quarta-feira, 2 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2713: Notas de leitura (11): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros: Resposta a um Combatente (M. Amaro Bernardo)

Com o pedido de publicação, recebemos do Coronel M. Amaro Bernardo (1) o seguinte texto:

Resposta a um Combatente

(…) Foram centenas os fuzilados que este conjunto de papéis sob a forma de livro nada refere. Não se exalta o esforço dos “Comandos” esquecendo os outros. (…)
Mário Beja Santos, in site de Luís Graça, em Março de 2008 (2)

Este combatente que cumpriu uma comissão na Guiné em 1968-70, veio a público manifestar a sua opinião sobre o meu livro Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros. Guiné, 1970-1980, lançado em Novembro passado, na Sociedade Histórica para a Independência de Portugal, onde foi apresentado pelo General Ricardo Durão (que já o prefaciara), oficial de operações do Comando-Chefe da Guiné e pelo Sargento guineense José Monteiro, Presidente da Associação dos Antigos Combatentes da Guiné.


A reportagem desta apresentação encontra-se num vídeo, que pode ser consultado num site independente de dois comandos, o “Passa-palavra”.
Como a crítica feita é a única excepção em relação aos comentários elogiosos que me chegaram dos mais diversos sectores, poderei deduzir tratar-se de um texto encomendado face a alguma possível solidariedade cívica, já que é do conhecimento geral que um dos oficiais posto em xeque neste livro pelo seu comportamento na Guiné, em 1970, pertence à maçonaria.

Assim, e dada a consideração que me merecem os leitores deste site de Luís Graça, venho esclarecer uma série de apreciações equívocas e falaciosas produzidas no seu texto. Parece-me que Beja Santos fez apenas uma leitura apressada e enviesada da obra em causa, pois surgiram afirmações que são completamente incompreensíveis.

1. É mentira que não me tenha referido às centenas de indivíduos fuzilados ao longo do consulado de Luís Cabral, e apenas aos 53 oficiais, sargentos e praças dos “Comandos” africanos. No anexo I ao Cap. VIII, que tem o título “Fuzilamentos Clandestinos na Matas da Guiné” (pp 135 a 138) são referidas nominalmente as 99 pessoas que o PAIGC de Nino Vieira, afirmou (no seu jornal oficial Nô Pintcha), terem sido fuzilados e enterrados em valas comuns em Cumeré, Portogole, Mansabá e Farim.


Nessa lista Beja Santos talvez possa encontrar algum dos homens que com ele serviram nas milícias. Aquele jornal declara terem sido referenciados 500 mortos em valas comuns de 35 a 38 pessoas, mas nas suas edições apenas indicou aqueles.

A seguir, no Anexo II, do mesmo capítulo (pp 139 a 141) são referidos também nominalmente 97 indivíduos, assim descriminados: um ex-deputado; 11 régulos; 6 sargentos, um 1.º cabo e 27 soldados da guarnição normal, 7 sargentos e 6 marinheiros fuzileiros especiais; 18 milícias (incluindo comandantes de Jabadá, Mansabá, Empada, Gampará, Jolmete e Bissorá); três cipaios; e mais 17 sem indicação das funções que desempenhavam. Também nesta lista poderá Beja Santos verificar se foram fuzilados os homens que serviram sob as suas ordens.
Não se consegue bem definir se apenas foram aquelas cinco centenas os fuzilados pelo PAIGC. Segundo o Marechal António de Spínola terão sido milhares (pp. 130) e de acordo com o Sargento Julde Jaquité Semedo, que se exilou no Senegal, foram mais de mil pessoas, entre “comandos”, fuzileiros, milícias, caçadores nativos, régulos e chefes de tabancas, incluindo os que foram obrigados a regressar daquele país (ao abrigo de acordo existente) e foram mortos em Cuntima e Cumeré. (pp. 350/351).

