1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Outubro de 2011:
Queridos amigos,
Já tínhamos feito menção às reportagens de Amândio César, uma delas, por sinal, bem articulada e muito bem escrita. Estas três que hoje aqui se referem têm valor desigual. Sei que Dutra Faria também escreveu reportagens apologéticas, se algum dos confrades tiver esses textos ou de outros repórteres, peço o grande favor de me emprestarem.
É ocioso acrescentar que reportagens encomiásticas de um lado e de outro não fazem história, dão, tão só, conta das preocupações dos escribas do regime ou dos apologistas do PAIGC sobre o que era verdadeiramente importante procurar dissipar ou demonstrar. Nestas três reportagens um fio condutor as perpassa: não havia zonas libertadas, podíamos percorrer a Guiné de lés-a-lés.
Um abraço do
Mário
Reportagens de propaganda sobre a Guiné no tempo de Marcello Caetano
Beja Santos
Horácio Caio (jornalista que ganhara nomeada com uma reportagem-choque na Angola de 1961) e José Manuel Pintasilgo, colaborador num jornal do regime, “Época”, são autores de três reportagens publicadas em separata entre 1970 e 1974.
Em 1970, Horácio Caio escreve “Guiné, 9 dias em Março”. O ponto de partida era uma entrevista que Amílcar Cabral concedera à revista Newsweek, em Março desse ano, e onde mais uma vez se referia que o PAIGC controlava dois terços do território. Feliz coincidência, diz o jornalista, chegava a Bissau por essa altura o ministro do Ultramar, Silva Cunha, que viria a ser alvo de apoteótica recepção. O senhor ministro iniciava uma visita de 9 dias, o jornalista estava ali para testemunhar como eram destituídas de fundamento as afirmações do líder do PAIGC.
A Guiné no seu todo dá sinais de progresso, rasgam-se e alcatroam-se estradas pelo interior da floresta, lançam-se pontes e viadutos, constroem-se aldeamentos, escolas e hospitais, criam-se granjas agrícolas, recuperam-se bolanhas onde viceja o arroz. Nesse ano de 1970 inicia-se a terceira cobertura da província por rastreio antituberculoso seguido de vacinação BCG. O senhor ministro examina maquetes, desloca-se a escolas, tudo em Bissau.
Depois toma um avião e vai até Bafatá, agora elevada a cidade, é acolhido por uma multidão. A Primeira Companhia de Comandos Africanos presta-lhe honras militares, estão lá o Capitão João Bacar Djaló e o Alferes Zacarias Saiegh. Seguem depois de helicóptero (Silva Cunha e Spínola) para uma visita às populações na fronteira com o Senegal, vão primeiro a Sare Bacar, Horácio Caio escreve:
“No ar da Guiné portuguesa, dois helicópteros desarmados, ora voando junto à savana, ora erguendo-se aos duzentos metros, nervosos e extremes, como libélulas gigantes, a deixar jogar a paisagem plana, selvagem e exótica dos trópicos”.
Tanta poesia para falar da liberdade de circular pela Guiné de helicóptero! A viagem prossegue, como escreve o repórter:
“Canhamina é um complexo de aldeamentos autodefendidos, um pouco ao Sul. Os helicópteros desceram, os residentes acercaram-se em número de algumas centenas e as crianças em correria louca gritavam aos que se encontravam nos campos próximos para que viessem também”.
Regressam a Bafatá e o senhor ministro entra num automóvel que o conduz a Bambadinca. Escreve o repórter que se trata de uma airosa estrada asfaltada, no “coração da floresta”.
Novo dia de trabalho, desta vez uma viagem de avião até ao Gabu, o senhor ministro vai inaugurar um aeródromo. Milhares de pessoas aglomeram-se ao redor da pista. Em Nova Lamego, continua o repórter, está a operar-se um milagre na agricultura e na pecuária, é o que todos podem ver na Granja Agrícola do Gabu. O senhor ministro andou livremente e sem medo. Foi onde quis. De lés-a-lés, a Guiné conheceu a presença do senhor ministro. E para que não sobrassem dúvidas, os helicópteros visitaram as povoações de Beli e de Madina de Boé, isto é, os helicópteros sobrevoaram a baixa altitude os antigos quartéis, ali não havia nada para ver, a fotografia publicada na reportagem é elucidativa: helicóptero poisado, o ministro conversa com o Comandante-Chefe, Almeida Bruno ergue na vertical uma G3, não vá o diabo tecê-las.
Nos dias que se seguem, o ministro vai de helicóptero até à ilha do Como, depois Guileje, Gadamael – Porto, Cacine, Cabedú e Catió. Assim se desfaz uma mentira da propaganda adversária, o senhor ministro esteve no Centro Geográfico da Ilha de Como onde portugueses mesmo desarmados, como foi o caso, podem permanecer quando e enquanto quiserem. Horácio Caio regista a vivacidade destes encontros:
“Em Guileje e Gadamael, a despreocupação de todos era evidente. De tronco nu, soldados e oficiais entregavam-se ao desporto e às ocupações matinais. A intensa alegria com que receberam os visitantes, somada à determinação que puseram nas suas afirmações, demonstraram mais uma vez a razão da sua permanência em tão inóspitas paragens”.
A visita prossegue pelo chão manjaco, há trabalhos na estrada alcatroada Bula – São Vicente. A recepção apoteótica em Teixeira Pinto. Depois Mansoa. O último dia na sua estada na Guiné reservou-o o titular da pasta do ultramar para presidir em Aldeia Formosa a inauguração do aeródromo do Quebo. E a reportagem termina assim: “Começa a desvendar-se o véu da mentira internacional, lançado sobre a Guiné portuguesa”.
José Manuel Pintasilgo escreve um conjunto de reportagens no jornal Época que aparecem em volume com o título “Manga de Ronco no Chão”, 1972, com prefácio de António de Spínola.
O hospital regional Carvalho Viegas, de Teixeira Pinto, é uma unidade de saúde muito moderna, dele irradia um conjunto de postos sanitários que abonam como o chão manjaco experimenta um frenesim desenvolvimentista na área da saúde. Pintasilgo viaja num DO, dá para ver melhor as obras sobre o chão manjaco, depois de um jipe observa reordenamentos à volta de Teixeira Pinto.
Pintasilgo era muito sensaborão a escrever, regista-se sem alma, é tudo inodoro e insípido, as ilustrações dão-nos poses descontraídas e amigáveis de Spínola, ele concede mesmo uma entrevista a Pintasilgo em que termina dizendo “devo dizer-lhe que nunca deixei de sentir por parte do governo central uma total coincidência de pontos de vista em perfeita identidade de pensamento e de acção”.
Pintasilgo, à semelhança de Horácio Caio visita Sare Bacar, a centenas de metros da fronteira senegalesa, pôde observar como a população deste país é socorrida pelos médicos portugueses. Visita muitas unidades de saúde e equipamentos escolares.
Conversa com o Tenente Saiegh que lhe afirma peremptoriamente que o PAIGC é constituído ao nível de quadros superiores por elementos cabo-verdianos que comandam mercenários do Mali, “uma vez que os guinéus idos em tempos para as hostes dos terroristas estão a regressar às suas terras e às suas famílias, convictos de que o caminho para uma Guiné melhor reside na política seguida sob a bandeira portuguesa”.
Horácio Caio volta à Guiné em Janeiro de 1974, acompanha o novo ministro, Baltazar Rebello de Sousa. De novo multidões entusiasmadas, o senhor ministro percorrerá Bissau, Teixeira Pinto, Cacheu, Mansoa, Farim, Nova Lamego, Bafatá, Caboxanque e Catió. Ficou demonstrado não existirem “áreas libertadas” na Guiné, o que se passa é que há flagelações à distâncias realizadas pelos terroristas a partir das fronteiras ou em acampamentos temporários no interior do território. E mais: “todo o território se encontra sob patrulhamento das nossas forças armadas”.
Bissau é uma cidade tranquila, há desenvolvimento por todo o lado, é verdade que há muita boataria, dias antes o General Bethencourt Rodrigues fora ao aeroporto acompanhado da mulher para receber a filha e constara em Bissau que o Governador enviara a mulher para Lisboa porque se esperava um grande bombardeamento a Bissau…
O que Horácio Caio regista depois das visitas de helicóptero a Cufar, a Catió e a Caboxanque é que os portugueses se defendem com galhardia, percorrendo os territórios sem dificuldade alguma. Mas já não é o mesmo Horácio Caio de 1970, refugia-se nos números e nas últimas novidades como o novo Hotel Ancar, que irá ser inaugurado em Março de 1974, fala também na CICER, o estabelecimento industrial mais importante da Guiné. E termina dizendo que aprendeu que não abandonaremos a Guiné, há ali laços muito intensos que não é possível dissolver.
A reportagem aparece profusamente ilustrada com Rebelo de Sousa rodeado de multidões, sorridente a cumprimentar régulos e a discursar. Terá sido, em bom rigor, a última reportagem encomiástica que precedeu a independência da Guiné.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 7 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9006: Notas de leitura (300): Amílcar Cabral, por Oleg Ignátiev (2) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
Caro camarada Beja Santos
Claro que era propaganda..só que por mero acaso..digo eu..até era verdade.
O mesmo já não se poderia dizer da propaganda do Paigc.
Enfim ..cada um com a sua verdade.
Um alfa bravo
C.Martins
Caro C. Martins
Propaganda que...até era verdade???
1-"A Guiné no seu todo dá sinais de progresso, rasgam-se e alcatroam-se estradas pelo interior da floresta, lançam-se pontes e viadutos, constroem-se aldeamentos, escolas e hospitais, criam-se granjas agrícolas, recuperam-se bolanhas onde viceja o arroz."
Pontes e viadutos? Escolas e hospitais? Granjas agrícolas?
Arroz (que ia praticamente todo da metrópole)?
Desembarquei na Guiné em 24/12/1971 e regressei em 22/01/1974.
Das duas uma: Ou me levaram para outra Guiné ou eu não andei pelos sítios certos!
2-"O senhor ministro andou livremente e sem medo. Foi onde quis."
Eu diria mais: Foi onde o levaram.
E, sendo um homem assim corajoso, foi pena que, nos seus sapatos (certamente de verniz), não o tivessem levado a percorrer ao menos 1Km de trilho na mata, ou na bolanha ou a fazer a cambança de um rio na maré vazia...!
3- “Em Guileje e Gadamael, a despreocupação de todos era evidente. De tronco nu, soldados e oficiais entregavam-se ao desporto e às ocupações matinais. A intensa alegria..."
Face a isto, só posso mesmo dar os parabens ao C. Martins pelas belas férias que passou... em...Gadamael.
Mas esta propaganda da...verdade, põe-me a pensar...será que houve alguma guerra na Guiné? Será que morreram ali camaradas? Será que houve tantos camaradas feridos e estropiados? Ou tudo aquilo não passou de um pesadelo que eu tive?
Um abraço para o C. Martins
extensivo a todos os camaradas.
José Vermelho
meus caros
Vejo leio e fico boquiaberto sobre a visita do ministro do ultramar á guine mostrando Beja Santos grande conhecimento.
Sabem o porquê da vista do ultramar não se ter concretizado a Pirada e Paunca ?? Agradecia que Beja Santos nos contasse toda a historia e não só dados a avulso !! Fico há espera
Um abraço
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