sábado, 12 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9034: As Nossas Tropas - Quem foi quem (7): João Polidoro Monteiro, Ten-Cor Inf (cmdt do BCAÇ 2861, Bissorã, 1970, e BART 2917, Bambadinca, 1971/72) (Armando Pires / David Guimarães / Paulo Santiago)




Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > BART 2917 (1970/72) > Centro de Instrução de Milícias > Da esquerda para a direita, em segundo plano, Ten Cor Polidoro Monteiro, Gen Spínola e Alf Mil Paulo Santiago.

Foto (e legenda): © Paulo Santiago (2006). Todos os direitos reservados

1. Temos uma série, ainda com poucos postes, sobre os nossos comandantes e outros militares que, no TO da Guiné (*), se destacaram de uma maneira ou de outra ou ficaram na nossa memória (pelo seu currículo militar, pela sua liderança, pela sua personalidade, pelo seu convívio,  pelas histórias que deles se contavam, etc.). 

Hoje reunimos alguma informação adicional sobre o último comandante do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), João Polidoro Monteiro, infelizmente já falecido, mas que alguns de nós conheceram e que com alguns privaram:


1. Armando Pires [ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70] (**):

O Ten Cor João Polidoro Monteiro [JMP] veio, em 1970, directamente de Moçambique, onde comandava a Guarda Fiscal, para Bissorã, comandar o [meu batalhão, o] BCAÇ 2861, em substituíção do Ten Cor César Cardoso da Silva.  Em Dezembro de 1970,  o 2861 regressou a Portugal, terminada a comissão. Foi nessa altura que JPM foi comandar o BART 2917.

(...) Estou a vê-lo, ao Polidoro, galões reluzentes sobre um camuflado acabadinho de saír do Casão Militar, olhos protegidos pelas lentes escuras de uns inevitáveis Ray-Ban, pingalim tremelicando na mão direita, voz forte e decidida advertindo a força em parada:
- Não me tomem por periquito, que de guerra venho eu farto.

Depois, a ordem que obrigava todos os militares a andarem devidamente fardados e ataviados quando não em serviço (???).

Se esta não fosse já um mimo, a cereja em cima do bolo veio de seguida. Íamos fazer exercícios de protecção ao aquartelamento. Poupo-vos ao relato e consequências, embora fossem de ir às lágrimas.

Já mais tarimbado na função, o Paulo Santiago, ex-comandante do Pel Caç Nat 53, aqui nos relatos da Tabanca mostra-o, ao Polidoro, numa foto  tirada nas margens do Geba, ali no Mato Cão, exibindo um magnifico troféu de caça.

Com a mais respeitosa vénia ao Santiago, recoloco aqui a tal foto, ao lado de uma outra tirada por mim, em Bissorã, pedindo-lhes que descubram a semelhança. 

Hum!!! Já viram? Reparem outra vez… olhem bem… não deram por ela?... 

É A FACA DE MATO, caramba! Ali, sempre pendurada no ombro direito.



Guiné > Região do Oio > Bissorã > BCAÇ 2861 (1969/70) > 1970 > Festa tribal:  À esquerda o Alf Capelão Batista, à direita o Ten Cor Polidoro Monteiro

Foto (e legenda): © Armando Pires  (2009). Todos os direitos reservados


 Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Mato Cão > O Ten Cor Polidoro Monteiro, último comandante do BART 2917 (1970/72), o Alf Médico Vilar e o Alf Mil Paulo Santiago, instrutor de milícias, com um jacaré do rio Geba... Foto tirada em Novembro ou Dezembro de 1971 no Mato Cão, após ocupação da zona com vista à construção de um destacamento, encarregue de proteger a navegação no Geba Estreito e impedir as infiltrações na guerrilha no reordenamento de Nhabijões, um enorme conjunto de tabancas de população balanta e mandinga tradicionalmente "sob duplo controlo".

Foto (e legenda): © Paulo Santiago (2006). Todos os direitos reservados
2. David Guimarães [ex-Fur Mil Art Minas e Armadilhas, CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72] (***)

(...) A CART 3492 (Xitole, Janeiro de 1972/Março de 1974) foi exactamente a Companhia que rendeu a CART 2716 a que eu pertenci e fomos nós que fizemos a sobreposição...
(...) Um dia o Comandante do BART 2917, já na sobreposição, apareceu no Xitole. O Luís Graça e o Humberto Reis conheciam-no. Era o Tenente Coronel Polidoro Monteiro... Conto-vos uma peripécia passada com ele.

Perguntava eu, bem perfilado, ao Polidoro Monteiro:
- Meu comandante, a nossa missão é ir ensinar o caminho a esta gente...Proponho que ensinemos o início dos caminhos por onde passamos tantas vezes....

Resposta:
- Vai-te foder, seu caralho, quero que lhes ensinem a toca....

Deu em riso, como é evidente....

O Polidoro Monteiro foi o único Tenente-Coronel que usava arma e eventualmente percorria um pedaço de caminhos connosco... Gostava muito de passear no Xitole, pois de manhã gostava de ir até Cussilinta, ao banho, no Corubal,  e à noite ir à caça às lebres que iam para junto da mancarra (amendoím], na Tabanca de Cambessé, à guarda do aquartelamento do Xitole....

Sempre vi nele um bom militar e era da inteira confiança de Spínola.... Aliás ele era Tenente-Coronel de Infantaria e foi colocado por Spínola em Bambadinca para ir comandar o BART 2917, [em substituição do]  Tenente-Coronel Magalhães Filipe, que era o Comandante inicial do Batalhão (...).

A gota de água para retirar o Comando ao Magalhães Filipe foi a operação na Ponta do Inglês onde morreu aquela secção do Cunha [da CART 2716, do Xime]... Quem merecia a porrada acabou por não a apanhar (...).

Ainda sobre o Polidoro Monteiro... Um dia ele manda um rádio para o Xime com a seguinte nota: "Dois pelotões formados às 5.30 para sair com CMDT" (...). O Polidoro Monteiro chama o condutor de dia e percorre,  sem qualquer escolta,  aquele caminho de Bambadinca ao Xime, a alta velocidade... Resultado: 10 dias de prisão para o [alferes que exercia as funções de] 2º Comandante, e 10 de detenção para outro alferes... É que eles nunca se fiaram que àquela hora ele aparecesse lá e como tal não estavam prontos como ele mandara....

Luís Graça e Humberto Reis: vocês já não estavam lá, creio, mas que isto se passou, passou... O Polidoro era assim, um bom Comandante, a nível operacional: dizia quantas asneiras havia no dicionário... Muito operacional mas bom sujeito... Vocês conheceram-no ainda (...).