2. Quanto ao restante conteúdo do livro que este combatente considera mal estruturado, sem lógica sequencial e ”afundado num mar de equívocos e contradições”, aconselho a atentar na cronologia feita desde Abril de 1969 a Janeiro de 1981 (pp. 363 a 377) e na sequência temporal dos textos, desde o cap. II, com a operação da invasão de Conakry (1970) até ao capitulo VII intitulado a “Transição da Guiné-Bissau para a Independência” (1974).

Beja Santos não queria que eu investigasse apenas o período de 1970 a 1980. Não sei porquê, pois foi esse decénio que me propus fazê-lo. Devo chamar a atenção dos leitores para o facto de não me considerar historiador, mas apenas um investigador de História Contemporânea.
Repare-se que, no final da Introdução, afirmo: “Espero que as pistas deixadas neste livro, em relação a década tão conturbada da vida da Guiné-Bissau, possam ter alguma utilidade para a análise histórica posterior”.


Também se nota que não lhe agrada a figura de António de Spínola, que poderá ter sido um fraco político no pós-25 de Abril, mas que foi considerado um grande cabo de guerra, a par de Costa Gomes (Moçambique e Angola), Bettencourt Rodrigues (Angola e Guiné) e, para alguns, Kaúlza de Arriaga (Moçambique).

Claro que, segundo alguns analistas, também terá praticado alguns erros na Guiné, como terá sido a retirada de Madina do Boé, “permitindo assim que o corredor de Guilege fosse uma grande ameaça para nós” (Salifo Djau, pp. 353/354).

Quando diz que “em 1972 o PAIGC já tinha conseguido acantonar as forças armadas portuguesas nos quartéis” e que “a partir de 1973 a “guerra estava irremediavelmente perdida”, na minha opinião, tal não corresponde à verdade. Não foi isso que afirmaram os vários oficiais que prestaram depoimento, como Almeida Bruno, Alpoim Calvão, Marcelino da Mata, Raul Folques e Manuel Ferreira da Silva (pp. 213 a 309).

Também a versão do PAIGC através de um dos seus principais dirigentes (Aristides Pereira) era de que “por altura do 25 de Abril, este partido não teria maior capacidade militar que as tropas coloniais, na medida que estas estavam bem apetrechadas, tinham uma logística mais bem montada e um número superior em efectivos” (pp. 248/249).

3. Também não é verdade que Marcello Caetano tenha mandado fazer propostas em negociações secretas em 1973. Elas apenas foram iniciadas em Londres, um mês antes do golpe militar de Abril de 1974: 25/26 de Março. O encontro de 5 de Maio que se seguiria, já não ocorreu, por o regime ter sido derrubado.

Quando as FA ainda se encontravam em posição de maior força militar, na Guiné, decorreu em Maio de 1972, um encontro entre o Presidente Senghor do Senegal e o então General Spínola, com vista ao cessar-fogo. Tal não teve seguimento, devido à proibição de Marcello Caetano, que temia o “efeito dominó” em Angola e Moçambique. Essas diligências frustradas foram salientadas no capitulo III, “1972 – A Última Oportunidade Perdida” (pp 45 a 54).

A certa altura Beja Santos afirma que o General Spínola não sensibilizou Lisboa para haver um reforço das companhias de quadrícula, alimentando mais a “panaceia das forças especiais”.
Tal também não corresponde à verdade. Se for consultado o tomo II do 7.º. volume da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), referente às fichas da Unidades, na Guiné, verifica-se que o Batalhão de Comandos da Guiné apenas foi constituído em Novembro de 1972, depois da criação da 3.ª companhia de Comandos Africanos, em Abril desse ano. Entretanto foram criadas três Companhias de Caçadores: a n.º 19, em Dezembro de 1971, com quadros metropolitanos e as n.ºs 20 e 21, em Junho de 1973, já com quadros guineenses, e cujos oficiais seriam oriundos dos comandos africanos (Amadu Bailo Djaló, pp 343/ 346). Tudo isto ocorreu enquanto o General Spínola era Governador e Comandante-Chefe da Guiné, pois o seu sucessor, General Bettencourt Rodrigues apenas tomou posse em 21 de Setembro de 1973.

4. Posso aceitar que este meu trabalho tem falhas e que não tenha agradado a determinadas pessoas. Agora não aceito críticas deturpadas e baseadas em dados falsos, quando Beja Santos faz perguntas como esta: “Só foram perseguidos os comandos, não foram perseguidos militares provenientes da infantaria ou da marinha?"

Julgo que o atrás salientado nos três anexos, com os nomes dos militares do Exército e da Marinha, e dos civis (milícias, cipaios, régulos, etc) fuzilados clandestinamente, responde cabalmente a esta questão. Também basta ver a quem é dedicado o livro:


A todos os Militares Combatentes na Guiné, destacando os que lá perderam a vida pela Pátria Portuguesa.
Para os Militares guineenses e especialmente aos graduados do Batalhão de Comandos da Guiné, que se empenharam esforçada e valorosamente em combate e que, depois, na grande maioria, seriam clandestinamente fuzilados.

Para o Coronel José Pais (*), o grande Militar e Combatente, que sempre se empenhou nas causas nobres de defesa dos desprotegidos e das vítimas das injustiças praticadas em Portugal e nos territórios ultramarinos, com a nossa eterna saudade.

O MNE e de Estado, Luís Amado, no lançamento do livro do General Loureiro dos Santos sobre o Iraque, em Lisboa, afirmou ontem que “a ambiguidade é utilizada pelos políticos em situações mais complicadas, enquanto os estrategas/militares usam mais a frontalidade” (ou algo semelhante). De facto, devido à minha formação militar, costumo ser frontal e directo na resposta a algumas críticas infundadas…

2 de Abril de 2008

Coronel Manuel Amaro Bernardo


(*) Foi comandante da CCAÇ 14, na Guiné, tendo ficado muito ferido na detonação de uma mina anti-pessoal.
__________

Notas de vb: edição da responsabilidade do co-editor Virgínio Briote
(1) O Coronel, na situação de refoma, Manuel Amaro Bernardo cumpriu quatro comissões em Angola e Moçambique. Em 25 de Abril de 1974 encontrava-se colocado na Academia Militar. Na altura do 25 de Novembro de 1975, então no Regimento de Comandos, fez parte do Posto de Comando que coordenou as acções militares.

Diplomado com o Curso de Ciências da Informação pela Universidade Católica, tem publicadas numerosas obras que versam na quase totalidade questões de natureza militar nos tempos antes e pós 25 de Abril.

(2) Artigos relacionados com estes tópicos:
2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2711: Notas de leitura (6): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de M. Amaro Bernardo (Mário Fitas)

31 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2706: Notas de leitura (5): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de Manuel Amaro Bernardo (Mário Beja Santos)

30 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2318: Notas de leitura (4): Na apresentação de Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné 1970/80 (Virgínio Briote)

28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2308: Notas de leitura (3): Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné, de Manuel Amaro Bernardo (Jorge Santos)

19 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P886: Terceiro e último grupo de ex-combatentes fuzilados (João Parreira)

31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXII: Mais ex-combatentes fuzilados a seguir à independência (João Parreira)

27 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (6) (João Parreira)

23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

6 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCIX: Salazar Saliú Queta, degolado pelos homens do PAIGC em Canjadude (José Martins)

1 comentário:

Anónimo disse...

Meu caro Mário

Confesso que também não entendi esta afirmação:

«Quando diz que “em 1972 o PAIGC já tinha conseguido acantonar as forças armadas portuguesas nos quartéis” e que “a partir de 1973 a “guerra estava irremediavelmente perdida”, na minha opinião, tal não corresponde à verdade.»

Tenho aliás contestado esta afirmação repetidamente.

Abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves