram-se os efeitos do napalm... Presume-se que seja uma vítima dos nossos bombardeamentos. Não se diz exactamente onde foi tirada. A legenda (em húngaro) é a seguinte: Bara István: Napalm áldozata.Guinea-Bissau, 1969. Julgamos tratar-se de uma imagem copyleft... De qualquer modo, reproduzimo-la com a devida vénia e agradecimento ao autor e citando a sua página (comercial).

Foto: Foto Bara (com a devida vénia...)


Napalm
que pões branca
a negra pele
quem te inventou?
que queimas árvores centenárias
que fazes em sal
a terra arável
quem te soltou?
tu...
de quem nasce
a luz que cega
e o som que ensurdece
e causas dor
sem saber a quem
se ao homem que guerreia
se à criança que brinca
ou à mulher que semeia
quem te apaga a luz?
e não te deixe voar
quem te vai silenciar?


Salancaur 1974

josema (2)
___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 28 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2694: Poemário do José Manuel (5): Não é o Douro, nem o Tejo, é o Corubal... Nem tudo é mau afinal.... Há o Carvalho, há o Rosa...

(2) José Manuel Lopes, o José Manuel, muito simplesmente... Foi Fur Mil, Op Esp, CART 6250 (Mampatá, 1972/74), e sobretudo é um grande poeta, além de produtor de excelentes néctares... na sua Quinta da Graça, no Douro.

Este poema que ele acaba de me mandar, há quatro horas atrás, vem justamente a propósito do último poste do Nuno Rubim, e por isso o publico de imediato, preterindo os anteriores, que serão oportunamente divulgados (recordam-se que ele prometeu, e tem cumprido, mandar-me todos os dias um poema da Guiné, escrito na Guiné).

Vd. poste do Nuno Rubim: 5 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2722: Fórum Guileje (12): Bombas de napalm e outras curiosidades da nossa visita ao Cantanhez (Nuno Rubim)

Guiné 63/74 - P2722: Fórum Guileje (12): Bombas de napalm e outras curiosidades da nossa visita ao Cantanhez (Nuno Rubim)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez , algures no sector de Bendanda, no triângulo Iemberém, Cadique e Cananime, na margem direita do Rio Cacine > Simpósio Internacional de Guiledje > Domingo, de manhã, 2 de Março de 2008 > Visita ao Acampamento Osvaldo Vieira (1)... O Nuno Rubim, com a esposa, Júlia, e um antigo guerrilheiro do PAIGC que lhe mostra umas fotos de aviões, de um velho recorte de um magazine...

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

O antigo guerrilheiro do PAIGC faz a sua prelecção sobre a organização militar no PAIGC, exibindo um artigo de um revista com fotos de alegados aviões da FAP...

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


Ó nosso homem... Segundo percebi, e se a memória me não falha, era mandinga, natural de Cacine... Estava em Conacri quando Cabral foi assassinado. Foi ferido em combate e terá estado na União Soviética....

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Acampamento Osvaldo Vieira, 2 de Março de 2008 > Pretensos restos de bombas de napalm, expostos num baga-baga, largadas pelas NT no Cantanhez...

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


Foto do Nuno Rubim, mostrando em mais pormenor os restos de bombas (de napalm ?) da nossa Força Aérea.

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Júlia e Nuno Rubim, excelentes companheiros desta maravilhosa jornada que eu e a Alice fizemos à Guiné e em especial à Região de Tombali, no âmbito do Simpósio Internacional de Guileje.... O casal fotografado por mim no Acampamento Osvaldo Silva.

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem de ontem, do nosso amigo e camarada Nuno Rubim, Cor Art ref, com duas comissões na Guiné (1965/66; 1972/74):

Caro Luís:

Hoje, 4 Abril, fui ao blogue e encontrei uma curiosa foto que tu tiraste: um antigo guerrilheiro com vária documentação ma mão (1).

Ora minutos depois dessa cena pedi-lhe que me mostrasse esse material. Ao mesmo tempo que mo entregava ia-me explicando que uma das imagens se referia aos aviões portugueses que atacavam a zona.

Qual não é o meu espanto quando ele me mostra um recorte de jornal (?) com ... a publicidade a um modelo de plástico de construção ! (ver foto, ao lado, de Nuno Rubim). Tratava-se do P-51D Mustang, um caça americano da 2ª Guerra Mundial !!!

Ora este tipo de aparelho, que Portugal nunca recebeu, era um caça monomotor ( considerado um dos melhores) que nada tem a ver nem com o Fiat G-91, nem com o T-6 !


Foi-me impossível na altura destrinçar este mistério! Tenho pensado sobre este assunto sem ter chegado a qualquer conclusão ... Ter-se-ia perdido o original, que de facto mostraria um dos dois tipos acima referidos e posteriormente alguém tratou de arranjar um substituto?

Há outro mistério que ficou sem resposta. No meio da clareira do acampamento estavam os restos de duas bombas de Napalm. (ver foto). Podiam, naturalmente, ter sido trazidos de outro local, e colocados nos montes de baga-baga, mas eu procedi a uma pequena escavação e notei que parte delas estava parcialmente embebida no terreno. Mas ~isto também pode ser um sinal dos tempos, numa zona onde há grande precipitação.

O facto é que, se as bombas caíram lá (ou onde quer que fosse), os estragos teriam sido consideráveis.

Também não tive tempo de aclarar o assunto.

Muita coisa ficou-me por averiguar! Teria sido necessário lá ter estado o dobro
ou o triplo do tempo que aquele que se verificou. Paciência (2) ...

Um abraço

Nuno Rubim

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 5 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2721: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (13): Visita ao Acampamento Osvaldo Vieira (I)
(2) Vd último poste desta série Fórum Guileje: 4 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2718: Fórum Guileje (11): Relembrando a velha Guileje do Zé Neto e do Eurico Corvacho, onde perdi 2 soldados em combate (Idálio Reis)

Guiné 63/74 - P2721: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (13): Visita ao Acampamento Osvaldo Vieira (I)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez , algures no sector de Bendanda, no triângulo Iemberém, Cadique e Cananime, na margem direita do Rio Cacine > Simpósio Internacional de Guiledje > Domingo, de manhã, 2 de Março de 2008 > Visita guiada e animada por antigos guerrilheiros e população local, ao Acampamento (Baraca) Osvaldo Vieira, outro dos momentos altos da nossa viagem à pátria de Cabral (1)...

Vídeo (2' 50''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Alojado em: You Tube >Nhabijoes





O Pepito, nosso anfitrião, aqui servindo de tradutor (do crioulo para o português)... Concentraram-se, neste antigo acampamento do exército do PAIGC, algumas centenas de pessoas, entre comitiva (partctpantes do Simpósio Internacional de Guileje) e população local...


Um antigo comandante (2) faz de cicerone... Com um brilhozinho nos olhos, fala das 3 fases da organização político-militar do PAIGG... Insiste em afirmar, perante os convidados estrangeiros, que aqui nunca se lutou com o povo português, mas sim contra o colonialismo de Salazar e de Caetano...


Um grupo de jovens, rapazes e raparigas, que cantaram o Hino da Guiné-Bissau no início da cerimónia (1)...

À entrada para o acampamento Osvaldo Vieira, junto a poucos quilómetros de Imberém, a sul... Na foto, a Alice com o antigo guerrilheiro Dauda Cassamá, sob o olhar do catalão Josep Sánchez Cervelló, professor universitário em Tarragona, especialista em história sobre o 25 de Abril e a descolonização portuguesa...


Osvaldo Máximo Vieira (1938-1974): Lápida funerária, na Fortaleza da Amura onde repousam os seus restos mortais, bem como de Pansau Na Isna, Titina Silá e Domingos Ramos, entre outros dirigentes do PAIGC, mortos em combate, além de Amílcar Cabral cuja memória ainda aqui, no Cantanhez, é venerada...


Osvaldo Vieira, de origem cabo-verdiana. foi dos que morreu justamente na recta final, a um mês do fim das hostilidades... O aeroporto internacional de Bissau ostenta o seu nome... Os antigos guerrilheiros do Cantanhez também quiseram dar a esta barraca (acampamento temporário) o seu nome... Segundo me dirá o Manecas, outro lendário combatente do PAIGC, o Osvaldo nunca terá andado muito pelo sul... Fico na dúvida se o nosso homem esteve realmente aqui, neste sítio... Mas, para o caso, também não interessa. Os seus antigos camaradas tentaram, de maneira didáctica, simples, autêntica, reconstruir as condições em que se vivia e lutava durante os difíceis tempos da luta de libertação... Não sei se alguma vez foi identificado, atacado e destruído pelas NT... Sabe-se que, desde 1966 até finais de 1972/princípios de 1973, as NT não ousaram penetrar, a pé, no Cantanhez. No final do consulado de Spínola, vai haver uma grande contra-ofensiva contra este santuário do PAIGC.


Um dos antigos combatentes da liberdade da pátria explica, em crioulo (com tradução para português, feita pelo Pepito) como é que os guerrilheiros do PAIGC se apoiavam em (e articulavam com) a população local...

Um grupo de antigos guerrilheiros encenaram a sua actuação no tempo da guerra... Ei-los aqui vestidos de caqui e gorro, e empenhando imitações de madeira da famigerada Kalashnikov... Pertenciam ao Exército, já na 3ª fase da luta...

Nalguns casos recorreu-se mesmo a restos de armas que ficaram por ali, como por exemplo o cano do temível LGFog RGP-7....

