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quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26029: CCAÇ 675 - Guiné 1964 / 66 - Retalhos do nosso pós-guerra - III - (Parte I) (Belmiro Tavares)


CCAÇ 675
Guiné 1964 / 66


Retalhos do nosso pós-guerra - III

Belmiro Tavares

2024

No dia 12 de maio de 2024, organizámos a nossa confraternização anual para os nossos antigos combatentes da zona norte. Reunimos em Águeda e éramos 35 convivas. Tudo (quase tudo) correu bem! O almoço estava otimo e foi bem servido. Tivemos direito a uma sala só para nós o que é deveras importante; estávamos, absolutamente, à vontade e não incomodámos os vizinhos.

Para esta reunião, tivemos em devida conta, facilitar a vida aos companheiros, principalmente, os que vivem a norte do Douro mas, segundo parece, a benesse não foi bem entendida. No entanto – cereja no topo do bolo – a irmã e o sobrinho do furriel Mesquita (dr.ª Teresa Mesquita e dr. - Francisco Mesquita) bem como três familiares do soldado n.º 2336, Jerónimo Justo (o filho, José Luis, a nora Maria de Lurdes e o neto, Tiago) fizeram questão de nos brindar com a sua benigna presença. 

Além disso, estes participantes anunciaram que estarão presentes também na confraternização do sul, em Benavente, no dia 22 de setembro do ano corrente. O nosso mui querido general, o Tavares, o C. Figueiredo, o Frade, o Luis Moreira e o Santo Marques percorreram mais de duzentos quilómetros para cada lado; o Gabriel Rosa e o M. Cariano palmilharam cerca de duzentos quilómetros na ida e na volta.

Caros minhotos! Tenham em devida conta que todos nós (os elos da nossa robusta corrente) nos sacrificámos imenso, durante aqueles dois longos anos de bruta guerra para criar e alimentar, até ao dia de hoje esta amizade enorme que nos une; esperamos que ninguém pretenda deitar por terra o esforço, a ousadia, a enorme coragem e a amizade que tem unido todos os robustos elos da nossa corrente. Pensem nisso! Esperamos, sinceramente, que todos pretendam que a Gloriosa CCaç 675 se mantenha viva durante muitos anos. O Tavares defende que sempre foi muito bem recebido pelo nosso pessoal do Minho – em boa verdade nunca foi mal recebido pelos antigos combatentes, em parte alguma! Pretende-se que assim continuemos por muitos e bons anos.

O comandante desta tropa especial continua a ser o nosso General Tomé Pinto que se mantém duro como o aço - se, como ele afirmou, no dia 12 de maio de 1965, em Binta, “Com tais soldados (os da CCaç 675) é fácil ser vencedor. Nós diremos que com tal comandante será impossível não ser vencedor; com ele ao nosso lado, tudo era fácil e, todos juntos, vencemos o que parecia impossível. Teremos de continuar a ser vencedores!

Mudando de rumo!
Alfredo Roque Gameiro Martins Barata (1938-2017)


Até ao dia de hoje, não temos notícias dignas de registo acerca do nosso pessoal. Assim sendo, vamos falar de uma figura ímpar da nossa CCaç 675. É certo que não pode haver comparações pois, a sua especialidade era única. Referimo-nos, claro está, ao nosso mui distinto médico, dr. Martins Barata.

Sabemos que provém de uma família de arquitetos e pintores. O seu “mano velho” também foi arquiteto; foi ele quem projetou o emblema da CCaç 675 que veio a ser considerado o mais original (e diferente) de quantos apareceram naquela Guiné tórrida e inclemente. O nosso era, na verdade, simples e simbólico: “CCaç 675 Nunca Cederá” sobre as cores da Infantaria.

Damos como certo que não vamos falar do médico porque não temos cabedal para tanto. Mas podemos afirmar que era um bom médico (muito bom mesmo) e sempre presente onde e quando necessitávamos dele. Nunca virou a cara à luta… à sua luta… que era também a nossa!

Pelo menos nos primeiros tempos de mato, ele foi muito assediado por alguns dos nossos soldados para se livrarem de uma ou outra patrulha mais assustadora. Não constou que alguém tivesse beneficiado de tais artimanhas. O nosso bom Galeno confiava nos seus alargados conhecimentos e experiência de vida e, assim sendo, não seria fácil demovê-lo ou enganá-lo.

Ainda em Bissau, os soldados lamentavam que ele receitava apenas comprimidos LM (Laboratório Militar) e que “os mesmos” serviam para debelar todos os males que os assolavam. O bom do nosso médico foi incansável a explicar que os comprimidos que usávamos eram todos preparados no mesmo laboratório mas tinham finalidades e valências próprias. Conseguiu levar a água ao seu moinho! Tudo ficou esclarecido.

Na primeira quinta-feira que passámos em Bissau, ele mandou distribuir a cada militar, à hora do almoço, um comprimido (“daraprim”, um antipalúdico, se bem me lembro); espalhou-se entre os nossos soldados (nas outras unidades terá acontecido o mesmo) que se tratava “apenas” de um remédio “para combater ou diminuir o “apetite sexual”. Foi difícil combater tal boato entre os soldados, defendendo que se tratava apenas de uma proteção contra o paludismo – uma doença tropical, ainda muito ativa na Guiné e não só. Não evitaria que se contraísse tal maleita mas, quem tomasse aquele comprimido preventivo, não seria tão fortemente atacado.

Com o tempo, tudo entrou nos eixos, devidamente, - o nosso doutor passou no exame – e, lentamente, começou a ser admirado e respeitado (sem imposição) pelos nossos soldados; aliás, ele merecia toda a admiração, consideração e respeito de todos nós.

O doutor Barata gostava de ir connosco para o mato… de vez em quando. O nosso conceituado mestre da guerrilha não gostava (mas não o proibiu) que ele se expusesse, desnecessariamente, e alegava:
- Se o doutor vier connosco de uma patrulha e se tivermos um ferido grave, o senhor não estará nas melhores condições para o tratar como estaria se tivesse ficado no quartel.

O nosso bom Galeno ouviu as palavras sensatas do nosso venerável capitão e terá reduzido o número das suas saídas para o mato… talvez.

Constou que os nossos adversários (os nacionalistas) se assustaram, fortemente, ao ver um militar da CCaç 675 com uma arma tão estranha (uma máquina fotográfica); terão pensado que se tratava de um “lança misseis” e/ou um “drone” e deram corda às sandálias; com o rabo entre as pernas, rumando aos seus esconderijos, como, usualmente, faziam.

Acontece que, no dia 28 de dezembro de 1964, dia em que fomos, severamente, atingidos por uma potente mina anticarro (foi a primeira de seis); o nosso médico estava lá – demos graças a Deus! – caso contrário, os danos poderiam ter sido bem mais graves. Ele manteve-se calmo, atuante e dominou a situação; ia aconselhando os dois cabos enfermeiros, ali presentes, os quais se comportaram como deviam. Naquele dia, de triste memória, nem o fur. mil. enf. Oliveira se encontrava entre os operacionais mas os dois cabos enfermeiros fizeram maravilhas; como soe dizer-se: das tripas fizeram coração! Seguindo o exemplo do seu chefe, iam acorrendo a todos os “focos de incêndio” e… eram tantos, meu Deus!

Sinto vontade de recordar, aqui e agora, as ousadas palavras do mui ilustre “inventor do quadrado móvel” da CCaç 675:
- O soldado português é o melhor soldado do mundo! Ele é corajoso, voluntarioso, valente e ousado. Poderá não morrer pela Pátria ou pela Bandeira, mas, de bom grado, dá a vida pelo seu chefe ou pelo companheiro do lado.
E acrescentava:
- Será que ele – “doa a quem doer”! Será que ele tem as chefias que merece?!

Nota: as palavras em itálico e entre aspas são acrescento nosso.

Voltemos ao campo da verdade!

O dr. Martins Barata conseguiu, no meio daquele inferno medonho e sem os meios adequados, elaborar diagnósticos completos e perfeitos acerca de cada sinistrado.

Agora, será de bom tom lembrar, também, a extraordinária atuação do soldado nativo n.º 108, Mamadu Bangoran (etnia fula), um soldado com muitos altos e baixos. Naquele dia, de triste memória, não fora a sua inaudita coragem e o seu arreigado portuguesismo e teríamos mais mortos, certamente, ou feridos mais graves, ainda. Ele arriscou, literalmente, a sua vida, entrando no meio daquelas chamas alterosas para retirar dali alguns feridos que, por si só, não conseguiriam livrar-se daquele inferno. Reentrou no meio daquelas chamas impetuosas para recolher espingardas, capacetes, carregadores, cantis, etc. para que não fossem parar às mãos dos independentistas vorazes. Não temeu sequer a mais que provável explosão do depósito de gasolina.

Depois disto, juntou-se aos companheiros que enfrentavam, corajosamente, os adversários que desencadearam uma severa emboscada, logo após o rebentamento da desastrosa mina. Escondidos entre o capim alto e denso, iam fustigando a nossa tropa, que, com eficácia os colocou em fuga desvairada.
Era mesmo assim, aquele jovem fula! Naquele dia, portou-se como um herói!

Que será feito de ti, companheiro, Bangoran?! A CCaç 675 fez de ti um homem e não te esquece! Tu também não nos esquecerás, certamente!

(continua)
__________


Nota do editor

Último post da série de 24 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25441: CCAÇ 675 - Guiné 1964 / 66 - Retalhos do nosso pós-guerra - II (Parte III e última) (Belmiro Tavares)

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23995: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (15): Humilhados e ofendidos... (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista, CCP 121 / BCP 12, 1972/74, natural de Águeda)


Victor Tavares

1. O Victor Tavares, natural de Águeda, conterrâmeo e amigo do nosso Paulo Santiago (outro dos nossos "históricos"),  antigo presidente da junta de freguesia de Recardães, sua terra natal, não foi um "tipo qualquer"... Foi um grande combatente e um dos melhores do melhores: ex-1.º cabo paraquedista, da CCP 121 / BCP 12 (Bissalanca, 1972/74),  Tem cerca de meia centena de referências no nosso blogue. Integra a Tabanca Grande desde 6 de outubro de 2006. É, portanto, um dos nossos "veteranos".

Justifica-se, por muitas razões,  a reprodução deste excerto de um poste já muito antigo (*): o Victor dá-nos aqui o retrato do abandono e da humilhação, a que foram sujeitos, em Cacine, os militares que, sob as ordens do comandante do COP 5, major Coutinho e Lima (1945-2022), abandondaram Guileje, em 22 de Maio de 1973, chegando a Gadamael, também fortemente atacada pelo PAIGC, a seguir a Guileje, e salva pelos pára-quedistas e a Marinha -, refugiando-se depois em Cacine. 

A "batalha dos 3 G" foi há 50 anos  (**)... Ainda há gente que se lembra, e participou nos acontecimentos, em Guidaje, em Guileje, em Gadamael... O Vitor Tavares esteve lá,  em todas... Este texto, que voltamos a reproduzir, é também uma forma de ele "fazer a prova de vida"... Andou há tempos atrapalhado com sérios problemas de saúde... Felizmente, superou-os, está melhor, já voltou ao seu Facebook... 

Um abraço fraterno para ele. LG


Gadamel Porto, o outro inferno a sul

por Victor Tavares



Depois de regressada do inferno de Guidaje (***), a Companhia de Caçadores Paraquedista (CCP) 121 encontrava-se estacionada em Bissalanca [Base Aérea n.º 12], gozando um curto período de descanso, após a desgastante acção que tivera no norte da província.

