Último poste da série > 21 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26175: Para bom observador, meia palavra basta (6): O fortim de Cabedu
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Pesquisar neste blogue
quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025
Guiné 61/74 - P26493: Para bom observador, meia palavra basta (7): O que têm em comum estas fotos do obus 10.5 ?... Haja um "professor de artilharia" que explique aos "infantes"...
Último poste da série > 21 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26175: Para bom observador, meia palavra basta (6): O fortim de Cabedu
sexta-feira, 15 de novembro de 2024
Guiné 61/74 - P26157: Casos: A verdade sobre... (49): Os "djubis" da CART 11 e da CCAÇ 12, que foram soldados... (Luís Graça)
Eu estava à vontade para publicar essa lista: sempre critiquei a africanização da guerra da Guiné, embora longe de imaginar que, no dia seguinte à nossa retirada, começasse a caça aos "traidores", aos "contra-revolucionários", aos "mercenários", aos "colaboracionistas", aos "cães dos colonialistas", aos "cachorros dos tugas"...
Em 1969, ainda estava vivo o Amílcar Cabral e eu, na metrópole, admirava-o, em abstrato, intelectualmente, pelo pouco tinha lido dele (náo tenho pejo em admito-lo hoje).
Mas, por outro lado, também fui cúmplice da integração destes "putos" no nosso exército: mesmo sendo da especialidade de armas pesadas, e não fazendo parte formal, organicamente, de nenhum dos quatro grupos de combate da CCAÇ 12, acabei como vulgar atirador de infantaria, já que a companhia não tinha instalações a defender e era de intervenção ("uma companhia de nharros, carne de canhão", rosnávamos nós, entre os dentes, sempre que saíamos para o mato...).
Alguns (ou até bastantes) vieram das milícias, a maior parte já tinha alguma experiência de combate. E quanto à sua origem geográfica, os nossos camaradas guineenses da CCAÇ 12 (originalmente, CCAÇ 2590), eram oriundos do chão fula e em especial dos regulados do Xime, Corubal, Badora e Cossé, com exceção de um mancanhe, escolarizado, oriundo de Bissau (que se fartou de levar "porradas", por ser "reguila" e "indisciplinado").
“Todos falam português mas poucos sabem ler e escrever", lê-se na história da CCAÇ 12. (O que só era verdade 21 meses depois de os termos conhecido e instruído em Contuboel, em junho e julho de 1969: nunca tiveram tempo sequer de ter aulas regimentais, o português que aprenderam, a falar e a escrever foi connosco.)
___________
sábado, 27 de abril de 2024
Guiné 61/74 - P25453: Em busca de... (325): O ex-cap inf Manuel Figueiras, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70); cor inf ref, morava em Faro em 2005 (Humberto Reis, ex-fir mil op esp, CCAÇ 12, 1969/71)
O artista principal, neste caso, é o alf mil at cav José António G. Rodrigues, natural de Lisboa, e já falecido, comandante do 4.º Gr Comb da CCAÇ 12 (está sentado no topo da mesa de pingue-pongue, com a máquina de projetar e a caixa de "slides").
Em primeiro plano à esquerda, vemos os capitães inf Manuel Maria Pontes Figueiras, comandante da CCS, e Carlos Alberto Machado Brito, comandante da CCAÇ 2590/ CCAÇ 12. Por detrás dos dois, de perfil, o alf mil op esp Francisco Moreira, da CAÇ 12.
Ainda era tudo "periquito", o pessoal da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, chegado a Bambadinca em meados de julho de 1969.
O cap inf Manuel Figueiras veio substituir em setembro de 1969 o cap art António Dias Lopes que por sua vez tinha vindo substituir, um mês antes, o cap inf Eugénio Batista Neves, comandante da CCS/BCAÇ 2852, "transferido por motivos disciplinares", segundo reza a história da unidade).
Foto (e legenda) : © Arlindo T. Roda (2010). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
![]() |
Humberto Reis (2011) |
1. Mensagem enviada pelo nosso colaborador permanente, Humberto Reis, através do Formulário de Contacto do Blogger (*):
Data - sábado, 13/04/2024, 17:41
Boa tarde,
Cumprimentos,
Humberto S Reis | hreis.lda@gmail.com
2. Comentário do nosso camarada Abel [Maria] Rodrigues, ex-alf mil at inf (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) que vive em Miranda do Douro, sendo bancário reformado:
Olá, Luis!
