domingo, 30 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2702: Estórias do Juvenal Amado (7): A Caminho de Buruntuma (Juvenal Amado)



Juvenal Amado
Ex-1.º Cabo Condutor
CCS/BCAÇ 3872
Galomaro1972/74




1. Em 15 de Março de 2008, Juvenal Amado mandou-nos esta mensagem com mais uma das suas estórias.

Caro Carlos Vinhal e restante Tabanca Grande
Cá recebi o mail sobre as datas do próximo encontro da Tertúlia.
Ainda é cedo para garantir a minha presença, pelo menos na qualidade de observador, uma vez que sou piriquito nestas andanças bloguistas.
Qualquer das formas, é enorme a minha vontade de conhecer pessoalmente todos, em especial o Luís Graça e o Virgínio Briote que não consegui cumprimentar no lançamento do livro do Beja Santos. O Luis Graça por não estar presente.

Após esta introdução, aproveito para mandar mais uma estória vivida por mim em parte. A outra faz parte do que se ouviu na altura em relação aos acontecimentos.
Juvenal Amado


2. A caminho de Buruntuma
Por Juvenal Amado

A guerra, após a morte de Amílcar Cabral, tornou-se tecnicamente e estrategicamente mais defenida.
O ataque constante aos destacamentos com objectivo de ocupar posições, tornou-se mais que evidente. O tempo da guerrilha que emboscava, flagelava e retirava, embora não fosse menos perigosa, fazia já parte de um passado recente. Muito bem armada e enquadrada militarmente, a tropa do PAIGC estava a levar-nos para um beco sem saída e a nossa derrota, já não é uma miragem.

Na cantina tinham sido afixados cartazes com imagens de aviões MIG 17. O tempo de total domínio do ar pela nossa Força Aérea tinha findo há já algum tempo. Os guerrilheiros equipados com mísseis, tinham abatido já alguns dos nossos meios aéreos.

Assim os cartazes seriam para que nós identificássemos os aparelhos de fabrico soviético, caso fossemos atacados. Por outras palavras, serviam para que fugíssemos mais depressa, pois meios de defesa contra este tipo de ataque, não me consta que o Exército Português os tivesse, para disponibilizar aos combatentes.

As ordens para cavar uma vala em cruz no meio da parada, que por sua vez foi cheia com garrafas de gasóleo com torcidas, veio confirmar que ataques em grande escala, por parte do IN, eram já uma certeza só não sabíamos quando.

Incendiávamos as garrafas do lado que vinha o ataque, para que a nossa Força Aérea pudesse fazer bombardeamentos nocturnos.

À noite víamos os clarões e os rebentamentos, sentiam-se no peito e no chão.
A intenção que eles tinham de desalojar as NT das posições era tal, que os ataques eram repetidos noites a fio.

Notícias de forte movimento de viaturas e até blindados na fronteira entre a Guiné e a Guiné-Conakri, vinham agravar o já o nosso fraco ânimo.

Mais para Leste, Compá estava já cercado há dias. Grupos de Combate saíram para o mato para assim tentar aliviar a pressão. Esses valentes ficaram isolados e dispersos, complicando ainda mais, pois bombardeamentos massivos, que eventualmente fossem decretados por Bissau, poderiam atingir os nossos soldados no mato.

Os Operadores chegavam já a falar na rádio sem cifra, tal era a aflição daqueles nossos combatentes. Em resposta aos pedidos de ajuda destes nossos camaradas, os Altos Comandos dos seus gabinetes respondiam: - Tenham confiança nos vossos comandantes.

- Venham para cá vocês filhos da p...(*)
Era a resposta dos nossos camaradas em desespero.

Ainda desta vez os nossos camaradas, conseguiram aguentar as suas posições. Veio um período de acalmia felizmente.

Já passava da meia-noite quando o Furriel Claudino se aproximou do posto de sentinela e perguntou por mim. Estava a dormir, pois ia entrar de serviço às duas horas da manhã. Com ele vinha um Sapador que me ia substituir. Os condutores que fossem em coluna na manhã seguinte tinham que sair de serviço imediatamente.

Não gostei de o ver àquela hora, pois não augurava nada de bom. Disse-me: - Vai dormir que às seis da manhã tens que ter o teu carro preparado. Levanta ração de combate para três dias.
Perguntei-lhe o que se passava, mas ele disse-me que não sabia.

Às cinco e meia levantei-me, vim cá fora e bebi longamente água do cantil que tinha deixado a refrescar na rua. Vesti o camuflado, calcei as botas de couro, agarrei na arma, nas cartucheiras, no poncho e, dirigi-me ao depósito de géneros, onde levantei as caixas de ração. Era três, uma por cada dia, que ia ficar fora. Continuava sem saber para onde ia, mas na verdade também não interessava muito saber.

A coluna arrancou direito a Bambadinca, comigo iam com as suas Berliet, o Caetano e o Borges.

Chegados lá, ficámos à disposição do Comando de Bambadinca. Se a coisa não tinha cheirado bem até ali, cheirava cada vez pior.

Já era noite quando recebi ordem para carregar a viatura.
O resto da noite foi passada junto da mesma, com ordens expressas para que ninguém saísse do seu posto. Ia transportar minas e granadas várias para Buruntuma.

Esse destacamento em que o arame farpado fazia fronteira com a outra Guiné, era um alvo preferencial, por isso íamos tentar reforçar as suas defesas.

Arrancámos de madrugada ainda noite. A segurança é feita com tropas do Batalhão de Bambadinca e blindados de Bafatá. O Grupo Marcelino também ia na coluna.
Era pois uma Operação de reabastecimento de alto risco. Íamos rodar em zonas altamente perigosas, em que o IN dominava.

A coluna tinha sido rodeada de todo secretismo, mas com o andar das horas, os guerrilheiros poderiam já ter sido avisados.

Eram Berliet de vários destacamentos, não me lembro quantas. Lembro-me sim da ordem que proibia que levássemos qualquer passageiro junto de nós, condutores.
As viaturas tinham a carga tapada.

Ultrapassamos Nova Lamego direito a Piche. Nós não víamos, mas deveriam estar muitas centenas de camaradas nossos a fazer segurança, durante todo o percurso. A partir de Piche o grau de perigo aumenta consideravelmente.

O caminho é feito mais lentamente. Os Chaimites viravam as armas para a mata e vão com as escotilhas fechadas.

Os outros condutores devem sentir como eu, num extremo isolamento.
Se houver algum ataque à coluna, só nos resta fugir do pé da viatura e da sua perigosa carga.

Está um sol escaldante não se pode fumar. Por fim Buruntuma está à vista.
Parámos e ficámos bastante afastados uns dos outros.
Só entra um carro de cada vez para descarregar e saí logo de seguida. Temos de ser rápidos, se não queremos passar a noite na picada. Aproveito para comer, pois só tinha até essa altura bebido o leite da ração e água.

Correu tudo bem.

Os camaradas daquele destacamento estavam numa situação que ninguém no seu juízo perfeito invejava. Qualquer deles trocaria comigo sem olhar para trás.
Nessa noite ficamos a dormir em Nova Lamego, no dia seguinte vamos para Bafatá, onde encontramos a coluna da CCS que nos levará para Galomaro.

Os meus receios em relação a esta viagem, felizmente não se concretizaram.
O PAIGC não atacou Buruntuma, mas descarregou a sua fúria em Canquelifá passados poucos dias.

(*) Aos camaradas, que estiveram directamente envolvidos nestes acontecimentos, peço desculpa por alguma incorrecção, motivada pelos anos e por alguns deles não terem sido por mim, vividos pessoalmente.

Juvenal Amado
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Nota dos editores

(1) Vd. último poste da série de 13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2635: Estórias do Juvenal Amado (6): O Falé e o burro do mato (Juvenal Amado)

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