 3. Paulo Santiago [, ex-Alf Mil,  cmdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72] (****)

 (...) Acontece,algumas vezes, aparecerem postes que mexem comigo, precisando...emocionam-me. É o caso de hoje, com este poste do camarada Armando Pires,que entrou, em grande forma, para a Tabanca. Não é por causa da foto, onde apareço abrindo a boca do anfíbio bicharoco; não,o que me tocou mais fundo foi a recordação do Polidoro, pessoa que nunca mais encontrei após a minha saída de Bambadinca. 

Todos sabeis, já o escrevi várias vezes (****), o Ten-Cor Polidoro Monteiro foi talvez o  oficial superior, melhor, devo dizer, foi o único oficial superior que me mereceu respeito, e conheci vários. Estes vários que conheci, majores, tenentes-coronéis, quando íam ao Saltinho (é um ex.) utilizavam o heli, nada de ir em colunas, havia o pó e outras merdas mais complicadas... E aqui começa a diferença... Conheci o Polidoro, não em Bambadinca, conheci-o (e também ao Vacas de Carvalho)... no Saltinho, onde chegaram e de onde partiram numa coluna com o trajecto  Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho
e depois o trajecto inverso. 


Não sei a razão, mas em Bambadinca, havia, como dizer?, uma certa cumplicidade entre mim e o Polidoro.  Entendíamo-nos muito bem, já o mesmo não acontecia com o 2º comandante, o [major] Anjos de Carvalho, um militar emproado, bom para andar na parada, esperando ver um militar com menos atavio,ou que se esquecesse da
continência, para de imediato lhe foder a vida.

Agora a foto. Quem era o comandante de batalhão que se metia num Sintex e descia o Geba Estreito até Mato Cão? Só o Polidoro...e ficou lá a dormir nos buracos com o pessoal do Pel Caç Nat  63. Aquela faca no ombro direito, de que fala o Armando, é imagem de marca, julgo que nunca vi o Polidoro com outra farda que não fosse o camuflado, raramente com galões, contrariamente ao 2º comandante que sempre vi de calções, meia
alta e respectivos galões.



Agora vou "entrar" com o Armando quando cita aquela apresentação do Polidoro ("Não me tomem por piriquito que de guerra venho eu farto").  Oh Armando,  não terá sido assim: "
"C..., não me tomem por piriquito que de guerra venho eu farto" ? 
Ou assim: "Não me tomem por piriquito, c..., de guerra venho farto" ?.


Agora, ainda a propósito da foto, reparem no outro personagem,o Alf Mil Médico Vilar, "apanhado" na altura (...hoje... psiquiatra)... Olhem para a arma que segura: é uma carabina de caça 22...Não é que ele lhe acoplou aquela imensa baioneta (comprada na Feira da Ladra) de uma Kropatschek ?! (...)


4. Comentário do editor:


(...) Companhias de quadrícula do BART 2917 (Maio de 1970/Março de 1972) (comandado por Ten Cor Art Domingos Magalhães Filipe e depois por Ten Cor Inf João Polidoro Monteiro):

(i) CART 2714, sita em Mansambo (Cap Art José Manuel da Silva Agordela)

(ii) CART 2715, sita no Xime (Cap Art Vitor Manuel Amaro dos Santos, Alf Mil Art José Fernando de Andrade Rodrigues, Cap Art Gualberto Magno Passos Marques, Cap Inf Artur Bernardino Fontes Monteiro, Cap Inf José Domingos Ferros de Azevedo)

(iii) CART 2716, sita no Xitole (Cap Mil Art Francisco Manuel Espinha de Almeida) (...).

______________


Notas do editor:


(*) Vd. postes anteriores desta série:
21 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7313: As Nossas Tropas - Quem foi quem (6): Hélio Esteves Felgas, Maj Gen (1920-2008)

9 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 – P4313: As Nossas Tropas - Quem foi quem (5): João Bacar Jaló (1929-1971) (Benito Neves, Mário Fitas e João Parreira)


13 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3735: As Nossas Tropas - Quem foi quem (4): Cap Art Ricardo Rei, CART 1792: Lixaram-no, não passou de coronel (Joseph Belo)

21 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2569: As Nossas Tropas - Quem foi quem (3): João Bacar Djaló (1929/71) (Virgínio Briote)



4 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2239: As Nossas Tropas - Quem foi quem (2): António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe (1968/73)

23 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2207: As Nossas Tropas - Quem foi quem (1): Vasco Lourenço, comandante da CCAÇ 2549 (1969/71) e capitão de Abril



(**) Vd. poste de 4 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4778: Tabanca Grande (168): Armando Pires, ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã (1969/70)


Vd.comentário ao poste de 10 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9021: História do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72): Resumo dos factos e feitos mais importantes, por João Polidoro Monteiro, Ten Cor Inf (Benjamim Durães)


(***) Vd. poste, da I Série > 26 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXVI: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (6) 

(****) Vd. comentário ao poste P4778. E ainda:

8 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3187: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (16): Instrutor de milícias em Bambadinca (Out 1971)

9 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3189: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (17): Instrutor de milícias em Bambadinca (Out 1971).

Guiné 63/74 - P9033: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (16): As cábulas

1. Mensagem do dia 9 de Novembro de 2011, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), enviou-nos mais uma das suas histórias e memórias.


HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (16)

As Cábulas

O exame, escrito e/ou oral, destina-se, regra geral, a aquilatar os conhecimentos adquiridos pelos alunos em determinado período de tempo.
Nas provas escritas alguns alunos tentam – e muitas vezes conseguem – ludibriar o professor transmitindo a noção (falsa) de que têm conhecimento cabal de determinada matéria, quando na verdade a mesma não foi convenientemente estudada e aprendida. Por vezes o aluno, para engendrar e exercitar determinada maneira mais ou menos sofisticada, sempre mais ou menos falível, perde nisso o tempo que seria eventualmente suficiente para estudar adequadamente a mesma matéria; no entanto conseguir uma vitória sobre o professor sem queimar as pestanas será sempre um prazer gostoso, mesmo que efémero, a ter em conta. Trava-se aqui uma espécie de luta semelhante à que se verifica entre a doença e os inventores e/ou fabricantes de medicamentos. A doença surge, ataca o paciente e os antídotos vão sendo inventados por vezes com atrasos significativos ou mesmo tremendamente dilatados. Também aqui “o corpo é que paga”.