O grande terror dos guerrilheiros e da população do Cantanhez não eram os pára-quedistas, ou o helicanhão, mas sim os Fiat, os aviões a jacto da Força Aérea Portuguesa... O aparecimento dos mísseis terra-ar Strella vieram dar outra confiança e ânimo aos homens do PAIGC...

As mulheres da população local tiveram um papel fundamental do apoio de retaguarda: eram elas que iam à pesca buscar o mafé para os homens da guerrilha; eram elas que recolhiam a malga de arroz com que cada família contribuía, diariamente, para a alimentação dos guerrilheiros; eram elas que espiavam os movimentos suspeitos da PIDE, dos seus agentes, dos colaboraccionistas, do exército, etc.

Um grupo de mulheres, camufladas com folhas de arbustos, mostrando como se deviam agachar e esconder quando no céu se ouvia o baralho de aeronaves...

Os tempos hoje são outros... As populações do Cantanhez, e nomeadamente as que apoiaram abertamente a luta de libertação (os nalus e os balantas), parecem assumir o seu passado, com orgulho, com dignidade, sem arrogância....

Um antigo comandante da guerrilha conduziu-nos, a mim, ao Nuno Rubim e a esposa, ao longo de uma das linhas de fuga que partiam do centro do acampamento, em plena floresta do Cantanhez, até ao tarrafe... Fortemente apoiados pelos nalus e pelos balantas, o PAIGC movia-se como peixe dentro de água nesta floresta-galeria, um emaralhado de lianas e vegetação perene, com árvores de alto porte, centenárias, uma amostra ainda riquíssima do que resta das florestas primárias do planeta...

Paisagem de tarrafe...na maré vazia.

(Continua)

________

Notas de L.G.:


(1) Vd. os últimos postes desta série:

31 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2704: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (12): Que o Nhinte-Camatchol te proteja, Guiné-Bissau

29 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2695: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (11): Iemberém, uma luz ao fundo do túnel (I)


(2) Vd. poste de 24 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2478: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (9): Inimigos de ontem, amigos de hoje


sexta-feira, 4 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2720: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (26): Cartas de amor e de amizade

Guiné > Zona Leste > Bambadinca > Cuor > Gambiel > É a única ilustração que encontrei. Penso que a empresa não viveu muito mais. Soube da sua existência através da referência que lhe fez Teixeira da Mota no aerograma que me enviou em Fevereiro de 1970. A ilustração vem no artigo de Armando Cortesão, «A Guiné como colónia de comércio e plantação»,publicado no Boletim da Agência Geral das Colónias,nº37,1928. As belíssimas palmeiras de Samatra que vi no Gambiel pertenciam a esta Sociedade. Armando Cortesão viveu em Missirá.(BS)


O último aerograma que o Texeira da Mota me enviou da Guiné


Importância: Alta... Pronto, não me vais ver tão cedo!... Fui irresponsavelmente avisando a família e amigos que tinha uma reserva na TAP para 19 de Fevereiro,um ano depois de me ter sido aplicada a punição de 2 dias de prisão simples. Entretanto, houve mudança no RDM, de um ano passou a dois sem direito a férias. Foi com a maior amargura que expedi em Bambadinca este telegrama. A Cristina entrou em estado de choque. (BS)


Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.

Texto do Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), enviado em 16 de Janeiro de 2008:

Luís, eu nem acredito que cerca de metade do livro já esteja escrito. Começo agora a compreender perfeitamente porque é que os escritores são pessoas tão difíceis, ao ter que acarretar com o peso da ficção-realidade, da invenção-reinvenção, da fantasia disfarçada da sinceridade do autor. Tens aí praticamente todas as propostas de ilustração, agora vou ganhar coragem para falar da morte do Carlos Sampaio e daquele mês de Março em que andei do princípio ao fim à morteirada. Um abraço do Mário



Operação Macaréu à vista - II Parte > Episódio n.º XXVI: CARTAS DE UMA AMIZADE INQUEBRANTÁVEL

por Beja Santos

(i) De Bambadinca para a ponte de Udunduma

Este mês de Fevereiro [de 1970] tem sido de pura nomadização, vadiagem do Bambadincazinho para os Nhabijões, de Amedalai para Bricama, correio a Bafatá e depois um turno de quatro dias na ponte de Udunduma, fora os ameaços. Aqui, perdemos a paciência de viver no meio da espelunquice, com uma fila de arame farpado apodrecido, a simular que podia resistir a uma ofensiva vinda do Buruntoni e arredores.

Em conversa com o capitão Figueiras, assentou-se que iríamos em meados do mês para a ponte, e com um projecto de benfeitorias: uma nova fila de arame farpado, abrigos com cibes e uma cobertura de bidão reforçada com cimento, para substituir aquelas valas onde chafurdávamos à noite, aguardando uma flagelação estarrecedora. O delegado do batalhão de engenharia nem quis acreditar quando apareci com uma lista de sacos de cimento, chapas de bidão, tesouras corta-arame, pás, picaretas, resmoneou, alegando que tudo era insuficiente para os Nhabijões, de forma azeda dei-lhe a saber que ele viria connosco passar as noites na ponte para aprender, amansou e garantiu que os materiais e ferramental seriam cedidos na próxima semana.

A ponte de Udunduma, para quem comandava tropa africana, tinha uma outra questão transcendente que ultrapassava as noites passadas a afugentar os mosquitos: a comida a tempo e horas para soldados desarranchados. Não era aceitável que cada um dos soldados andasse com o seu saco de arroz às costas ou fizesse a sua fogueira, estas acabaram definitivamente quando vi um cunhete de granadas de bazuca a menos de um metro de uma fogueira. Após discussão, acordou-se que em determinadas horas do dia os familiares dos soldados entregavam ao motorista os respectivos farnéis, a que se juntava a comida oriunda de três messes e um conjunto razoável de vidro cheios de água potável (quem tivesse sujo do corpo, que usasse sabão e a água barrenta do rio Udunduma). Tal operação era precedida de uma lista de compras que incluía cervejas, laranjadas, tabaco e outros bens aceitáveis para aquele isolamento temporário. Não seria por acaso que muitas vezes acordava a trautear o tema do filme A ponte do rio Kwai.

No Udunduma, estávamos todos obrigados a uma vigilância permanente, pelo menos com duas secções. E com os pelotões de milícias de Amedalai, Taibatá e Demba Taco fazíamos patrulhamentos tendo como limite o rio Cuiana e Samba Silate, à procura de indícios da passagem do inimigo.

É um período que nos vai recordar os tempos áureos de Missirá: patrulhamentos a sério, obras e operações, tudo sem desfalecimento. Como foi.

Chegou o Cruz, que veio substituir o Alcino, então no Hospital Militar Principal a tratar de uma fractura no calcâneo. Trazia experiência na construção do quartel de Madina Mandinga, junto a Mansabá, revelou-se muito útil nas obras de Udunduma e um excelente operacional. Tanto o Domingos como o Benjamim aceitaram que podíamos aproveitar as horas paradas de Udunduma voltando aos livros escolares, através do Vacas de Carvalho apareceram livros, ardósias, tabuadas e algum papel. Mesmo com estes eventos triviais, não deixou de haver surpresas ou imprevistos que ia registando nos aerogramas para a Cristina. Assim, escrevo a 20 de Fevereiro:

“Fui anteontem finalmente informado que não tenho direito a férias. Mandei logo telegrama, pedindo-te para avisar todos que não contem comigo. Imagino a tua dor, podes imaginar o meu desapontamento. Estava a montar segurança à pista em Bambadinca, não havia médico em Pirada para fazer uma evacuação, vieram buscar o Vidal Saraiva, o piloto convidou-me a acompanhar o nosso médico, lá fui até este quartel junto da fronteira senegalesa. Foi uma experiência muito interessante. Pirada tem uma grande povoação, algumas casas de comerciantes e um quartel sólido. Enquanto o Vidal Saraiva trabalhava, beberiquei um uísque e conversei com os meus camaradas. Um deles perguntou-me: 'Vens cá almoçar com o Sr. Mário Soares?'. Apurei que o Sr. Mário Soares era um conceituado comerciante local que convidava toda a gente para a sua mesa, acho que o seu cabrito assado era lendário. Mas nada comi em Pirada, regressámos imediatamente a Bambadinca.Tu sabes que eu mexo em todos os papéis que vejo, descobri no meio de Flamas e Séculos Ilustrados velhíssimos um Vampiro Magazine, coisa estranha, era uma revista de 1951 com contos de Conan Doyle, Ellery Queen e Georges Simenon, o soldado da messe, vendo-me tão interessado disse para eu o levar, estava destinado a ir para o lixo. Peço-te que penses muito seriamente se não queres vir até Bissau e aqui casarmos.

"Chegou um sargento alentejano, o Cascalheira (de nome completo Manuel das Dores Tecedeiro Cascalheira) e agora, com o Pires e o Ocante tenho o rol completo dos sargentos. Como te disse, o Queirós recebeu um louvor e foi proposto para o prémio 'Governador da Guiné'. Penso que nos próximos dias vais receber a visita do Pires mandatado para te narrar tudo o que por aqui se tem passado. Não sei se já te escrevi a contar-te que a guerra se reacendeu na nossa região, ardeu uma importante tabanca no Enxalé e voltaram os ataques às embarcações civis perto do Xime. Para a semana tenho duas colunas ao Xitole e vamos refazer abrigos e um pequeno refeitório na ponte de Udunduma. Deixei completamente os Valium para dormir. D. Violete, a professora de quem já te falei, pediu-me para dar aulas de ginástica à miudagem, a ver vamos.

"Despeço-me, estamos a conferir todo o fardamento do pelotão, não tenho palavras para te pedir desculpa da confusão que eu fiz sobre a leitura do Regulamento da Disciplina Militar, pensava que um ano após a punição de 19 de Fevereiro de 1968 me dava a possibilidade de gozar férias no ano seguinte. O próprio tenente Pinheiro, chefe de secretaria, desconhecia a alteração de 12 para 24 meses para todos os militares punidos com prisão simples. Entende-se por licença excepcional o caso de nascimento de filhos ou falecimento de pais, os casamentos não contam. Não te esqueças de ir visitar o Jolá, o Fodé e o Paulo, dá-lhes um pouco de ternura e companhia. Nunca li com tanto entusiasmo e não percebo como é que aqui se encontram todos os livros que são apreendidos pela censura, aí. Na última vez que estive em Bafatá comprei 'Católicos e Política' do Padre Felicidade Alves e 'Para onde vai a economia portuguesa?', de Francisco Pereira de Moura. Reli o Marc Bloch e confesso-te que o meu amor às ciências históricas rivaliza com aquele que eu te dedico. Muitos beijinhos para a minha senhora dona”.



(ii) Uma lindíssima carta de Ruy Cinatti

Quinze dias antes, enviara-lhe uma longa carta, um pouco desconchavada, por sinal, falando-lhe do feitiço guineense, dando-lhe conta de que tinha lido sobre o padre Marcelino de Marques Barros, os artigos de Teixeira da Mota no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, a descrição de tabancas no Badora e no Cossé, falei-lhe de Abdul Injai, o triunfador que depois foi desterrado, descrevi as conversas com a D. Violete e a islamização na Guiné Portugesa.

A resposta foi calorosa, e pela primeira vez falou-me de Ossobó. Cinatti tinha feito um cruzeiro por várias colónias, creio que em 1935, ficara impressionado com São Tomé. Ia agora publicar uma nova edição do seu conto “Ossobó”, que tivera a sua primeira publicação na revista O Mundo Português, em Junho de 1936. Ossobó é um conto soberbo, cheio de cor, sonoridades e aromas:

“Pousado num ramo da acácia, Ossobó canta e alisa as penas do peito com o bico humedecido... Por momentos, qualquer coisa o atrai lá abaixo, no chão e rápido desce, pousando sobre a macia cama de folhas secas ali acomodadas há tanto tempo... Um raio de sol conseguiu atravessar, antes dos outros, a ramaria alta das amoreiras, e espelha a água depositada no limbo das folhas. Com os pés mergulhados, Ossobó alonga o pescoço e sorve com o bico uma das pequenas gotas transparentes... Amanhece dentro da floresta. Um denso nevoeiro a subir do chão e da torrente ainda envolve o espaço. Tudo reanima do torpor da noite. As sensitivas intumescem, abrem devagar as suas folhas, e as flores do paul lírio lançam baforadas de perfume... Os bicos de lacre pararam de brincar e olham inquietos qualquer coisa que se move e que em filas tortuosas vem a subir pelas pedras roliças das margens. Eles lembram-se das cobras traiçoeiras, que, em noites escura, os vêm surpreender no sono, mas o periquito depressa os pacifica... Ossobó olha os vapores que se escondem cada vez mais nos cipós entrelaçados. Por causa deles é que o sol manda daquela maneira os seus raios, e a toalha de água que se despenha das rochas parece uma placa dourada de metal... Ossobó desdenha dos avisos dos celestes. Não é ele quem canta melhor no obó? O próprio periquito dissera que os homens lhe chamavam o rouxinol da ilha. Despreocupado, perscruta por entre as folhas e depois saltita atraído pelo vermelho de um insecto que zumbe mais embaixo. Ossobó continua no seu canto triste e suplicante; meneia a cabeça em direcções opostas, e os seus olhos pequeninos não se desviam de um tronco meio apodrecido que ali estava. O silêncio é enorme quando um silvo cortante talha o ar. Por detrás do tronco surge a cobra negra com as estrias vermelhas na cabeça e os dois dentes curvos saindo da bocarra. Rastejando, o seu corpo manchado amarelo descreve longos ss em direcção a Ossobó, mas este só sente dois pontos brilhantes que cada vez mais se aproximam e entram pelos olhos dentro”.

A carta que me manda é muito bela, pergunta-me se ainda estou na Guiné ou se já estou em Lisboa, quando é que eu parto para um sitio militarmente menos perigoso, agradece as fotografias que lhe mandei e fala-me na actividade do Almeida Faria, que lhe anda a corrigir alguns textos, anuncia que vão seguir por via marítima mais livros de Ramos Rosa e René Char.

Talvez devido a Ossobó, e ao tom impetuoso e terno da sua carta, respondo-lhe com o que tinha aprendido sobre a guerra santa dos fulas e dos mandingas, da nova conversa com D. Violete em que falámos de hienas, onças, gazelas e búfalos, na falta de caça grossa, no desaparecimento dos elefantes e dos leões, nas lembranças que guardava das onças e dos pequenos antílopes, das garças e das galinhas azuis que tantas vezes vira nas bolanhas e lalas entre Gambana e Saliquinhé. E sempre com o meu jeito em ensarilhar contactos, perguntei-lhe se podia ajudar o Padre Fazenda, que insistia em saber mais sobre a presença dos jesuítas em Cabo Verde e na Guiné, perguntei-lhe se tinha “O Mundo Português”, onde Fernão Guerreiro publicara a história das missões dos jesuítas na Guiné. Revelo-lhe a verdade sobre a impossibilidade de ir fazer férias a Portugal e despeço-me cheio de saudades.

(iii) Carta de Teixeira da Mota, mais achas para os mistérios guineenses

É a remexer nos livros que descubro um aerograma de Teixeira da Mota, datado de Agosto de 1969, onde ele fala do nosso encontro em Bissau quando eu fui ao julgamento de Ieró Djaló. É a primeira e única vez em que ele fala de assuntos militares:

“Aquele navio onde esteve e viu sair subrepticiamente no silêncio e na escuridão lá levou os fuzos para Porto Gole de onde no dia seguinte foram largados de heli no Poidom e Darsalame Baio, onde destruíram vários acampamentos sem avistar viv’alma (os helis espantam as gentes, e os turras não se afoitam a fazer emboscadas com medo de ser emboscados do ar)”.

Depois refere as suas investigações mais recentes:

“Continuo na pista dos sónós (creio que lhe falei desses antigos irãs metálicos dos beafadas e mandingas bebedores), mas não há maneira de pôr a vista em nenhum. Quando cá voltar, mostrar-lhe-ei fotos de alguns que localizei nos outros tempos; por aí também os deve ter havido, pois foi chão de beafadas”.

Aproveito a deixa para lhe escrever e pedir mais informações. Tal como fiz com o Cinatti, perguntei-lhe se podia ajudar o Padre Fazenda e o seu interesse nas missões de jesuítas na Guiné. Disse-lhe depois que soubera da existência de uma sociedade agrícola que funcionou no Gambiel, perguntei-lhe que sociedade fora aquela, se tinha a ver com Armando Cortesão. Por último, li informações sobre Galona, um régulo beafada que recebera em Setembro de 1893, por parte das autoridades de Bolama, uma pensão de 15000 réis mensais por ter ajudado a combater os rebeldes do Geba capitaneados por Mussá Molô. Ora, dizia-se no despacho da pensão que Galona vivia em Sambel-Nhanta, que a professora Violete dizia ser Caranquecunda, no Cuor. Começava a ganhar consciência de que esta correspondência me era benéfica para esquecer as durezas da guerra, mas inquietava-me usar o meu isolamento e a distância para atormentar amigos com questões que diziam só praticamente respeito aos meus enigmas guineenses. Felizmente que fui levado a sério, tão a sério como a documentação que vim a receber ou, mais tarde, andei a catar, em nome da história dos Soncó e do chão de beafadas ondes eles exerceram o seu poder.

(iv) Carta de Carlos Sampaio

Chegaram hoje dois aerogramas seus, uma caligrafia sempre aprumada, escritos com tinta verde. Carlos descreve-me as últimas operações mas no essencial olha o futuro e o nosso projecto profissional comum. Continua a sonhar com uma reforma profunda da Livraria Sampedro, onde os dois seremos importantes. Regresso a Bambadinca, estes dois aerogramas ficam em cima da minha mesa, vou responder em breve. Desgraçadamente para mim, nunca mais escreverei para aquele SPM em Moçambique. Dentro de dias, chegará uma “carta-bomba” que irá desfazer estes sonhos que alimento todos os dias, a pensar numa profissão estimulante, a par do meu casamento e dos meus estudos. O destino trocou-me as voltas. Já estou a aprender que a guerra me deu muito mas roubou-me mais.

Os mortos podem voltar, de Howard Philips Lovecraft. Uma capa espantosa de Cândido da Costa Pinto para o nº 103 da Colecção Vampiro, tradução de Silas Cerqueira. Não é livro policial, nem cabe na classificação de literatura de mistério. Lovecraft distinguiu-se pela procura de temáticas à volta do sobrenatural, o horror, o conhecimento maldito ou proíbido. É um romance muito bem estruturado em torno de uma transmigração, com descrições espantosas de demonismo. Não se percebe como não conhece reedições regulares. (BS)

(v) As minhas leituras do outro mundo

Leitura de substância passou por Os mortos podem voltar, um livro de culto de H.P. Lovecraft, que nada tem a ver com literatura policial mas a Colecção Vampiro fez bem em dá-lo a conhecer aos leitores policiais. Lovecraft era para mim um escritor do horror, do gótico e dos conhecimentos impuros.

Este livro fala-nos da transmigração de Charles Dexter Ward, afinal Joseph Curwen. Tudo começa muito antes da independência norte-americana, em Providence. Lovecraft exibe segura e profusa cultura desde o cabalismo à demonologia, tudo quanto o que é conhecimento obscuro, proibido pelas principais religiões e envolvendo o esforço de alcançar a imortalidade é aqui referido. Este livro é uma descida aos infernos e a descrição do Dr. Willett nas catacumbas da casa de Charles Ward/Joseph Curwen é digna de constar em qualquer antologia da vinda de Satanás à terra. A capa de Cândido da Costa Pinto é simplesmente notável.

Capa de O Túmulo Etrusco, de Jacques MartinComprei-o na Casa Taufik Saad, uma verdadeira caverna de Ali Babá. Considero-o uma das obras primas de Jacques Martin, pelo rigor do desenho, um colorido espantoso, uma reconstituição histórica sem mácula. Alix é amigo de Octávio, sobrinho de César, e como sempre vivemos naquela extraordinária época do Império Romano em que se confrontam homens tão poderosos como César, Pompeu e Crasso. Uma águia anuncia um prodígio da Júpiter, que deposita um pão ao pé de Octávio, augúrio sublime. Depois descobrimos que há uma horda terrorista que tenta reconstituir o reino etrusco. Jacques Martin não é Hergê nem Edgar Jacobs, mas prestou revelantíssimos à BD e deu-me muita alegria na Guiné.


E li O Túmulo Etrusco de Jacques Martin o criador de Alix, esse gaulês romanizado que assiste às grandiosas transformações do Império Romano , no tempo do triunvirato César, Pompeu e Crasso. Alix viaja na companhia de Octávio, o sobrinho de César, assiste ao anúncio prodigioso feito por uma águia de que Octávio está fadado para ser o senhor do mundo. Entretanto revela-se o banditismo do grupo etrusco que sonha com a separação deste povo dos romanos. Os maus serão punidos, Alix vencerá uma corrida de quadrigas, do tipo Ben-Hur. Jacques Martin não é Hergé, mas prestou revelantíssimos serviços à BD, pelo traço, pelo escrúpulo das constituições, pela riqueza do colorido.

Vampiro Magazine foi a mais prestigiada publicação que tivemos,no tocante ao conto policial.Era da responsabilidade de Vitor Palla,tinha capa e vinhetas de Cândido da Costa Pinto,foi aqui que se deu conhecimento aos interessados que existiam Frank Gruber, William Irish, Margery Allingham,Nicholas Blake,nomes sonantes para qualquer leitor policial.Como, demonstradamente, viver na guerra não é muito diferente que viver em paz, deram-me este número em Pirada,quando acompanhei o médico do batalhão, Vidal saraiva, que ali foi chamadao de urgência para fazer uma evacuação.Folheava este Vampiro Magazine enquanto olhava para a fronteira com o Senegal...

E portanto estamos a viver os últimos dias de Fevereiro, trabalha-se afincadamente na ponte de Udunduma, estou ansioso de voltar a ligar à Cristina nos correios de Bambadinca. No dia em que regresso sou chamado ao major Sampaio e recebo a notícia de que devo preparar e comandar a [Op] Rinoceronte Temível. Em todo o mês de Março andarei a ferro e fogo, como nunca acontecera anteriormente. E o ponto culminante será a [Op] Tigre Vadio, a mais sangrenta de todas as minhas operações.
_________

Nota dos editores:
(1) Vd. último poste, desta série: 28 de Março de 2008> Guiné 63/74 - P2693: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos (25): A festa do meu casamento, 7 de Fevereiro de 1970

Guiné 63/74 - P2719: Guidaje, Maio de 1973: Só na bolanha de Cufeu, contámos 15 cadáveres de camaradas nossos (Amílcar Mendes)

1. Texto enviado pelo Amílcar Mendes , com data de 22 de Março. O A. Mendes foi 1º Cabo Comando, tendo pertencido à 38ª CCmds (Guiné, 1972/74). Esteve no Regimento de Comandos da Amadora até 1980. Hoje tem um táxi na Praça de Lisboa. Há tempos confidenciou-nos: "Enquanto estive na Guiné fui escrevendo uma espécie de diário que, com muito gosto, irei aqui partilhar com toda a tertúlia, porque sei que muito do que escrevi apenas fará sentido para aqueles que trilharam os mesmos caminhos nesses longínquos, difíceis e já saudosos anos" (1).

Amigo Luis Graça e restantes membros da tertúlia:

Sobre o mail enviado por A. Marque Lopes (2) gostaria de deixar no ar uma questão e uma pergunta que já há tempo me incomoda e que tem a ver com o levantamento dos corpos dos camaradas que ficaram enterrados na zona de Guidaje.

Falei há poucos dias com camaradas da minha Companhia que estiveram comigo no período quente de Guidaje e também eles se interrogam sobre o mesmo. Se quem deu as ordens sobre o deixar corpos no terreno, nem ele sabe quem os enterrou ou onde, se quem o fez nunca o revelou, expliquem-me por favor, e só falo de alguns corpos, como é que quem lá anda a fazer o trabalho de levantamento de corpos adivinhou a localização de alguns? É bruxo ? Onde existe um documento a explicar detalhadamente onde foram enterrados alguns corpos de militares que morreram na picada de Guidaje, mais propriamente na zona do Cufeu?

O camarada pára-quedista que aqui há tempo falou nos corpos dos páras que lá ficaram, só falou do que sabia. Porque ninguém fala do que não sabe. CORRECTO? Eu apenas me refiro ao tempo em que tive intervenção directa nos acontecimentos que ainda hoje me pertubam.

Já aqui falei sobre Guidaje e volto a afirmar o que disse:

A 38ª Companhia de Comandos foi a primeira, volto a dizer, foi a PRIMEIRA força de combate a romper o cerco a Guidaje e pagámos bem caro por isso. Agora o seguinte: QUANDO OS FUZILEIROS E PÁRA-QUEDISTAS PASSARAM, JÁ NÓS LÁ ESTÁVAMOS! JA NÓS TINHAMOS PASSADO NA BOLANHA DO CUFEU ONDE AI CONTÁMOS CERCA DE 15 (DIGO CERCA DE QUINZE) corpos.

Apenas pretendo dizer que houve acontecimentos a que só 2 grupos de combate da 38ª CCmds assistiu! Percebido? Expliquem-me agora como é que generais, ligas, grupos, jornalistas etc... falam de corpos, mortos e levantados, quando nem sequer sabem uma parte do que aconteceu?

Amigo Luis, sou um pobre dum ex-combatente que cada vez percebe menos como há tanta gente hoje que fala do que nem por sombra sabe! E refiro-me a muita coisa!

Um abraço a toda a tertúlia!

PS - Por favor não me questionem, esclareçam-me apenas, se puderem.

2. Comentário de L.G.:

Meu caro Amílcar: Tens andado desenfiado, mas eu não te vou perguntar porquê nem muito menos censurar-te... A nossa Tabanca Grande não tem portas nem janelas, que é para isso mesmo, para um gajo poder sair de vez em quando, dar uma volta, apanhar ar, sem necessidade de pedir licença a ninguém...

Soube notícias tuas, há umas semanas: fizeste um serviço de ou para a Escola Nacional de Saúde Pública, sendo o passageiro um colega meu com quem entabulaste conversa e falaste do nosso blogue... Na volta, ele mandou-me as tuas calorosas saudações. Obrigado. Agora já sabes onde eu trabalho...

Deixa-me só dizer-te que continuamos a aguardar... a continuação dos teus Diários de um Comando: Gampará (Agosto-Dezembro de 1972)... Se bem te recordas, acabámos só por publicar dois textos... Prometias em 24 de Junho de 2007 um terceiro que nunca cheguei a receber ("Amigo Luís Graça: Assim que puder vou-te mandar a continuação do diário - III parte") (4)...

Sei que andar de táxi, em Lisboa, a ganhar a vida não é fácil... Ganhar a vida, que raio de expressão! E alguns até a perdem, ao tentar ganhá-la... Sei que nem sempre gostas da(s) companhia(s) ... Mas, olha, vamos gerindo o espaço, como podemos e sabemos... No dia 17 de Maio, fazemos fazer mais um encontro nacional: em Monte Real, Leiria... Se quiseres e puderes aparecer, se te der jeito, lá estaremos, os camaradas da Guiné (mais os amigos).... Poderás ouvir em estreia mundial o Fado da Guiné, cantado pelo Joaquim Mexia Alves... Um Alfa Bravo. Luís
__________

Notas de L. G.:

(1) Vd. postes do A. Mendes:

2 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXV: Apresenta-se o 1º Cabo Comando Mendes (38ª CCmds, 1972/74)

27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1123: Um espectáculo macabro na bolanha de Cufeu, em 1973 (A. Mendes, 38ª Companhia de Comandos)

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1199: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (1): Sete anos de serviço

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1200: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (2): Um dia de Natal na mata de Caboiana-Churo )

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1201: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (3): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (I parte)

23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)

23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1205: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (5): uma noite, nas valas de Guidaje

24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1207: Guidaje, Maio/Junho de 1973: a 38ª CCmds, na História da Unidade (A. Mendes)

24 de Outubro de 006 > Guiné 63/74 - P1210: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (6): Guidaje ? Nunca mais!...