(...) Em relação à foto, não faço a minima ideia, apenas reconheço também o capitão Figueiras, que está ao lado do Brito e me lembro dele por ser revolucionário e algarvio.
Um grande abraço
Abel Rodrigues (**)
https://www.rtp.pt/play/p13269/a-conspiracao
Um outro capitão do nosso tempo (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) é o Passos Marques, Gualberto Magno Passos Marques, cap art, cmd CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72); também morava (ou morava) em Faro. Temos o seu telemóvel e o seu email. Pode ser que ele tenha o contacto, mais recente, do Manuel Figueiras.
(*) Último poste da série > 18 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25406: Em busca de... (324): António Gameiro, ex-alf graduado capelão, BCAÇ 2884 (Pelundo, 1969/71) (Manuel Resende, ex-alf mil, CCAÇ 2585, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71)
(**) Vd. poste de 16 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13149: O que é feito de ti, camarada? (4): Abel Maria Rodrigues, bancário reformado, Mirando do Douro, ex-alf mil at inf, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)
sábado, 6 de abril de 2024
Guiné 61/75 - P25348: 20.º aniversário do nosso blogue (4): Alguns dos nossos melhores postes de sempre (IV): Um roteiro poético-sentimental para um regresso àquela terra verde-rubra (Joaquim Mexia Alves / Luís Graça)
Perspetiva: norte-sul, quando se vem de Bambadinca e Mansambo para Xitole e Saltinho. A ponte, em madeira, de construção ainda relativamente recente e em bom estado, era vital para as ligações de Bambadinca e Mansambo com o Xitole, o Saltinho e Galomaro... A ponte era defendida por um 1 Gr Comb do Xitole, em permanência, dia e noite... Na foto sãos visíveis, em segundo plano à esquerda, o fortim; em terceiro plano, ao fundo, à direita, as demais instalações do destacamento.
Foto: © Arlindo Teixeira Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Foto: © Arlindo Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Foto: © Paulo Raposo (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/ BART 2917 (1970/72) > O Mário Beja Santos, cmdt do Pel Caç Nat 52, em fim de comissão, junto ao edifício de comando, messe e instalações de oficiais. Do lado esquerdo, eram as instalações dos sargentos; o edifício em U fora construído pela Engenharia Militar, BENG 447, ao tempo do BART 1904 (que será substituído pelo BCAÇ 2852, 1968/70)... O Beja Santos, que esteve em Missirá, conheceu estes 3 batalhões.
As instalações de sargentos (à esquerda) e oficiais (à direita) eram agora ocupadas pelo exército da República s Guiné-Bissau... O antigo quartel estava em ruínas. Chegámos a uma hora inconveniente, a da sesta... Trocámos cumprimentos com os oficiais presentes (incluindo o comandante, à civil, de camisola interior, bem como um coronel inspector da artilharia que estava ali, também à civil, de máquina fotográfica e óculos escuros, em serviço, vindo de Bissau...). Fotos que falam por si... Estupidamente, não quis ver o interior do meu antigo quarto (*)...
1. Texto de Luís Graça, a partir do poste P2633 (*)
(i) Recado para uma ida à Guiné
por Joaquim Mexia Alves
Vai, Luís,
Para essa terra quente
Que viveu dor e sofrimento
Para se fazer País.
Vai e leva o meu abraço
Porque num dia,
Num momento,
Também aí fui feliz.
Passa por Mansoa
E sobe para Mansabá
E ao carreiro da morte
Pára e contempla
Das árvores do Morés
O seu porte.
Deixa uma lágrima
E um voto
Por todos os que aí ficaram.
Depois desce a Jugudul
E segue a estrada nova
Que tanto sacrifício me deu.
Passa por Portogole
E mais à frente um bocado
Sobe ao Mato Cão,
E fica ali sentado
Com uma cerveja na mão
A assistir ao Pôr-do-Sol.
Agora que vês Bambadinca,
Depois de parares um pouco,
Segue em frente
Pela estrada do meu suor
A caminho do Mansambo,
Que fica à tua direita.
Na Ponte dos Fulas
Vai a pé,
Ali para a tua esquerda,
Sim, dentro da mata,
Vá, anda,
Porque vais encontrar,
Se agora não me engano,
Uma mata de caju
Onde o macaco cão
Faz barulho que ensurdece.