No caso em apreço, já foram inventadas as mais variadas formas de copiar tentando sempre o aluno não ser detectado pelo professor: fórmulas ou dicas escritas na palma da mão; tiras de papel presas com elásticos no interior da camisa ou na manga do casaco (puxa-se o papel e quando, depois do uso, o largamos o elástico encarrega-se de o recolher, de imediato e sem deixar rasto, ao seu esconderijo); livro ou caderno debaixo do casaco ou da capa e tantas outras.

Mais ou menos em 1960, dois irmãos, um do 5.º ano e outro do 7.º, inventaram e puseram em prática um sistema invulgar de emissores e receptores para assim “levar a carta a Garcia”. Durante o exame, o mais velho instalou-se no castelo de Lamego; o mais novo fazia a prova escrita de Matemática no liceu local. No seu posto o mais velho recebia as perguntas da prova transmitidas pelo mais novo; preparava a resolução e emitia-a para a sala onde decorria o exame; o mais novo à medida que ia recebendo a transmissão ia passando a mensagem ao papel. O estratagema parecia infalível.

Mas... há sempre um “mas”!
Um vendedor de aparelhos eléctricos ouviu no seu rádio aquela estranha conversa: algarismos, incógnitas, etc.

Coisa estranha, pensou ele! Apressadamente conseguiu passar ao papel uma boa parte do que ia ouvindo.
Deslocou-se ao liceu a perguntar se sabiam do que se tratava. Rapidamente se aperceberam que estava ali a resolução duma expressão algébrica do ponto de Matemática do 5.º ano.

Logo dois professores foram enviados a todas as salas para descobrir o que estava a acontecer. Descoroçoados, já pensavam dar-se por vencidos quando um reparou que determinado aluno tinha um grande penso anormal numa orelha.
- É um “leicenço”, diz o aluno, deveras surpreendido com o que estava a acontecer-lhe.
Não lhe passava pela cabeça que alguém tivesse descoberto a sua ardileza; entendeu que o motivo seria outro, bem diferente.

Pedem a comparência dum enfermeiro para retirar aquele “invólucro” de algodão sem “molestar” o aluno. Envolto no penso, incrivelmente, encontrava-se um receptor; no pulso do aluno disfarçado pelo relógio havia um emissor.
O Reitor ordenou, sem mais delongas, que os dois alunos fossem reprovados. Naqueles tempos os alunos do 5.º ano faziam exame escrito de manhã e os do 7.º ano de tarde.
O Ministério, porém, devido à engenhosa invenção, determinou que a ambos fosse facultado repetir excepcionalmente os seus exames.

E o comerciante de aparelhos eléctricos?
Caiu nas más graças do povo de Lamego; ninguém entrava na sua loja para comprar o quer que fosse e até o insultavam na rua; fechou a loja!

Vou agora relatar um extraordinário caso teatral, ocorrido em Coimbra em 1962/63 no qual eu participei, não sendo o actor principal.

Certo dia, depois de jantar, apareceram na casa onde eu morava, duas moças que pretendiam falar comigo. Entrámos os três numa sala pequena e, depois de dois dedos de conversa, uma manifestou o que pretendia.
Eu não as conhecia. A que falou era também universitária da Faculdade de Letras mas, pela praxe, era “doutora” do 4.º ano.
Eu era apenas um semi-puto, qualificação “praxística” dos alunos do 2.º ano ou repetentes do 1.º.

Aquela moça tinha História do Teatro como cadeira de opção pela qual eu tinha optado no 2.º ano. Não me lembrava de ter visto aquela “doutora” pela praxe coimbrã nas aulas da Dra. Maria Helena da Rocha Pereira que leccionava com muita qualidade, sabedoria e exuberância aquela cadeira. Aquela senhora era extremamente culta e transmitia na perfeição o que sabia aos seus alunos; grande lente!

Alguém informou aquela colega que eu era possuidor de bons apontamentos sobre a matéria daquela disciplina e ela pretendia que eu lhos emprestasse. Respondi afirmativamente mas teria de mos devolver no dia x. Eu ia fazer nesse dia uma prova escrita e iniciaria no mesmo dia a preparação do exame de História do Teatro.

No dia e hora aprazados, quando saí da sala, a colega esperava-me ali. Conversámos um pouco. Em vez de me devolver os apontamentos, ela sugeriu que eu estudasse com ela, em sua casa, porque ainda não tinha conseguido estudar o suficiente; na verdade mal teria olhado para os ditos apontamentos!
Na tarde desse mesmo dia iniciámos a nossa tarefa; começámos logo a falar de Ésquilo, Sófocles, Eurípides e outros, divagando sobre a obra de cada um.

Cedo me apercebi que a colega não apresentava as condições psicológicas necessárias para se concentrar na matéria que nos propúnhamos estudar.
A meio da 1.ª sessão, bebericando um chá que ela muito amavelmente ofereceu, fui informado que ela era casada e o marido, devido a complicações políticas e/ou militares, estava detido no Presídio de Penamacor. Boa malha! Senti-me espartilhado! Estava metido numa camisa de sete varas! Mas, afinal, não era nada comigo!
Continuámos a nossa árdua tarefa com interrupções apenas para comer e dormir.

Na véspera do exame escrito ela comunicou-me que, no anfiteatro onde se realizaria a prova, ela tentaria colocar-se perto de mim para usufruir do meu apoio, caso fosse necessário.
Eu fiquei mesmo à beira dum estreito corredor; ela, não sei como, conseguiu sentar-se do outro lado do mesmo corredor inclinado (anfiteatro).

No lugar da Dra. Rocha Pereira, por impedimento desta, um padre ainda jovem foi destacado para assistir ao exame (vigiar); passeava constantemente a toda a largura da sala, olhando atentamente para os alunos de vários ângulos.

A certa altura a colega pediu-me apoio para determinada pergunta: numa folha A5 escrevi os tópicos da resposta; dobrei a folha e, quando o padre se afastava de nós, lancei-a na direcção da colega; ela tentou apanhá-la mas o objecto do crime poisou nos degraus do corredor. O padre olhou e viu o papel no chão; voltou-se rapidamente e começou a subir os degraus para o apanhar, qual gato preto tentando atracar um distraído ratinho indefeso.

Com uma presença de espírito assinalável a colega afastou a perna direita para o corredor (“escanchou-se” como comentávamos mais tarde) puxou a saia, já de si curta, bem para cima, exibindo ousada e descaradamente a sua atraente coxa ao padre. Este, supondo tratar-se de obra de Belzebu ou de outro qualquer infernal demónio tentador, deu meia volta apressadamente e continuou o seu percurso a toda a largura da sala.