30 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1223: Soldado Comando Raimundo, natural da Chamusca, morto em Guidaje: Presente! (A. Mendes, 38ª CCmds)

15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1280: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (7): Um tiro de misericórdia em Caboiana

9 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1827: Convívios (14): 38ª Companhia de Comandos, Pínzio, Vilar Formoso, 9 de Junho de 2007 (A. Mendes)
(2) E-mail que circulou só internamente, entre o pessoal da tertúlia, com data de 19 de Março de 2008, reproduzindo uma notícia da Lusa:
(...) "Guiné-Bissau: Próxima missão de exumação de restos mortais de militares portugueses será em Farim

Bissau, 19 Mar (Lusa) - O vice-presidente da Liga dos Combatentes de Portugal disse hoje à Agência Lusa que a exumação de restos mortais de ex-combatentes portugueses mortos na Guiné-Bissau vai continuar e que a próxima missão será em Farim" (...).

(3) Vd. postes de:

7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1930: Diários de um Comando: Gampará (Ago-Dez 1972) (A. Mendes) (1): Um sítio desolador

16 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1956: Diários de um Comando: Gampará (Ago-Dez 1972) (A. Mendes) (2): Passa-se fome, muita fome

Guiné 63/74 - P2718: Fórum Guileje (11): Relembrando a velha Guileje do Zé Neto e do Eurico Corvacho, onde perdi 2 soldados em combate (Idálio Reis)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > A capela do aquartelamento, assinalando-se, a vermelho, a lápide que estava afixada na parede exterior, e que vinha lembrar que Guileje era uma terra de fé e de coragem (1). Fotos do saudoso Cap Ref José Neto (1929-2007).

Fotos: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007) / © AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados.



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Antigo aquartelamento de Guileje > Simpósio Internacional de Guileje > Visita ao sul > 1 de Março de 2008 > O que resta da capela, erigida pelos homens da CART 1613 (Junho de 1967/Maio de 1968), a companhia do Zé Neto e do Eurico Corvacho, dois nomes aqui justamente evocados pelo Idálio Reis. A lápide que foi encontrada, em 2005, sob os escombros do antigo aquartelamento, pertencia à capelinha. Nela havia/havia os seguintes dizeres, gravados:

"A Ti, Deus Único E Senhor / Da Terra, Oferecemos Estas / Gotas De Suor Que Nos / Sobrararam da Luta Pela / Tua Palavra Eterna. /Soldados da C.A.R.T. 1613".

Sabemos, pelo depoimento do nosso saudoso camarada Zé Neto, que a placa da Capela foi feita em cimento forte, que a dedicatória era da sua autoria e que a inscrição em baixo-relevo foi obra do Furriel Miliciano de Transmissões Maurício Mota de Almeida, natural de Fornos de Algodres, radicado há muito nos EUA (Veio de propósito a Portugal para estar presente no Almoço/Convívio da CART 1613 que teve lugar em Braga no dia 3 de Junho de 2005) (1).


1. Mensagem do Idálio Reis, com data de 15 de Março:

Meus caros Luís, Vinhal e Virgínio.

Aquando do Simpósio [Internacional de Guiledje] e da passagem [dos participantes ] por Ponte Balana e Gandembel, julguei que a efeméride merecia um singelo 'escrito´da minha parte. Porque o mesmo não foi publicado, considero que será melhor fazê-lo reenviar.

Um abraço do Idálio Reis


Assunto - Simpósio de Guileje

Um singelo e gratificante contributo para os que se lembraram da minha pessoa e dos que comigo partilharam aqueles intensos dias de Gandembel/Ponte Balana.
Um bem-haja do Idálio Reis.



Fórum Guileje (2): Vou dispor de um cantinho em Guileje, para que um antigo combatente, no calcorreio dos seus chãos de outrora, escute e olhe para relembrar. Das crónicas do Luís Graça e de depoimentos pessoais de alguns companheiros, fico imensamente feliz ao constatar que o Simpósio de Guiledje mostrou ser, reconhecidamente, um marco importante na história soberana do povo irmão da jovem Guiné-Bissau.

Em zona onde a guerra travada pelos 2 contendores, arrostada em constante e acirrada premência, quanto cruel e pungente, que os testemunhos dos que nela se viram coagidos a participar não enganam, sentir forças-vivas de um pobre país, passadas mais de três décadas, a organizarem um ponto de encontro de sublime transcendência, é nobre feito por quem o ousa suplantar, dadas as características do seu reconhecimento e que só a singularidade patenteia.

Não se julgue, contudo, que o contexto desta realização não tenha um cunho de cariz político. Procurou-se que o acontecimento extravasasse as fronteiras, e eis que felicito veementemente o editor deste Blogue, ao estar desde sempre mancomunado com a sua organização.

Mas é insofismável que a Guiné-Bissau dá mostras que deseja estar com os seus combatentes, mesmo que nós tenhamos de reconhecer a sua negra sombra pelo estigma do morticínio dos que serviram o exército colonial a seguir à independência.

Quem viveu naquelas paragens do Sul do País, tem de reconhecer que só uma força militar forte, organizada e disciplinada, consiga gizar uma estratégia de ímpar sucesso, comandado por um guerrilheiro de estirpe, mas sem nome, pois que os sucessos obtidos foram partilhados por um povo em armas, através do seu braço armado: o PAIGC. E esta frente militar, teve efectivamente um líder de enorme estatura, Amílcar Cabral, com a sua figura de relevo a prevalecer no Simpósio.

Ao invés, todos somos capazes de reconhecer que os nossos estados-maiores sitiados em Bissau procuraram escamotear uma grande fracção dos factos militares ocorridos no CTIG.

No 1º ano da comissão, em 1968, a minha Companhia [ a CCAÇ 2317,] esteve muito certamente num dos piores locais da Guiné. Todavia, quem for ao Arquivo Histórico Militar e compulsar o seu historial, peremptoriamente nega tal asseveração.

A guerra que travámos, está repleta de desastres fatídicos que ineptos ou obstinados não quiseram ou souberam antever. Muitos e muitos, fomos servos numa guerra impiedosa, porque dependentes de alguns suseranos sem valia.

Mesmo nesta era pós-25 de Abril, ingloriamente sentimo-nos cada vez mais frustrados, pois o nosso protesto já esmorece, parecendo que o bafiento “a bem da Nação” ficou a perdurar. A estrutura militar que prevaleceu, pareceu arredar os melhores, e em pouco se alterou. Honras às poucas excepções que ainda vigoram.

Mas deixem-me regressar atrás 40 anos precisos, à velha Guileje do Zé Neto e do Eurico Corvacho, por onde passei alguns dias e impiedosamente perdi 2 soldados em combate. Hoje, na pujante mata do Cantanhez, foi reabilitado um aldeamento indígena e do desenrolar da sua implementação não é esquecido o soldado do exército colonizador, a quem lhe é atribuído um dos seus cantinhos.

Sem vencedores ou vencidos, o povo guinéu abre os seus corações, para nos receber fraternalmente, em franco e são convívio, numa amplexo aberto e carinhoso. Há mesmo um só vitorioso: a vida em liberdade.

Era pois previsível que o Simpósio de Guileje iria ter um retumbante sucesso. Lamentavelmente, sinto um profundo vazio por não poder estar presente, tanto mais que um numeroso grupo de companheiros tiveram a possibilidade de percorrer as minhas pisadas de outrora.

A passagem para o outro lado do inebriante rio Balana foi entusiasmante, que julgo estar inserida quase no mesmo local que então atravessávamos. Os vestígios do destacamento de Ponte Balana vão-se transformando em poalha, porquanto a força da mãe-natureza assim o determinou.

E fez-se uma primeira pausa, e o Luís fez uma douta descrição, que o meu SPM 4738 registou com enlevo. Porém, a fotografia das lavadeiras no Balana causou-me uma incontida estupefacção, e absorto fitei-a e um há um comovido encantamento que trespassa.

Luís, agora o remanso das águas rumorejantes do Balana, com a presença resplandecente daquelas mulheres que de todo não existiam, tornar-se-á mais refulgente. Esta suavidade cândida e doce, é o maior sinal da conciliação, o sinal de paz atingido no seu zénite.

Gandembel, em ruínas, também lá está, já sem o eco das canhoadas ou das morteiradas, que a letra do hino superiormente recriado pelos Furkuntunda tinha traduzido em alegria africana.

Mas na minha (nossa) taciturna Gandembel, fustigada em tão pouco tempo, cansou e parece adormecida num sono lânguido e profundo. Talvez haja ainda por lá, ecos abafados de passos incertos a vaguear…

José Teixeira, que a planta que lá deixaste, cresça, se revigore e perdure. O teu generoso gesto e a bela e brilhante mensagem que proferiste, tocaram-me profundamente (sou um piegas, sabes!), e prometo-te que vai ser difundida por aquela plêiade de homens que já tiveste o ensejo de conhecer.

Mas sobre Gandembel, tenho um pedido feito ao Pepito, que gostaria de ver concretizado: o de juntar ao acervo do Núcleo Museológico de Guileje, um dos pilares metálicos das casernas-abrigo e a lápide de betão com o emblema da Companhia. Seria um parco contributo do espólio da CCaç 2317, como forma de perpetuar a memória de todos os que por aquele lugar, batalhando, tombaram para sempre. De ambas as partes beligerantes, foram muitos seguramente, mais do que tomámos conhecimento.


E ao terminar, apenas um breve comentário.

Poderá haver divergências quanto ao papel que coube à Tabanca Grande a este Simpósio. Julgo que até é positivo haver uma ou outra dissonância, sinal maior da enorme abrangência da nossa Tertúlia.

No cômputo geral de toda a guerra, aérea, terrestre e naval, fomos sempre demasiado poucos e com exíguos meios à disposição, mesmo com o território a apresentar frentes de batalha com algumas diferenciações.

Todos desempenhámos uma acção que nos enobrece, com os múltiplos riscos que lhe eram obviamente inerentes. Mas a odisseia de Guileje, e o Simpósio veio demonstrar isso, conduz-nos mais uma vez à mesma triste conclusão: fomos vítimas de uma guerra escusada.

A toda a Tertúlia, mas muito em especial aos que participaram no Simpósio, um caloroso abraço do Idálio Reis.

________

Notas de L.G.:

(1) Vd. postes de:

14 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXVII: Guileje, terra de fé e de coragem (Luís Graça)

3 de Fevereiro de 2006> Guiné 63/74 - CDXCVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto)(5): ecumenismo e festa do fanado


(2) Vd. últimpo poste desta série: 25 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2679: Fórum Guileje (10): Não ao endeusamento do PAIGC e ao apoucamento das Forças Armadas Portugueses (Joaquim Mexia Alves)

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2717: Exército Português: Manual do Oficial Miliciano (1): A Selva, perigos, demónios e manhas (A. Marques Lopes)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez , algures entre Iemberém e Cananime, na margem direita do Rio Cacine > Simpósio Internacional de Guiledje > 2 de Março de 2008 > Visita, da parte da manhã, ao Acampamanto (Baraca) Osvaldo Vieira... O típico tarrafe (ou mangal) da Guiné, que nos infernalizava a vida, em patrulhamentos junto aos cursos de água... Nas fotos pode ver-se um das escapatórias dos guerrilheiros, em caso de ataque... Havia também pirogas, camufladas, que permitiam também a fuga organizada...

Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


Cópia do Manual do Oficial Miliciano de que o A. Marques Lopes nos mandou uns excertos, como sugestão de leitura... natalícia. Edição do Ministério do Exército (!), Estado Maior do Exército, Rep Instrução... Não deixa de ser irónico: este manual do oficial miliciano foi um presente envenenado para muitos jovens portugueses que passaram pelo TO da Guiné e das outras frentes de guerra, com responsabilidades de comando de homens, mal preparados e mal equipados para uma guerra de contraguerrilha num meio - físico, simbólico e cultural - hostil para qualquer europeu... Basta só reparar num pormenor (hilariante) deste manual: o equipamento com que se partia inicialmente para o TO da Guiné (e antes disso Angola, e depois Moçambique) incluía o capacete de aço... Há, na nossa tertúlia, gente desse tempo... Mas também podíamos falar na total inadequação das nossas rações de combate, de grande parte do nosso armamento, etc. Tudo indica que este manual, editado em 1965, seja uma tradução, apressada e manhosa, de algum manual da infantaria americana da II Guerra Mundial... (LG)

Foto: ©
A. Marques Lopes (2008). Direitos reservados


1. Texto enviado pelo A. Marques Lopes, com data de 11 de dezembro de 2007, como sugestão de leitura para a época natalícia...

Caros camaradas

Envio-vos o que vem no Manual do Oficial Miliciano, no seu 1.º Volume, Parte Geral, sobre o 'Combate na Selva'. Foi escrito em 1965 e foi-me dado quando estive no COM (Curso de Oficiais Milicianos) em 1966. Este texto vem nas páginas 300 a 331 desse volume. Dá para ler nas férias de Natal... A. Marques Lopes


CAPÍTULO VII > O COMBATE NA SELVA

146. A GUERRA NA SELVA

a) Considerações gerais:

O termo «selva» a que nos queremos referir é aquela zona de terreno com densa vegetação tropical, com arbustos, árvores acácias, trepadeiras e fetos gigantes que se estende desde as praias e desde as baixas regiões das montanhas até aos cumes.

A vegetação varia em densidade de acordo com a quantidade de luz de sol que penetra através do emaranhado dos ramos das árvores. Nos locais onde a vegetação é espessa, a progressão é excessivamente vagarosa e laboriosa; em muitos casos as colunas de tropas estarão em grande perigo de serem atacadas de flanco ou isoladas e cercadas, pois somente cortando o mato com enorme dificuldade se consegue abrir um caminho.

Cursos de água, quer correndo à superfície quer encaixados, gargantas apertadas e ravinas estreitas, aumentam dificuldades àquelas que a selva já por si apresenta. Em terrenos montanhosos, ribeiros que têm normalmente pequeno volume de água podem tornar-se torrentes perigosas dentro de uma hora, depois de uma chuva abundante.

O terreno é quente e húmido e caracterizado por mudanças bruscas. Num período de alguns minutos o tempo claro e quente pode tornar-se numa chuva torrencial. Com igual rapidez a chuva pode cessar e o sol, incidindo na massa espessa da vegetação, produzirá uma humidade relativa máxima.

A vida desenvolve-se num ambiente de calor e humidade. O perigo dos animais ferozes que existem na selva é em grande parte uma criação da imaginação. Os animais são bastante abundantes nuns lugares e raros noutros, mas mesmo quando são abundantes, só raramente são vistos pelo homem. Muitos animais têm medo natural do homem e o seu instinto de conservação obriga-os a manterem-se escondidos. As cobras pouco se vêem na selva, embora possam ser abundantes. As cobras venenosas, embora muitas vezes não representem uma ameaça fatal, implicam a necessidade de precauções especiais.

Nalgumas regiões, os crocodilos são uma ameaça e habitam nos pântanos, lagoas, rios e ainda nas praias próximas da foz dos rios.

A importância militar da vida animal reside no facto de o movimento rápido de animais e aves poder alertar os exploradores, indicando-lhes a presença do homem. A identificação apropriada das plantas e animais é de um valor incalculável para as unidades e indivíduos que tenham os seus abastecimentos cortados e estejam na dependência das plantas e aniais que possam apanhar para a sua alimentação. Contudo é tão difícil entrar dentro da distância de tiro dos animais da selva que é melhor não contar com a caça como meio de obter alimentos; os frutos carnudos e as plantas são mais fáceis de obter.

Na guerra, na selva, o soldado combate dois Inimigos: o homem e a natureza. O soldado deve ser instruído não só para combater na selva, mas para ser capaz de viver nela e de a aproveitar no combate. A selva é todavia bastante exigente.

Se um indivíduo não se adaptar às condições que ela impõe não será capaz de viver nela muito tempo, mesmo que não exista mimigo humano.

b) Factores característicos da selva:

(1) Visão limitada

A visão é limitadíssima, resultando daí um limitado campo de tiro e alvos que desaparecem rapidamente—aspectos que têm as seguintes consequências:

(a) O constante uso de vários tipos de armas portáteis (a espingarda, a baioneta, a pistola, a pistola-metralhadora, a granada e o lança-chamas) pelo que o combatente deve estar apto a manejar todas igualmente e no momento mais apropriado, devendo sobretudo ser intenso o treino de granada de mão, em virtude de seu notável emprego.

(b) Falta de apoio das armas pesadas e muitas vezes tam bém dos morteiros, devido à dificuldade de observação.

(c) Dificuldades de sinalização à vista, de qualquer tipo, e consequentemente necessidade de nos servirmos do telefone, telefonia sem fios e dos estafetas para fins de intercomunicação.

(d) Necessidade de tomar especiais precauções .contra a surpresa numa emboscada ou várias formas de assalto imprevisto. Quer no ataque, na defensiva, ou na marcha, para qualquer lado que se "caminhe, há flancos descobertos que se podem atingir por caminhos perfeitamente cobertos ou cuja aproximação pode ser obtida a coberto, sofrendo no entanto, como é óbvio, o inimigo as mesmas dificuldades.

(e) Facilidade de envolvimento e infiltração, com notável vantagem para o assaltante.

(f) Necessidade de limpeza dos terrenos próximos quando se ocupa uma posição defensiva no interior da selva com o inconveniente de denunciar a posição à observaçâo aérea inimiga.


(2) Informação pelo som

Ainda que a visão seja má podemos utilizar o ouvido. Consequentemente:

(a) Os homens devem ser treinados para a escuta Devem conhecer todos os ruídos normais da selva, para que possam ser postos em alerta por um som não usual ou pela ausência de ruído. Devem compreender que o silêncio raramente reina na selva e quando a quietude prevalece, deve ser em regra causado pelo receio, despertado pelo homem ou pelo vaguear das feras. O homem deve mover-se silenciosamente.

(b) Devem do mesmo modo, ser treinados para cuidarem dos seus ouvidos. Devem procurar desenvolver o seu poder de audição para tirarem partido dele, no mais alto grau.

(c) Para as sentinelas e patrulhas a protecção é grande- mente facilitada, pois podem permanecer estacionadas e escondidas. Quanto ao inimigo, se avança, move-se ruidosamente, através de pequenos arbustos, sendo a sua presença prontamente assinalada e denunciada; as veredas que possam existir deverão ser guardadas e atravessadas com pequenos arames, minas, armadilhas ou emboscadas, para evitar que o inimigo se sirva delas de modo a obter a aproximação silenciosa.

(d) Quando um homem, individualmente, tenha de se apro- ximar de outro, o assaltante, se avança, não deve rastejar porque agindo assim faz pelo menos mais barulho do que se fosse caminhando direito, e, o que é importante, perde de vista, porventura para sempre, o seu inimigo. Por outro lado, num ataque por uma força militar, em que a direcção geral é fácil de manter, a acção de rastejar é recomendável nos terrenos desen fiados e também porque a tendência do defensor na luta da selva é fazer fogo alto.

(e) E, não somente devemos fazer o maior uso dos nossos ouvidos, mas- devemos também procurar interferir ou reduzir a capacidade inimiga para ouvir e distinguir

(3) Mobilidade restrita

O movimento é difícil e é principalmente limitado às veadas. Por consequência:

(a) Homens e animais têm de marchar, a menos que me- lhores caminhos tenham sido abertos e completados por eles, ao longo de caminhos estreitos e sinuosos, frequentemente em coluna por um. Desta restrição, resulta a marcha ou em colunas multo longas ou em formações de um grande número de pequenas colunas.

No primeiro caso, duas exigências são feitas; primeira, uma severa disciplina de marcha pois que, como tudo o que se estende, resultará num interminável e desalinhado alongamento; a segunda, é que a reparação dos caminhos tem que ser executada em cada sector, à medida que for necessário; de outro modo as tropas da retaguarda encontrarão o caminho impraticável. No caso de numerosas colunas, como os caminhos são raramente paralelos e os impedimentos ao movimento são abundantes e severos, o estabelecimento de ligações laterais apresenta problemas espinhosos. Por esta razão, os altos com o fim de ajustar a marcha têm de ser feitos a horas estabelecidas e feitas correcções, calculadas com grande meticulosidade, para que não haja avanço nem atraso.

(b) Com tais restrições, os movimentos nocturnos são de uma dificuldade extraordinária. Devem raramente ser feitos, porque como principal razão para o seu uso na guerra em campo aberto, é essencialmente, o perigo dum ataque aéreo a tropas marchando de dia, esse perigo dificilmente existe na selva.

(c) Como as reservas quer na sustentação dum avanço ou retirada, quer para apoiar um ataque ou defesa, são incapazes de se moverem livremente de um lado para outro, têm usualmente, ao invés de serem concentratradas, de serem distribuídas em grupos, próximo dos vários núcleos de tropas em primeiro escalão, que elas tenham necessidade de apoiar. Este procedimento acarreta uma indesejável dispersão das forças.

(d) Como os caminhos, raramente têm uma direcção que convém e como correm, no caso de serem para animais para as águas mais próximas e no caso de serem para homens para as aldeias ou terrenos de cultura mais próximos, por toda a parte serpenteando para adear os obstáculos, torna-se difícil manter a direcção que se pretenda e a avaliação das distâncias per- corridas.

(e) A facilidade de movimento depende do vestuário usado. E se alguém tiver alguma dúvida acerca desta verdade, percorra 25 km em calções e botas altas e repita a aventura em «Shorts» e sapatos e compare o resultado.

(4) Dificuldade de Reabastecimento

O reabastecimento dum exército moderno numa floresta tropical é o mais difícil dos problemas.

Quando as colunas estejam distribuídas em profundidade, ao longo de caminhos estreitos não se pode prover ao reabastecimento regular e periódico de grupos numerosos tais como unidades inteiras. Em primeiro lugar, os mantimentos tinham de ser transportados à retaguarda das tropas combatentes, caso contrário interferiam no dispositivo e nos movimentos tácticos. Em segundo lugar, se a testa da co luna chegasse ao acampamento escolhido ao escurecer, como sucede muitas vezes, os escalões de abastecimento teriam ainda uma longa caminhada para chegar às tropas. Em terceiro lugar, o piso, excepto em períodos muito secos, estraga-se devido à marcha dos elementos que seguem na frente, dificultando assim o movimento dos elementos da retaguarda. Finalmente, quando a perspectiva da luta é eminente, é aconselhável cessar o transporta de mantimentos, construir um abrigo e montar-lhe uma guarda, operação que mais uma vez contribuiria para a perda de tempo. Ainda, quando uma força considerada esteja em movimento, não há a certeza se as rações chegarão muito tarde ou mesmo no dia seguinte. Por estas razões e porque uma grande parte do trabalho da floresta é feito por homens aos pares, ou em pequenos grupos, será normalmente necessário entregar as rações individualmente.

A água é o requisito mais importante; porque, apesar de abundar nas florestas é facilmente expelida do corpo humano, devido à alta temperatura e humidade, tendo que ser substituida para o soldado se conservar activo. Deve, portanto, haver muito cuidado. A água deve ser servida purificada ou fervida.

Altemadamente deve-se misturá-la com pastilhas esterilizadoras que são fáceis de se transportar.

A seguir, em ordem de importância vêm as munições e o seu transporte. Condensado e pesado é um fardo considerável, especialmente quando., o que é frequente, as tropas têm de ser empregadas no seu transporte. Para isso as munições devem ser empregadas com muita economia.

Finalmente, porque no caso de emergência o homem pode viver sem comer durante alguns dias, vêm os alimentos.

A dificuldade de fornecimento de abastecimento e a irregularidade da sua distribuição, sugere que o soldado deve ser encorajado a ser frugal e a viver como for possível em qualquer região.

No reabastecimento de alimentos e munições, e, particularmente, em tempo oportuno, no de armas de fogo e outros materiais, as forças aéreas podem prestar incalculáveis auxílios. Para facilitar o lançamento de tais abastecimentos as colunas têm usualmente que fazer consideráveis clareiras. No entanto, as tropas, no terreno, devem estar sempre prontas para cobrir falhas ocasionais, cultivando a sua capacidade para viver da região.

(5) Perigos para a saúde

A selva é insalubre, quente e húmida e é, nas estações das chuvas, umaq região de chuva torrencial. Está impestada de cobras, sanguessugas, aranhas, mosquitos e muitas outras espécies peçonhentas. É o inimigo número dois, e na verdade, para tropas inexperientes, é muitas vezes nais perigosa do que o homem, que é o inimigo número um.

Os médicos e os enfermeiros nem sempre podem estar presentes num lugar onde as tropas marcham e às vezes não existem comunicações. Portanto, se quisermos reduzir as pesadas baixas por motivo de doença, o soldado deve saber alguma coisa de higiene pessoal. Ele deverá compreender, principalmente, a necessidade do banho, se não for possível todo o corpo, pelo menos os sovacos, as articulações e os pés. Ê absolutamente necessário que o soldado considere isto tão importante como o treino militar. Quase tão necessário é a noção do uso de antídotos e o tratamento de mordeduras.

Outros pontos principais são: o uso de latrinas à prova de moscas e pulverização nos pântanos próximos com matérias desinfectantes, a limpeza completa dos recipientes de alimentação antes e depois das refeições, enterrar os restos das cozinhas e latas de conservas vazias e a construção de chuveiros improvisados.

(6) Dificuldade de observação aérea

As acções na selva estão ao abrigo da observação aérea, por conseguinte uma superior força aérea pode prestar relativamente pequeno apoio às tropas por acção directa.

Pelas considerações atrás escritas vê-se perfeitamente que a guerra na selva é intensamente individual. Muitas vezes o soldado tem de atacar ou defender-se contando só consigo. Muitas vezes caminha isolado e se se, perde é o próprio provisor, cozinheiro, médico, carregando ele próprio as munições.

Tudo isto se impõe o sacrifício de um grande número de horas de treino individual com o fim de os princípios fundamentais, por constante repetição, se tornarem hábitos.

147. O SERVIÇO NA SELVA

a) A instrução para o serviço na selva

(1) Condições físicas


Durante a instrução para as operações na selva, deve ser dada especial importância às condições físicas. Nos períodos finais da instrução todo o trabalho deve ser no campo. Devem-se realizar frequentemente marchas difíceis e os exercícios tácticos devem ter lugar nos piores terrenos.

(2) Aclimatação

Antes de entrar nas áreas de combate da selva, as tropas oriundas dos climas temperados devem ser submetidas a um período especial de instrução, que irá aumentando gradual- mente em rudeza e dificuldades, numa zona de selva de clima e terreno semelhantes àqueles onde futuramente vão combater. Para as tropas experimentadas, um período de quatro semanas é suficiente. Períodos mais longos resultam em cansaço e diminuição de eficiência.

Nos trabalhos, de início, a exposição ao calor deve ser progressiva. O homem aclimatado mostra-se alegre e executa o seu trabalho energicamente e sem esforço. Em contraste, o homem não aclimatado, trabalhando ao calor, torna-se estúpido e apático, executa o trabalho em más condições e pode manifestar, em vários graus, os sintomas e sinais de exaustaçâo pelo calor.

(3) Necessidade de água

Na selva, onde a humidade é elevada, o suor não evapora mas corre pela pele, por isso o arrefecimento é menos eficiente e as perdas de água são elevadas.

Quando a temperatura é elevada, um homem em descanso pode perder, pelo suor, cerca de melo litro de água por hora; se trabalhar, as suas perdas de água aumentarão na razão directa da quantidade de trabalho realizado. O pessoal que executa trabalhos pesados, como os Sapadores, homens marchando a pé, necessitam cerca de 10 litros de água por dia. Qualquer restrição de água abaixo do nível necessário para um homem resultará numa rápida perda de eficiência, redução nas possibilidades de trabalho e abaixamento de moral. Os melhores resultados obtêm-se tomando a água em pequenas quantidades sempre que haja sede.

(4) Necessidade de sal

Em todas as circunstâncias, a perda pelo suor de um grande volume de água é associada a uma perda de sal. A quantidade de sal ingerido com a comida normal é o suficiente para restabelecer e recompletar o perdido, quando o total da água ingerida é inferior a 5 litros por dia. Acima desta quantidade é necessário adicionar sal, e a melhor forma de o ingerir é em solução na água que se bebe. Ë absolutamente necessário que se tome sal nos primeiros dias de exposição ao calor, uma vez que as perdas de sal são então maiores que depois da aclimatação.

Não é recomendável o consumo de tabletes ou comprimidos de sal sem serem dissolvidos em água.

(5) Insolação, exaustação e cãibras

As tropas em instrução ou em operações nos climas quentes podem sofrer efeitos de doenças devido à exposição a altas temperaturas. Este facto aumentará se houver, também, grande humidade. Três estados bem definidos se podem apresentar e que devem ser conhecidos de todos. São eles: a insolação, a exaustaçâo e as cãibras. As causas e os métodos de evitar estas doenças são semelhantes. Contudo produzem sinais distintos, e qualquer deve ser capaz de reconhecer imediatamente, por forma a ministrar os cuidados e atenções necessárias às vitimas:

— Insolação

Este estado, muitas vezes, aparece repentinamente. Dá dores de cabeça, tonturas, muitas vezes com náuseas e vómitos, dando então colapso, delírio e inconsciência. O primeiro sinal pode ser o colapso. É importante lembrar que a pele estará quente e seca. É devido a este facto que na insolação a temperatura sobe bastante (41 "C ou superior).

Tratamento de emergência: Fazer baixar rapidamente a temperatura do paciente. Quando no campo, não esperar por tratamento médico ou por ambulância, mas tirar imediatamente a roupa do paciente, excepto os calções, e, quanto possível, espargir o corpo com água. Ter alguns ajudantes friccionando energicamente os braços, pernas e tronco para aumentar a circulação do sangue na pele, enquanto outros o vão abanando (arejando) continuamente, a fim de aumentar a velocidade de evaporação da água e o seu correspondente efeito de refrigeração. Os cuidados médicos devem ser assegurados logo que possível e o paciente deve ser hospitalizado. Contudo, as medidas de arrefecimento do corpo devem continuar durante a transferência do paciente para o hospital.

— Exaustação

Este estado manifesta-se por dores de cabeça, adormecimento, extrema fraqueza, tonturas e incapacidade para andar. Poderá também ter cãibras. É importante lembrar que na exaustação a pele está húmida, fria e viscosa. Apesar de este estado se verificar com frequência, a percentagem de mortes é baixa.

Tratamento de emergência: Colocar o paciente num lugar fresco, onde possa descansar e tomar grandes quantidades de água salgada. Isto, normalmente, bastará para a recuperação. Contudo, não se deve tentar a sorte, mas sim assegurar os cuidados médicos ou hospitalizar o paciente.

— Cãibras

As cãibras são manifestadas por espasmos dolorosos dos músculos, com mais frequência nas pernas, braços e parede intestinal. Variam de simples aborrecimentos a severa e completa incapacidade.

Tratamento de emergência: Estes sintomas são directamente devidos à perda de sal do corpo. Desaparecem quando a perda do sal é recuperada. O tratamento consiste em beber livremente água salgada. Os casos graves devem ser hospitalizados e possivelmente tratados com Injecções de solução de sal, intravenosas.

(6) Instrução mental e psicológica

Os efeitos psicológicos da selva só podem ser totalmente vencidos pela experiência, se bem que as palestras sobre moral também sejam vantajosas. A instrução em áreas da selva é o melhor meio para os vencer. No combate da selva, como aliás em toda a espécie de combate, o treino mental e psicológico, a fim de acostumar a mente dos homens aos rigores do campo de batalha, é essencial. Exercícios de fogos reais, de explosivos, tiro por cima das nossas tropas e outros exercícios tendentes a darem a ideia real do campo da batalha, são de grande importância, porque a própria selva, só por si, é mais uma dificuldade a juntar às das outras áreas de combate.

b) Necessidades do serviço na selva

(1) Disciplina

Para o sucesso das operações na selva é absolutamente essencial um invulgar estado de disciplina—disciplina mental, disciplina de camuflagem, disciplina de fogo, disciplina de marcha, disciplina de luz. Todas as fases do combate devem ser norteadas por um estrito senso dos efeitos que uma acção individual possa ter na acção do conjunto. A disciplina, em todas as suas formas, deve ser inculcada na mente de todos, de forma que não só cada um se conduza convenientemente, como também saiba que os outros homens da unidade farão o mesmo sob as mesmas condições de incerteza e desânimo. Na selva, em todas as fases do combate, é essencial que os comandantes das unidades tenham uma grande noção da disciplina.

(2) Desconfiança

O combatente na selva deve desconfiar de tudo. O grau de ocultação que a selva oferece requer vagarosa e cuidada pesquisa do inimigo. Os elementos destacados em missão de segurança devem pesquisar todos os lugares de possível ocuitacão, a fim de evitar ultrapassar qualquer grupo de inimigos, que os poderão atacar de flanco ou pela retaguarda. Há sempre a possibilidade de observadores Inimigos estarem abrigados nas proximidades para descobrirem e relatarem os preparativos da nossa próxima operação. É preferível, pois, pensar que o inimigo está sempre próximo, observando e escutando. Na selva, a visibilidade limitada facilita a táctica da surpresa; uma surpresa engenhosa pode frequentemente permitir que uma pequena unidade vença outra de maior efectivo. Podem aplicar-se estratagemas de várias espécies. Demonstrações de força numa área, enquanto se ataca noutra; emboscadas e infiltrações para atacar postos de comando, postos de reabastecimentos ou comunicações; largo uso de atiradores especiais são formas de tácticas de surpresa que flagelam o inimigo e que se adaptam bem aos terrenos da selva. B preciso não esquecer que o inimigo também utiliza estratagemas e devemos estar prevenidos para não cairmos vitimas da surpresa.

(3) Paciência

Um dos principais requisitos das operações na selva é o segredo. Os movimentos furtivos requerem paciência. Da mesma forma é preciso paciência para deter os movimentos furtivos do inimigo. A paciência, embora não seja característica de todos os homens, pode ser aprendida e desenvolvida com a prática. E essencial no sucesso das operações na selva.

(4) Vedetas e patrulhas

As pequenas patrulhas de atiradores, quando bem treinadas, poderão mover-se através da selva, evitar os postos avançados nimigos, deslizar através das defesas inimigas e penetrar nas áreaa inimigas da retaguarda. Tais patrulhas, muitas vezes, constituem um dos mais importantes meios à disposição do comando para obter informações do inimigo.

A instrução especial dos elementos de tais patrulhas deve incluir grande número de conhecimentos sobre a selva, treino de ocultação, movimento, observação, conhecimentos característicos e hábitos do inimigo e ainda identificação das armas pelo som.

(5) Arte de comandar

As privações das operações da selva reclamam um bom comando. As dificuldades de controle obrigam a uma descentralização que resulta num importante aumento de acções elementares. Assim, os oficiais subalternos e os sargentos devem possuir extraordinária Iniciativa, bravura e decisão. Um importante objectivo da instrução é o desenvolvimento da confiança própria em todos os indivíduos.

c) Armamento, fardamento e equipamento

(1) Armamento

O armamento tem muitas vezes de- ser reduzido, tal como as munições, ao que possa ser transportado pelas próprias tropás ou nos limitados transportes capazes de as acompanharem. Isto, frequentemente, reduz o número de armas de apoio, requer que os planos tácticos sejam baseados fundamentalmente no uso de armas que possam ser transportadas à mão, que se não utilizem muitas munições e que estas não sejam muito pesadas. As ordens referentes à quantidade de munições, espécie de munições e armas que devem ser transportadas são decisões do comando, depois de cuidadosas considerações sobre as dificuldades de transporte e dos tipos de armas necessárias para cumprir a missão.

As armas mais convenientes para serem usadas na guerra da selva, onde a observação e o campo de tiro são muito limitados, são armas de curto alcance, de fácil remuniciamento e fácil transporte sobre terreno difícil. As armas que reúnem melhores condições são a espingarda, a baioneta, a espingarda-metralhadora, a pistola-metralhadora, a carabina, granadas de mão e de espingarda, a catana e a faca de mato.

Metralhadoras ligeiras, metralhadoras pesadas, os morteiros ligeiros e médios são armas menos manobráveis, menos convenientes para o emprego momentâneo e necessitam de munições mais difíceis de transportar; contudo, são de muito valor e podem ser transportadas em pequenos carros ou às costas dos homens. Os morteiros de 60 e 81 transportam-se mais facilmente e a sua eficiência na guerra da selva é igual à dos modelos mais pesados. Os lança-foguetes, utilizando munições carregadas com explosivos ou fósforo branco, são esplêndidas armas contra tropas abrigadas, em cavernas ou contra posições defensivas bem construídas; os lança-chamas são também eficientes contra tais posições.

(2) Fardamento e equipamento

Na selva, cada artigo de fardamento e equipamento deve ser considerado em função da sua necessidade e utilidade. A leveza é fundamental devido às dificuldades de transporte. Devem fazer-se todos os esforços para reduzir ao mínimo o equipamento, mas deve haver o máximo cuidado em não omitir equipamento essencial.

O fardamento justo e apertado não é conveniente pois torna-se quente e reduz os movimentos.
O calçado com sola, fornecido para a campanha, satisfaz em geral.

O capacete de aço pode ser facilmente camuflado, usando folhas e ramos que se seguram com a rede de camuflagem do capacete.

(Continua)