Daí o Comando Chefe entender que os 4 a 5 dias de descanso concedidos já eram demais e ser necessário o reforço das nossas tropas aquarteladas em Gadamael por se encontrarem em grandes dificuldades. Acaba, por isso, por dar ordens para rumarmos a Gadamael, para onde partimos a 12 de Junho de 1973.

Partindo de Bissau em LDG [Lancha de Desembarque Grande] com destino a Cacine, onde chegámos a meio da tarde deste mesmo dia. Como a lancha que nos transportava, não conseguia atracar ao cais por falta de fundo, fomos fazendo o transbordo por várias vezes em LDM [Lanchas de Desembarque Médias] para aquela localidade.

Foi então, logo na primeira abordagem da lancha, que me apercebi que na mesma estava um indivíduo que pela cara me pareceu familiar. No entanto, como o mesmo se encontrava vestido à civil,  calções, camisa aos quadradinhos toda colorida e sandálias de plástico transparente - pensei ser porventura algum civil que andaria por ali no meio da tropa, o que seria natural e podia eu estar errado.

Depois de toda a tropa estar desembarcada, indicaram-nos o local onde iríamos ficar, num terreno frente ao quartel de Cacine. Instalámo-nos e de seguida fomos dar uma volta pelas redondezas, até que no regresso deparo com a mesma criatura, sentada no cais com ar triste e pensativo, típico da pessoa a quem a vida não corre bem. 

Eu vinha acompanhado do paraquedista Vela, meu conterrâneo – e hoje meu compadre. Perguntei-lhe:

Ouve lá, aquele tipo ali não é nosso conterrâneo?

Responde ele:

− Sei lá, pá, isto é só homens.

 "Gadamael ?!... Vocês vão lá morrer todos!"

Por ali estivemos na conversa mais algum tempo, até que tomei a iniciativa de me dirigir ao fulano uma vez que ele continuava no mesmo sítio. Acercando-me dele, perguntei-lhe:

  
 Diz-me lá, camarada, por acaso tu não és de Águeda ?

Responde-me ele:

 −  Sou.
E pergunta-me de seguida:

 E, você, não é de Recardães?

Digo-lhe que sim, cumprimentamo-nos e vai daí perguntei-lhe o que é que ele estava ali a fazer, porque de militar não tinha nada. Respondeu-me que não sabia o que estava ali a fazer, de uma forma triste e ao mesmo tempo em tom desesperado e desanimado.

Entretanto com o desenrolar da conversa, ele perguntou o que estávamos ali a fazer, eu respondi que na madrugada seguinte íamos para Gadamael Porto... Qual não é o meu espanto quando ele põe as mãos à cabeça, desesperado e desorientado, e me diz:

− Não vão, porque vocês morrem lá todos!

Tentei acalmá-lo, dizendo-lhe para estar descansado que nada de grave ia acontecer, pedi-lhe para me contar o que se passava, vai daí, começa ele a relatar o que tinha passado em Guileje e Gadamael até chegar a Cacine. Na verdade depois de o ouvir, não me restaram dúvidas que ele tinha mais do que sobejas razões para estar no estado psicológico aterrador em que se encontrava .


Os militares portugueses que abandonaram Guileje, 
foram tratados como desertores e traidores à Pátria

Entretanto, informa-me da sua situação militar daquele momento tal como a de outros camaradas que abandonaram Guileje. Neste grupo estava também outro meu conterrâneo, que o primeiro foi chamar, vindo este a confirmar tudo.

O que mais me chocou foi a forma desumana como estes militares foram tratados, depois da sua chegada a Cacine, sendo considerados como desertores e cobardes, quando, em meu entender, se alguém tinha que assumir a responsabilidade dessa situação, seriam os seus superiores e nunca por nunca os soldados.

Estes homens foram humilhados por muitos dos nossos superiores  
 que eram uns grandes heróis de secretária!  , foram proibidos de entrar no aquartelamento, não lhes davam alimentação, o que comiam era nas Tabancas junto com a população. 

As primeiras refeições quentes que já há longos dias não tomavam, foram feitas por estes dois homens juntamente com os paraquedistas, porque o solicitei junto do meu Comandante de Companhia, capitão paraquedista Almeida Martins – hoje tenente general na reserva   ao qual apresentei os dois camaradas do exército que lhe contaram tudo por que passaram.


Os dois desgraçados de Guileje eram meu conterrâneos: 
o Carlos e o Victor Correia

Solicitei ao meu comandante para eles fazerem as refeições junto com o nosso pessoal, prontificando-me eu a pagar as suas diárias, se fosse necessário. Ele autorizou os mesmos a fazerem as refeições connosco enquanto não tivessem a sua situação resolvida e a nossa cozinha que dava apoio ao bigrupo que estava de reserva, ali se mantivesse.

O meu comandante expôs o problema destes homens ao comandante do aquartelamento do exército, solicitando que o mesmo fosse resolvido com o máximo de brevidade uma vez que a situação não era nada dignificante para a instituição militar.

É de salientar que estes dois homens já não escreviam aos seus familiares há mais de um mês, porque não tinham nada com que o fazer. Fui eu que lhes dei aerogramas para o fazerem e os obriguei a escrever, porque o seu moral estava de rastos e a vida daqueles militares já não fazia sentido. Dormiam debaixo dos avançados das Tabancas enrolados em mantas de cor verde, não tendo mais nada para vestir a não ser o camuflado.

Estes meus dois conterrâneos que atrás refiro eram o Carlos (que infelizmente já faleceu, natural do lugar de Perrães, Oliveira do Bairro) e o Victor Correia (de Aguada de Baixo, Águeda, e que hoje sofre imenso de stresse pós-traumático de guerra) (****)

[ Selecção / Revisão e fixação de texto / Substítulos / Parênteses retos / Negritos, para efeitos de edição deste poste: LG]
_____________

Notas dos editores:

(*) Vd. postes de:


(**) Ultimo poste da série > 21 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23903: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (14): "Cobarde num dia, herói no outro" (João Seabra, ex-alf mil, CCav 8350, 1972/74)

(***) Vd. postes de:

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

(****) Estes camaradas devem ter pertencido à CCAV 8350 (ou a subunidades adidas, os "Piratas de Guileje" foram os últimos a deixar Guileje, por ordem do comandante do COP 5, o então major Coutinho e Lima (*****).  

Recorde-se que, de 18 a 22 de Maio de 1973, o aquartelamento de Guileje foi cercado pelas forças do PAIGC (Op Amílcar Cabral), obrigando as NT a abandoná-lo (juntamente com algumas centenas de civis)

(i) 2 grupos de combate da CCAÇ 4743 (unidade de quadrícula de Gadamael) (incluindo o seu comandante); 

(ii) CCAV 8350 (unidade de quadrícula de Guileje) (incluindo o comandate do COP 5, major Coutinho e Lima);

(iii) Pelotão de Artilharia, comandado pelo Al Mil Pinto dos Santos (já falecido); 

(iv) Pel Cav Reconhecimento Fox (reduzido, havendo apenas duas Fox); e

(v) Pelotão de milícias local...

 A Companhia Independente de Cavalaria 8350/72 foi a unidade de quadrícula de Guileje entre outubro de 1972 e maio de 1973. Viu morrer em combate nove dos seus homens, entre algumas dezenas de feridos. Foi seu Comandante o Cap Mil Abel dos Santos Quelhas Quintas,  também ferido.

domingo, 30 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16658: Atlanticando-me (Tony Borié) (14): O nosso encontro em Águeda

Águeda, 18OUT2016 - Rio Águeda
Foto: © Dina Vinhal


Décimo quarto episódio (especial) da série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).



O nosso “Encontro”

Uff, nem sabemos bem como nos vamos “atlanticar” de novo, um rio de emoções deixa-nos abalados, era bonita aquela paisagem, o rio dos nossos avós, aquele cartaz turístico do rio Águeda, que quer voltar a ser “a Linda”, do poeta Adolfo Portela, naquela manhã fresca, do mês de Outubro.

Ao fim de uma dezena de anos, voltámos por uns dias à Pátria Mãe, ainda hoje não sabemos ao certo, se era a tal “promessa a Fátima”, da Isaura, nossa companheira e esposa há cinco décadas, se era a vontade de comer de novo, os tais “carapaus fritos em molho de escabeche da Ti’Gloria”, claro, são pequenos “fenómenos” da vida de emigrante!

O Carlos Vinhal, que por alguns anos nos “aturou”, sempre com paciência para corrigir e dar um aspecto mais agradável aos resumos, por vezes eram só um aglomerado de palavras, que ele transformava em textos, que se podiam ler, fazendo com que chegasse ao conhecimento dos nossos companheiros, algumas mensagens de tempo de guerra e não só.

O Carlos, na companhia da sua querida esposa Dina, mostrando a sua qualidade de pessoa de bem para com as pessoas que ao longo de alguns anos com ele contactam, na primeira oportunidade que surgiu, tirou tempo da sua vida, fez alguns quilómetros e veio ver-nos a Águeda, calculam a alegria, um abraço, emoções, a Dina, sua querida esposa, uma “autêntica pessoa de relações publicas”, logo a colocar boa disposição no nosso pequeno grupo, dizendo: “falem, falem, contem lá tudo da guerra que lá viveram na então Guiné Portuguesa, eu e a Isaura, vamos falar de coisas mais agradáveis, olha que linda paisagem o rio nos oferece”! Assim começou o nosso encontro, que se prolongou pela tarde, com o nosso grupo a aumentar, com outras pessoas de Águeda, que iam aparecendo e, conhecendo-nos, alguns do tempo da Escola Primária, íamos falando, trocando abraços, e claro, “molhando a palavra”.

Que convívio agradável, oxalá se possa repetir, com a mesma boa disposição, com saúde e alegria de viver, nesta nossa avançada idade, em que a memória nos recorda a juventude passada neste cenário de Águeda, onde passa um rio, que no inverno engordava, trazendo lá da Serra do Caramulo alguma lama, restos de árvores e outras coisas, parecidas com o que víamos em alguns rios da então nossa Guiné.

Consideramos que este foi um dos momentos mais bonitos desta nossa “autêntica maratona” de alguns dias, que terminou com uma longa viajem de 8 horas e 27 minutos, entre Madrid e Miami, onde entre outras coisas, lemos o livro do José Saúde, que o Carlos gentilmente nos ofereceu, com prefácio do “comandante” Luís”, onde muito bem diz, é um testemunho privilegiado de um português e militar que soube fazer tanto a guerra como a paz.





 

 Bem hajam, Carlos e Dina, pelos momentos agradáveis que nos fizeram passar.

Tony Borie, Novembro de 2016.

************

2. Águeda, 18 de Outubro de 2016
Memorável encontro com o casal Borié
Carlos Vinhal

Águeda, 18 de Outubro de 2016 - Tony Borié
Foto: © Carlos Vinhal

Mal podia esperar pelo dia em que iria conhecer um dos camaradas que mais trabalho me dá no Blogue, no melhor dos sentidos, claro. Ainda por cima alguém que há tantos anos atravessou o Atlântico, em busca de uma vida melhor, e descobriu na nossa página um meio de contacto com camaradas da Guiné, com os quais pode falar e aos quais pode contar aquilo que já ninguém quer ouvir.
São já 247 as entradas que nos levam às memórias dos tempos em que militava no CMD AGR 16, anos de 1964 a 1966, em Mansoa, até às mais recentes viagens e aventuras por aquele imenso país, os Estados Unidos da América.

Na hora aprazada, o Tony estava já no local do encontro, eu estava do outro lado da rua, não o vendo. Resolvi procurá-lo e vejo alguém de costas que só podia ser ele.
Chamei: - Borié.
As suas primeiras palavras foram: - Julguei que não pudesses vir.
Trocámos um abraço sentido, daqueles que só amigos e camaradas, com um passado comum e duro, como nós os que estivemos na guerra, somos capazes de trocar.

Apareceu de seguida a esposa Isaura, fizeram-se as apresentações das respectivas esposas, trocaram-se lembranças e começou logo ali uma sessão de fotografias. Não havia tempo a perder, a tarde ia ser pequena.

Águeda, 18OUT2016
Foto: © Dina Vinhal

Fomos almoçar e logo se juntou um casal amigo da família Borié, o Lino e a Virgínia, ele também de Águeda e ela de Lisboa, ambos da também da diáspora americana.

Do almoço, de excelência, deixo esta foto.

Águeda, 18OUT2016 - Virgínia, Lino e Isaura. De pé: Vinhal e Borié
Foto: © Dina Vinhal

Não se pense que por se estar fora de Portugal há mais de quatro décadas, as pessoas se esquecem umas das outras. Qual quê? Fui testemunha dos amigos que passavam e, reconhecendo o Borié, o cumprimentavam afavelmente, parando para lembrar tempos idos, bem idos. Um dos companheiros de escola primária, o amigo Canas, dono de um estabelecimento comercial na baixa de Águeda, alterou a sua tarde de trabalho para se juntar ao grupo. As mulheres conversavam por um lado, os homens por outro, sendo grupo já de oito.
A determinada altura, o amigo Canas convidou o grupo inicial, mais dois outros amigos que entretanto se nos juntaram, para um copo no seu cantinho, uma pequena dependência anexa à sua residência, por onde passou gente famosa nas várias vertentes artísticas: cantores, instrumentistas, jogadores de futebol, etc, conforme as muitas fotos penduradas nas paredes.
Porque estávamos no norte, sobressaíam inúmeras fotos antigas com as diversas equipas de futebol do "FêCêPê", e até uma do Rui Veloso, que ali mesmo tocou, cantou e, com certeza, encantou. E aquele emblema do FCP, bordado a ponto de cruz, ficava ali mesmo muito bem.

Águeda, 18OUT2016 - Vinhal, Lino, Canas e Borié. Na foto faltam três senhoras e mais dois amigos também presentes.
Foto: © Dina Vinhal

E, de repente, tinham passado mais de 6 horas. A tarde correu sem darmos por isso. Excelente convívio, quase todo ao ar livre, com temperatura amena, apesar do céu encoberto.
O Tony, que tinha anulado compromissos por minha causa, ainda tinha pessoas de família à sua espera.
Chegou o momento da despedida, um pouco tenso, mas com a esperança, quase certeza, de que este foi só o primeiro encontro.
O regresso a Leça da Palmeira, relativamente perto de Águeda, tornou-se penoso, demorando mais de duas horas, apesar de feito todo em autoestrada, mas valeu a pena. Conhecemos pessoalmente o Tony e a sua simpática esposa, e ganhámos dois amigos para a vida.

Um comentário final só para dizer que se outras virtudes não tivesse, a vinda do Borié à sua terra natal, fez com que ele voltasse a escrever para nós.
Caro Tony, não percas o balanço, porque me disseste que tens em caixa outra aventura para narrar.

Foi um enorme prazer estar contigo. Espero ver-te em breve.
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16039: Atlanticando-me (Tony Borié) (13): O que não te mata, faz-te andar como um coxo