Ela, num ápice, apanhou a cábula, recompôs-se e... o perigo já tinha passado.
Eu “deixei cair tudo” mas a custo recuperei e recoloquei “tudo” no lugar devido.
O rascunho ajudou-a q.b.; fomos ambos à oral. Passámos!

Muitas vezes recordámos aquela teatralidade; afinal estudávamos História do Teatro!
Não fora o atrevimento, a ousadia , o descaramento da colega (estávamos no princípio da década de 60 do século passado) e o padre teria apanhado o objecto do crime. Se tal acontecesse, ambos seriamos convidados a fechar a porta... por fora... e não haveria prova oral para nós! Felizmente para ambos aconteceu o que nos convinha.

Que os alunos do secundário e até universitários usem e abusem destes métodos não é aconselhável nem é de louvar... mas aceita-se tendo em conta a juventude e as inerentes matreirices dos académicos.
Que indivíduos que concluíram já os seus cursos, persistam em actos semelhantes quer em teses ou em doutoramentos ou mesmo em concursos para obter um lugar para o exercício de determinada profissão é absolutamente execrável, abominável.

Neste jardim (só para alguns) à beira-mar plantado, em caso muito recente, passado entre juristas, depois de muito titubear, optou-se pela anulação do concurso sem qualquer punição para os prevaricadores. Deplorável! Vergonhoso!

Mais recentemente uma Universidade Alemã retirou a uma “doutora” ali formada o título académico que lhe haviam conferido porque afinal ela tinha mostrado saber o que na verdade não “sabia”. Ocupava um alto cargo na C.E.

Lisboa, 09 de Novembro de 2010
Belmiro Tavares
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8937: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (15): Os desenfianços no Colégio Militar

Guiné 63/74 - P9032: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (45): Destacamentos - Pedaços

1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 10 de Novembro de 2011 com mais uma viagem à volta das suas memórias:

Olá Vinhal
Saúde e força para nos aturar?
Apostado que sim, cá te mando uns pedaços de lembrança que , já o sabes usarás se assim o achares.
Um grande abraço para ti e um outro para todos "atabancados"
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (45)

Destacamentos - Pedaços

Os dias nos destacamentos continuavam a passar com a sua morosidade, sem quaisquer problemas em especial e talvez por isso mesmo com poucos registos de memória, para além de um ou outro, isolados e até desenquadrados eventualmente no tempo.

Destacamento de João Landim – visto da estrada

De Mato Dingal, parece-me, recordo uns tiraços em noite escura, reacção de sentinelas devidamente acordados no seu posto de vigília, zelando pela segurança e bem estar dos companheiros adormecidos que se levantam em sobressalto e desembestam, estou em crer, para os locais de defesa para, sem mais tiros repelir o ataque aventureiro e traiçoeiro perpetrado por “turras” que tiveram a desfaçatez e ousadia de importunar a nossa paz e sossego - que tínhamos merecido, - e que afinal não eram senão… uma vaca, creio.

Ainda em Mato Dingal, creio, recordo uma cerimónia fúnebre a que assisti, não sei se convidado se de moto próprio. Foi algo que nunca tinha presenciado e não mais presenciei. Talvez fosse de Homem Grande, talvez Balanta, não lembro. Ao que me parece, foi enterrado embrulhado em pano (creio branco) tipo múmia, numa espécie de poço feito para o efeito na proximidade da morança (?) onde foi depositado na vertical. Na lateral do poço havia uma reentrância onde fora depositados objectos talvez de uso pessoal (?). Foi o que retive para além da ideia de ter havido alta e prolongada festa e de nos terem ofertado carnes.

Como estas recordações me são um bocado ”embrulhadas”, alguém que se queira pronunciar em esclarecimento, agradeço a atenção.

Também aconteceu lá em Mato Dingal, descobrir que o belíssimo forno não servia só para assar os leitões e outros… bem, o Jorge Fontinha que conte.

Os dias foram passando, os primeiros de Fevereiro vieram e com eles as férias e a ida ao “Puto”, desta vez e infelizmente sem patrocinador.

Da canícula guineense ao frio gelado e chuvoso da belíssima paisagem nortenha e ao calor de família, amores, amizades humana e canídeo, foi uma questão de horas e mais algumas para arrumar para um canto um pedaço de vida passada, embrulhado e resguardado o melhor possível.

Em contraposição agora os dias já de si curtos, passavam no “goss goss”como se a guerra tivesse urgência na minha presença! Os dias voaram.

Por aquela terra nortenha devem ter ficado as minhas pegadas na caça à passarada, acompanhadas pelas do “Pilim”, canídeo perdigueiro pintado de dálmata, que adorava abafar qualquer ave esvoaçante, mesmo doméstica galinha, pato, ou fraca, que se passeasse pelo terreiro, abocanhando-lhes a cabeça sem as ferir e indo-as depositar estendidas e inertes à porta de casa, para arrelia de minha Mãe – para quem essas aves eram uma delícia para o olhar – e gáudio de meu Pai que o afagava, como incentivo à persecução da eliminação de predadores de sementeiras, a par das arrozadas e assados que proporcionava! O meigo animal saltava de alegria.

Depressa chegou dia das saudades na certa e entre outras, talvez da lareira em óptima companhia e ao toque de um verdasco parceiro de um chouriço ou presunto e ao som de chuva possivelmente entremeada de farrapos brancos, esparramando-se nas vidraças quadriculadas de pequeno.

A par foi a hora em que houve que retirar o embrulho do canto em que estava arrumado, colocando de novo esse pedaço de vida resguardado, estendido e bem à vista de modo a que não esquecesse as lições nele apreendidas e que podiam contribuir para o aumentar, até ao despontar de um novo ciclo que sonhava e que julgava estar a breves meses de alcançar. Estava de novo em Augusto Barros.

Destacamento de João Landim

Por lá passei uma temporada, interrompida por uma estada substitutiva em João Landim, destacamento como Mato Dingal à face da estrada mas na proximidade do Mansoa. De recordação fiquei com a do João, elemento do 1.º GCOMB.

Este homem – sim à altura já todos tínhamos sido forçados a ser homens, feitos e marcados, bem marcados – simples e valente mas não sendo nenhum Einstein, havia ganho e merecido o direito de regressar a casa, esperavamos em Junho, o que ao que lembro não aconteceria se não fizesse creio que a 4.ª classe, talvez mais propriamente “saber ler e escrever”.

Ora o João, ao que me parece recordar, pouco ou nada sabia de escrever ou ler, pelo que fui nomeado seu “professor”. Em tão pouco tempo iria ser um trabalho dificil e paciente para ambos, impossível talvez.

O trabalho começou e diáriamente, com maiores ou menores esmorecimentos foi prosseguindo com o objectivo minimo de conseguir conhecer as letras, juntar algumas e lê-las, escrever o seu nome e pouco mais. O resto havia de se conseguir de qualquer jeito.

As “aulas”, dadas no espaço afundado parece-me à altura das camas e coberto da camarata, foram-se somando a par de pouca evolução académica. A motivação primeira era a “peluda” mas por vezes o combate ao desânimo do “aluno” era ineficaz, transformando-se a aula numa perda de tempo e paciência.

Um dia, estou a descer os três ou quatro degraus para dar mais uma aula e… o João aponta-me a G3 ameaçando que disparava se não me for embora !? Recordo ficar estáctico, receoso e sereno e falar… a tensão é muita… a arma baixa e fico-lhe com ela… chora, desânimo e nervos à flor da pele… destroçado pensa que está tudo perdido… não há queixas nem punições… o João alcança a “peluda”!

Luís Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8819: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (44): Destacamento de Mato Dingal, umas instalações seguras

Guiné 63/74 - P9031: Blogpoesia (168): Chamava-se Zé Santos (Manuel Maia)

1. Em mensagem do dia 10 de Novembro de 2011, o nosso camarada Manuel Maia (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), enviou-nos este poema dedicado ao seu camarada Zé Santos, capturado e assassinado pelo PAIGC:


ZÉ SANTOS

Chamava-se Zé Santos, Deus o tenha!
soldado atirador, qual acha ou lenha,
p`ra alimentar a pira feita guerra...
No álcool encontrava a anestesia
p`ra esconder medos, pão de cada dia,
saudades da família, lá na terra...

Casado, já com filhos, e tão novo,
Zé Santos fora humilde homem do povo,
p`ra guerra conduzido, sem querer...
Em dia de anos, copo a mais já "ganho",
descalço, tronco nu, calções de banho,
na densa mata entrou p`ra se perder...

Sentindo alguém que o Zé levou sumiço,
desapareceu qual fumo, por feitiço,
na mata o procuramos bem aramados...
Cafal, zona perigosa, Cantanhez,
reduto onde o IN mostra altivez,
debalde, regressamos desolados...

Dias depois, montada operação,
caçados são dois "turras" logo à mão,
qu`informam do destino dado ao Zé...
População hostil o apanhara,
e às tropas do partido o entregara,
levado p`ra Conakry, outra Guiné...

Juraram uns, na rádio ter ouvido,
após captura, o Zé desaparecido,
vontade de o ter vivo, a ligeireza...
Mistério se adensou sobre o seu caso,
não apareceu jamais, nem com atraso,
soldado Santos, morto concerteza...

Aqui, com ódio, acuso os responsáveis,
civis e militares entre os "notáveis"
indignos sevandijas, sem perdão...
Nos trinta e sete anos decorridos,
nem corpos resgatásteis, vis bandidos,
daqueles que tombaram p`la Nação...

Que desteis, miseráveis, vil escória,
aos orfãos do visado desta história,
e à viúva jovem p`ros criar ???
Palavras ocas, vãs, dissimuladas,
capazes de ir mantendo silenciadas,
revoltas mais que justas, de bradar...

A vós vivendo sempre pendurados,
no guarda chuva público grudados,
com gordas, bem opadas sinecuras...
Escarro- vos na cara sem vergonha,
de esgares e de sorrisos feitos ronha,
p`ros outros, vidas prenhes de amargura...

Descansa em paz onde estiveres, camarada.
manuelmaia
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8978: Blogpoesia (166): Azar... (Manuel Maia)

Vd. último poste da série de 12 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9028: Blogpoesia (167): K3, de Nuno Dempster: excerto: "Capitão, meu capitão, não nos deixes sós!"

Guiné 63/74 - P9030: Convívios (386): Último Encontro de 2011 da Tabanca do Centro, dia 30 de Novembro de 2011 em Monte Real (Joaquim Mexia Alves)

A pedido/ordem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves dá-se o devido conhecimento à tertúlia em geral e aos mais próximos do centro de Portugal Continental em particular, do último Encontro da Tabanca do Centro a realizar, como habitualmente, em Monte Real.

Aproveitamos a oportunidade para sugerir uma visita à página da Tabanca do Centro em: http://tabancadocentro.blogspot.com/.


ORGANIZANDO O ÚLTIMO CONVÍVIO DE 2011


Como é habitual, no mês de Dezembro não se realiza o convívio da Tabanca do Centro, por coincidir com o período das festividades de Natal. Assim, o almoço que agora publicitamos - marcado para o próximo dia 30 de Novembro - será o último a ocorrer em 2011. Embora com alguma antecipação este convívio pretende em simultâneo celebrar a época natalícia que se avizinha. Não deixem por isso de aproveitar esta oportunidade para estarem presentes neste nosso último encontro deste ano.


NOTA IMPORTANTE

Foi pedido pela Sra. D. Preciosa, da Pensão Montanha, que lhe déssemos a informação do número de camarigos para o Último Encontro de 2011 - Almoço de Natal, até às 12h30m do dia 25 de Novembro, em virtude de ter que gerir as reservas para este dia, por causa dos Encontros Natalícios.

Pedimos assim que tenham em vista este pedido, e não se atrasem, porque a partir das 12h30m do dia 25 de Novembro, já não poderemos aceitar mais inscrições.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9022: Convívios (378): Operação Bácoro Risonho - CCAÇ 6 e outras forças aquarteladas em Bedanda - levada a efeito no passado dia 5 de Novembro de 2011 (António Teixeira)

Guiné 63/74 - P9029: O nosso blogue em números (14): A propósito dos 3 milhões de visitas... Comentários de Manuel Marinho e Raul Albino



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Rápidos do Saltinho > 3 de Março de 2008 > Lavadeiras do Saltinho...


Foto: © Luís Graça (2008) / Blogue Luís Graça & Camaradas. Todos os direitos reservados


A. Mais dois comentários sobre o nosso blogue (*), enviados pelo Manuel Marinho e pelo Raul Albino, em 5 e 7 do corrente, respetivamente:

1. Manuel Marinho (ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74):

 

(...) Como gosto muito deste blogue, que tem para mim um significado importante, aceito o desafio que os editores nos colocam (*). Contribuir de forma modesta e com a crítica construtiva para ajudar a que este enorme espólio de memórias seja isso mesmo, memórias de Guerra da Guiné.


E é com pena minha que estou desapontado com os caminhos que se tem trilhado ultimamente, tudo o que é escrito tem acolhimento no blogue, sem haver o cuidado de seleccionar textos com o mínimo de razoabilidade.


As razões apontadas pelo facto de haver cada vez mais blogues a tratar do tema da guerra colonial, não são suficientes para que se perca a qualidade, e a marca deste blogue, que é único, e não podemos de forma nenhuma tentar nivelar por baixo, os que nos copiam, é um estilo e uma identidade que poderemos perder se houver a tentação de ir por esse caminho. Pessoalmente, neste blogue estou muito bem, por isso acedi a enviar estas linhas para os editores.

As muitas entradas de novos camaradas são para saudar, mas não devemos fazer disso uma prioridade, porque se somos mais, contrariando toda a lógica, há menos escritos de muitos camaradas que o deixaram de fazer.



Naturalmente nem todos os temas postados no blogue são abrangentes, e alguns deles ficam limitados a uns poucos,  o que não significa menos interesse.


Mas ultimamente são postados textos sucessivos de gosto duvidoso e que nada acrescentam de valia ao blogue, e pior, nada têm a ver com a guerra da Guiné, e que na minha modesta opinião afastam e desiludem quem quer escrever e colaborar activamente com o blogue.


Quantas vezes já me apeteceu fazer um comentário e olhei para o que já estava escrito por outros e desisti por entender que seria demais, e quando volto mais tarde ao visionamento verifico que foram colocados mais alguns dizendo o que já lá estava, e entendo que muitos comentários não significam necessariamente um bom texto, mas é a minha opinião que vale aquilo que vale.


De facto podemos chegar à situação caricata de cada vez se tornar mais difícil contar uma simples estória de guerra, que é a razão principal da existência do blogue. (...)

2. Raul Albino (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato)

(...) Não posso sugerir mudanças no blogue, porque isso implica retirar algo por troca com outra coisa.

Depois de tanto tempo de vida do nosso blogue e tanto esforço dos seus editores em mantê-lo com sucesso, vou sugerir que a fórmula que temos perdure por mais algum tempo, mais propriamente até que outra fórmula, a existir, tenha adquirido poder de substituição.

Agora, enriquecer o blogue, é algo que deve estar sempre no nosso pensamento. E as boas ideias poderão vir a saltar das mais inesperadas pessoas. A iniciativa desta sondagem com solicitação de ajuda, pode bem despoletar essas ideias. Vai de certeza levar a várias discussões sobre o assunto.

Concretamente proponho que se reserve um período do nosso convívio anual, no próprio dia ou na véspera, para debater as ideias mais interessantes de entre todas as recebidas, para de viva vós serem abordados os prós e contras de cada uma das ideias e que elas possam ser defendidas pelos proponentes. Até para isto, as instalações que temos usado dos últimos anos, são excelentes.

Em termos de ideias próprias, estou a trabalhar numa em particular, que de algum modo já abordei com o Luís e talvez com o Carlos, que julgo não foram bem compreendidas. Espero já a ter mais bem delineada, pela altura do próximo convívio. Estou a tentar criar uma pequena demonstração, para facilitar a abordagem e permitir alterações ou melhorias, depois de discutida, ou abandonada, pura e simplesmente, se não tiver pernas para andar ou não for de interesse colectivo. Tenham, portanto, um pouco de paciência.

Agradecido pela vossa dedicação a esta causa que dá pelo nome de Tabanca Grande. Um grande abraço para todos vós e que esta iniciativa que tiveram seja coroada de êxito. (...)
_______________

Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série > 9 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9017: O blogue em números (13) : A propósito dos 3 milhões de visitas... Comentários de Virgínio Briote e Beja Santos



6 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9003: O nosso blogue em números (10): Atingidos os 9 mil postes, a caminho dos 3 milhões de visitas... Tempo de balanço(s)...

(...) Queremos fazer mais e sobretudo melhor, o que nos obriga a inquirir duas coisas junto dos nossos leitores:

(a) O que é que está menos bem, hoje em dia ? O que é que vocês, que estão do outro lado e nos leem (escrevo segundo a nova ortografia...),  pensam do blogue atual, nos seus aspetos negativos ?

(b) O que é que está bem ? Quais os aspetos positivos, que devemos manter e valorizar ? O que é que o blogue representa (ainda...) para cada um de vocês, sobretudo para aqueles que se identificam com a nossa "política editorial", com a ideia de fazer um blogue de partilha de memórias e de afetos à volta da Guiné e da guerra que nos levou lá (grosso modo, de 1961 a 1974) ?

(iv) Aceitam-se  (e publicam-se, desde já)  as vossas opiniões, desde que devidamente assumidas e assinadas, a remeter para o nosso endereço de correio eletrónico: luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com (...)

Guiné 63/74 - P9028: Blogpoesia (167): K3, de Nuno Dempster: excerto: "Capitão, meu capitão, não nos deixes sós!"


Guiné >  Região do Oio > Carta de Farim  (1/50000) > 1954 > Pormenor: localização de Saliquinhedim / K3, entre o Olossato e Farim (Não confundir com o verdadeiro Olossato, que fica a sudoeste de Farim, e que está localizado na carta de Binta)


Fonte:© Humberto Reis / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2006). Todos os direitos reservados




Excerto (*)  do longo poema K3, publicado em livro, pelo nosso camarada Nuno Dempster (**). Capa do livro, reproduzida em cima. 




(...) Não encontrar ninguém
endurece-me a vista,
é um sinal de alarme
que acorda o cérebro
e ilumina o lugar onde se arquivam
os ficheiros secretos,


até que no poema eu tente
a redenção,
ou o vírus da morte
vá destruindo as células
e não haja memória.


Talvez porque os ficheiros
se mostrem
com todo o seu espólio irrevogável,
eu tenha descoberto
tristeza semelhante
no cemitério nazi de La Cambe,
tantos anos passados sobre o dia D:


uma mulher sozinha, de joelhos,
rezava no vazio, vasto campo
de lápides deitadas entre a relva
com nomes de ninguém
que vi gravados, data a data,


inúmeros
com dezoito anos e um com dezassete,
vencidos por quem foi vencido,
como é uso passar-se
com inocentes mandados para a morte,


para aquele fornilho
que ergeu como um vulcão a GMC,
velha da Grande Guerra,


eram quinze soldados
e o capitão
arrancado a um liceu,
e os soldados, a cerros e vielas
de cidades decrépitas,
todos subiram no ar,
os corpos de lava acesa,


e caíram no meu peito, recordo
o fragor que deixaram
e que ficou guardado,
para que hoje o livrasse,


entre o estupor das caras e o vaivém
dos helicópteros,
as macas e o pousar das moscas
que sorviam o sangue
e, por cima dos gemidos,
aquele rouquejar:
"Água, água, traz-me água",
era a sede final das veias secas,


e alguns de nós acorriam com cantis,
sem escutar mais nada,
do que a voz dos pulmões arruinados,


na insegurança do ar que respirávamos,
as nuvens de mosquitos em redor,
e o cheiro das acácias e explosivos
vomitados de angústia,


éramos todos órfãos:


Senhor, dizei uma só palavra
e a minha vida será salva,


e o senhor não dizia nada,
e todos insistiam em crer nele,


um talismã que trazem ao peito,
e que segura o mundo,
com as suas fronteiras proibidas,
embora não a morte,
a morte constitui-se
em limite vital a quem maneja
os deuses tripartidos, e os singelos
como é hoje a Senhora de Fátima,
com os três pastorinhos de alumínio
à entrada do barco,


que de nada serviram aos que foram cuspidos
em sangue incandescente
e que depois caíram entre fumo e pó,


"Capitão, meu capitão, não nos deixes sós",
ouvi no poema alguém.


Djariato não é mais a princesa
e chora com as outras raparigas negras
quando nos vê passar,
e os velhos respeitados têm um ar grave
como se fossem áugures no fim da validade. (...)


In: Nuno Dempster - K3. Lisboa: & etc. 2011, pp. 36-39 (Reproduzido com a devida vénia. O livro está disponível nas livrarias. Preço de capa: 12 €)


_______________


Notas do editor:


(*) Último poste desta série > 1 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8978: Blogpoesia (166): Azar... (Manuel Maia)





(**) Sobre o nosso camarada Nuno Dempster [ foto à esquerda, retirada da sua página no Facebook]:


(i) nasceu em São Miguel, Açores (donde é originária a família paterna, enquanto a família materna é de Amarante)


 (ii) mora em Viseu; 


(iii) É engenheiro técnico agrícola (trabalhou em cooperativas, é hoje empresário); 


 (iv) tem três livros de poesia publicados: Londres, Dispersão, K3; 


(v) é um dos nossos quatro poetas (juntamente com o  Cristovão de Aguiar, o José Brás o Manuel Bastos) que estão representados na Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial


 (vi) pertence à nossa Tabanca Grande desde 9/2/2011.


O Nuno Dempster foi Fur Mil SAM, ou seja, vaguemestre, da CCAÇ 1792 (1967/69), a companhia dos lenços azuis, que andou, pela região do Oio,  por Farim e Saliquinhedim/K3 [, "durante seis meses, ainda o aquartelamento era semi-subterrâneo",]    mas também pela região de Tombali (Mampatá, Colibuía e Aldeia Formosa)... Pertenceu ao BCAÇ 1933 (Nova Lamego, Bissau, S. Domingos). 


A CCAÇ 1792 teve 3 comandantes:  


- Cap Mil Art Antóno Manuel Conceição Henriques (que ficaria sem as pernas numa mina A/C); 
-  Cap Art Ricardo António Tavares Antunes Rei, 
- Cap Inf Rui Manuel Gomes Mendonça. 


A companhia foi mobilizada pelo RI 15, tendo partido para a Guiné em 28 de Outubro de 1967 e regressado à Metrópole em 20/8/1969.


Sobre estes comandantes, o Nuno Demspster escreveu o seguinte, em mails que trocámos em tempos:


(...) Recordei, no link que enviaste, o capitão Rei, de carreira, que teve a ideia dos lenços e que substituiu o capitão miliciano, cujo nome já não recordo, um homem lúcido, vítima de um fornilho, na estrada de Farim, uma das passagens mais intensas do poema [, Cap Mil Art António Manuel Conceição Henriques]. Isso sucedeu dentro dos seis primeiros meses do início, quando estávamos no K3. Até sairmos de lá, o aquartelamento ficou entregue ao alferes miliciano, segundo comandante, bem como em Mampatá e Colibuia, penso. O Cap [Art  Ricardo António Tavares Antunes] Rei chegou já no tempo de Quebo. (...)

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9027: Os nossos regressos (27): Faz hoje 44 anos que desembarquei na Estação Ferroviária de Barcelos (José Lima da Silva)

1. Mensagem do nosso camarada José Lima da Silva*, ex-Soldado da CCAÇ 1496/BCAÇ 1876, Bissum, Pirada e Bula, 1966/67, com data de 11 de Novembro de 2011:

Boa noite caros amigos
Faz hoje 44 anos que às onze horas desembarquei do comboio na Estação de Barcelos, pois era o dia do meu regresso depois de cumprir o serviço militar na Guiné.

Só lamento não terem regressado todos mas, enfim, nem todos tiveram a mesma sorte. Hoje sentir-me-ia mais orgulhoso se de facto tivesse valido a pena. Só restou o risco que corremos, nada mais tivemos de proveito, a não ser as amizades que se criaram e se prolongam até à data, com raízes para se aguentar. Os nossos camaradas são amigos inesquecíveis, é o que se pode dizer, somos amigos eternos.

Com muita amizade vos desejo muita saúde
Boa noite de S. Martinho e um forte abraço para todos
JLS
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 22 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8695: Louvores e condecorações (8): José Lima da Silva, ex-Soldado da CCAÇ 1496/BCAÇ 1876, condecorado com a Cruz de Guerra no dia 10 de Junho de 1968 na, então, Praça do Município, Porto

Vd. último poste da série de 15 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8674: Os nossos regressos (26): O dia mais ansiado na Guiné. Um regresso atribulado (José Marques Ferreira)

Guiné 63/74 - P9026: História da CCAÇ 2679 (44): Uma coluna reforçada a Copá (Jose Manuel Matos Dinis)


1. Mensagem José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 10 de Novembro de 2011:

Hoje envio um novo pedacinho da história da minha Companhia, que não foi boa, nem má, nem assim-assim... foi peculiar.

Abraços fraternos para o Tabancal.
JD



Uma coluna reforçada a Copá

Chamaram-me à presença do capitão, já o sol ia alto e preparava-me para não fazer nada. Atrevessei a parada mal ataviado como de costume, e entrei na secretaria, local onde não nutria grandes amizades, mas dei os bons-dias em voz alta, e bem disposto.

Passei ao gabinete do "chefe" e encontrei-o à secretária. Disse-me logo para preparar o pessoal para ir a Copá. Já não era cedo para uma viagem depois de um ataque àquele destacamento, pois mandava o bom-senso fazer uma picagem cautelosa. Mas ainda não era excessivamente tarde. Pensei com os meus botões que durante a noite o comandante do pelotão ali estacionado teria enviado alguma mensagem a referir necessidades. Provavelmente as do costume: munições que se gastavam em barda nos ambientes de festins bélicos, e que ao outro dia deixavam todos muito apreensivos com receio de novas visitas. Basicamente era disso que se tratava.

Estava quase a transpor a porta, quando chegou um rádio oriundo da PIDE em Pirada a avisar que o Nino estaria emboscado naquele percurso. Ouvi a informação e, imediatamente, imaginei o grande trinta-e-um em que me ia meter. Dirigi-me ao capitão e reagi à notícia dizendo-lhe que naquela circunstância não ia.

Felizmente que o nosso capitão Trapinhos era uma pessoa sensata, de constante e judiciosa ponderação, pelo que me inquiriu em resposta à minha atitude:
- Porquê? Está armado em maricas?

Mantive-me calmo e retorqui que não senhor, que se o capitão fizesse a viagem eu teria todo o gosto em escoltá-lo. Se isto não corresponde ipsis-verbis ao diálogo, será por diferença mínima. A esta minha reacção retorquiu o capitão com uma afirmação e uma ameaça: que não se justificava a sua deslocação a Copá, e que se eu me recusasse a ir, dava-me uma "porrada", que na gíria correspondia a uma sanção disciplinar.
- À vontade - disse-lhe, e virei as costas regressando ao meu quarto.

O capitão deve ter ficado a pensar o que fazer comigo, e eu pus-me a pensar que estava metido num molho de bróculos, mas de corpinho bem feito ao encontro do Nino é que não ia. Pensei também na malta que ficava em ânsias com a falta das munições, e de alguns géneros que também eram pedidos. E fez-se-me uma luz. Ia passar a bola ao capitão.

Voltei ao gabinete e disse-lhe que sim senhor, eu ia a Copá, mas precisava de seis viaturas. O Trapinhos espantou-se:
- Para que raio você quer as seis viaturas se não chegam a vinte homens? Além disso você sabe que só temos duas viaturas a andar.

Aqui enchi o peito vitorioso e respondi: pois é, diz-me que só tem duas viaturas a andar, mas o parque automóvel é de quatro vezes mais, e se eu tenho que fazer essa viagem, eu é que decido as condições em que vou. O capitão ficou meio atordoado, nem sei se terá pensado que os mapas para Bissau mencionavam aquele material todo a circular com os correspondentes gastos em gasolina que a Companhia pagava na Casa Gouveia. Balbuciou qualquer coisa e eu atalhei, que ficasse seguro de que eu só ia a Copá com seis viaturas, e pelo avançar da manhã, dava-lhe meia-hora para que elas ali estivessem, ou ia e só regressaria no dia seguinte.
- Nem pense - respondeu-me - não pode lá ficar. Mas como quer que arranje as seis viaturas?

Referi:
- Peça a Pirada e mencione que só tem a tal meia-hora. Se não quizer assim, pode dar-me a "porrada", que eu sei como retribuir.

Neste parágrafo a conversa reproduzida foi neste tom, embora, admito, não tenha a mesma correspondência.

E pisguei-me, tranquilo, a gozar a cena. Entretanto pedi a uns quantos que ali andavan para que o pessoal se aprontasse e reunisse em vinte minutos. Ali chegados fui à tabanca das Transmissões e pedi os "bananas" lá pendurados. Disse-me o Marino que eu estava maluco, e que os aparelhos não funcionavam.
- Não preciso que funcionem, vai tudo! - respondi.

Espantosamente chegaram as viaturas de Pirada, provavelmente o Major Comandante do COT-1 viu mais longe, ou terá imaginado que ia sair uma força mais substantiva. Carregou-se a pouca mercadoria, e abalámos com o sol lá no alto. Passámos a pista e andámos um pouco na picada, quando mandei parar.

Convoquei toda a gente, ou pelo menos os operacionais, a quem chamei a atenção para a eventualidade de acontecer uma bronca (omiti a informação da PIDE), que ia dividir o Pelotão em três grupos, mas que todos deveriam ter muita atenção às ordens que desse. Na divisão do pessoal coloquei o Transmissões e o Enfermeiro a meio da coluna com três ou quatro atiradores; na frente seguiam quatro picadores, eu, o Pauleiro e o Ribeira Brava. Os restantes elementos seguiam na retaguarda. Avisei a todos que em caso de surpresa, a primeira reacção seria a de protecção, e que em seguida deviam identificar as posições do IN e fazer tiro de pontaria para elas. E que deviam ser muito criteriosos para lançar granadas e dilagramas. No entanto, se a bronca fosse atrás, que tivessem especial cuidado, porque eu e aqueles dois faríamos uma tentativa de envolvimento, a não queríamos levar da nossa tropa. Nas viaturas seguiam apenas os condutores, que deviam manter uma distância razoável entre elas.

Todos compreenderam e, curiosamente, há dois anos no Funchal, o Valentim lembrava-se do episódio.

Picámos a quase totalidade de metade do percurso, porque de Copá, de manhã cedo, saíra uma força a picar o restante trajecto. Ao longo da caminhada, de doze a quinze quilómetros, volta-e-meia olhava para trás e não conseguia visualizar a totalidade das viaturas, dado o recorte curvilínio da picada, o mato e as copas das árvores que marginavam quase sempre. Fiquei até com a sensação de que seríamos menos do que éramos na realidade. Perfeito. Fomos e votámos a Bajocunda sem notícias do Nino. Se ele lá estava, fiquei sem o saber, e comprova o velho adágio de que quem tem cú, tem medo, pois a ideia que lhe queria impingir, era que ele estaria denunciado e o pessoal, supostamente uma força muito maior, estaria a envolvê-lo, deixando-nos na estrada como isco. Os bananas sempre vísiveis e em profusão, deixá-lo-iam sob ameaça do apoio aéreo.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8728: História da CCAÇ 2679 (43): Aquele hôme (José Manuel Matos Dinis)