segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Guiné 63/74 – P9010: Memórias de Gabú (José Saúde) (13): Bafatá, cidade acolhedora

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.



BAFATÁ, CIDADE ACOLHEDORA
UM OLHAR SOBRE O GEBA

Cativava-me uma viagem a Bafatá! E foram muitas as jornadas àquela cidade guineense. Um olhar lançado sobre o rio Geba, ao cimo da rua principal, deleitava espíritos de jovens militares que, no mato, se deparavam com a frequência de imensos problemas de índole diversa. A guerrilha, sempre activa, quebrava permanentemente a monotonia de tropas dispersas por toda a região.

Uma ida a Bafatá simbolizava uma ida à “civilização” para militares entregues a um profundo isolamento. A cidade debruçava-se sobre o leito do rio Geba, um portentoso curso de água guineense que ao longo da guerra registou inúmeras histórias fatídicas. Bafatá era, também, boa anfitriã.

As minhas idas a Bafatá baseavam-se em colunas de reabastecimentos. A estrada que unia, e une, Bafatá e Gabú era asfaltada. A distância que separava as duas cidades, rondavam os 45 kms, julgo. Lembro-me de uma ocasião em que o Major Óscar Castelo Silva, segundo comandante do BART 6523 de Gabú, me pediu para o acompanhar a Bafatá. Tendo em conta a distância e o ambiente de guerra que se vivia, disse-lhe que “preparava o grupo e o meu Major levava o jipe com o condutor”. Resposta: “Não, você acompanha-me, armado, e iremos os três”.

E lá nos fizemos à estrada. Confesso que a certa altura cheguei a ter receio da aventura. Havia quilómetros de mato denso. Sabia que esse trajecto, todo feito em alcatrão, não oferecia problemas de maior. Regressámos sem nada se registar.

Bafatá foi também um azimute traçado quando um dia subi o rio Geba. Embarquei em Bissau e ancorei no Xime. As ligações para Gabú, via aérea, complicaram-se. Esperei alguns dias, comparecia nos Adidos (estrada que unia Bissau a Bissalanca) e a resposta negativa mantinha-se. Aguardavam ordens, diziam-me. Numa manhã, já desolado com a situação deparada, colocaram-me como hipótese a minha ida para Gabú via fluvial. Disse prontamente que sim.

Nunca imaginei uma viagem tão atribulada. A lancha da marinha – LDG – ia cheia que nem um ovo. Os negros transportavam consigo vários apetrechos pessoais. Nem a galinha faltou à chamada!

Ao chegarmos à zona do “mato cão”, e com o rio a estreitar as suas margens, o comandante da embarcação mandou-nos deitar. “Nem uma cabeça a ver-se do exterior”, avisou. Os marinheiros, já feitos com a dita viagem, agarraram-se às metralhadoras e fez-se silêncio. O “cabo Bojador” foi ultrapassado e, desta feita, ficou isento de eventuais novidades.

Ao que me foi dado saber a zona era extremamente perigosa. Contava-se que aquela viagem já tinha conhecido contornos fatais resultantes de ataques do PAIGC a partir das margens do rio.

A navegar, depois, já em águas fluviais mais “calmas” ancorei no cais do Xime. Seguiu-se uma viagem que cruzou Bambadinca, Bafatá e, finalmente, Gabú.

Bambadinca era também conhecida como a terra do Tenente Jamanca, um negro de corpo franzino, estatura baixa e que comandava a companhia de milícias Companhia de Caçadores 21.

A rua principal de Bafatá com o Geba ao fundo
Cais do Xime – 1973
Um abraço a todos os camaradas,

José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Fotos: © José Saúde (2011). Direitos reservados.
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

1 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 – P8979: Memórias de Gabú (José Saúde) (12): O descanso do guerreiro

3 comentários:

Luís Dias disse...

Camarigo José SAúde

Fizeste-me lembrar as diversas viagens que fiz entre essas duas cidades, mas também entre o actual Gabú e Piche e ainda até Buruntuma, quando estive colocado com o meu GC, primeiramente em Piche e depois em Nova Lamego.

Esse major a que te referes, não era conhecido pelo mimoso alcunha de "Hitler"?

O Tenente Jamanca era um excelente operacional que conheci a comandar a CCAÇ21 (eram soldados e não milícias), quando estive a comandar a companhia de instrução de milícias em Bambadinca, em 1973.

Um abraço.
Luís Dias

José Saúde disse...

Caramigo Luís Dias!

O Major Oscar Castelo da Silva (patente que na altura detinha) era um homem bom, sendo que nunca o conheci com a alcunha de "Hitler". Aliás, seria injusto tal apelido, uma vez que se tratava de um militar integro, com excelentes relações humanas e de fácil tratamento. Da CCAÇ 21, comandada pelo operacional Tenente Jamanca, concordo com tua chamada de atenção, tendo em conta um conhecimento mais profícuo da dita companhia. José Saúde

Luís Dias disse...

Camarigo José Saúde

Ainda bem que me esclareceste que não se tratava da mesma pessoa, com quem facilmente tínhamos problemas (eu pessoalmente, por causa de usarmos lenços azuis ao pescoço que identificava o meu GC). O outro não deve ter deixado saudades a ninguém, nem do nome me lembro.
Um abraço
Luís Dias