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quinta-feira, 20 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26601: Historiografia da presença portuguesa em África (471): Bissau ao tempo de Leopoldina Ferreira ("Nha Bijagó") (1871-1959) (António Estácio, 1947-2022)


Planta da Praça de São José de Bissau. Desenho de Travassos Valdez. Fonte: "África Oocidental" (1864).








Planta da Praça de São José de Bissau. Desenho de Travassos Valdez. Fonte: "África Oocidental" (1864) (Detalhes). Tinha (tem) 4 baluartes: Bandeira, Puana (ou Poama),  Onça e Balança.


Guiné > Bissau > c. 1870 > A Rua de S. José, considerada como a artéria mais importante. Ia do portão da Amura, que estava aberto das 8 às 21h00, ao baluart da Bandeira. 

Após o 5 de outubro de 1910, passou a designar-se como Rua do Advento da República; depois,  Rua Dr. Oliveira Salazar e, após a independência, mudou  em 21 janeiro  de 1975,  paa Rua Guerra Mendes, um dos combatentes da liberdade da Pátria, mortos em combate.

 Fonte: António Estácio - "Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959)" (edição de autor, 2011, 159 pp., il,).




Guiné > Bissaau > Av República > Postal ilustrado > c. 1960/70 > : Av da República (Hoje, Av Amílcar Cabral) > Ao fundo, o Palácio do Governador, e a Praça do Império; do lado direito, a Catedral de Bissau... Sob o arvoredo, do lado direito, a esplanada do Café Bento (O postal era uma Edição Comer, Trav do Alecrim, 1 - Telef. 329775, Lisboa).

Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




António Estácio (Bissau,
Chão de Papel, 1947 -
Sintra, Algueirão  2022),
V Encontro Nacional
da Tabanca Grande, Monte Real,
 2010.
Foto: Luís Graça (2010)
1. Já na altura demos o devido destaque a esta publicação do nosso querido e saudoso camarada e amigo António Estácio (1947-2022): nascido em Bissau, fez o serviço militar em Angola, em 1970/72), foi engenheiro técnico agrícola, deixou saudades em Macau, escreveu diversos livros, vivia em Algueirão, Sintra, tinha duas filhas e seguramente netos. 

A propósito das mudanças de toponímia de Bissau logo no início de 1975 (*), fomos revisitar o livrinho "Nha Bijagó: respeitada personalidade da  sociedade guineense (1871-1959)" 
(edição de autor, 2011, 159 pp., il,).  (**)

Do prefácio, escrito por Eduardo Ferreira
respigamos entretanto os seguntes excertos (**):

(...) Ao ler este livro  não podemos 
deixar de pensar nas grandes figuras femininas, que foram as “sinharas” e que tanta 
influência tiveram na costa ocidental 
africana,  em particular  nos Rios da Guiné, 
entre  o século XVI e finais do século XIX. 

Essas mulheres que eram na sua maioria crioulas, geriam com enorme maestria os negócios dos seus maridos europeus ou eurodescendentes, resolvendo conflitos, realizando pactos com as autoridades locais, de modo a que as actividades comerciais decorressem sem delongas e fossem coroadas de êxito. 

A sua condição de crioula, dava à “sinhara” uma capacidade negocial ímpar, pois sendo detentora de uma dupla identidade cultural, era com facilidade que fazia a ponte entre as populações locais e os alógenos,  nomeadamente os europeus. 

Ficaram famosas na Guiné algumas dessas “sinharas” como:

  • a Bibiana Vaz, 
  • a Aurélia Correia conhecida por “mamé Aurélia”, 
  • a Júlia Silva Cardoso também conhecida como “mamé Júlia” 
  • e a Rosa Carvalho Alvarenga, mãe de Honório Pereira Barreto, 

entre muitas outras. 

Leopoldina Ferreira, vulgo “Nha Bijagó”, é em meu entender uma das últimas grandes “sinharas” da Guiné, pois o seu perfil enquadra-se na perfeição no papel desempenhado por essas influentes mulheres africanas, referenciadas por diversos autores como foi o caso de:

  •  André Álvares d’ Almada na sua obra “Tratado Breve dos Rios de Guiné do Cabo Verde” de 1594
  •  ou de George E. Brooks com “Eurafricans in Western Africa” publicado em 2004 
  • ou ainda Philip J. Havik com “Trade in the Guinea-Bissau Region: the role of african and luso-african women in the trade networks from early 16th to the mid 19th century” publicado em 1994, 
para apenas citar alguns.

(...) Um aspecto particularmente interessante nesta obra de A. J. Estácio, é a ligação cronológica que o mesmo faz, entre importantes acontecimentos políticos, administrativos e militares, que tiveram lugar na então Guiné Portuguesa, e as diversas fases etárias da biografada, ainda que esses factos não tenham qualquer ligação directa com a personagem tratada neste livro! 

O autor quis desse modo, dar-nos a conhecer alguns factos da história da então colónia/província da Guiné, que tiveram lugar entre 1870 e 1959, período que abarca a vida de “Nha Bijagó”  (...)

(...) Com esta publicação, António Júlio Estácio, revela-nos mais uma vez, o seu grande apego e dedicação às coisas e às gentes da terra que o viu nascer. (...)

Eduardo J. R. Fernandes, "Prefácio" (**)

[O Eduardo Fernandes foi amigo e condiscípulo do autor no Liceu Honório Barreto, em Bissau, e na alutra, em 2011, era comentador da RDP África].