Volta à estrada
Para o Xitole
E, quando lá chegares,
Senta-te naquela varanda,
Mesmo que destruída,
(reconheci-a entre mil),
E bebe por mim um uísque
Em memória do Jamil.
Segue para o Saltinho,
Banha-te naquelas águas
E não pares,
Arranja um barco
E sobe o Corubal.
Quando chegares ao Xime,
Desembarca na lama preta
E sobe por um bocado,
Apenas para ver a vista.
Regressa ao Geba.
Lá está a Nau Catrineta
Que tem muito que contar,
Embarca agora nela,
Deixa a maré te levar,
Porque assim à noite
Estarás em Bissau, a varar.
Já é tarde,
Estás cansado,
No físico, no coração,
Então senta-te no Pelicano,
E come…
Um ninho de camarão.
Vai, Luís,
Leva-me contigo,
Mata feridas, mata mágoas,
Mata saudades até,
E abraça por mim
A Guiné…
Joaquim Mexia Alves
Monte Real, 27 de Fevereiro de 2008
(ii) Roteiro poético-sentimental
por Luís Graça
Passei por alguns dos sítios
que tu me sugeriste,
a alta velocidade,
com enormes ganas de parar...
Quis controlar as minhas emoções,
quando a vontade era de chorar;
segui em frente,
mesmo querendo ficar;
não tirei fotografias,
com muita raiva minha,
por que me estava a armar em forte...
Tinha apenas em mente o sul,
nunca o leste,
nunca o norte...
Queria apenas mostrar a mim mesmo
que estava a passar o teste da catarse...
Que eu, de facto,
já tinha esquecido a Guiné
e o seu cheiro a morte...
Não esqueci, claro está...
E a Guiné, para mim, era apenas o Corubal,
a perigosa margem direita do Corubal,
o Geba, a Ponta Varela,
a maldita Ponta do Inglês,
o triângulo Xime-Bambadinca-Xitole,
a tristeza das tabancas fulas em autodefesa,
o cerco ao regulado de Badora,
o estrangulamento do regulado Corubal,
o deserto do regulado do Cuor...
A Guiné era o Geba, o Xaianga, o Geba Estreito,
Finete, Mato Cão, Missirá, a Missirá do Tigre,
Santa Helena, Mero, Fá Mandinga, a Fá do Alfero Cabral...
Ah!, e os Nhabijões,
de triste memória.
Era também Contuboel,
a do Renato Monteiro,
o homem da piroga.
Era também Bafatá...
Os tocadores de kora e os ourives
e os ferreiros, mandingas.
Ah!, o Bataclã,
e a sacana da amorosa Helena de Bafatá,
mais o bife com ovo a cavalo na Transmontana.
Era isto e pouco mais.
Joaquim,
desta vez fui a Mansoa,
a Mansoa da tua CCAÇ 15,
onde nunca tinha ido...
À procura de bianda para o almoço, imagina!...
Mas não segui para Mansabá
e muito menos para o carreiro da morte no Morés...
Acabei por ir almoçar
ao restaurante do Hotel Rural de Uaque...
Tive depois um convite,
do camarigo Zé Teixeira
e do seu grupo de beduínos, comilões,
para ir comer leitão a Jugudul…
Leitão em Jugudul, imagina!,
como antigamente,
o leitão dos balantas de Nhabijões,
atropelado pelo burrinho da tropa
(no relatório, alguém escrevia:
animal subversivo e suicidário)
Mas outros deveres,
os trabalhos do Simpósio Internacional de Guileje,
me retiveram em Bissau,
num hotel todo chique,
de muitas estrelas
num céu esburacado de papel de cenário...
Passei pelo teu/nosso Mato Cão,
pelos cerrados palmeirais do Mato Cão,
como cão em vinha vindimada,
vi o cotovelo do Geba Estreito,
onde nos emboscávamos,
para montar segurança às embarcações,
admirei a extensa bolanha de Finete,
passei por Bambadinca,
vi vacas, magricelas, a pastar
na imensão da sua bolanha,
triste bolanha outrora verdejante,
parei em Bambadinca no regresso,
revisitei as ruínas do meu quartel,
não ousei sequer entrar no meu antigo quarto,
não tive estômago ou sangue ou fel
ou coragem ou sequer desejo...
Tomei a seguir a estrada,
alcatroada
(que não havia no nosso tempo)
de Mansambo - Xitole - Saltinho...
Não parei em Mansambo,
por falta de dístico,
nem no teu Xitole.
Apenas no Saltinho,
porque estava no programa turístico...
Mas lembrei-te de ti,
que me encomendaste
este roteiro poético-sentimental,
pedestre, p'ra fazer ao pé coxinho...
Lembrei-me de ti
e do David, o Guimarães,
do Torcato, o Mendonça
do CMS, o nosso Carlos Marques dos Santos,
do Mário, do Beja, do Tigre,
do Jorge, do Bilocas (o Machdinho), do Humberto, o Reis,
do Tony, o Levezinho, do cripto GG,
o nosso arcanjo São Gabriel,
do Fernando Marques, do Jaquim Fernandes,
do Arindo Tê Roda,
e de tantos outros,
sem esquecer o puto Umaré Baldé,
que a morte já levou, em Portugal,
nem muito menos o portuguesíssimo José Carlos,
de seu apelido Suleimane Baldé,
1º cabo, de 1ª classe,
um coração de ouro,
um homem doce,
enfim, todos os camarigos
da minha CCAÇ 12,
e de outras unidades com quem convivi,
em Contuboel, Bambadinca, e arredores,
entre julho de 1969 e março de 1971...
Desculpa-me,
mas não bebi um uísque, por ti e por mim,
à memória do Jamil.
Só bebi um uisquinho no avião
de regresso a Lisboa,
que as bactérias e os vírus na Guiné-Bissau
é quem mais ordenam...
E eu que gostava tanto, como tu,
do nosso uísquinho (coisa boa, não é ?!),
com uma ou duas pedras de gelo
e água de Perrier.
Não subi o Corubal, confesso,
mas fui a Cussilinta,
ver os rápidos,
a Cussilinta onde nunca tinha ido nem poderia,
e foi com contida emoção
que revi os palmeirais
que bordejam o rio,
e o que resta da floresta-galeria...
Não, também não passei
pelo Xime, nem pela Ponte Coli,
muito menos pela triste Ponte do Udunduma,
porque não é esse agora o caminho
de quem agora vem de Bissau,
e estrada só há uma.
Não tomei o "barco turra", o velho barco, ronceiro,
da outrora soberana e imperial Casa Gouveia
nem me sentei na esplanada do Pelicano,
como sugeria o teu roteiro.
E das ostras, só provei a sopa, uma colher,
na casa do Pepito, no bairro do Quelélé...
Agora, vais a Quinhamel para comer ostras,
que a cólera é endémica na capital da Guiné!...
Como vês, fui frugal, espartano, sanitarista...
Fui mau.
Mas um dia prometo seguir à risca o teu plano,
voltar ao Mato Cão,
e à bolanha de Finete,
e à Ponta do Inglês,
e à margem direita do Corubal...
Camarigo,
já foram demasiadas emoções
para uma semana só...
Em todo o caso, sempre gostei mais daquela terra
no tempo das chuvas e do capim alto
e das miríades de insectos à volta dos candeeiros
na noite espessa e húmida...
Mas adorei, confesso que adorei,
a tua sugestão, o teu projecto,
Quem sabe, talvez o faremos
pelo nosso próprio pé...
Um dia destes,
nesta ou noutra encarnação,
Tu, eu e a malta de Bambadinca,
da Zona Leste, que é muita,
e que esteve no sítio tal e tal
e que faz parte da nossa Tabanca Grande...
Obrigado, Joaquim,
até pela ideia
que aos 20 anos se poderia ser feliz.
Ou que a Guiné foi para ti, foi para nós, fado,
fatum, destino,
destino que o Destino quis.
Vemo-nos em Maio, na Ortigosa, Monte Real,
no nosso III Encontro Nacional.
13 de Março de 2008 / Revisto.
_____________
(...) No percurso entre Bissau e Saltinho, não tomei grandes notas. Nem tirei fotos. A caravana seguia a boa velocidade. Fui em estrada alcatroada, ao longo do Geba, por sítios que não conhecia, com belíssimas bolanhas, sobretudo na região de Mansoa. No meu tempo, esta estrada, a norte do Geba, estava interdita. Para a Zona Leste ia-se de barco, até ao Xime, até Bambadinca, até mesmo a Bafatá...
Noto que as estradas modernas, como em toda a parte, atraiem as populações... Há mais tabancas, com maior risco de acidentes, à beira do caminho. Uma das nossas viaturas passou por cima de um cabrito. Ninguém porém parou. Há um membro do governo na caravana e leva escolta policial. Há também uma deputada, antiga combatente da liberdade da pátria...
Passo pela bolanha de Finete, agora com direito a tabuleta. Passo em Mato Cão e o Rio Geba Estreito ali tão perto... Imagino um comboio de barcos da Casa Gouveia a aparecer na curva do rio... E nós ou o PAIGC, emboscados. Passo ao largo de Bambadinca, sem aparente emoção. Mas tenho um pensamento positivo ao lembrar os velhos camaradas que andaram por aqui comigo... Cortamos para o sul, mais à frente, perto de Santa Helena, se não me engano...
Não dou conta de passar por Mansambo: do Xitole, retive apenas a fachada de uma mesquita que não existia no meu tempo... Entrevejo as ruínas do Xitole... Passo pelo Rio (seco) de Jagarajá e por Cambesse onde, em 15 de maio de 1974, teriam morrido os últimos portugueses em combate, segundo o José Zeferino ... A estrada antiga passava ao lado...
A viagem vale pelo Saltinho, o Rio Corubal, as lavadeiras do Corubal... Mas já não há a tensão dramática que percorria a fiada de palmeirais ao longo do Rio, no tempo da guerra... Há também maior desflorestação nesta zona. Os cajueiros são uma praga, na Guiné-Bissau. As bolanhas tendem a ser abandonadas ou a transformar-se em campos de cajueiros... Uma armadilha mortal para os guineenses, para a sua economia, para o seu futuro... O arroz continua a ser a base da alimentação do guineense, de Bissau a Bafatá... Arroz que é importado, em grande parte. (...)
(***) Último post da série > 13 de março de 2024 > Guiné 61/74 - P25267: 20.º aniversário do nosso blogue (3): Alguns dos nossos melhores postes de sempre (III): "Liberdade ou evasão: o mais longo cativeiro da guerra", de António Lobato (1938-2023) (excertos do livro e notas de leitura de Mário Beja Santos)
quinta-feira, 28 de março de 2024
Guiné 61/74 - P25312: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XIII: Cerca de 95% do total dos médicos e 75% dos professores em serviço no território eram militares...
Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados . [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. No seu depoimento sobre a Guiné, no livro escrito a quatro mãos, “África: a vitória traída” (Braga, Intervenção, 1977, pp. 103-142), o gen Bettencourt Rodrigues, o último Com-Chefe do CTIG, tem alguns dados “interessantes” sobre a “situação político-económico-social” do território, reportada aos princípios de 1974:
(i) nos primeiros três meses de 1974 (o último ano da
guerra), destaca-se como grande acontecimento “político-social” o V Congresso
do Povo (de 21 de fevereiro a 10 de abril); mobilizou “alguns milhares de representantes das populações” (sic), tendo dado
lugar a “24 sessões de 4 reuniões cada,
em 19 localidades da Guiné, além de Bissau”, espalhadas por todo o território, e sem qualquer interferência do PAIGC (pp. 107/108);
(ii) de 15 a 20 de janeiro desse ano, a Guiné recebeu a
visita do Ministro do Ultramar que se deslocou a “Teixeira Pinto, Cacheu, Pelundo
e Farim, no Norte, a Nova Lamego e Bafatá (viajando de automóvel entre estas
duas localidades), no Leste, e a Catió e
Caboxanque, no Sul” (pág. 108);
(iii) o orçamento da província nesse ano era de 380 mil
contos (cerca de 20% mais do que o do ano anterior) (a preços de hoje, seriam 72,5
milhões de euros) (acrescente-se que o aumento de 1973 para 1974, não tem significado, era neutralizado pela inflação);
(iv) dava-se início ao Plano de Empreendimentos (no âmbito do IV Plano de Fomento), dotado de 155 mil contos (com incidência sobretudo nas áreas da Educação, Saúde, Vias de Comunicação, Agricultura e Melhoramentos Urbanos e Rurais (155 mil contos era um valor equivalente, a preços de hoje, a c. 29,5 milhões de euros) (pág. 109);
(v) a população escolar era estimada em 61 mil alunos (com
2200 professores), dos quais 91,8% no
ensino primário; no ciclo preparatório e no ensino secundário, havia apenas
6,2% e 2%, respetivamente;
(vi) dos professores no ensino primário (1050, no total), 220 eram
militares (c. 21%);
(vii) o território dispunha de 1 Hospital Central, 3 Hospitais
Regionais, 6 Hospitais Rurais, 50 Postos Sanitários (24 com médico e enfermeiro)
e 12 Maternidades (pág. 109);
(viii) os recursos humanos da saúde eram os seguintes:
- 82 médicos (sendo 4 civis, e os restantes militares);
- 2 farmacêuticos e 1 farmacêutico-analista;
- 360 enfermeiros e auxiliares de enfermagem;
- 2 assistentes sociais e 1 auxiliar social; e
- 76 parteiras e auxiliares de parteira.
(ix) em 1972, o número total de consultas (dadas a doentes civis) foi de 676 mil, mas apenas 1 em cada 4 foi prestada pelos Serviços Provinciais de Saúde, sendo as restantes (74,3%) da responsabilidade das Forças Armadas (pág. 110);
(x) no setor privado empresarial, era de assinalar a
entrada em laboração de uma “fábrica de cerveja e refrigerantes” e de um “parque de armazenagem e
envasilhamento de gases de petróleo liquefeito"; em fase adiantada de
construção, havia uma "nova unidade hoteleira em Bissau";
(xi) a participação das Forças Armadas nas tarefas de desenvolvimento económico-social pode ser ilustrada pelos seguintes dados relativos a recursos humanos:
- 270 militares (37 oficiais, 50 sargentos e 182 praças) estavam destacados em funções exclusivamente civis;
- em acumulação (também com funções civis), havia 137 militares (110 oficiais, 21 sargentos e 6 praças);
- dos 82 médicos em serviço na Guiné, 76 pertenciam às Forças Armadas (e 2 dois eram seus familiares):
- cerca de 75% dos professores eram militares ou seus familiares.
(xii) 160 mil contos (c. 38,5 milhões de euros, a preços
atuais) foi a verba dispendida em 1973 pelas Forças Armadas, no âmbito do
desenvolvimento socioeconómico, sob a forma de “comparticipação direta” (na
saúde, educação e desenvolvimento rural) (c. 40 mil contos), e de “comparticipação
indireta” (transportes e vencimentos pagos a civis, e) (c. 120 mil contos)
(pág. 112).
(xiii) no Plano de Empreendimentos para 1974, cabia às
Forças Armadas a construção de 1500 casas em 44 reordenamentos, 11
postos sanitários e 30 edifícios escolares, a par da continuação da construção
da estrada Aldeia Formosa-Buba (que já estava em fase adiantada);
(xiv) até ao final de 1973, as
Forças Armadas tinham construído 15.700 casas, 167 escolas, 50 postos
sanitários, 56 fontenários e 3 mesquitas, e aberto 144 furos para abastecimento
de água. (pág. 115)
Acrescente-se que toda esta dinâmica vinha já da conceção e execução da política spinolista "Por uma Guiné Melhor"...
O novo Governador limitou-se a apanhar o comboio em andamento, sem tempo, nos 7 meses do seu "consulado", para reformular as políticas e os projetos em curso, da autotia do seu antecessor.
Pora outro lado, é conveniente lembrar que havia escasser de recursos humanos na saúde (bem como na educação): por exemplo, em 3 décadas, de 1960 a 19i0, o número de médicos em Portugal quase que triplica, passando de 7,1 mil (em 1960) para 19,3 (em 1980), mas com crescimento menor entre 60 e 70, de apenas 1,2 mil, situação explicável pelas crises académicas, menor acesso à universidade, existência de apenas 3 faculdades de medicina, inexistência de carreiras médicas, serviço militar obrigatório, guerra colonial, menor cobertura da população por esquemas de saúde públicos e privados, etc.
E também havia falta de enfermeiros, que passaram de 9,5 mil (em 1960) para 22,1 mil (em 1980).
___________Último poste da série > 24 de março de 2024 > Guiné 61/74 - P25302: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XII: Parece que houve um golpe de estado militar em Lisboa...