1. Mensagem do nosso camarada Carlos Filipe Coelho* (ex-Soldado Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 5 de Novembro de 2011:
Carlos Vinhal,
Mais um dos textos que tenho escrito últimamente.
Fica ao V. critério.
Depois de velho e esquecido, é que me está a dar para isto....
Cumprimentos e um abraço.
Carlos Filipe
Foto: © Carlos Filipe (2011). Todos os direitos reservados.
Na minha varanda e a Guiné
Na minha varanda e de janelas abertas, chega-me o cheiro intenso de mato queimado nas redondezas, nesta madrugada.
Sinto-me olhando o vazio, como orbitando a Guiné-Bissau em Galomaro, nesta noite sem luar.
Vejo e ouço, as pequenas fogueiras e o burburinho das vozes sentadas à entrada de cada tabanca.
A minha busca de uma delas no meio do labirinto das mesmas, o cheiro da sua palha rendado com outros cheiros, produz-me ânsia e ligeiro desnorte.
Com as estrelas da noite como testemunha e como guias, com a ténue luz das pequenas fogueiras..., procuro no burburinho das palavras de cada família as silabas que me permitam a comunicação. "Corpo de bô ?" "Manga de sibe", "Jametum", etc.
Beber um trago de álcool de cana, fraternalmente oferecida, concerteza com raivas contidas, e que eu obstinadamente não me sentia o destinatário..
Sentia-me honrado, pela hospitalidade, no meio de pessoas com rostos quase esbatidos pela escuridão.
E vezes sem conta, procurando dar melodia de esperança a curtíssimos diálogos nunca concluídos, sobre algo que estava para além de mim, outros berros de outras bocas mortíferas, se escutavam de vinte, trinta, quarenta quilómetros de distância.
Minha farda se transformava, no pano de fundo de cena, e toda a empatia se desvanecia na plateia à porta da tabanca.
Nossas bocas fechavam-se e só os olhares dialogavam interrogando o culpado.
Contudo, a cada noite nascia o dia com a alegria sofredora das gentes no cultivo, na bolanha, nos afazeres da tabanca ou simplesmente embelezando ainda mais frondosas florestas.
E eu, eu frequentemente voltava a renascer na esperança de encontrar esse trilho, para o qual não tive tempo de o percorrer, para alcançar uma floresta de onde se partia novamente em direcção a um palco onde decorria a peça da luta pela liberdade e independência.
Gosto muito de ti, Guiné-Bissau.
Carlos Filipe,
Out. 2011
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 6 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9004: Estórias avulsas (117): Posto avançado ou vala comum? (Carlos Filipe)
Vd. último poste da série de 4 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8996: Blogoterapia (190): É bom ter amigos (António Martins de Matos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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2 comentários:
Caro Carlos Filipe
Li a sua nostálgica lembrança de dias distantes mas permanentemente lembrados por todos vós, que vivestes aquele tempo, de luta, de sofrimento e incompreensão, de raiva e de dor, mas também de conhecimento de outros povos, do conhecimentos da sua luta pela independência, dos seus medos e também da sua dor pela perda dos seus.
Conhecimento da sua forma de ser e estar multi étnica, certamente complexa para vós , jovens Continentais, que acabastes por fazer novas descobertas, 500 anos depois nessa terra longínqua, que há tanto Portugal chamava sua.
Creio, que o único ponto positivo, foi o conhecimento dessas paragens e dos seus habitantes, da sua cultura, que fascina pela diferença, que encanta enquanto se diferencia.
Ficou-vos no sangue as lembranças desse tempo, e recordam saudosos o tempo da Juventude.
A sua escrita revela saudade, das gentes e do tempo!
É a nostalgia!
Saudações amigas da
Felismina Costa
Amiga Felismina, porque é a primeira vez que entra num Post em que estou 'presente' agradeço a sua atenção e sensibilidade. De facto este texto foi escrito em reacção aos sentidos, quando um pouco antes, tinha estado à janela com o cheiro do mato queimado nas proximidades a entrar por minha casa dentro. Não pretendeu ser poético, só não escrevi como fosse outra pessoa com vivências diferentes.
Cumprimentos para si e restantes amigos.
Carlos Filipe
ex-CCS BCAÇ3872 Galomar/71
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