Leopoldina Ferreira,
Nha Bijagó
(1871-1959)
2. Leopoldina Ferreira Pontes, "Nha Bijagó"  (Bissau, 1871 - Bissau, 1959) e a cronologia da cidade de Bissau

Aproveitando a vasta e valiosa pesquisa historiográfica do António Estácio, uma homem de várias pátrias (Guiné-Bissau, Portugal, Angola, Macau...) vamos aqui recolher e sintetizar algumas datas marcantes do desenvolvimento urbano de Bissau, correspondente ao período em que viveu a "Nha Bijagó" (1871-1959), acrescentando mais algumas de outras fontes:


(i) Leopoldina Ferreira (Pontes, pelo primeiro casamento...) nasceu em Bissau em 4 de novembro de 1871

(ii) era filha ("ilegítima", segundo a terminologia do  Código Civil em vigor na época, o de 1866) de João Ferreira Crato (natural do Crato, Alto Alentejo, comerciante na Guiné);

(iii) morreu aos 87 anos, em 26 de maio de 1959;

(iv)  o nominho Nha Bijagó deve tê-lo recebido da mãe, Gertrudes da Cruz (de etnia bijagó, natural de Bissau);

(v) pouco antes de ela nascer, em 1871, o 18º Presidente dos Estados Unidos da América, Ulysses Simpson Grant , proferiu a sentença referente à posse da ilha de Bolama, pertencente ao, então, distrito da Guiné, favorável a Portugal o que pôs termo ao conflito se arrastava com os ingleses;

(v) nessa altura Bissau era uma povoação encravada entre a fortaleza de S. José e um muro, com 4 metros de altura;

(vi) a igreja e o cemitério ficavam no interior da Amura;

(vii) de entre as poucas ruas e ruelas, extra-muros, a Rua de S. José era considerada como a artéria mais importante: a do portão da Amura, que estava aberto das 8 às 21h00, ao baluarte da Bandeira; após o 5 de outubro de 1910, passou ser a Rua do Advento da República; depois, a Rua Dr. Oliveira Salazar e, após a independência e a 21 janeiro  de 1975 a Rua Guerra Mendes; funcionaca como "passeio público" e tinha casas de sobrado

(viii) em 1872, tinha ela cerca de um ano "quando as ruas de Bissau começaram a ser iluminadas a petróleo" mas ainda eram "poucos os candeeiros";

(x) a 1877, foi criado o concelho de Bissau, sendo de 573 habitantes a população na área murada, composta por :

  • 391 nativos, 
  • 166 oriundos de Cabo Verde 
  • e, apenas, 16 europeus.

(xi)  em 1879, ainda a Nha Bijagó não tinha completado os oito anos, foi “a sede do Governo transferida para Bolama";

(xii) no dia 3 de agosto do mesmo ano, assinou-se o tratado de cessão a Portugal do território de Jufunco, ocupado pelos Felupes;

(xiii) pouco antes de Leopoldina completar os 12 anos de idade, 1883, foi publicado o decreto que dividiu a província da Guiné  em quatro circunscriçõess, criando-se assim os concelhos de Bolama, Bissau, Cacheu e Bolola. 

(xiv) tinha ela 14 anos quando Portugal e a França celebraram [ em Paris, em 1886] a convenção referente à delimitação das possessões dos 2 países na África Ocidental e que correspondem às atuais Repúblicas do Senegal, Guiné-Conacri e Guiné-Bissau;
.
(xv) as más condições climatéricas, agravadas pela insalubridade da região, dizimavam a população de tal modo que, em 1886, Bissau era o menos povoado de todos os aglomerados urbanos da Guiné;

(xvi) tinha Nha Bijagó já 18 anos quando foi, então, lançada, em 1889,  a primeira pedra para a tão almejada ponte-cais; (foi designada  por ponte Correia e Lança, em homenagem a Joaquim da Graça Correia Lança  Governador da Guiné., de 1888 a 1890)

(xvii) ano e meio depois, em fevereiro de 1891, o chefe dos Serviços de Saúde defendia que a capital deveria regressar à ilha de Bissau, ainda que para local ligeiramente diferente, isto é, puxando-a para a zona de Bandim que se situava “em terreno suficientemente elevado e com vertentes para a praia arenosa.”, o que, em termos de drenagem e salubridade, era, indubitavelmente, vantajoso; 

(xviii) à beira de completar 22 anos, registaram-se, no interior da fortaleza, dois incidentes graves, em 1893:

  •  o incêndio da enfermaria militar  (13 de janeiro) (vd. planta, 3);
  •  uma explosão (em 9 de maio);

(xvix) a 7/12/1893, a vila sofreu um grande cerco, movido por elementos da etnia Papel a que se juntaram os Balantas de Nhacra;

(xx) em 1894, é demolida uma  parte do muro de 4 metros de altura que ia do Fortim Nozolini ao Baluarte da Balança (vd. planta, 11, 13), com o objetivo de se construir uma igreja católica;

(xxi)  por volta dos seus 25 anos, dada a elevada densidade populacional intramuros, o governador Pedro Inácio Gouveia autorizou “o aforamento de, terrenos no ilhéu do Rei”,  tendo, em 1900, ali, chegado a ser instalado um lazareto; 

(xxii) a implantação da República em Portugal levou à mudança do Governador e, em 1912/13, o primeiro-tenente Carlos de Almeida Pereira manda demolir o muro que constrangia a expansão urbana;


Guiné > Bissau > s/d > Av República (hoje Av Amílcar Cabral), com placa central guarnecida  com árvores, que nos anos 50 seria removida, dando lugar a uma ampla avenida, com duas faixas de laterais, arborizadas, destinadas a estacionamento e delas separadas por um passeio. Fonte: António Estácio (2011)
  

(xxiii) Com a República há mudanças na toponímia:

  • Rua de S. José > Rua do Advento da República
  • Rua do Baluarte da Bandeira > Rua Almirante Reis
  • Travessa Larga > Travessa do Dr. Miguel Bombarda
  • Travessa da Botica > Travessa 5 d’ Outubro
  • Travessa da Ferraria > Travessa Honório Barreto;

(xxiv) depois da "campanha de pacificação" do cap João Teixeira Pinto (1913/15),  Bissau é finalmente  objeto dum plano de urbanização que lhe permitiu crescer de forma disciplinada e segundo malha ortogonal bem definida;

(xxv) a autoria do plano é do tenente-coronel engenheiro José Guedes Viegas Quinhones de Matos Cabral que, no início da década de vinte, seria o director das Obras Públicas na Guiné;

(xxvi) para além do Mercado Municipal e do Cemitério, por detrás do Hospital, etc., procedeu-se ao aterro e à regularização do molhe da rua marginal (Rua Agostinho Coelho, numa evocação do primeiro governador da Guiné)  e à construção do edifício-sede da Alfândega;

(xxvii) ao completar Nha Bijagó os seus 62 anos, teve lugar, em 1933, a transferência da sede da comarca judicial da Guiné, que passou de Bolama para Bissau;

(xxviii) em 1934, procedeu-se ao lançamento da primeira pedra para a construção do monumento ao Esforço da Raça, da autoria do Arq Ponce de Castro; as pedras foram enviadas do Porto e o monumento foi inaugurado em 1941; o único monumento colonial que resistiu ao camartelo revolucionário;



Guiné > Bissau > Fortaleza da Amura > Baluarte da Puana > c. 1900 > Tropas expedicionárias (Foto do domínio público. Coleção Jill Rosemary Dias, em Memórias de África e do Oriente > Cortesia der Wikimedia Coommons)


Fortaleza da Amura. Foto de Manuel Coelho (c. 1966/68)


(xxix) em 1936, a Associação Comercial e Industrial da Guiné cedeu ao Estado o terreno que lhe fora concedido, o qual se destinava à sua sede e ficava em frente ao  edifício do Banco Nacional Ultramarino, para no local se construir um grande edifício onde, a par do Tribunal, foram instalados os Serviços de Administração Civil, assim como os Serviços de Fazenda;

(xxx) em 1939 foi a Fortaleza de S. José, vulgo Amura, classificada como Monumento Nacional

(xxxi) em finais da década de 30 foi celebrado o contrato para a realização dos estudos de abastecimento de água, melhoramento que só se viria a concretizar  na segunda metade da década  de 40;

(xxxii) transferência da capital de Bolama para Bissau,  em 19 de dezembro de 1941;

(xxxiii) em 1945 toma posse o novo governador, Sarmeno Rodrigues. (***)

 (xxxiv) em meados dos anos 40:

  • efetua-se um novo projecto de urbanização;
  • mudam de nome  as vilas de Canchungo (Teixeira Pinto) e Gabú (Nova Lamego)
  • procede-se à construção do depósito de água no Alto de Intim
  • assim como do Palácio do Governador; 
  • constroem-se moradias no “Bairro Portugal”
  • surge o Bairro de Santa Luzia; 
  • deu-se início à edificação da Catedral, do Museu e Biblioteca, etc.
(xxxv) procedeu-se à colocação de estátuas como a do navegador Nuno Tristão, a de Teixeira Pinto, a do grande guineense Honório Pereira Barreto, etc.

(xxxvi) a Rua Honório Barreto foi, na Guiné, a primeira a ser asfaltada e reabriu em 6/4/1953;

(xxxvii)  de tudo isto e a muito mais Nha Bijagó foi contemporânea, como de:

  • a conclusão da nova ponte-cais, inaugurada em 18/5/1953 pelo Subsecretário de Estado Raul Ventura, 
  • a construção do aeroporto em Brá e à sua transferência para Bissalanca; 
  • a visita do Presidente da República Craveiro Lopes; 
  • a  inauguração do edifício situado na, então, Praça do Império, onde ficou a sede da Associação Comercial e Industrial da Guiné, etc. (****)

Fonte: Adapt. livre de António Estácio - "Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959)" (edição de autor, 2011, 159 pp., il,).

[Selecão / revisão / fixação de texto para efeitos de edição no blogue: LG]



Nova ponte-cais (1953) e estátua de Diogo Gomes.
Postal ilustrado, edição Foto Serra.



Guiné > Bissau > s/d  > "Monumento ao Esforço da Raça. Praça do Império"... Bilhete postal, nº 109, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa")



Guiné > Bissau > s/d  > "Praça Honório Barreto e Hotel Portugal"... Bilhete postal, nº 130, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa")

Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalizações: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).



Guiné- Bissau > Bissau > c.  2010 > Vista aérea do centro histórico: Av Amílcar Cabral (antiga Av da República, que partia da Praça do Império), ao fundo o cais do Pijiguiti (ou Pindgiguiti, como se escreve agora...), o porto de Bissau,  o ilhéu de Rei... Em primeiro plano, à esquerda, o edifício da administração civil da época colonial, hoje sede o ministério da Justiça.  O edifício a seguir, branco, no cruzamento da Av Amílcar Cabral com a Rua 19 de Setembro ea então o da  RTP África (antiga localização do Café Bento / 5ª Rep).



Guiné- Bissau > Bissau > c. 2010 > Vista aérea do centro histórico: Av Amílcar Cabral (antiga Av da República, que partia da Praça do Império). Em primeiro plano, a Catedral de Bissau.

Fotos:  © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
























_____________

Notas do editor LG:

(*) Vd. postes de:




 

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26461: As nossas geografias emocionais (40): A Casa Gouveia e o Café Bento num conhecido postal da época, da coleção do Agostinho Gaspar (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74)




Guiné > Bissau > s/d (c. anos 60) > Sem legenda >  Av da República (hoje, Av Amílcar Cabral) >  Ao fundo no início da avenida, o Palácio do Governador, e a Praça do Império; do lado direito, a Catedral de Bissau (em segundo plano)...  

No final da avenida, tínhamos a Casa Gouveia, à esquerda, em primeiro plano, com a esplanada do Café Bento à direita (e contigua à  sede da Administração Civil: deswte edifíci, só se vê praticamente o telhado, acima do arvoredo)

 (Edição Comer, Trav do Alecrim, 1 -Telef. 329775, Lisboa). Colecção: Agostinho Gaspar  (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74). 

Edição (e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).


1. Mais umas "vistas" que os ajudam a localizar melhor a famosa esplanada do Café Bento / 5ª Rep (*). Quem nunca lá foi, não pode dizer que esteve na Guiné (**).

Depois,  tudo  o vento (da História) levou... 

A Casa Gouveia passou a Armazém do Povo e o Café Bento fechou por falta de cerveja, de "apanhados do clima" (que eram os clientes e bebedores de cerveja) e, claro, da matéria-prima (que era a guerra) com que se faziam combatentes, da frente e da retaguarda, heróis, cobardes, coirões,  espiões, pides,"turras",  bufos,  etc.  (Logo ali ao lado, era a Amura, a sede do QG/CCFAG, com os seus centenários poilões.)

A 5ª Rep era a "fábrica de boatos" da guerra... Também tinha como em Saigão, "djubis" que engraxavam as botas das tropa...Nunca lá puseram, felizmente, nenhum engenho explosivo...  

No final da guerra, sim, haverá um atentado terrorista  contra o Café Ronda (café e pensáo, uma espelunca), em 26 de fevereiro de 1974. E foi da responsabilidade do PAIGC, que quis mostrar, no 1º aniversário da morte de Amílcar Cabral, que podia atingir alvos urbanos e civis no coração da capital... 

Felizmente que a incursão pela "guerrilha urbana" ficou por ali...mas foi o suficiente para causar algum alarme entre os militares e suas famílias, que viviam em Bissau... Provocou um princípio de debandada... (Resta saber se Amílcar Cabral, se fosse vivo, aprovaria este tipo de escalada da guerra, com recurso a atentados cegos, causando vítimas inocentes entre a população civil.)

O Cafe Ronda situava-se também na Av da República, um pouco mais abaixo do cinema UDIB e do lado contrário ao deste,

Quem disse que a Guiné foi o nosso Vietname ?... Era uma das bocas com que se "emprenhavam os ouvidos aos piriquitos" quando chegavam esbaforidos e sequiosos a Bissau... (LG)

_______________

Notas do editor:

sexta-feira, 24 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24166: Dossiê Pidjiguiti, 3 de agosto de 1959 - Parte II: A versão do guarda-livros da Casa Gouveia, e dirigente do PAI, o Luís Cabral

Guiné-Bissau > Bissau > Cais do Pidjiguiti

Fogo (e legenda) © Paulo Salgado (2005).Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Bissau > Postal de Maio de 1966 > Ponte-cais de Bissau e não cais do Pidjiguiti (que ficava mais à direita e onde atracavam as embarcações de pesca e de transporte de cabotagem),

Foto: © Virgínio Briote (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Bissau > s/d > Vista aérea da Ponte Cais, e de parte da zona ribeirinha da Bissau Velha: à direita o edifício da Alfândega, em frente a praça e a estátua de Diogo Gomes e portão de armas e as muralhas (lado sul) do forte de São José da Amura (coberto de seculares poilões)... Do lado esquerdo (e já não visível na imagem) ficava o cais do Pidjuiguiti.

A ponte-cais do porto de Bissau (obra emblemática do governo de Sarmento Rodrigues, remontando o início das obras a julho de 1948) é inaugurada em 1953 por Raúl Ventura, subsecretário de estado do Ministério do Ultramar, sendo Sarmento Rodrigues ministro da tutela.

Pormenor de: Bissau. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 119" . (Edição Foto Serra, COP 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte - Publicações e Artes Gráficas, SARL).


Guiné > Bissau > s/d > Vista  da ponte-cais (ou porto) de Bissau, a partir da praça Diogo Gomes).

Pormenor de: Bissau. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 119" . (Edição Foto Serra, COP 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte - Publicações e Artes Gráficas, SARL).



Guiné > Bissau > s/d  [c. 1960/70] > Pormenor de monumento a Diogo Gomes (às vezes confundido com Diogo Cão) e Edifício das Alfândegas > Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 136". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal).

Bilhetes postais: Colecção do nosso camarada, natural do concelho de Leiria, Agostinho Gaspar (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72,  Mansoa, 1972/74),



Guiné-Bissau > Bissau > Bissau Velho, com as ruas rebatizadas pelo PAIGC > 1975 > Planta da cidade > Localização de: (i) fortaleza da Amura; (ii) cais ou porto  do Pidjiguiti (à esquerda); e (iii) porto de Bissau (à direita)... Alguns leitores confundem, por vezes, a ponte-cais de Bissau com o cais do Pidjiguiti (para sempre associado aos acontecimentos de 3 de agosto de 1959).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015)

1.  Os graves e trágicos acontecimentos de 3 de agosto de 1959, no cais do Pidjiguiti, são uma página triste na história da presença portuguesa em África. Nunca deveriam ter ocorrido. Como já o dissemos, as autoridades da época, a Casa Gouveia e o seu gerente António Carreira ficam mal na "fotografia da História"... Mas passados mais de 60 anos continuam a ler-se versões díspares, nomeadamente sobre o que realmente aconteceu, a sua origem, processo e consequências.

Há poucos relatos contemporâneos.  E não há imagens, ao que parece (*). É importante continuar a confrontar, serena mas criticamente, as diferentes versões. Uma delas é a do nosso camarada Mário Dias que esteve lá, integrado numa força militar, uma companhia de recruta que foi desviada no seu regresso ao quartel de Santa Luzia, depois de prestar honras militares, em Bisslanca, a subsecretário de Estado da Aeronáutica, a caminho de Angola: os recrutas levavam mausers sem munições, não tinham quaisquer armas automáticas (**). 

A outra versão é a do Luís Cabral (LC) , na altura guarda-livros da Casa Gouveia, e que irá sair clandestinamente do território alguns meses depois, no início de 1960. 

Como  futuro dirigente do PAI (e depois PAIGC), tem uma leitura "enviesada" do que aconteceu, mas de que foi também testemunha ocular (parcial, como o Mário Dias).  Todavia, há erros factuais na sua versão, escrita vinte e tal anos depois, já no exílio: consta do seu livro "Crónica da Libertação" (Lisboa, O Jornal, 1984). Excertos dessa versão já foram aqui em tempos publicados (***). Mas justifica-se voltar a reproduzir uma parte e compará-la com a versão do Mário  Dias.

Excertos de Crónica da Libertação, 

de Luís Cabral (1984) (pp. 65-73)(**)

(i) Reivindicações laborais do pessoal das docas e do transporte de cabotagem

(...) A situação das equipagens das lanchas e outras embarcações das empresas coloniais era, em 1959, bastante deplorável. Os salários variavam entre 150 e 300 escudos  [o equivalente, a preços de finais de 2022, em Portugal, a 75 e 150 euros, respetivamente]; o capitão da embarcação ganhava ainda menos do que o motorista, pois este em geral sabia ler e gozava do estatuto de "civilizado". Os restantes membros da tripulação, sendo considerados «indígenas», tinham de contentar-se com um salário de miséria, sem quaisquer regalias.

O transporte de cabotagem era, sem dúvida, o que garantia os maiores lucros às empresas, dado que os seus encargos por tonelada transportada eram de longe os mais baratos. Para cada viagem, o tripulante recebia, para a sua alimentação, uma determinada quantidade de arroz e mais 15$00 por mês para mafé  [o equivalente, a preços de finais de 2022, em Portugal, a 7,50 euros] , quer dizer, $50 por dia destinados à compra dos condimentos necessários ao molho para o arroz.

Havia já muitos meses que os marinheiros vinham pedindo uma melhoria da sua situação, sem qualquer resultado. Faziam-lhes promessas, é certo, mas a mesma situação mantinha-se e os trabalhadores não viam, na verdade, nenhumas perspectivas de mudança.

Encorajados com o descontentamento crescente dos trabalhadores das docas, cuja situação também era escandalosamente má, os marinheiros fizeram saber às empresas que estavam decididos a parar o trabalho se as suas reivindicações não fossem atendidas. As respostas das direcções das empresas, já concertadas quanto à sua açção, continuaram a ser promessas sem quaisquer garantias.

(ii) Contexto político, interno e externo

(...) A situação política no meio dos trabalhadores africanos já não era, no entanto, a mesma na Guiné. O trabalho clandestino do Partido [PAI] tinha avançado bastante e no meio dos marinheiros e dos homens das docas existiam militantes já seguros da justiça da luta.

A nossa zona geográfica vivia com entusiasmo o fenómeno novo da independência da República da Guiné [Conacri] e seguia os preparativos para a independência do Senegal, tudo isso concorrendo para dar mais força às palavras de ordem do Partido e galvanizar o interesse geral na conquista duma vida melhor e mais digna.

Nesta nova conjuntura, os marinheiros e os trabalhadores do porto juntaram as suas forças, concertaram-se e chegaram à conclusão de que a única solução para os seus males só podia vir da luta corajosa contra as empresas exploradoras.

(iii) A greve

(...) A partir da noite do dia 2 de Agosto de 1959, as embarcações que chegavam ao porto de Bissau eram cuidadosamente arrumadas nas cercanias do velho cais de Pijiguiti. 

Os homens desembarcavam confiantes em si próprios e nas cerimónias certamente feitas aqui e ali, onde as entranhas das galinhas sacrificadas teriam futurado um bom augúrio para a luta que se aproximava. 

Os capitães das lanchas dirigiam-se aos responsáveis das empresas para lhes dizer que os tripulantes tinham abandonado as suas embarcações.

Na manhã do dia 3 de Agosto, centenas de homens estavam estacionados no recinto do cais de Pijiguiti. Nos seus espíritos decididos, a interrogação era grande sobre a reacção das autoridades coloniais, à qual iam opor a sua firme decisão de continuarem a greve enquanto não fossem atendidas as suas reivindicações.

(iv) O ultimato aos grevistas por parte do António Carreira, gerente da Casa Gouveia

(...) Os chefes das empresas, encabeçados pelo subgerente da Casa Gouveia [referência ao cabo-verdiano António Carreira] , mandaram um ultimato aos grevistas: ou regressavam às suas embarcações e aos seus postos de trabalho em terra, ou pediam a intervenção do exército e da polícia. 

Homens como os que se encontravam ali, no Pijiguiti, juntos, unidos e conscientes dos seus direitos, não podiam ceder a um primeiro ultimato, e mantiveram-se por isso firmes na sua decisão de continuar a luta.

(v) Reacção das autoridades

(...) As autoridades estavam atónitas diante da maneira como a greve fora organizada. Nenhuma fuga de informação pudera ser detectada e ali estavam eles impotentes para quebrar o bloco homogéneo que não cedia às ameaças, e que às promessas aliciantes que lhes foram apresentadas, poucas palavras tinham para dizer - mais pão, mais justiça.

No fim da manhã, as autoridades reuniram-se com os dirigentes das empresas para decidir das medidas a tomar. A Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), cujos tentáculos criminosos se tinham já estendido aos nossos países, fora surpreendida como toda a gente e teve de reconhecer que havia qualquer coisa de novo na Guiné.

A decisão fatal foi rapidamente tomada: se até à tarde os trabalhadores não retomassem o trabalho, as forças da repressão deviam agir com a maior prontidão e dureza, para servir de exemplo; só uma acção enérgica e pronta das autoridades poderia convencer os grevistas e o povo em geral de que o Governo não estava disposto a ceder à subversão.

(vi) Resposta dos grevistas

(...) Os homens do porto, esses, não estavam dispostos a vergar. Os tambores que no passado tanto tocaram para chamar o povo à resistência até arrebentarem, voltaram de novo a recompor-se para apelar à luta contra a dominação estrangeira. Tinham voltado de novo a vibrar, desta vez com mais força e vigor ao ritmo da nova esperança nascida com o aparecimento do nosso Partido.

A vida em Bissau parecia ter parado para seguir os acontecimentos. Apenas se viam passar nas ruas os carros da polícia até ao momento em que as forças militares e paramilitares avançaram para o porto.

Os trabalhadores em greve fecharam o portão de acesso ao cais de Pijiguiti, apanharam tudo quanto podia servir para se defenderem e aguardaram. Mas como defender-se com remos com paus ou pedaços de ferro, quando o inimigo trazia armas automáticas modernas e estava disposto a matar? E isso, infelizmente, os heroicos trabalhadores do porto ainda não sabiam.

(vii) Tiros, mortos e feridos

(...) Poucos minutos depois ouviam-se os primeiros tiros: os soldados e a polícia tinham acabado de romper a frágil barragem do portão e penetravam no recinto do cais, atirando impiedosamente contra os grevistas que, a princípio, ainda tentaram defender-se. Cedo, porém, depois de verem cair muitos companheiros, compreenderam que, diante da cruel realidade, a única solução era procurar fugir do cais, para escapar à morte.

À medida que uns caíam mortos ou feridos, outros procuravam por todos os meios alcançar a saída mais livre e a única que parecia segura, tentando, enquanto ainda era tempo, atravessar a estreita passagem que conduzia ao rio Geba, portanto às embarcações que ali estavam ancoradas.

À medida que os homens conseguiam alcançar a ponta do cais, iam-se atirando às águas do rio e nadavam desesperadamente para alcançar as embarcações. A horda colonialista com os monstruosos sucessos alcançados, também avançou para a ponta do cais de Pijiguiti. 

Fazendo dali calmamente a pontaria, conseguiram ainda matar ou ferir muitos homens entre os que se tinham atirado desesperadamente ao rio Geba. E não eram só militares, ou só militares e agentes da polícia, os que atiravam. Também se juntaram a eles elementos civis com as suas armas pessoais, que depois se vangloriavam da sua participação na caça selvagem aos homens do 3 de Agosto.

(viii) Saída dos escritórios da Casa Gouveia

(...) Saímos cedo do trabalho. Os escritórios da Casa Gouveia ficavam perto do cais de Pijiguití e não era possível trabalhar com o barulho terrível do tiroteio, tendo às portas tão criminoso espectáculo, sem precedentes nos nossos dias. Ficámos de pé no passeio, mesmo em frente do grande edifício onde trabalhávamos. Além de mim, estavam Carlos Correia, Elysée Turpin (4) e outros colegas. 

Os polícias que ali passavam, mesmo à nossa frente, estavam muito excitados e queriam mais vítimas, empurrando e provocando as pessoas sem qualquer razão ou talvez com o objectivo premeditado de ver as reacções que se seguiam.

Um dos polícias empurrou pelo peito o Carlos Correia, que protestou pela incorrecção que isso representava. Foi o suficiente para o agente o prender e mandar imediatamente para a esquadra mais próxima. Que podíamos nós, seus companheiros, fazer naquele momento? Unicamente sair dali, procurar abrigar-nos nas nossas casas contra a fúria criminosa desencadeada no porto de Bissau.

(ix) No apartamento 
 [do LC, que pertencia à Casa Gouveia] 

(...) Da varanda do meu apartamento, que estava situado frente ao porto, pude presenciar a parte final do monstruoso crime da caça ao homem no rio Geba. O sol desaparecera nessa tarde dos céus de Bissau; a atmosfera pesada e escura parecia gritar com o povo. A tarde sangrenta de 3 de Agosto fizera mais de cinquenta mortos e muitas dezenas de feridos entre os marinheiros pacíficos que mais não queriam que viver um pouco melhor.

Saí. Queria andar, tinha necessidade absoluta de me encontrar com camaradas meus. Consegui alcançar as traseiras do banco 
 [BNU] onde encontrei alguns camaradas que me informaram de que um marinheiro ferido estava escondido no pavilhão dos solteiros. Fui vê-lo. Tinha um ferimento superficial numa perna e teria certamente sido apanhado pelos agentes se não o tivessem escondido. O ferido fora cuidadosamente tratado e, a coberto da noite, pôde voltar para a sua casa.

(x) Aproveitamento político por parte do PAI

(...) Na noite de 3 de Agosto, reuni-me com o Aristides [Pereira] e o [Fernando] Fortes. Este, na sua qualidade de chefe da Estação Postal, tinha podido meter no correio que devia partir na manhã seguinte, cópias de um comunicado elaborado rapidamente sobre os acontecimentos, endereçadas às principais emissoras escutadas em Bissau. 

Lembro-me bem que Rádio Brazzaville, BBC, Rádio Conakry e Rádio Dakar, estavam entre aquelas que receberam e difundiram a notícia que os colonialistas não queriam que saísse da Guiné. 

Simultaneamente, foi também enviado um primeiro relatório ao Amílcar [Cabral] que se encontrava nesse momento em Angola. 

(xi) O poder de influência do António Carreira que manda soltar o Carlos Correia

(...) No dia seguinte de manhã, logo depois da minha chegada aos escritórios da Casa Gouveia, fui ver o subgerente António Carreira e expliquei-lhe como se tinha dado a prisão do camarada Carlos Correia. Telefonou imediatamente à polícia e o Carlos foi posto em liberdade.

Entretanto, o Aristides 
[Pereira, chefe da Estação Telegráfica] tinha sido requisitado pela polícia política para estar em permanência ao seu serviço. As conversações telefónicas do governador ou do director da PIDE, com Lisboa, revestiam-se de um carácter altamente secreto e só podiam, por isso, ser controladas pessoalmente por ele, chefe da Estação, como pessoa de toda a confiança.

(xii) Na iminência de ser preso pela PIDE, o Carlos Correia foge para Dacar

(...) Naquela mesma tarde, o director da PIDE em Bissau, falou com o seu director-geral em Lisboa. Este queria as últimas notícias; não acreditavam que a greve tivesse sido organizada pelos próprios marinheiros, quase todos analfabetos. Havia certamente alguém com mais conhecimentos e experiência por trás, a dirigir e a orientar a acção; era absolutamente indispensável encontrar essa pessoa. Não se teria distinguido, por acaso, no meio da confusão, nenhum filho da Guiné com habilitações a que se pudesse atribuir tal responsabilidade?

O director-geral da PIDE insistiu para que o seu representante pensasse bem e se informasse junto da Polícia de Segurança Pública; que também pusesse os seus agentes em campo para recolherem todas as. informações que conduzissem à identificação dos promotores da greve de 3 de Agosto.

 O director de Bissau lembrou-se então da prisão de Carlos Correia, no próprio momento da confrontação das autoridades com os grevistas: era africano, filho da Guiné, tinha o Curso Geral dos Liceus e ainda por cima trabalhava na Casa Gouveia, onde havia o maior número de marinheiros. «Prenda-o de novo — disse o director-geral — e mande-o para cá, para ser interrogado por nós.» (...)

(...) O Aristides mandou imediatamente avisar o Carlos, que me devia contactar e fazer tudo para sair do país, antes de ser de novo apanhado pela polícia.

(...) Enquanto o Elysée devia garantir o transporte para a fronteira, eu fui por outro lado à procura dos meios para a viagem. Terminados os preparativos para a sua saída imediata, precisava encontrar-me com o Carlos e comunicar-lhe os planos estabelecidos.

(...) À nossa chegada ao trabalho, no dia seguinte, às 7,30 h, o Elysée informou-me que conduzira o Carlos até à jangada de Barro, continuando ele, a partir dali, na sua motorizada a caminho da fronteira senegalesa. Via-se bem que não tinha dormido a noite toda. (...)


Comentário do A. Marques Lopes (***):

Naturalmente, as consequências trágicas desta greve foram aproveitadas pelo PAI / PAIGC. Como refere o Luís Cabral (****), a páginas 75 e 76 do seu livro:

(...)   Na reunião com o Amílcar (19/9/1959), depois do nosso relatório sobre os trágicos acontecimentos de 3 de Agosto, ele referiu-se longamente às lições que o Partido devia tirar desses acontecimentos, de maneira que não ficassem vãos os sacrifícios dos mártires de Pijiguiti.

Não podíamos brincar com um inimigo que provara mais uma vez ser de uma crueldade sem limites. Quando tivéssemos de agir contra ele, tínhamos de estar preparados para todas as eventualidades e ser capazes de não nos deixarmos matar impunemente.

Não restavam dúvidas que a repressão à greve de 3 de Agosto, e a maneira pronta como ela pôde ser organizada, provaram-nos que, na capital, o inimigo era e seria sempre mais forte do que nós. Tinha o seu exército, a sua polícia, os seus carros, o seu dinheiro para comprar a consciência de muitos dos nossos compatriotas. Quase toda a população urbana dependia das autoridades e das empresas coloniais para viverem; tudo isto colocava o grupo de patriotas nacionalistas numa situação de inferioridade manifesta.

Ao contrário, nas imensas zonas rurais onde vivia a maioria esmagadora do nosso povo, o homem não dependia dos colonialistas para viver: era, ao contrário, o homem do campo que alimentava a gente da cidade e fazia prosperar o colonialista. Era do campo que vinham o arroz, a mancarra, o coconote, as hortaliças, e grande parte do dinheiro dos impostos. A população ali, não só não dependia dos colonialistas, como ainda não se identificava com eles, o homem do campo conseguiu, através dos séculos, do tempo de escravatura ao dos trabalhos forçados e dos impostos arbitrários, encouraçar-se na sua própria personalidade cultural e era lá que encontrava as forças para resistir à poderosa influência do inimigo.

A lição mais importante tirada do massacre de Pijiguiti, dizia-nos, portanto, que seria junto da população camponesa do nosso país que teríamos de procurar as forças necessárias para combater e vencer o colonialismo.  (...)

[Transcrição: AML  / Seleção, revisão e fixação de texto, subtítulos, negritos e notas em parênteses retos: LG]
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 21 de março de 2023 > Guiné 61/74 - P24160: Fotos à procura de... uma legenda (171): Uma falsa imagem que anda por aí a "ilustrar" o massacre do Pijiguiti, de 3 de agosto de 1959


(...) "Muito se tem escrito e comentado sobre os acontecimentos que tiveram lugar no cais do Pidjiguiti em 3 de Agosto de 1959. Eu estive lá. À época dos factos, cumpria o serviço militar obrigatório, ainda como recruta (o Juramento de Bandeira teve lugar uma semana depois, precisamente a 10 de Agosto) (...).


(***) Vd. poste de 18 de fevereeiro de 2006 > 18 de fevereiro de 2006 >Guiné 63/74 - P540: Antologia (36): o massacre do Pidjiguiti (A. Marques Lopes, cor inf , DAF, na reserva)

(****) Luís Cabral (Bissau, 1931 - Lisboa, 2009), meio-irmão de Amílcar Cabral (Bafatá, 1924-Conacri, 1973), nasceu a 10 de Abril de 1931, filho do mesmo pai, o professor do ensino primário  Juvenal Cabral. Viria a ser sido o primeiro presidente da República da Guíné-Bissau (1973-1980). Na sequência do 25 de Abril de 1974, Portugal reconhece, em 10 de Setembro de 1974, de jure e de facto, a independência da sua antiga província ultramarina (colónia, até 1951).

Luís Cabral assumiu a liderança do PAIGC após o assassinato de Amílcar, em Conacri, em 20 de Janeiro de 1973. Foi derrubado em 1980 por um golpe militar, liderado por João Bernardo Vieira ('Nino' Vieira), que jogou a facção guineense contra a facção dita cabo-verdiana do PAIGC. Após 13 meses de detenção, foi para o exílio, primeiro em Cuba e depois em Portugal. Voltou à sua terra em 1999, depois de 'Nino' Vieira ter sido, ele próprio, derrubado por um outro golpe de Estado...

Publicou em 1984 as suas memórias (que vão da infância até à morte de Amílcar Cabral): "Crónica da Libertação"(Lisboa, O Jornal, 1984)

Luís Cabral era empregado, guarda-livros, da Casa Gouveia, do Grupo CUF,   em 3 de Agosto de 1959. E dirigente do PAI, na clandestinidade. Nessa data, o Amílcar Cabral estava em Angola, em trabalho, como engenheiro agrónomo, não tendo ainda passado à clandestinidade. Passou por Bissau em 19/9/1959 para se reunir  com o pequeno grupo dirigente do seu partido, que então se chamava PAI.

domingo, 11 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23867: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (31): Av Amílcar Cabral, a antiga Av da República... E o tudo o camartelo camarário levou...







Guiné-Bissau > Bissau > Novembro de 2022 > A Av Amílcar Cabral, a antiga Av da República, a avenida principal da cidade, entre a rotunda da antiga praça do Império e o rio Geba... E tudo as "obras" levaram,  incluindo árvores e... vestígios arqueológicos!... Trata-se de um projeto de requalificação urbana, iniciado há 8 meses.

Fotos (e legenda): © Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Guiné > Bissau > s/d (c. 1960) > Av da República. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 138". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal). Colecção de postais ilustrados do Agostinho Gaspar (ex-1.º cabo mec auto todas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), natural do concelho de Leiria. Digitalização, edição de imagem, legenda: L.G.


1. Mensagem do Patrício Ribeiro (nosso correspondente em Bissau, colaborador permanente da Tabanca Grande para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau, onde vive desde 1984, e onde é empresário, fundador e diretor técnico da Impar Lda; tem 130 referências no blogue: autor da série, entre outras, "Bom dia desde Bssau"


Data - domingo, 20/11, 16:33
Assunto - Fotos da Avenida Principal de Bissau


Luís.
Bom dia desde Bissau.

Luís, envio algumas fotos desde Bissau, tiradas este fim de semana.

A avenida principal, entre a rotunda da antiga praça do Império e o rio, está em obras. [Av Amílcar Cabral, ex-Av da República, no tempo colonial.]

Foi tudo deitado abaixo,  as máquinas ainda continuam nas limpezas.

Tudo o que conheceram nesta avenida há 50 anos já foi abaixo, só ficaram as casas nas laterais.

 Abraço

Patricio Ribeiro

IMPAR Lda
Av. Domingos Ramos 43D - C.P. 489 - Bissau, Guine Bissau
Tel,00245 966623168 / 955290250
URL; www.imparbissau.com
Email: impar_bissau@hotmail.com


2. Comentário do editor:

 A propósito, leia-se ou releia-se a notícia da Lusa e Porto Canal de 16 de março último, aqui reproduzida com a devida vénia:

Governo guineense lança projeto de reabilitação
de vias urbanas de Bissau

16-03-2022 16:48


Bissau, 16 mar 2022 (Lusa) -- O primeiro-ministro guineense, Nuno Nabiam, lançou hoje a primeira pedra para um projeto de reabilitação de vias urbanas de Bissau que será executado pela empresa General World, com início previsto dentro de um mês.

No total, serão reabilitados o correspondente a cerca de 11 quilómetros de estradas, melhorados os passeios, aumentando a mobilidade e segurança rodoviária, segundo o secretário-geral do Ministério das Obras Públicas, Luís Miguel.

De acordo com o primeiro-ministro, Nuno Nabiam, o projeto será executado com fundos próprios do Governo.

"Vamos reabilitar toda a cidade de Bissau. É uma promessa que assumo aqui", disse o primeiro-ministro, num ato realizado na praça dos Heróis Nacionais, diante do palácio da Presidência da Guiné-Bissau.

O secretário-geral do ministério das Obras Públicas, Luís Miguel, explicou que o projeto está dividido em quatro lotes, a primeira contempla a reabilitação de vias de acesso à zona de Bissau Velho (no centro), a segunda e terceira lotes englobam as vias da Avenida Amílcar Cabral e zonas do Alto Bandim e a quarta lote permitirá a reabilitação de toda a marginal do Cais de Pindjiguti.

Não foi revelado o valor do projeto, mas Luís Miguel informou que será pré-financiado pela empresa General World e posteriormente será pago pelo Governo.

O projeto será concluído em dois anos, sendo que cada lote deverá ser executado e concluído em seis meses.

O ministro das Obras Públicas, Fidelis Forbes, afirmou que a reabilitação de vias de acesso às zonas urbanas de Bissau permitirá dignificar a capital do país à imagem de outros países da sub-região africana.

"Não dignifica a nenhum guineense dizer que esta é a Avenida Amílcar Cabral tal como está", observou Forbes referindo-se a estrada que liga o centro de Bissau ao aeroporto internacional Osvaldo Vieira.

MB // PJA

Lusa/Fim