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terça-feira, 15 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20243: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (112): Notícias do Fernando Jorge Gonçalves, o "Spinolazinho", mascote da CCAÇ 3373 (Empada, maio de 1971/ maio de 1972), filho da professora da escola primária local, e amigo do alf mil Quintas, infelizmente já falecido


Foto nº 1A > Guiné > Região de Quínara > Empada > c. 1971/3 > O "Spinolazinho", a mascote da CCAÇ 3373 (que esteve aqui entre maio de 1971 e maio de 1972).


Fotoi nº 1> Guiné > Região de Quínara > Empada > c. 1971/72  > O "Spinolazinho", a mascote da CCAÇ 3373 (que esteve aqui entre maio de 1971 e maio de 1972).


Foto nº 2A > Guiné > Região de Quínara > Empada > c. 1971/1972 > CCAÇ 3373 > O "Spinolazinho", a mascote da companhia, no jipe do alferes Quintas, mais a mãe, professora da escola primária e que na foto transporta um bebé ao colo


Foto nº 2 > Guiné > Região de Quínara > Empada > c. 1971/1972 > CCAÇ 3373 > O "Spinolazinho", a mascote da companhia, no jipe do alferes Quintas, mais a mãe, professora da escola primária. Ao fundo, aspeto parcial de Empada, "pequena mas bonita vila"


Foto nº 3A > Guiné > Região de Quínara > Empada > c. 1971/1972 > CCAÇ 3373 > O alferes Quintas, um berço com um bebé,  e a mãe do "Spinolazinho", a professora da escola primária local


Foto nº 3 >  Guiné > Região de Quínara > Empada > c. 1971/1972 > CCAÇ 3373 > O alferes Quintas, mais a mãe do "Spinolazinho", e  professora da escola primária.

Fotos (e legendas): ©    Fernando Jorge Gonçalves (2019). [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Recebemos a seguinte mensagem do nosso leitor Artur Araújo, em nome de Fernando Jorge Gonçalves_

Data: segunda, 30/09/2019 à(s) 21:01

Assunto: Procura-se o Alferes Quintas da Companhia de Caçadores 3373 que esteve em Empada (ex-Guiné Portuguesa) entre 1971/1973.


Procura-se um grande amigo da família,  em Empada (Antiga Guiné Portuguesa) no ano 1971/73, o alferes Quintas, que fazia parte da Companhia de Caçadores 3373"...

Por favor contactar pelo e -mail [...] pelo telemóvel [, com indicativo de Portugal]

Sr. Luís Graça, caso saiba do paradeiro do Sr. Alferes Quintas que pertencia à Companhia de Caçadores 3373 que estava em Empada(Guiné-Bissau) entre 1971/73, espero que ainda esteja de vida. agradeço que entre em contacto com ele e informe-lhe que gostaríamos muito de ter notícias dele.

Aguardo a sua resposta.

Melhores cumprimentos.

Artur Ataújo , colega do Sr. Fernando Jorge Gonçalves que quer saber do paradeiro do Alferes Quintas.

Envio fotos em anexo.


O Fernando Jorge Gonçalves, em 2013.
Foto de cronologia do Facebook
2. Mensagem do Fernando Jorge Gonçalves, a partir de Bissau, com data de 3/10/2019:

Prezado Senhor Carlos,

Antes de mais espero que esteja a gozar de uma óptima saúde ao lado dos teus familiares e amigos.

Eu sou um rapaz que pretende encontrar um senhor de quem tenho memórias e algumas fotos, de quando esteve na Guiné Portuguesa. Era o então Alferes Quintas, da Companhia de Caçadores 3373, no Aquartelamento militar de Empada, sul da Guiné.

Eu na altura tinha 3 anitos, sendo filho duma professora de quem esse senhor foi muito amigo e até namorava uma colega da minha mãe de nome, Fátima...Até fui mascote dessa companhia e tenho algumas fotos que poderão provar este facto e, quiçá muito útil para os vossos arquivos históricos. Até me chamavam de "Spinola".

Se por acaso esse Alferes Quintas estiver vivo, o que rezo que sim, ainda irá recordar perfeitamente. Por isso, por via de algumas pesquisas,por parte do senhor Carlos, gostaria de poder ter alguma notícia deste homem que, decorridos quase 50 anos,  nunca mais soubemos dele.

Eu, ao arrumar um velho baú da família,  descobri algumas fotos que me fizeram voltar a esse tempo e ter alguma curiosidade em conseguir ao menos saber deste homem que muito gostava de mim.

Espero não ser muito chato em lhe pedir este favor,  o que, na verdade estou lhe a roubar o seu precioso tempo. Agora sou um homem e com a minha família e gostava mesmo de saber desse senhor Quintas...Os meus contactos são: [dois números de telemóvel,  com indicativo da Guiné-Bissau...]

Sem mais assunto de momento queira aceitar os meus mais respeitosos cumprimentos e, na esperança de boas notícias....

Atentamente Fernando Jorge Gonçalves



Guiné > Região de Quínara > Empada > c. 1971/1972 > CCAÇ 3373 >  O "Cadaval", à esquerda, mais o João Arenga, algarvio de Faro, à direita.

Foto (e legenda): ©    João Arenga  (2019). [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


3. Resposta do nosso coeditor Carlos Vinhal, com data de 3/10/2019:

Caro Fernando Jorge.

As notícias não são as melhores.

Encontrei um antigo condutor auto da CCAÇ 3373, o João Arenga, que me informou que o ex-Alferes Quintas faleceu, vítima de acidente ferroviário, terá sido atropelado por um comboio.
Esse mesmo camarada deu-me o contacto do ex-furriel Ribeiro [, telemóvel nº ..] que vive em Vila Real e que saberá mais pormenores.

Lamento desapontá-lo.
Fico ao dispor,
Abraço,
Carlos Vinhal


4. Resposta do nosso leitor Fernando Jorge Gonçalves

Prezado Carlos Vinhal

É com muita tristeza e consternação que fiquei a saber de que afinal, por ironia do destino, o "Alferes Quintas" tenha tido aquele fatídico acidente e que lhe ceifou a vida...Ontem, por via do seu apoio, recebi a chamada do Sr Arenga, que me deu esta notícia mas, enfim,  é o percurso da vida.

Pese embora, teria muito gosto de o ter encontrado para ver o quão contente estaria em ver o seu " Spinolazinho", que foi mascote dessa companhia. Mas, mesmo assim gostaria de um dia ter um convite da vossa confraternização, podendo-me dirigir a essa plateia e, que com certeza muitos vão recordar de mim como, foi o caso do Sr Arenga,  que logo se lembrou de mim e até da minha mãe que, na altura, era professora [da escola primária].

Aproveito desde já lhe agradecer por me ter dado um momento de felicidade, que me fez voltar no tempo.

Já agora algumas fotos desse tempo.

Esse miudo era eu, de fardas feitas com o resto de tecido (foto nº 1). o alferes Quintas e a minha mãe [. foto nº 3] , e também o Jeep que ele usava [, foto nº 2], e que  era o meu carro preferido para dar voltas naquela pequena e bonita vila de Empada onde passei a minha infância e, tanto assim eu era o miúdo disputado por todos pra quem tinha que ficar comigo pra ser levado a comer no messe dos oficiais.

Os meus cumprimentos
Fernando Jorge Gonçalves ("Spínola")


5. Comentário do nosso editor LG:

Respondendo a uma dúvida do nosso coeditor, Carlos Vinhal, sobre "proteção de dados", não vejo qualquer inconveniente em publicar este material, o alferes Quintas não vem identificado pelo  seu nome completo, nem é referido o seu concelho de naturalidade,  nem sequer o seu último local de residência.

De resto, estes factos são "públicos"... Tudo o que se passou durante a guerra colonial é público, ou deve sê-lo. Neste caso, são também as memórias de uma família. O nosso leitor Fernando Jorge Gonçalves vive na Guiné-Bissau (de acordo com o nº do telemóvel), tem página no Facebook,  tem memória de infância que quer partilhar com a malta que esteve em Empada, em 1971/72... O alferes Quintas, esse, infelizmente já não já está entre nós. É uma história bonita, mesmo sabendo agora que o nosso camarada já morreu...

O Fernando Jorge Gonçalves fica desde já convidado para integrar a nossa Tabanca Grande, tendo ele manifestado  interesse em manter o contacto connosco... Gostaríamos de saber se a mãe ainda é viva, Percebe-se, pelas fotos, que a senhora tinha outro filho-bebé em 1971/72, à  data das fotos.

Presume-se que a professora, mãe do Spinolazinho, fosse cabo-verdiana. Em Bambadinca, também tínhamos uma senhora cabo-verdiana, professora... Os/as  professores/as da metrópole não se ofereciam para vir para a Guiné... As condições de trabalho eram duras, o clima não ajudava nada e muito menos a guerra...

Esta história tem muito interesse documental: também em Bambadinca, no meu temnpo (1969/71) tínhamos um puto desta idade, que era a nossa "mascote"... Andava fardado. comia connosco, era o "Tchombé", era nosso protegido... Não temos aqui falado muito destes "djubis" que eram  mascotes nalguns aquartelamentos do mato...

As nossas saudações para o João Arenga (, nosso camarada da CCAÇ 3373, a quem também convidamos para integrar a Tabanca Grande), para o Fernando Jorge Gonçalves e para o o seu amigo Artur Araújo.


PS  - A CCAÇ 3373 não tem nenhum representante na Tabanca Grande. Tinha até agora 2 referências no nosso blogue. Sabemos que: (i) foi mobilizada pelo RI 1 (Amadora); (ii) partiu para o TO da Guiné em 31/3/1971 e regressou à metrópole em 25/3/1973, com 24 meses de comissão de serviço;  (iii) esteve em Empada (entre maio de 1971 e maio de 1972) e em Brá; (iv) ostentou como Divisa “Os Catedráticos” e “Por Uma Guiné Melhor; e (v) foi comandada pelo Capitão Miliciano de Artilharia Adérito Assis Cadório.


6. Mensagem que seguiu hoje para o Fernando, em Bissau:

Fernando: Aqui estás um poste com algumas memórias do "Spinolazinho"... Infelizmente, o ex-alferes Quintas já não está cá, entre nós, para poder usufruir este momento, conforme notícia (triste) que já recebeu do Carlos Vinhal e do João Arenga.

Aceite o nosso convite para integrar a Tabanca Grande, temos o lugar nº 799 par o Fernando se sentar, à sombra do nosso poilão, com uma vasta comunidade (quase dois batalhões...) de amigos e camaradas da Guiné. Onde quer que ele esteja, o Quintas vai ficar orgulhoso de ver o seu "Spinolazinho", semntad ao lado dos seus camaradas da Guiné (1961/74).

Mantenhas, Luís Graça

PS- Dou conhecimento desta mensagem ao seu amigo Artur Araújo e a alguns camaradas nossos, que passaram por Empada, em diferentes épocas, ou que conheceram Empada... Enfim, dos que me vêm à memória. Pode ser que eles tenham algo a acrescentar...

segunda-feira, 12 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18407: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, ago 73 /ago 74) (26): Os "animais, nossos amigos"...


Foto nº 1 > A mascote do pessoal, o "Pifas", um macaco-cão... acorrentado


 Foto nº 2 > "Selvajaria", escreveu o fotógrafo... posando para a fotografia com o "Pifas", de rabo para o ar...


Foto nº 3 >  Pequeno macaco-cão, que fazia parte dos "amigos"...


Foto nº 4 > Sem legenda...


Foto nº 5 > Sem legenda...


Foto nº 6> Sem legenda...

Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4740 (1972/74) > 1973 > Macaco(s)...


Fotos (e legendas): © Luís Mourato Oliveira (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Mais fotos do álbum do Luís Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro nº 730, que foi alf mil inf, de rendição individual, na açoriana CCAÇ 4740 (Cufar, 1973, até agosto) e, no resto da comissão, comandante do Pel Caç Nat 52 (Stor L1 , Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74). (*)


Lisboeta, tem raízes na Lourinhã, pelo lado materno. Durante a sua comissão no CTIG foi sempre um apaixonado pela fotografia... Fotografou quase tudo... até o pobre do macaco-cão, a quem o pessoal da CCAÇ 4740 chamava o "Pifas" , certamente por analogia com a mascote do Programa (radiofónico) das Forças Armadas...

Naquela época, havia, nos nossos aquartelamentos e destacamentos, macacos-cães (babuínos) em cativeiro, que serviam de mascote ao pessoal metropolitano (Mascote, segundo o dicionário Priberam é um "amuleto cuja figura dá felicidade, segundo a crença popular")...

O pobre do macaco-cão, se chegasse ao fim da comissão, passava de companhia para companhia... Nalguns casos, mais cruéis, acabava guisado no tacho ou assado no espeto...(*). Noutros casos, não menos cruéis,  o pobre do babuíno até conseguia chegar a aldeias e vilas recônditas da nossa pacata terra, trazido, às escondidas ou às claras, pelos primeiros soldados que foram mobilizados para o ultramar (, há babuínos em toda a África, embora os Angola e Moçambique sejam de uma espécie diferente dos da Guiné)...

Na época não se falava ainda de (nem as pessoas se preocupavam com) os "direitos dos animais". Nem havia sequer partidos (políticos) dos animais... Muito menos havia partidos,  a favor das pessoas, quanto mais dos animais...

Conhecendo o Luís Mourato Oliveira, como eu o conheço, um pessoa de grande sensibilidade socioecológica (**), ele por certo nunca tiraria hoje uma foto como a  nº 2 (vd. foto acima)... Não é por acaso que ele próprio a rotulou de "selvajaria"... quarenta e tal anos depois. (***)

António Rosinha
2. O macaco-cão ou "babuíno da Guiné" (papio-papio, segundo a designação científica) habita na África Ocidental, nas savanas e florestas secas da Guiné, Guiné-Bissau, Gâmbia, Senegal, Mali e Mauritânia. 

É uma espécie considerada "Quase Ameaçada" (sigla "NT -Near Threatened", da Lista Vermelha da IUCN, a União Internacional para a Conservação da Natureza). A categoria  NT precede  as categorias criticamente em perigo, em perigo ou vulnerável...

Atualmente, devido à desflorestação, à agricultura extensiva, à pressão demográfica, à caça e ao comércio ilegal, o macaco-cão está perto de se enquadrar (ou será enquadrado num futuro próximo) nas categorias seguintes da escala, que vai de "Não ameaçado" a "Extinto"... Há 30 anos atrás, o macaco-cão era considerado como "não ameaçado"...Nesse espaço de tempo, os seus efetivos poderão ter sido reduzidos de 20% a 25%. Muitos de nós chegámos a ver bandos de 100 a 200 indivíduos: eram tratados como "nossos amigos", avisando-nos da proximidade (ou não) da presença do IN...

Recorde-se o que aqui escreveu António Rosinha (,um "tuga", privilegiado observador dos primeiros anos da independência da Guiné-Bissau,) sobre o macaco-cão quando este passou a ir à "mesa do rei":

(...) O Com, não o 'avec', mas o macaco, macaco-kom, foi a "ração de combate", por excelência e por necessidade, dos Combatentes da Liberdade da Pátria, pois que,  havendo já alguma tradição no consumo desse 'petisco', tornou-se como que prato nacional. Nos primeiros anos de independência, era vulgar ver alguém, caminhando ao longo dos caminhos com um animal amarrado a um pau ao ombro e uma Kalash na mão. O povo compreendia este consumo com a maior naturalidade.(...)
____________

Notas do editor:

(*)  Vd. poste de 17 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16730: Inquérito 'on line': Num total de 110 respondentes, apenas 16% disse que provou (e gostou de) carne de macaco-cão... Pelo lado dos "tugas", o "sancu" está safo... Agora é preciso que os nossos amigos guineenses façam o seu trabalho de casa...

(**) Vd. poste de  17 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17677: Fotos à procura de...uma legenda (88): "Pietá"... O fotógrafo indiano, Avinash Lodhi, captou o desespero de uma fêmea de macaco Rhesus que abraça a cria inanimada (Luís Mourato Oliveira)

(***) Último poste da série > 13 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18315: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, ago 73 /ago 74) (25): o fotógrafo e as suas "máscaras"

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11654: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (15): Memórias de Guileje ao tempo da CART 1613 (1967/68), por José Neto (1929-2007) - Parte III : O Dauda (filho do vento e mascote da companhia), o 1º cabo escriturário Cardoso, o faxina Rochinha, e...o batismo de fogo, no final das chuvas, em outubro de 1967



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O quarto do Zé Neto... Na mesinha de cabeceira, uma foto da esposa Júlia, de quem tem três filhas. A Júlia é nossa tabanqueira.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > A secretaria... [ O Zé Neto deixou-nos o seu álbum fotográfico (, obtido a partir dos seus diapositivos), organizado por temas, mas as fotos, individualmente, não estão legendadas. Não sei se o 1º cabo Cardoso, escriturário, aparece aqui na foto. Também não nos parece que o Cap Corvacho esteja neste grupo, segundo informação do cor art ref  (e nosso tabanqueiro) Nuno Rubim, que é do curso a seguir ao dele. O Corvacho também já morreu].



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O 2º sargento José Neto (que exercia as funções de 1º sargento da compnhia) junto a um abrigo e a uma viatura do Pel Rec Fox 1165, que era comandado pelo alf mil cav Michael Winston Schnitzer da Silva.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O obús 8.8 (1)



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > 1967 > O obús 8.8 (2)



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) >  O Dauda, a "mascote da companhia" (1), com outros meninos da Tabanca, a brincar numa poça de água, junto à capelinha...


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O Dauda,  a "mascote da companhia" (2)... Vivia praticamente com os militares...


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > 1967 > O Dauda, a "mascote da companhia" (3)... Dizia-se, na caserna, que era cara chapada do pai... O Dauda terá morrido há 4 anos atrás, com cerca de 45 anos... Era casado e pai de duas filhas. A família vivia em Bissau.

Fotos: © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]


1. Dauda era filho de Sona, uma jovem de Cacine, comprada pelo alfaiate de Guileje para ser a sua terceira esposa. O pai biológico  de Dauda, dizia-se,  era um militar português que passara por Cacine, em 1965/66.  O Dauda teve no Zé Neto um protetor. E, história espantosa, em janeiro de 2010, a Júlia Neto, viúva do cap ref José Neto (1929-2007), foi conhecer a esposa e as duas filhas do Dauda (, entretanto falecido ainda há pouco tempo), em Bissau.

Sobre este reencontro, escreveria o Pepito mais tarde, no nosso blogue: "Quando o Capitão começou a colaborar com a Iniciativa de Recuperação de Guiledje, a única coisa que pediu foi: 'Procurem e encontrem-me o Dauda, filho abandonado por um militar que tinha estado neste quartel e que sempre tratei como um filho e que gostaria de voltar a ver'. Para ele, Capitão Neto, com aquele coração enorme que tinha, nunca conseguiu perceber como se pode abandonar uma criança pequena e desinteressar-se definitivamente dela. A sua mulher Júlia Neto veio a Guiledje e encontrou a mulher e as filhas do Dauda e … perfilhou-as imediatamente. A família Neto, toda ela, tem um coração de ouro".

E com o Dauda que começa a III parte das memórias de Guileje, da autoria do Zé Neto, e que já publicámos na I Série do nosso blogue, em janeiro de 2005. O Zé Neto úm dos primeiros 50 camaradas a ingressar no nosso blogue. Hoje somos 12 vezes mais, a maior parte dos tabanqueiros não o conheceram nem têm acesso à sua colaboração, dispersa. Daí também esta nova edição dos seus postes sobre Guileje, no ano em que celebramos o 9º aniversário. Faz há 40 anos, a 22 de maio de 1973, que retirámos de Guileje.



2. Memórias de Guileje, ao tempo da CART 1613, por José Neto (1929-2007) > Parte III


(i) Dauda,  filho vento e mascote da companhia


Como já escrevi, eram todos de etnia fula, de raça negra, com excepção de um menino mestiço.
Este menino, na altura com onze, doze meses de idade, era filho da Sona, uma jovem de Cacine, comprada pelo alfaiate de Guileje para ser a sua terceira esposa.

Tinha o nome de Dauda, mas era tratado por todos nós por Viegas, apelido do pai, capitão que comandara a companhia de Cacine. Ainda hoje, quando revejo as dezenas de fotografias que fiz do garoto, acho que poderíamos anteceder Silva a Viegas…

Foi pela minha mão que o miúdo deu os primeiros passos. E foi por ele que, suponho, arrisquei a vida quando, num ataque bem apontado, as morteiradas atingiram a zona da cozinha, lenheiro e depósito de géneros.



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > 1967 >  Uma dos dos abrigos enterrados... Na foto vê-se uma bazuca pendurada e, do lado direito, a máquina de costura do alfaiate da tabanca...

Foto (e legenda): © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


Ao correr para o abrigo ouvi o choro duma criança. O Viegas tinha jantado connosco, como de costume, e tive a quase certeza de que era ele. Retrocedi e apanhei-o junto ao coberto que servia de messe de sargentos. Arrastei-o até à entrada do abrigo e, uns instantes depois, uma granada explodiu no monte de lenha a menos de quatro metros de distância, projectando cavacas em todas as direcções.

Dos meus troféus faz parte a empenagem que sobrou dessa granada, que nunca limpei, e que a minha mulher resmunga que só serve para sujar o móvel onde está. Não é que suje, mas também nunca me apeteceu contar-lhe a história desse bocado de ferro com alhetas e terra empastada.

Quanto à actividade militar, a das tropas operacionais era intensa e da minha parte não o era menos. O Capitão Corvacho, ainda em Brá, dividiu o comando da companhia em duas partes distintas: a parte operacional era dirigida por ele e a administrativa por mim. Basta referir que o meu Registo Geral (caderno mensal em que são escriturados todos os homens e as suas mais diversas situações) tinha muito perto de trezentos títulos.


(ii) O meu escriturário, o 1º cabo Cardoso, empregado de sapataria em Viseu, e meu braço direito

Creio que é a terceira vez que o trago a esta história, mas não posso deixar de salientar a enorme ajuda do meu escriturário, o 1º Cabo Ramiro Pais Cardoso, um jovem que antes da tropa era empregado duma sapataria em Viseu, sua terra natal, cuja dedicação e competência me levaram a decidir e recomendar ao nosso Capitão que, durante a minha licença na Metrópole, ele ficasse a exercer as minhas funções, prescindindo da regulamentar substituição pelo 2º Sargento C... P..., que só constou no papel e nos actos imprescindíveis… tais como dispensa de serviço de escala.

(iii) O Rochinha, meu fidelíssimo faxina, manufactor de calçado na vida civil, básico na tropa por ter os pés chatos...

E aproveito também para prestar o meu profundo apreço pelo meu ultra zeloso faxina pessoal, o Rochinha, de seu nome completo António Casimiro da Rocha, natural de Passais, freguesia de Fiães, concelho de Vila da Feira. Dizia-se mal classificado pela tropa, pois era manufactor de calçado e não sapateiro como constava nos seus documentos e roía-se todo por ter sido privado de especialidade, ficando portanto básico, só pelo facto de ter os pés chatos.

Cuidava de mim e dos meus pertences com uma dedicação extrema. Um dos seus cuidados era fazer-me o café às horas certas de acordo com a nossa combinação. Ficou histórica a sua presteza quando, durante os dois dias de viagem marítima de Buba para Gadamael, às horas marcadas me aparecia o Rochinha com o cafezinho fumegante.

E o único convidado para a bica que ele admitia era o nosso Capitão e o Dr. Oliveira Martins quando estava connosco. Fartou-se de me pedir para o deixar ir a uma operação, mas sempre lhe neguei a vontade, porque, se por um lado lhe estava vedada essa actividade, por outro eu não podia prescindir da sua colaboração.

De parceria com o Ramiro, que o ensinou a escrever à máquina, dava volta à papelada mais trivial com segurança e a contento de todos, pois nunca abusou da sua relativa proximidade com o comando da companhia. Antes pelo contrário. Algumas vezes ajudava um ou outro camarada menos expedito a trazer-me este ou aquele problema que necessitava da minha intervenção.


 Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Mais um dos abrigos enterrados... e local de brincadeira da criançada...

Foto (e legenda): © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

(iv) O nosso batismo de fogo já no final das chuvas, em outubro de 1967

O resto da estação das chuvas, de Junho a Setembro [de 1967], foi passada na expectativa das tradicionais boas vindas que os turras costumavam dar às guarnições novas.

Havia informações de que o IN tinha deslocado para aquela zona dois bigrupos (*) e possivelmente, tal como nós, andavam a adaptar-se ao terreno. Até que, em meados de Outubro, tivemos o primeiro ataque, muito mal realizado, graças a Deus.

Primeiro, já tínhamos conhecimento dos seus movimentos e da hora provável da flagelação e segundo, acercaram-se demasiado do perímetro fortificado e ficaram expostos ao fogo das nossas armas ligeiras, principalmente dilagramas (1) e bazucas. Além disso as suas granadas de morteiro, embora tivessem o alvo constituído pelas coberturas de zinco das nossas instalações iluminado pelo luar, caíram todas longe da tabanca, sem causar o mínimo estrago.

Em contrapartida, deixaram no terreno algum armamento, peças de roupa ensanguentada e sinais de uma retirada pouco organizada. Soube-se depois que esta acção foi o baptismo de fogo da maior parte dos atacantes, uma espécie de exercícios finais de recrutas, mas a sério. E para mim também o foi, já que a campanha do Lap Sap, de 1952, em Macau (2), não conta, porque não cheguei a sentir o calafrio provocado pela incerteza de onde irá cair a próxima?

Tínhamos acabado de jantar e cada qual foi para o seu buraco, porque, como já referi, estávamos à espera do ataque. No meu quarto-abrigo a segurança era mais que suficiente e dispus-me a escrever um aerograma para a minha mulher a mentir-lhe, como sempre fiz em relação aos perigos que corria, dizendo-lhe que estava tudo bem comigo, que estivesse descansada e por aí fora.

Ao estrondo da primeira granada de morteiro que caiu lá para o fundo da pista seguiu-se o corte da electricidade, já programado. Acendi a minha lanterna de pilhas e fiz um leve risco no alto da folha para assinalar o acontecimento. Com o continuar dos rebentamentos, começou a ouvir-se o som característico das costureirinhas e das Kalash, o que pressupunha a intenção de flagelação seguida de tentativa de assalto.

Até essa altura eu tinha a convicção de que a história de medo de pôr os cabelos em pé não passava disso mesmo, um rifão como outro qualquer. Mas a veracidade estava bem presente. Por momentos senti um arrepio de frio na espinha e os cabelos, e pêlos dos braços, a eriçarem-se.

Compreendi rapidamente que estar ali sozinho não me era emocionalmente favorável e arrastei-me até ao abrigo fortificado que ficava por trás do meu quarto onde encontrei os elementos da guarnição muito calmos a fazerem uns disparos tiro-a-tiro pelas seteiras ao mesmo tempo que comentavam:
- Estes gajos são loucos. Se avançam para cá das árvores caiem todos como tordos.

Ao fim de muitas horas, quando o silêncio se consolidou, fiquei pasmado ao olhar para o meu relógio e constatar que a coisa tinha durado menos de quarenta minutos. Acompanhei o Capitão na volta pelos abrigos e palhotas da tabanca e certificámo-nos de que o ataque nem uma beliscadura causou.

Em conversa sobre o acontecido eu disse-lhe que me tinha arrepiado com medo, embora sabendo que estava em local seguro. Respondeu-me que também ele já tinha passado por isso, mas que, com a continuação, uma pessoa se habitua.

Entramos assim num ciclo de duas campanhas: eles executavam a sua de noite e nós a nossa de dia. Quanto aos ataques que sofremos daí para o futuro, e foram muitos, apenas quero salientar, para além do que descrevi sobre o Viegas, dois ou três pormenores:

Na gíria das transmissões essas acções do IN eram alcunhadas de festival o que se estendeu ao dia-a-dia do pessoal. Muitas vezes as nossas sentinelas detectavam o som da saída das granadas do tubo e disparavam uma rajada ao mesmo tempo que gritavam:
-Festival!!!

Quando a primeira granada chegava já estava quase tudo abrigado. Uma ocasião tal não sucedeu e se alguém pode acreditar em milagres, esses são o Capitão Corvacho e o Alferes Michael (3). Ao correrem para junto da posição do Morteiro de 81 mm, seu posto de combate na circunstância, por pouco não foram atingidos por qualquer coisa que não identificaram de imediato. Quando acabou a flagelação constatou-se que essa coisa era uma granada de morteiro que não explodiu e estava semi-enterrada no solo.

Tomaram-se as precauções necessárias e no dia seguinte a granada foi puxada por um extenso cabo de aço. Mas antes, como bom artilheiro, o Capitão mediu o ângulo de chegada do projéctil com o qual calculou a direcção e a distância de onde tinha sido disparado, para futuras retribuições (4).

Providencialmente o turra tinha-se esquecido de sacar a cavilha de segurança da espoleta antes de meter a granada no tubo!!!

(Continua)

[Subtítulos da responsabilidade do editor]
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Notas do autor


(1) Dispositivo de Lançamento de Granadas de Mão, um engenho português que se adaptava ao cano da espingarda automática G3. Com uma munição especial, facultava o lançamento de granadas de mão a distâncias consideráveis em tiro curvo. Era terrivelmente eficaz quando lançado sobre as copas das árvores, pois as granadas explodiam e fragmentavam-se em direcção ao solo.

O seu uso exigia do atirador muita perícia e, principalmente, concentração, pois se na confusão fosse utilizada munição normal a granada explodia imediatamente. Deu-se um percalço destes com um atirador da CART 1612 que matou dois soldados.

(2) Incidentes das Portas do Cerco que isolaram Macau durante três semanas, nos quais os chineses mataram o Soldado Moçambicano Jacinto Mundau.

(3) Michael Winston Schnitzer da Silva [, alf mil cav, comandante do Pelotão de Reconhecimento Fox nº 1165, ou Pel Rec Fox 1165]


(4) O Morteiro é uma arma de tiro curvo, mas diferente dos obuses ou canhões. Grosso modo pode dizer-se que o projéctil descreve uma trajectória parecida com um V invertido. O alcance da arma (distância para o alvo) é obtido pelas tabelas de inclinação do tubo de lançamento e variação das cargas propulsoras. Assim, identificado o projéctil descobre-se com facilidade a arma que o lançou. Com uma arma igual, ou outra com os ajustes calculados, há muitas probabilidades de fazer um disparo inverso e atingir as redondezas da posição da arma inimiga.
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Nota do editor:

Último poste da série > 27 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11635: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (14): Memórias de Guileje ao tempo da CART 1613 (1967/68), por José Neto (1929-2007) - Partes I/II: Formação e mobilização da companhia, que foi render a CCAÇ 1477

terça-feira, 12 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8086: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (40): O Domingos encontrou-me!.. Ele era a mascote da CCAÇ 462, Ingoré (1963/65) (J. Marques Ferreira)

1. O nosso camarada José Marques Ferreira, ex-Sold Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré (1963/65), autor também do blogue Terras do Marnel e Vouga, enviou-nos em 9 de Abril uma mensagem de felicidade e alegria por voltar a ter notícias de um Amigo de quem não sabia nada acerca de 46 anos.



Camaradas,

Todos aqueles que se habituam a ver o nosso nome por aqui na rotina do blogue e que de repente o vê desaparecer, sem qualquer explicação como é o meu caso, fica admirado. Pelo facto quero pedir as minhas desculpas.

Andava a ruminar alguma coisa para ser postada neste nosso blogue, quando me surgiu um acontecimento que me surpreendeu muito agradavelmente, quando menos eu esperava. Já não sei há quanto tempo - e a emoção leva-me a «despejar» estas palavras -, foi publicada num poste uma estória minha – dos anos 1963/1965 -, sobre uma mascote que foi adoptada na nossa CCAÇ 462, em Ingoré (*). Chamava-se Domingos e tinha na altura uns 4 ou 5 anos de idade, ou talvez um pouco mais.

Pois agora, dia 7 de Abril, fui surpreendido com um e-mail seu, que abaixo anexo e só me ocorreu, rápida e ansiosamente, vir dar aqui dar-vos esta notícia, que considero ao mesmo tempo ser uma óptima publicidade para este nosso blogue, que é: “O Domingos encontrou-me!”

O texto que ele apresenta é verídico, e é mais um caso a juntar a muitos outros que o nosso blogue tem vindo a proporcionar. Reparem na linguagem que o Domingos utiliza. Toda ela é sinceridade, simplicidade e honestidade. Que felicidade, minha e dele claro.

Ainda por cima ele mora em Portugal, embora eu não saiba onde. Já lhe respondi e pedi-lhe a sua morada.

Não me preocupei muito com este texto, pois o objectivo é apenas dar-vos conhecimento deste facto, quase inédito, mas que como se vê não há impossíveis.

O nosso blogue vai a todos os lados e a todas as pessoas que o queiram visitar.

Este acontecimento é mais uma prova do poder e da força deste maravilhoso meio de comunicação. Creio sinceramente que ainda o podemos melhorar em alguns aspectos, Amigos e Camaradas da Guiné. Nunca esqueçamos também os «milagres» que muitos de nós têm vindo a fazer, uns no terreno e outros contribuindo com o que podem, para ajudar aquele pobre povo.

Não tenho mais palavras…

J. M. Ferreira
Sold Apt de Armas Pesadas da CCAÇ 462

2. Em 7 de Abril de 2011, enviou então o Domingos a seguinte mensagem ao nosso surpreendido e alegre Camarada Ferreira:


Guiné > Região do Cacheu > Ingoré > CCAÇ 462 (1963/65) > Na foto podemos ver o Domingos sentado no chão, entretido a colcocar um capacete na cabeça. [É pena que a imagem não tenha maior resolução pra poder ser ampliada]

Foto: © José Marques Ferreira (2009). Direitos reservados.

O MASCOTE DOMINGOS

Nem sei por onde começar por tamanha ser a minha emoção! 1963/1965... INGORÉ... a criança que ia ao quartel mais a irmã pedir comida, e que por lá ficou e se tornou MASCOTE da Companhia de Caçadores 462 (***)... o DOMINGOS... é vivo e está aqui em Portugal!

Vi a minha foto na Net, não aguentei e chorei! Chamei meus filhos, minha mulher e mostrei-lhes as maravilhas que Deus faz!

Sr. Ferreira, estou-lhe mais que grato por ter sabido preservar e eternizar a minha pessoa.

Eu era criança e do pessoal da companhia 462 só me lembro do capitão Parracho que era o comandante da companhia e do Alferes Geraldo (ou era Geraldes?), que foi pela mão de quem fiquei no quartel.

Lembro-me até que o Alferes Geraldes era da Póvoa de Varzim. É que já lá vão quase 50 anos!!!

Eu vivo aqui em Portugal há mais de 20 anos, meus três filhos todos são cá nascidos e minha vida quase toda aqui feita.

Estou muito contente, mas muito contente mesmo!!!!!!!!!!!!

Domingos “O MASCOTE” (**)
_________

Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:


(...) O DOMINGOS – UMA CRIANÇA SOLDADO

O Domingos era uma criança, em 1964, de estatura normal para os seus cinco, seis anos (talvez nem tantos na altura), os olhitos pareciam estar em permanente melancolia (como os de muitos putos guineenses), mas já o seu porte e presença eram um tanto diferentes.
O Domingos, fazendo fé nas recordações um tanto esfumadas, porque o tempo não perdoa e não é eterna a sua permanência nas minhas memórias cerebrais, começou a aparecer com a mãe, que lavava a roupa de alguns camaradas nossos, o que, como sabemos, constituía mais alguma fonte de sobrevivência para a família.
Tantas vezes lá foi que começou a ter contacto mais directo com os militares que, pelo seu feitio e postura simpáticas, eram afáveis para aquela criança de tenra idade. Ficou lá connosco um dia, depois outro e outro...
Todos o acarinhavam e brincavam com ele, e o Domingos ia demonstrando alguma sociabilidade, retribuindo simpaticamente com as peripécias próprias das crianças, o trato que lhe ia sendo dispensado.
Até que, para não alongar mais esta “lengalenga”, o Domingos foi adoptado, oficialmente, como mascote da CCAÇ 462. Passou a ter uma farda verde igual à nossa, com excepção do camuflado e do vestuário de trabalho.
Comia connosco, e durante muito tempo, chegou a dormir na nossa caserna, tal como todos nós. Os pais sabiam desta situação, o comandante da Companhia também. Já fazia parte da nossa "família".
(...)
Ao fim de dezasseis meses, a minha companhia foi “embalada” e enviada para Bula, pelo que perdemos o rasto do Domingos.
Continuamos sem o ver quando fomos ocupar, pela primeira vez, o território de Có, Ponate, Jolmete e Pelundo.
E perdemos-lhe completamente o rasto, quando destas localidades seguimos para Mansoa. Nunca mais soube nada do Domingos, aquele puto simpático e meigo, de olhar melancólico, que viveu connosco durante vários e saudosos meses. Um dia, a Guiné tal como a conhecemos então, acabou para a nossa companhia, pois regressamos a casa no paquete Niassa…
Do Domingos ficou-me as naturais saudades do seu sorriso e traquinices, e a única foto que tenho dele (...). (**) CCAÇ 462: Compannhia independente, foi mobilizada pelo BCAÇ 10, partiu para o TO da Guiné em 14/7/1963 e regressou à Metrópole em 7/8/1965.
Esteve em Ingoré, Bula, Có e Mansoa. Comandantes: Cap Mil Inf Jorge Saraiva Parracho; Cap Inf Joaquim Jesus das Neves.
(***) A mascote e não "o"... Não corrigimos intencionalmente o português: o substantivo "mascote" é feminino, vem do francês (c. 1870), mascotte > pessoa ou animal de estimação, fétiche, talismã, algo que dá boa sorte...

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7267: História de vida (33): Adilan, nha minino. Ou como se fica com um menino nos braços - 2ª parte (Manuel Joaquim)


1. O nosso Camarada Manuel Joaquim, ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419/BCAÇ 1857, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67, enviou-nos, com data de 5 de Novembro de 2010, uma mensagem cuja primeira parte foi publicada ontem no poste P7261 e vinha acompanhada da seguinte introdução:


Camaradas,

Envio-vos um texto e fotos, sobre um menino balanta-mané, o JM meu "familiar" desde 1967, quando o trouxe da Guiné e que hoje ronda os 50 anos de idade (estou mesmo velhote!).

Tentei que o relato não fosse tão extenso mas não consegui. Aliás, o tema tem bem por onde se pegar e se desenvolver.

Mas este relato limita-se a dar uma ideia do porquê da vinda do menino para Portugal e suas peripécias, do ambiente familiar que encontrou, do seu regresso à Guiné em 1978, do encontro com seus pais e do seu regresso a Portugal, onde reside atualmente.

As fotos são minhas. Não sei se acham interessante a formatização do texto do Apêndice com selos da Guiné-Bissau. Fi-lo porque este texto é quase todo composto por excertos de correspondência por mim recebida, vinda do meu JM. [O texto segue as normas do acordo ortográfico em vigor].

2. ADILAN, nha minino.  Ou como se fica com um menino nos braços (2ª Parte)

APÊNDICE

Texto e imagens: © Manuel Joaquim (2010). Todos os direitos reservados.

Oito meses após a sua chegada à Guiné,  JM escreve aos padrinhos para os informar que tinha encontrado os seus pais. Seguem-se excertos de correspondência:
Bissau, 1/9/1978
(...) Agora tenho-lhes a dar uma excelente notícia que não irão acreditar! A descoberta da minha família, não acreditam? Então aí vão os nomes: pai, Adjula (...); mãe, Fati (...); irmã, Fulô (...) e eu, ADILAN (…).
Através do (...) de Bissorã, um dia eu e uns tipos do Partido resolvemos fazer umas buscas pela zona de (...), antes de lá chegarmos já lá tinham ido (...) interrogar as pessoas (...), acerca de um jovem que tinha sido levado pequenino para Portugal, não conhecia as suas famílias, (...) morava naquela região, enfim manga de coisas (...).
(...) uma pessoa da tabanca sobressaiu-se dizendo que tinha um filho muito pequenino (4 anos) que estava a guardar o milho com um outro miúdo qualquer e que os tugas (desculpem-me a expressão) tinham-no prendido e levado para Bissorã e mais tarde para Portugal. (...) lhe perguntou se o filho tinha qualquer sinal (...) ela respondeu:
- Sim, tem uma cicatriz no lado direito (na cara). Tem uma orelha furada no lado esquerdo. Um pouco atrapalhado a falar.
( ... ) estas respostas levaram-nos no dia 26/8/78 a ir certificar-nos. ( ... ) eu + 3 pessoas, incluindo um intérprete especial do balanta ( ... ). Chegámos a um lugar totalmente diferente daquele ( ... ) que eu tinha em mente, terreno plano ( ... ) arroz por todos os lados ( a minha cabeça começou em funcionamento como se estivesse a jogar xadrez com o padrinho e tivesse perdido a raínha, as torres e os bispos todos sem que o adversário sofresse nada e chegou o momento da pergunta, «Como será possível que estas pessoas passem tanta fome com tanto arroz semeado?» Veio logo o xeque-mate. «Não vês que esse arroz depois de cortado vai para Bissau e aí é consumido ( ... ) o que chega aqui é um tudo de nada que mal chega para a cova de um dente?» ( ... ) e calei-me, pois com o xeque- mate não há nada a fazer).
A tabanca estava quase vazia, só duas criancinhas mal sabiam o que era a vida é que estavam cá fora a brincar (o resto estava tudo na bolanha) mal tentamos aproximar-nos destas, sumiram-se logo ( ... ) Não havia nada a fazer senão esperar ( ... ).
( ... ) começam a chegar pessoas da bolanha (o meu coração aumentava cada vez mais enquanto o seu batimento era triplicado), esqueci-me de referir que as pessoas de ( ... ) se tinham refugiado no Senegal, a maioria delas, lá ao fundo uma velhinha ( ... ) vem calmamente andando com o seu cesto de encomendas à cabeça, chega junto de nós, pára e calmamente põe o cesto no chão e a primeira coisa em que ela põe o sentido é em mim, olha-me dos pés à cabeça, de trás e de frente enquanto eu me limitava a seguir os seus gestos até que chega um momento e o intérprete lhe pergunta em balanta:
- A senhora (mulher-grande) foi quem perdeu um filho?
- Fui.
- E como o perdeu, em que lugar, como era ele, em que altura foi?
Respondeu ( ... ) igual ao que está escrito atrás.
- Acredita que ele está vivo? ( ... )
A mulher grande baixou a cabeça chorando que nem uma perdida e respondeu não, um não de raiva, ele está morto e mesmo se ele estiver vivo nunca voltará aqui ( ... ) o pessoal da tabanca juntou-se todo à nossa roda, escutando com atenção o que se estava a passar, chorando também. No meio ( ... ) estava uma jovem, olhos castanhos, orelha furada do lado esquerdo, a mesma cicatriz e do mesmo lado, cor igual à minha ( ... ) de nome FULÔ ( ... ), e que a mulher-grande dizia ( ... ) era a minha única irmã, era autenticamente o meu retrato ( ... ).
Para acalmar os choros todos o intérprete disse que o tal rapaz era eu, euforia por parte da Fulô que se lança aos meus braços, beijando-me e abraçando-me com toda a sua força ( ... ) a mulher grande dançava, pulava, gritava, enfim foi uma tarde triste-alegre.
As pessoas juntaram-se todas à minha volta e levaram-me ( ... ). ( ... ) diziam que é o meu pai, que estava de cama (doente), este saltou da cama abraçou-me beijou-me até nunca mais parar. Queriam matar galinhas, porcos, ( ... ), enfim manga de coisas, falavam sempre comigo em balanta mas eu limitava-me a abanar a cabeça, eu disse-lhes que não podia ser, ( ... ). ( ... ) era muito tarde e a visita era curta e que ficaria para outro dia, comprenderam e guardaram tudo para Dezembro ( ... ) para eu não faltar em Dezembro.
Regressamos ( ... ), queriam que levasse um porco para Bissau mas era grande de mais ( ... ).

Quase um mês após este encontro, JM volta a falar dele e a relatar algumas cenas com mais pormenores, aflorando algo que o está a incomodar e que é o grau de emoção sentida, que sente muito abaixo do nível que tinha imaginado:
Bissau, 28/9/78
( ... ) Não tenho a certeza se a carta que lhes escrevi ( 1/9/78) irá aí parar ( ... ) mas vou-lhes relembrar ( ... ) passagens de interesse que nela iam.
Desde o primeiro dia que cheguei à Guiné-Bissau, perguntavam-me sempre pela minha família! a resposta era sempre estão mortos. Eles estão vivos e tu é que não os conheces (diziam-me).
( ... ) há uns dias atrás um ( ... ) de Bissorã ( ... ) descobriu uma família reduzida a três pessoas ( pai, mãe e filha ), faltando um filho que essa família dizia que tinha ido para Portugal levado por um soldado ( ... ) se ele estivesse vivo nunca mais voltaria ( ... ) por várias razões, condições melhores, com 4 anos já não se lembra nada da família ( ... ).
Então num fim de semana do mês passado fomos certificar-nos ( ... ) eu poderia pertencer a essa tal família ( ... ).( ... ) A mulher-grande da família foi interrogada em balanta por um intérprete ( ... )
- Qual o nome do seu filho que perdeu? R: - ADILAN ( ... )
- Em que ano o perdeu? R: – Em 1966.
- Idade que tinha quando o perdeu? R: – 4 anos.
- Que sinais tinha? R: – Um corte nas costas, quando lhe estava a cortar o cabelo caiu-me a faca, ( ... ) lado esquerdo orelha furada, olhos castanhos, um pouco gago ( ... ) sinal do lado direito marca dos meus filhos.
E baixou a cabeça chorando e dizendo: Ele nunca mais voltará... nunca mais voltará... um filho é uma fortuna que uma mãe nunca poderá perder mas eu perdi o meu... (...).
( ...) apresentado a essa família que sem perder um mínimo de tempo se lançou aos meus braços dizendo que eu era o seu filho . Será verdade pelas interrogações feitas e pelas respostas dadas, mas o meu coração não se inclina a aceitar por enquanto esta nova família, porque será? Esta é para vocês me darem a resposta o mais urgente possível. S.F.F. não se esqueçam.
Mas dentro desta família houve uma pessoa que me confundiu muito a cabeça, a tal filhinha de cor mulata, olhos castanhos, lábios finos, sinal do lado direito da cara, uma só orelha furada do lado esquerdo ( ... ) diziam que ela era realmente o meu retrato e devia sem dúvida ser a minha própria irmã, eu acredito que seja , não só pelas suas características serem idênticas às minhas mas também pela reacção quando me abraçou: ADILAN, ÉS TU PRÓPRIO O MEU IRMÃO! ADILAN, FALA! ( ... ). Eu não podia fazer nada senão limitar-me a fechar a boca porque não só o meu coração não se inclinava para o sim mas também residia e ainda reside a incerteza em mim.
Depois de um grande choro e lágrimas por todos os cantos veio ( ... ), canções de alegria, palavras de carinho, ( ... ) uma farra que não foi grande farra pelo meu coração não o querer e não sentir ainda aquele amor que devia sentir pela família ( ... ).

Fiquei preocupado com os problemas de índole afetiva que surgiram ao JM, ao encontrar seus pais e irmã, e não demorei a responder-lhe. Se bem me lembro, a minha resposta é um derramar de afetividade mas também leva como que um pedido de desculpas da minha parte, por me ver o causador de tais problemas. A contra-resposta aparece já um pouco fora de tempo (mais de três meses depois) e, surpresa, é muito agradável para mim, um alívio, um “docinho”.
Bissau, 6/2/79

( ... ) Na frase seguinte, o padrinho diz: “ se achas que eu teria feito melhor deixando-te pelo Oio, não me recrimines. Perdoa lá. Não foi com más intenções ( ... )”. Esta frase, apesar de ser optativa, deixou-me um pouco aborrecido, o que seria agora de mim se eu tivesse ficado no Oio? Estava agora vivo? Seria um Adilan vestido com calças e camisa? Seria um rapaz sentado numa secretária? ( ... ) a melhor coisa que fez, e agradeço-lhe por isso, foi levar-me como menino e trazer-me como homem, muito obrigado padrinho (as boas intenções nunca se recriminam). ( ... )

Mas o problema continua por resolver, mais de um ano depois:
Bissau, 1/5/80

( ... ) pois o problema trata-se da família. Família essa que dentro de mim não a sinto ainda (não sei porquê ) como verdadeira minha família e que neste momento me está trazendo várias complicações ( ... ) quer que eu siga todos os seus costumes, religião, que faça juntamente com eles os seus festejos (comprando vacas e porcos) e tradições ( fanado, chôro e demais coisas existentes nestas tradições ) e que finalmente case com a mulher que eles entenderem que devo casar, ( ... ) até a este momento não chegamos a um entendimento, o que pensarão vocês acerca deste assunto? (queria que me dessem uma opinião, se possível na próxima carta). ( ... )

O padrinho, eu, bem tenta entrar nestes problemas, dá os conselhos comuns e começa a vislumbrar o caso como difícil. Confia no tempo e aposta na desdramatização. Mas, perante o tipo de incompatibilidades surgidas, o que se prenuncia é o afastamento emocional da família pois a distância cultural é muito grande para haver hipóteses de aproximação funcional e afetiva entre estes dois mundos.
E o tempo foi passando, assim.
Bissau, 13/1/81
( ... ) Quanto à minha família tudo continua como dantes, as dúvidas persistem, até quando? Eu propriamente não sei explicar-vos porquê mas não consigo, mesmo que queira, considerá-los como um verdadeiro filho considera os seus pais e os estima verdadeiramente, eu não consigo adaptar-me e como farei, padrinho?

Bissau,17/3/81

( ... ) O amor de um filho pelos pais não existe ainda em mim ( na Guiné ). ( ... ) para mim esse amor existe e existirá sempre em Lisboa. Não quer isto dizer que eu nego os meus parentes, nada disso ( ... ). ( ... )

De vez em quando aparecem as saudades de Portugal (um contra-peso ?).
Bissau, 19/10/81
( ... ) Quando falam no nome de Casal Novo sinto uma coisa dentro do meu coração, recordar esta bela aldeia, as suas gentes, a amabilidade desta pequena povoação, enfim um paraíso para não esquecer nunca mais - ali nasceu e cresceu a infância de um pretinho de nome ( ... ) - obrigado CASAL NOVO, obrigado madrinha PIEDADE, padrinho ZÉ BISPO, ti JQUINA e ti MANEL, ti SANTIEIRA e ti RAINHO, mas não perdi a esperança de um dia poder voltar a essa belíssima aldeia... não perdi a esperança ( ... ).
Uma das últimas vezes em que se refere ao tema, que o tempo parece estar a resolver, aborda mais uma vez a aldeia da sua infância:

Bissau, 25/1/82
( ... ) A família continua a ser um caso cheio de casos ( ... ), continuo com aquele pensar que sempre tive desde a infância, que não tenho família e que ela morreu na guerra ( ... ) e, como não poderia deixar de ser, continuo a pensar cada vez mais em vocês, e no Casal Novo, ninguém me tira ou tirará esta ideia ( ... ).( ... )
E o tempo, em vez de consolidar os vínculos com a família natural e com a tabanca natal, vai os desvanecendo e, em contrapartida, vai fortalecendo a ligação afetiva com a família portuguesa e com a aldeia da sua meninice. Nota-se alguma emoção no relembrar o Casal Novo e seus habitantes.

Bissau, 29 de Setembro de 1983
( ... ) Essas belíssimas férias como foram passadas? Foram até ao Casal Novo? Falando daquela terra, as saudades são imensas, lembro-me ( ... ) a ajudar a madrinha no corte do milho, na apanha da azeitona por aqueles cerrados abaixo, encostas e ladeiras, aquele amor que os vizinhos tinham por mim, enfim lembro-me sempre do Casal Novo e da sua gente, daqui um abraço para eles todos, dêem-lho por minha conta e digam-lhes que ainda estou vivo e não perdi a esperança de ir visitá-los, era este ano mas gorou-se, penso que será para o ano. ( ... )
Não foi “para o ano”, como ele pensava. O ansiado encontro só se concretizou sete anos depois.
FIM
Sintra, Outubro de 2010
Um abraço,
Manuel Joaquim
Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419 do BCAÇ 1857
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.
Fotos: © Manuel Joaquim (2010). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

10 de Novembro de 2010 >
Guiné 63/74 - P7261: História de vida (32): Adilan, nha minino. Ou como se fica com um menino nos braços - 1ª Parte (Manuel Joaquim)


quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7261: História de vida (32): Adilan, nha minino. Ou como se fica com um menino nos braços - 1ª Parte (Manuel Joaquim)


Sintra > Azenhas do Mar > Setembro de 1977 >  O Adilan, com as suas queridas “maninhas”, dez anos depois de vir da Guiné para Portugal... Fará 50 anos no dia 12 de Janeiro de 2011. E a nossa Tabanca Grande, nesse dia,  quer-lhe cantar os "Parabéns a Você!"...


1. O nosso Camarada Manuel Joaquim, ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67, enviou-nos, com data de 5 de Novembro de 2010, a seguinte mensagem:Camaradas,

Envio-vos um texto e fotos, sobre um menino balanta-mané, o JM, meu "familiar" desde 1967, quando o trouxe da Guiné e que hoje ronda os 50 anos de idade (estou mesmo velhote!).
Tentei que o relato não fosse tão extenso mas não consegui. Aliás, o tema tem bem por onde se pegar e se desenvolver.
Mas este relato limita-se a dar uma ideia do porquê da vinda do menino para Portugal e suas peripécias, do ambiente familiar que encontrou, do seu regresso à Guiné em 1978, do encontro com seus pais e do seu regresso a Portugal, onde reside atualmente.
As fotos são minhas. Não sei se acham interessante a formatização do texto do Apêndice com selos da Guiné-Bissau. Fi-lo porque este texto é quase todo composto por excertos de correspondência por mim recebida, vinda do meu JM. [ O texto que se publica segue o novo acordo ortográfico. EMR]
ADILAN, nha minino... Ou como se fica com um menino nos braços (1ª Parte)

Texto e fotos: © Manuel Joaquim (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
Introdução
Durante a chamada Guerra do Ultramar (1961/74) diversas crianças vieram para Portugal, trazidas por militares em fim de comissão. Eu fui um dos que o fez e sou dos que acham que algumas destas ações são parte da história da guerra. De certeza que a minha o é. Vejamos:
Guiné, Janeiro de 1966: Este meu menino foi capturado com cerca de quatro anos, passando a conviver, no ambiente militar de Bissorã, com a CCaç 1419/ Bcaç 1857. E acabou por entrar na minha casa em 1967. Ainda cá mora.
Para contar o que se passou com nha minino (o meu menino) fui, por ele, posto à vontade. Não desvendo a sua naturalidade e, do seu nome, ficam as iniciais JMSC. É óbvio que poderá ser reconhecido por quem de mais perto lidou com ele, em Portugal e na Guiné, mas não quero facilitar o acesso à sua identidade.
Irei centrar-me em períodos ou momentos da sua vida, para mim importantes. Não irei inventar e empolar mas recordar acontecimentos e emoções. Confio na minha memória que, neste caso, tem sido muitas vezes ativada, de há 43 anos para cá.


Nha minino > Maio/1967 > No dia seguinte à sua chegada a Portugal

Uma explicação: Adilan é o nome original (balanta-mané) de JMSC. Quando tratei do registo da criança nos serviços competentes de Bissau já todos tinham esquecido o seu nome, ela incluída. Só mais tarde, uns onze anos depois, se voltou a saber como se chamava em pequenino. Por fim, e vale o que vale: vou falar de alguém muito querido que me trata por padrinho e que é irmão das minhas filhas e tio dos meus netos (tratamento familiar mútuo).
1. A causa
Bissorã, 11/ 01/ 1966. Ordem operacional para a CCaç 1419: "limpeza” da tabanca de C., trazendo a sua população para Bissorã. Ao meu grupo de combate cabe-lhe ficar em casa, aguardando o dia seguinte com a missão de organizar a recolha de toda a gente na ponte (destruída) sobre o rio Blassar, limite transitável da estrada Bissorã/Barro.
Ao início da manhã estamos no local. Segurança montada, espera-se. Até que se percebe no horizonte um movimento ondulante, tipo cobra gigante de cor indefinida, que vai ganhando forma à medida que se aproxima: sobressaem mulheres e crianças, animais diversos, alguns deles trazidos à corda, esteiras, utensílios domésticos, tudo misturado com soldados e milícias. Eles aí vêm mas não se ouve qualquer ruído.
Passam-se uns minutos e já se ouve a cobra a rastejar pelo caminho de aproximação. O barulho aumenta progressivamente e, ao dar-se o encontro, o obstáculo gerado pela falta da ponte faz a cobra dissolver-se numa mancha ruidosa, alargada e desordenada, a dirigir-se para as viaturas estacionadas no outro lado do rio (seco). Na confusão da subida para as viaturas, a algazarra de soldados e milícias contrasta com a indiferença e a resignação (ou medo disfarçado?) dos deslocados. Lá se vai arrumando tudo, com alguma dificuldade, e a coluna põe-se em marcha.
Chegados a Bissorã, ala que se faz tarde! Esvaziam-se as viaturas, a tropa vai para o aquartelamento e o povo... fica no chão, embrulhado na tralha trazida e agarrado aos animais, sem controlo aparente. Nem a milícia, que por ali ronda, parece interessada naquela gente. Talvez esteja a controlar, deve estar a cumprir missão específica. Passeio mais uma vez o olhar pelo aglomerado humano e, de repente, dou comigo a pensar: “Não há homens aqui? Só vejo um!"... No meio das mulheres e crianças está um homem, já meio velhote, com ar de perdido ou de inseguro, todo encolhido, calado. “... não conseguiram trazer mais nenhum homem da tabanca? Que estranho!... que se lixe, quero lá saber! Vamos lá mas é arrumar isto!” (as viaturas).
2. A surpresa
Assunto arrumado, dirijo-me a casa. Sim, casa. Os furriéis e 2ºs sargentos da CCaç 1419 estão aboletados numa vivenda, situada fora do aquartelamento e em ótimo estado de conservação, onde também funciona a enfermaria e posto de socorros da Companhia, no que terá sido a área comercial do edifício. Ao entrar pelo pátio das traseiras vejo um grupo todo excitado, como que formado em meia-lua, virado para uma parede. – O que é isto? – Eh pá, o Sarrico trouxe este puto do mato!
Aproximo-me e vejo um pretinho franzino, três/quatro anitos, junto à parede. Reparo no 2º sarg Sarrico, veterano da guerra em Angola, à volta do menino a tentar fazê-lo falar, sem resultado. Chama um miúdo balanta que por ali anda, para servir de intérprete. Nada. Do menino nem um pio mas vê-se que está a tremer, com os olhos arregalados e inquietos. A sua cor é indefinida, talvez acinzentada, a pele está cheia de manchas esbranquiçadas.
Nisto aparece o furriel enfermeiro, repara no aspeto da criança e faz logo um diagnóstico rápido, sentenciando:
– Olhem, ponham-no debaixo da torneira! Ele precisa de uma boa barrela!
– Ponham-no “preto!” – grita alguém da meia-lua.
Há gargalhadas dispersas. Junta-se ao grupo o 1º sarg Lageira, olha, informa-se, sussurra um sincopado “coi... ta… di… nho!” e interpela o enfermeiro:
– Oh Santos, não tens nada para estas coisas da pele? Olha como o puto está!
O Santos deve ter dito que sim e o Sarrico põe a mão na torneira que está na parede da casa, a um metro do solo e por cima da cabeça do miúdo, preparando-se para o lavar. Ao abri-la, o pretinho começa a chorar, aos berros, quando vê a água a jorrar sobre si. E, sempre a chorar, é lavado da cabeça aos pés.
O miúdo está a acalmar, parece. O Sarrico tenta de novo usar o intérprete, com expressões do tipo «não tenhas medo», «ninguém te faz mal», e pergunta-lhe o nome. E não é que o garoto responde? Com uma voz encolhida, deve ter dito Adilan. Sarrico : “Dila?” Intérprete: “A.. .dí… lan!” Sarrico: “pois, Dila”. E quanto ao nome, não se passa daqui. Ficou a dúvida.
(Obs.: Hoje consigo lembrar esta cena, com o nome Adilan incluído, por razões que aparecerão adiante no texto. Mas, na altura, toda a gente esqueceu o seu nome original, inclusive ele próprio. Não admira, é o resultado de ter passado a ser reconhecido por 'Sarrico' e assim ficar a ser chamado.)

Voltemos ao banho de torneira. Está o garoto, lavado e mais calmo, a começar a responder ao intérprete quando aparece o Santos, todo pressuroso, com um grande frasco na mão, cheio do tal produto que faz bem à pele:
– Vamos lá a isto!





Bissorã > Janeiro/1966 > Eu, na varanda da habitação dos sargentos da CCaç 1419
O enfermeiro dirige-se ao miúdo e passa-lhe a tintura pelo corpo todo. A cena torna-se patética. Com o corpo a arder, o garoto grita que nem um desalmado tentando soltar-se; alguns dão gargalhadas, outros têm um sorriso amarelo, parecendo incomodados. Eis senão quando o menino solta-se mesmo e, aos saltos que nem um cabrito, investe contra a meia-lua humana, aos berros, assustado com o que está a sentir. Parece pedir socorro. Tem razão o 1º Lageira, com o "coitadinho" de há pouco. Mas o menino não consegue fugir e, qual passarinho entre as mãos do seu captor, vai acalmando a um ritmo lento parecendo estar a tomar conta, pela primeira vez, do ambiente que o rodeia.
As conversas cruzam-se. Discute-se o acontecimento. Até que se ouve o sarg Sarrico dizer que vai cuidar da criança. Não digo nada mas o caso incomoda-me: o menino foi retirado à força da sua comunidade e, ainda por cima, numa ação de reordenamento populacional. Por onde andarão seus pais ou outros familiares?
Com a decisão do Sarrico a criança fica a viver na nossa casa. Por incrível que pareça, passados poucos dias já parece outro, a sua pele brilha num castanho claro, ele e o Sarrico parecem já ser amigos, fazem lembrar o filme “O Garoto de Charlot“. Mas esta situação só durou pouco mais de um mês.
(Obs.: Hoje sei que seus pais fugiram, deixando o filho para trás porque estava afastado deles, em companhia de outro garoto mais velho, a “trabalhar”, assustando a passarada que está sempre cheia de fome ao alvorecer. Foi apanhado de surpresa por alguém que não mais o largou. O seu companheiro conseguiu fugir.)
3. O acidente
Bissorã, 20/ 02/ 1966. Meio da tarde. Uma mulher da tabanca, com problemas no parto, precisa de ser evacuada para Bissau. Vem um helicóptero. O piloto diz ter visto um grupo suspeito, na estrada Bissorã/Bula, que lhe pareceu estar em reunião. Tal informação gera uma ordem de saída para se verificar e atuar conforme. Foi dada ao grupo de combate do sarg Sarrico.
Está um calor sufocante. O Sarrico tem a mania de andar no mato com uma granada de fumos. Não sabemos porquê. Talvez tenha medo de se perder; ele adora fotografar e é frequente vê-lo de máquina fotográfica nas mãos durante as operações. Hoje, para cúmulo, tem a granada num bolso das calças, sem arejamento. Distração ou inconsciência?
Pois é. Ao aguardar a saída, ao sol direto, a granada rebenta-lhe no bolso : PÔFF!... Queimaduras muito graves nos dedos das mãos, no baixo ventre e noutros locais alcançados pelos espirros do material químico. Aparece-nos em casa, pelo seu próprio pé a caminho da enfermaria, e uma espécie de fiozinhos de vapor branco evolam-se saindo dos farrapos do camuflado, das zonas do corpo atingidas... até da G3! Socorro possível e imediato, evacuação para Bissau. Segue-se Lisboa (HMP) e... salvou-se! Mas a morte andava por perto, não esperou muito tempo para o levar.

Final da tarde. Naquela falsa calma dorida e angustiante, alguém pergunta:
– Eh pá, e o puto? Que é que se faz com ele?.

Bem, fala-se por falar, trocam-se olhares, encolhem-se ombros e ninguém assume nada. O puto está sem o seu protetor e é precisa uma solução, de e para o imediato. Que não demora muito. Alguns soldados levam-no para a caserna, batizam-no de Sarrico, e lá ficam com ele.
Os meses vão passando, a convivência corre bem mas o miúdo é livre de frequentar a rua e a tabanca. Parece que “é de todos e não é de ninguém”. Não é mascote. Vejo-o, uma vez por outra, nos pequenos bandos de crianças que, de lata na mão, esperam pelas sobras do rancho. Não precisa de comida, quer é brincar e participar nas movimentações da miudagem. Mais dia menos dia, penso, será recuperado totalmente por alguém da família. Chego a estranhar isto não ter ainda acontecido.
4. A “emboscada”
Bissorã, finais de Outubro/66. Oito meses são passados desde o acidente que vitimou o 2º sarg  Sarrico. É alterada a disposição no terreno das forças militares do BCaç 1857 e, assim, a CCaç 1419 sai de Bissorã e vai para Mansabá. Que bela prenda, para final de comissão!
Nas vésperas da mudança, a sociedade civil local organiza um convívio para agradecer o trabalho da Companhia durante os 12 meses que permaneceu em Bissorã. Foram convidados os oficiais, os sargentos e algumas praças. Bom ambiente, muitas bebidas, bons petiscos e, com coisas destas, pouco tempo é preciso para se esquecer a razão das despedidas. Às tantas, alguém me convoca:
– Meu furriel, há para ali pessoal que quer falar consigo. Pedem p´ra ir lá.
Estranhando o despropósito do momento e da hora, bem noturna , lá vou até à porta.
– Oh nosso furriel, um favor, veja se convence o nosso capitão a deixar levar o Sarrico c´a gente p´ra Mansabá! É que ele não autoriza, já fizemos tudo e... nada! Veja lá se o convence!
Tento dizer-lhes que o capitão lá terá as suas razões... assunto complicado... não deve ser possível levar o miúdo... Mas, perante tanta insistência, não resisti:
– Está bem, estejam descansados que eu vou tentar! Esperem aí!
Pego num uísque e por ali fico bebericando, conversando e aguardando a oportunidade de cumprir o prometido. Falo com alguns camaradas sobre o assunto mas ninguém está ali para pensar nisso! O ambiente está animado, barulhento e... ,para mim, há uma resposta a dar ao pessoal que espera lá fora. Vamos lá!
Qual mensageiro da plebe castrense, já envolto em vapores etílicos, um bocado leve no andar e de fala um pouco entaramelada, lá vou eu ao encontro do capitão. De chofre, sem rodeios, em voz bem alta:
– Meu capitão, por que não deixa ir o Sarrico c´os soldados p´ra Mansabá? Estão pr´ali quase a...
Nem me deixa acabar. Com a voz ainda mais alta que a minha, atira logo:
– Oh meu caro Manuel Joaquim, responsabiliza-se por ele?
Pimba!!!... que grande martelada na tola! Inesperadamente, em décimas de segundo, os meus neurónios excitados pelo álcool (anestesiados?) devem ter decidido eu dizer, de imediato:
– Responsabilizo, pois!
O capitão, talvez surpreendido com tal resposta, engasga, pigarreia e... :
– Então está bem! Se assim é, o rapaz fica ao seu encargo a partir de agora!
– Com certeza, meu capitão! Vou já avisar o pessoal!
E não houve mais conversa! Meia volta e lá vou eu para a porta da rua ter com a malta, um pouco zonzo com o que me está a acontecer:
– Podem levar o Sarrico! A partir de agora está por vossa conta... e minha!!!
– Eh!.. bestial !!! Obrigado!!!
Caem-me em cima festejando e voltam para a caserna, rua fora, festejando... eu volto à sala para festejar, digo a alguém “ já me f... ! ” e agarro mais um uísque para me ajudar a digerir o assunto.

Lembro-me bem da saída de Bissorã, bem cedo. Pouca gente na rua, uns acenos tímidos, quase indiferença. É exceção um pequeno núcleo a protestar quando passa por ele a viatura onde segue o Sarrico. Fico surpreendido pois não imaginava tal oposição. Afinal, o miúdo tem família ali em Bissorã! E, ainda por cima, a reinvindicá-lo!
Quem diria, estava sinalizado pela família e ninguém me disse nada?! ... “ merda p`ra isto!”...
Sinto um certo mal-estar. O ruído, ou melhor, a razão daquele protesto incomoda-me: “Olha no que eu me meti! ... F...-se! ”
Lá vou matutando, inseguro e aborrecido, até Mansoa. Aqui, e a caminho de Mansabá, começo a medir verdadeiramente o problema que arranjei e que tenho de resolver!...
Sem saber como, e de um momento para o outro, fico com um menino nos braços, literalmente!

Mansabá > 1967 > Contraluz
5. A decisão
Mansabá, Novembro / 1967. O Sarrico fica a viver com os soldados, a tempo inteiro. Não quero interferir, pois eles gostam dele e tratam-no muito bem. E há também um pequeno grupo responsável pelo seu bem-estar. Do meu lado sucedem-se algumas conversas com o capitão, à procura de uma possível saída para resolver o meu problema.
Passa-se o tempo e nada, nem sim nem sopas. Depois de tudo o que aconteceu, só vejo uma solução para resolver o caso, ética e moralmente aceitável para mim. É levar o garoto para Portugal.
Decisão tomada, vou informar o capitão e, para grande surpresa minha, ouvi-lhe um “não esperava outra coisa”! A seguir, dirijo-me à caserna e dou a notícia aos cuidadores:
– Está resolvido, vou levar o Sarrico comigo para a metrópole! Tratem-no bem, digam-lhe que irei tomar conta dele e que vai gostar muito de estar comigo. Quero que me veja como seu protetor, como a sua segurança quando vocês o deixarem.
Com esta minha decisão há, de novo, festa na caserna. E eu sinto-me confortado, pacificado.
Os dias passam. Não sei o que vai na cabeça do, agora, nha minino. É um menino muito bem tratado por todos. Para já quero que me veja como uma espécie de figura mágica que o pode proteger. Vê-me de longe, não me aproximo, de vez em quando calha trocarmos olhares, deve sentir o carinho do meu olhar, talvez.

Mansabá > 1967 > Vista, de dentro do quartel, de parte da tabanca (W). Em 1º plano nota- se a cobertura de um abrigo

Mansabá, Abril de 1967. Passaram-se cinco meses. É preciso regularizar a situação civil do Sarrico e preparar a sua viagem para Lisboa, prevista para o fim do mês. Vou a Bissau: (i) registá-lo com um nome cujas iniciais são JMSC (cada uma delas corresponde também à inicial de outros nomes: o meu, de meu pai, da sua tabanca natal, de quem o capturou); (ii) autenticar um Termo de Responsabilidade sobre a criança; (iii) obter autorização da PIDE para a viagem; (iiii) comprar a respetiva passagem marítima. Tudo resolvido, regresso a Mansabá. «O Sarrico vai c´a gente!», grita-se na caserna.

Mansabá > 1967 > Regresso das tarefas agrícolas, ao fim da tarde

Bissau, finais de Abril /1967. Adeus Mansabá, olá Bissau! Matam-se saudades das ostras e doutros petiscos (nos três primeiros meses de comissão a CCaç 1419 esteve colocada em Bissau). O dia do embarque aproxima-se. Vai-se à procura de roupa para o menino que fica todo boneco, uma beleza. O pessoal rejubila. E é nesta altura, nas compras, que tenho o que se pode chamar um verdadeiro primeiro contacto físico, afetivo, com o balantinha-mané mas durante pouco tempo, o tempo das compras. Só lhe volto a tocar em Abrantes.

6. Portugal
Lisboa, 9 de Maio de 1967. Cais da Rocha: o UIGE despeja a carga, a alegria anda estampada nos rostos dos militares, de seus familiares e amigos.
Menos efusivo do que antes imaginava, desço as escadas do navio e vou ao encontro da namorada. Um pouco depois nha minino passa junto de nós, todo apinocado e acompanhado por alguns soldados. A minha futura sogra exclama “Olha ali um pretinho tão giro!”.
Digo com alguma indiferença “irão vê-lo muitas vezes” e vejo que não me percebem. É que eu não disse nada a ninguém! A ninguém mesmo!
Segue-se a viagem de comboio para o RI 2, em Abrantes. Só aqui, na hora das despedidas, acontece a entrega do menino. Lágrimas e abraços a selar o momento. Assiste um amigo de Pombal que ali está de carro para nos recolher, a mim e a outro militar lá da terra. A surpresa é grande quando percebe que há mais um passageiro, e que passageiro!
A caminho de Pombal, a primeira paragem é na minha casa, numa aldeia chamada Casal Novo. Minha mãe está sozinha: meu pai está em França, meu irmão mais novo também e o outro irmão está em Moçambique, já recuperado de ferimentos em combate, a cumprir os meses finais de comissão na cidade da Beira. (Como a mãe deve ter sofrido com dois filhos na guerra, em simultâneo durante mais de um ano, e um outro fugido em França!)
Alegria a rodos, vamos todos casa adentro. Saltam um chouriço e uma garrafa de vinho, o menino é motivo de conversa mas não diz uma palavra. Está sentado numa cadeira, hirto, afastado da mesa, como que olhando para o vazio. Vêm as despedidas, sai-se para a rua mas ele ficou onde estava. Minha mãe, que ficou à porta, nota a falta da criança e exclama: “Então não levam o menino?!!!”.
Ficam como que assarapantados com a pergunta mas, de imediato, lhes digo: “Não lhe disse nada!” e para ela: “O menino fica comigo!”. Fica de boca aberta, não quer acreditar, e há mais uns minutos de conversa motivada pelas circunstâncias.
Ao reentrar, verifico que ele está sentado no mesmo sítio. Olha-me calmamente, agora sinto que me olha mesmo! Espantam-me a calma e a confiança que aparenta. Belo trabalho dos soldados, só pode ser. Tentamos conversar. O seu português é tosco mas lá nos entendemos.
Vamos comer mais alguma coisa enquanto minha mãe vai recuperando da surpresa e do espanto. Depois, o sono vem depressa ao seu encontro e já não acordou antes de ser levado para a cama. Minha mãe quer perceber o que aconteceu para ter, assim, um menino em casa. E que menino! A conversa prolonga-se.
Acordo, bem tarde, no dia seguinte. Estavam os dois, no quintal, a tratar das galinhas e doutra bicharada. “Maravilha!, sucedeu química entre eles!” – penso. E diz a minha mãe:
– Queres saber? Logo de manhãzinha fui chamar as vizinhas: “querem ver a prenda que o meu Manel me trouxe da Guiné?” Olha, vieram a correr e abri-lhes a porta do quarto, só se via uma bola preta, assim a cara, com duas coisas mais claras, assim os olhos, e elas não sabiam o que era! Abri um pouco as cortinas da janela para verem melhor e nem imaginas como ficaram! Ele estava acordado, muito quietinho de olhos arregalados, só com a cabeça fora dos lençóis!
Bela cena! Começo a sentir-me bem, verdadeiramente.

Pombal > Casal Novo > Maio/1967 > Os primeiros passos de corrida para o domínio do espaço da aldeia
7. A integração
Situada perto de Pombal, Casal Novo é aldeia pequena mas a notícia da chegada de um pretito da Guiné espalha-se facilmente para lá da aldeia. Será conveniente fazer algum tipo de apresentação social e, para o efeito, nada melhor que aproveitar a missa dominical.
Assim, a 14 de Maio e à saída da missa, lá estou no largo da igreja paroquial de Santiago de Litém com o meu pequenino JM. A apresentação é um sucesso, para mim e para ele. Muito seguro de si, pose empertigada, é alvo de grande curiosidade.
Aproveito a ocasião e vou apresentá-lo ao pároco, que fica encantado. Interessa-me motivá-lo para me ajudar na integração social da criança. Vem à baila a educação religiosa e, logo ali, fica decidido que o menino será batizado.
Resolvo comunicar ao padre a minha intenção de realizar, na igreja local, o meu casamento. Aponto para finais de Agosto. E surge a ideia, que até é do padre: por que não realizar o casamento e o batizado na mesma altura? Acho interessante, ótimo mesmo, mas preciso do acordo da noiva (que veio a concordar).
Para criar vínculos familiares combinou-se que meu pai seria o padrinho de batismo e a noiva seria a madrinha. E em 20 de Agosto de 1967, a seguir ao meu casamento, realiza-se o batizado do menino JMSC. E assim ficamos todos seus padrinhos, diretamente ou por afinidade.



Pombal > Santiago de Litém > Agosto/1967 > Um casamento e um batizado, três meses após a chegada da Guiné

Após o casamento vou morar para Rio de Mouro (Sintra) e deixo o menino com meus pais. Já está decidido, ficará com minha mãe (meu pai trabalha em França) e em Outubro irá frequentar a escola da aldeia.
É a melhor solução pois, sendo eu professor titular de um lugar de escola perto da Figueira da Foz (não consegui transferência atempada para a área de Lisboa, onde a esposa trabalha), será difícil tomar conta do miúdo.
Assim a maior parte dos nossos fins-de-semana, durante o ano letivo, irá passar-se na minha casa paterna. E, para ajudar, nota-se uma enorme empatia entre ele e a agora “madrinha”, a minha mãe.
Na escola a integração é rápida, torna-se um dos melhores alunos, desde a primeira classe. Assim, no ano seguinte, apesar de eu ficar colocado na Amadora, opta-se pela sua não mudança de escola.
Na aldeia é muito querido por toda a gente e, nos seus tempos livres, é vê-lo a participar em pequenas tarefas rurais, as mais diversas, tanto nas da sua casa como nas dos vizinhos. Esta situação dura quase quatro anos e termina pelo Natal/1970, quando meus pais resolvem viver juntos em Paris.

Agualva-Cacém, 1971. Em Janeiro, o JM vem viver comigo. O afastamento da aldeia não esfria as relações com seus habitantes pois grande parte das suas férias escolares futuras será lá que a passa, participando ativamente na vida social local.
A chegada dele coincide com o aumento da família. A uma menina com dois anos e meio está quase a juntar-se uma outra. Nasce um mês depois. Ele é o seu “irmão mais velho” , elas assim o vêem e ele assim o sente. Elas são as suas “manas”.
E temos agora um rapaz prestes a entrar na adolescência, num ambiente totalmente diferente, tanto familiar como social.
Segue o percurso escolar sem sobressaltos de qualquer espécie até ao 25 de Abril. Mais cedo do que eu pensava, e na sequência da Revolução de Abril que o apanha com 13 anos, ele começa a prestar muita atenção ao que se passa na Guiné.
É verdade que sempre tentei criar nele laços afetivos com o seu país natal, ajudando-o a criar e a manter um sentimento de pertença às suas gentes e a um espaço que é seu por nascimento, mas não lhe tinha notado nenhum interesse especial no assunto.


Agualva > Cacém > No carnaval de 1973 > Com a madrinha, passeando as “manas”

8. O regresso
A independência da Guiné-Bissau é para ele uma coisa normal, estava preparado para tal. Sente-se bem com o facto. Há muito tempo que lhe venho dizendo para não menosprezar os estudos pois poderiam ser importantes para vir a ajudar, um dia, o seu país, assim mesmo, o seu país.
Os anos vão passando e a Guiné-Bissau torna-se um chamariz irresistível. Devo ter contribuído para isso, não medindo as palavras para elogiar seu povo e suas belezas naturais, o aroma e o sabor dos frutos, o paladar de um bom chabéu; para recordar o faiscar furioso dos relâmpagos com o ribombar ensurdecedor dos trovões, os cheiros fortes, mesmo excessivos, da floresta húmida e os suaves aromas vindos da savana seca no cacimbo da madrugada; para referir a beleza de um batuque, os sorrisos das crianças e a dignidade dos velhos, a cultura da sua gente. Talvez eu tenha pecado por não o alertar para as coisas más e desagradáveis que também existiam, e que seriam muitas.
Também nunca lhe menti sobre seus pais. Podia ter dito que tinham morrido mas digo-lhe que tanto podem estar mortos como terem fugido no momento em que ele foi apanhado. A verdade é que ele acredita mais na morte deles do que eu. Tento deixar-lhe entreaberta a porta da esperança, sempre.
Ao acabar o nono ano, em 1977, o rapaz pensa em voltar à Guiné. Começo a procurar maneira de lhe fazer a vontade. E, em Setembro, consegue-se lugar num avião militar português.
Temos então o JM a despedir-se dos amigos, dos familiares e do pessoal da(s) aldeia(s) com quem conviveu nos primeiros anos portugueses e onde passava férias escolares nos últimos cinco anos. Prendas arrumadas, enxoval emalado, despedidas lacrimosas e , na data marcada, ida para o aeroporto. Na manhã seguinte, estava-me a bater à porta!
– Então? !!! - pergunto, muito admirado.
– Pifou tudo, padrinho! Ao preparar o embarque, e ao verem a minha idade, perguntaram-me quem é que estava em Bissau à minha espera. Como não sei o nome de ninguém, disse-lhes que era o PAIGC e eles responderam-me que PAIGC é muita gente, não serve.
Fico espantado. Estava tudo tratado, o cônsul da Guiné-Bissau até tinha ajudado a conseguir esta boleia e... afinal, cá temos o rapaz de novo em casa! Ele pode estar frustrado mas para a família cá de casa não há problema. As suas “maninhas” têm seis e nove anos, gostam muito dele e ficam todas contentes.


Sintra > Azenhas do Mar > Setembro/1977 > Na véspera da partida (falhada) para a Guiné, num passeio de despedida com as suas queridas “maninhas”

Retoma-se o processo, tentando não haver falhas. O Consulado guineense assume a orientação e eu apresento-lhes uma espécie de curriculum vitae do JM, com um relato das circunstâncias que me tinham levado a trazê-lo para Portugal. Não demorou a sua aprovação.
Agora só falta comprar a passagem e querem que seja eu a fazê-lo. Perante a minha recusa, o governo de Bissau paga-lhe a viagem na TAP e lá vai ele a caminho da Guiné, agora sim, recomendado a uma figura destacada do PAIGC. Estamos em Janeiro/1978, fez há pouco 17 anos e tem quase 11 de vida em Portugal.
Muito bem recebido em Bissau, a Organização do PAIGC toma conta dele, garante-lhe residência e alimentação até ter emprego. Retoma os estudos. E começa uma nova etapa da sua vida, sozinho, às vezes inseguro mas maravilhado com o novo mundo que lhe aparece, cheio de esperança e entusiasmo.
9. Os anos de Guiné
Razões várias me levam a não fazer grandes referências ao percurso do JM na Guiné-Bissau, quer por princípio quer por respeito pela sua privacidade, não só a pessoal mas também a cívica.
Continua a estudar, integra-se na vida política como militante da JAAC (Juventude Africana Amílcar Cabral), trabalha na administração pública. Sozinho, sem família nem “padrinhos”, vai marcando o seu lugar.
(Obs.: O regresso do JM à Guiné natal vai criar-lhe um natural desejo de saber da situação dos seus pais. Estariam vivos? Como irá ele reagir, que sentimentos vai ter de enfrentar? Que tipo de emoções vai sentir? É sobre tudo isto que, em Apêndice, ele vai ”falar” através da correspondência que me dirigiu.)

A certa altura é escolhido para frequentar o Instituto Superior Karl Marx, de Berlim, na então República Democrática Alemã, na área de formação administrativa e política ou coisa parecida. E assim, alguns anos depois, cá temos o rapaz outra vez na Europa mas, infelizmente, gora-se a espectativa de uma passagem por Portugal.

Alemanha ( RDA ) > 1986 > Convivendo

Acabado o curso, regressa a Bissau.
A Guiné que ele tinha deixado estava a começar a resvalar para o que, na altura, ninguém imaginaria. Mas os sinais já lá estavam. A propósito diz-nos, em Agosto de 1986:

Como é do vosso conhecimento as coisas por cá não vão lá muito “católicas”. (...) os vencimentos mal chegam para um indivíduo comer - a inflação é galopante e, quando assim é, o pessoal (...) e reclama, outros lembram-se dos bons velhos tempos do colonialismo em que havia de tudo (...), outros ainda só pensam em emigrar (...) situação não muito alarmante mas que precisa duma certa atenção por parte das entidades responsáveis (...).

A sua atividade laboral desenvolve-se na área política, tendo nos anos seguintes trabalhado em diversos gabinetes ministeriais.
Entretanto, surge-lhe a oportunidade, que não perdeu, de vir passar seis meses em Portugal. Ótimo para matar saudades, cada vez maiores, da sua família portuguesa. E ei-lo de volta a Lisboa, a Agualva-Cacém e ao seu Casal Novo. Estamos em 1990, treze anos depois do seu regresso à Guiné, e temos o nosso JM de novo em Portugal e nos ambientes da sua infância e adolescência.
10. A reviravolta
A sua visita é uma grande alegria, para ele e para todos os seus familiares portugueses. Chega radiante e anda cada vez mais radiante. Aproveita para renovar o seu Bilhete de Identidade português. Não quer regressar sem este documento pois a vida social e política na Guiné começa a dar sinais de instabilidade. Tem alguns pressentimentos desagradáveis, está bem colocado para se dar conta disso. Infelizmente virão a concretizar-se e a um nível difícil de imaginar, naquela altura. Apesar de tudo, JM faz planos para desenvolver atividade económica em Bissau. Mas o destino baralha-lhe os planos. Um problema surge na Conservatória, não lhe aceitam o processo de renovação do B.I.
É verdade, tudo tinha mudado para casos como o dele. O que tem de fazer, agora, é pedir a recuperação da nacionalidade portuguesa. Tem direito a esta se tiver residido em Portugal, em permanência, num determinado período imediatamente anterior a 25 de Abril de 1974 (cinco anos?).
Ora bem, não há problema nenhum, é fácil provar a sua residência pois tinha frequentado a escola pública durante todo aquele período, há registos oficiais disponíveis e credíveis. Pois é… é fácil, mas a entrega do B.I. só acontece passados dois anos. Dois anos!!! Por isso não voltou a Bissau na data prevista, tendo por cá ficado à espera do B.I.
Entretanto, a instabilidade política e a degradação económica da Guiné vão aumentando rapidamente e afastam, cada vez mais, a ideia de regresso. Surgem mais razões para diluir esta ideia: confirma que a sua ligação afetiva à família portuguesa é muito grande e envolve-se sentimentalmente com quem, mais tarde, contrairá casamento e será mãe dos seus filhos.
Apesar de adorar a sua Guiné, sempre interessado e preocupado com o que lá se passa, também se sente muito bem como cidadão português. Para além da família constituída há relações fortes com muita gente, com os locais portugueses onde cresceu e com a outra sua “família” que o acompanhou nesse crescimento. Sem esquecer os ex-militares da CCaç 1419 que tomaram conta dele, desde Bissorã até Abrantes, com quem se encontra anualmente, de há 18 anos para cá. Não mais regressou.
11. Epílogo
Está no fim esta narrativa, feita sem outro objetivo que não o de referenciar momentos e aspetos da vida de um homem que, desde os seus 4 anos de idade, se podem caraterizar como especiais e o de dar a conhecer um outro lado da guerra colonial que criou afetos que perduram, pelo menos enquanto forem vivos os seus intervenientes.
Há ainda um acontecimento importante a referir, o reencontro de JM com seus pais.
Este acontecimento poderia integrar um processo de análise das possibilidades de reintegração de alguém que tenha sido afastado da sua família natural, nomeadamente quando esse alguém é uma criança nos seus primeiros anos de vida. Poder-se-á pensar que o processo é simples. Tudo leva a crer que só excecionalmente o será.
Este caso de um menino de quatro anos retirado, à força, da sua família e do mato da Guiné e catapultado para uma sociedade europeia, mesmo que seja rural-portuguesa, pode dizer alguma coisa sobre o assunto. Não esquecer que este é um caso inserido numa guerra, o que também o torna especial.
A seguir, em apêndice, JMSC relata os momentos que (e como) viveu aquando (e a partir) do reencontro com seus pais, quase doze anos depois da sua separação. São relatos,  a quente,  de sentimentos e sensações que, na altura, muito mexeram com ele e connosco, seus familiares em Portugal. E, no meu caso, ainda hoje. A composição deste Apêndice mostrou-mo.
(continua)


Um abraço,
Manuel Joaquim
Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419

Fotos: © Manuel Joaquim (2010). Todos os direitos reservados.
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Nota de M.R.: