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quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27228: No 25 de Abril eu estava em... (41): Bissau, com mais seis "atiruenses" e uma metralhadora ligeira HK-21 a defender... a sede da PIDE/DGS (Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense, CSJD/QG/CTIG, 1973/74)



HK 21 (Fonte: Wikipedia / Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)




 
1. Mais uma crónica deliciosa do nosso "mano" Abílio, Magro e Valente (ou, melhor Valente Lamares Magro... Ou tão só Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG (Cacine e Bissau, mar 1973 / set 74). Foi repescada da sua série "Um amanuense em terras de Kako Baldé" (2013-2016). Tem 75 referências no nosso blogue. E é nosso  grão-tabanqueiro, com muita honra, desde 2013. Nasceu em Porlalegre, vive em  Rio Tinto, Gondomar.

Perguntei-lhe há dias como é que estava... Respondeu-me com o seu saudável humor bem português: 

"Cá se vai andando com a cabeça entre as orelhas e a saúde a entrar nos eixos"....

Recorde-se que ele é o mais novo de seis irmãos que fizeram todos tropa e foram ao ultramar...  Formavam, o que ele chamava em 2013, a Companhia Magro: 

(....) "Quando inicio o CSM no RI 5, Caldas da Rainha, em abril de 1972, encontrando-se, nessa altura, a Companhia Magro assim distribuída: (i) Rogério Magro, que estivera em Angoka, e então na disponibilidade; Dálio Magro - Moçambique; Carlos Magro - Angola; Fernando e Álvaro Magro - Guiné; Abílio Magro - RI 5, Caldas da Rainha" (...)



No 25 de Abril eu estava em... Bissau, com mais seis "atiruenses" e um metralhadora ligeira HK-21,  a defender... a sede  da PIDE/DGS 

por Abílio Magro



No dia 25 de Abril de 1974, logo pela manhã, com uma molhada de documentos debaixo do braço, dirigi-me como de costume, à repartição que possuía o selo branco do CTIG (1ª ou 2ª, já n´~ao me lembro) a fim de o apor, nas assinaturas do brigadeiro Alberto da Silva Banazol, comandante do CTIG.

Esta repartição era chefiada por um major do SGE, já de meia-idade e de quem também já não me recordo o nome.

Eram talvez 9h30 da manhã, estava eu muito entretido a "trincar" o Banazol com o selo branco e entra o capitão Cirne (julgo que miliciano) e, virando-se para o major, de braços abertos e punhos cerrados "grita", mais ou menos em surdina:

− Vive la revolution, vive la revolution!

E continua:

 O Marcelo refugiou-se no Quartel da GNR, no Carmo, e está cercado pela tropa!

Claro que orientei logo as "antenas" para o capitão Cirne e aguardei o desenvolvimento da conversa, mas este deitou-me um olhar que transparecia alguma felicidade, mas algum receio também, e diz:

− Furriel ...!  − como quem diz:  Tem lá calma, pá,  e vê lá o que vais para aí espalhar!.

A conversa pareceu-me ter alguma consistência e como, umas semanas antes, tinha havido aquele episódio da coluna das Caldas da Rainha que avançara sobre Lisboa, fiquei intrigado e, na CSJD tratei de contar aos meus camaradas o que tinha ouvido e aguardar algum "feedback".

Nessa altura já o tal 1º sargento, a quem o major Lobão chamava de "Gebo", tinha terminado a comissão e tinha sido substituído por um 1º sargento que usava sempre chapéu de pala. Em 18 meses de Guiné, julgo nunca ter visto nenhum militar do Exército usar chapéu de pala.
 
O homem tinha mesmo queda para polícia e, tendo ouvido o meu relato, tratou logo de dizer:

 − Tenha cuidado com o que anda para aí a dizer, que ainda pode ter chatices.

Claro que eu traduzi para:

− Põe-te a pau que eu conheço uns gajos na PIDE e não tarda nada vais até Guiledje tomar conta daquilo sozinho!

Enfiei a viola no saco.

Entretanto o PIFAS  (Programa de Informação das Forças Armadas, julgo que era assim) dedicava-se à música sinfónica, o que fazia pensar que efetivamente havia qualquer coisa no ar, embora ainda se tivesse ouvido, nesse dia, um discurso qualquer do Ministro dos Negócios Estrageiros, o Dr. Rui Patrício. Mas, pasmem-se, também se ouviu, aqui e ali, alguma música do Zeca Afonso! Das mais suavezinhas, é certo, mas...

−Alto lá, que aqui há coisa!

Aguardávamos com alguma ansiedade pela hora do almoço, altura em que o PIFAS transmitia um serviço noticioso mais elaborado.
 
Na messe de Sargentos havia uma aparelhagem de som com várias colunas espalhadas pelo recinto:  bar, esplanada e sala de jantar.
 
Na sala de jantar as mesas eram para 4 pessoas e, embora não houvesse lugares marcados, os "habitués da casa" sentavam-se sempre nos mesmos lugares.

Numa mesa à minha direita, com outra de permeio, sentavam-se quatro camaradas sui generis, já que dois deles eram completamente fanáticos pelos seus clubes (um do Belenenses e outro do Sporting) discutindo constante e acaloradamente sobre futebol e, os outros dois, aguentavam impávidos e serenos.
 
O fanatismo era de tal ordem que, tanto um como outro, chegavam ao ponto de relatar com algum pormenor a vida dos futebolistas do seus clubes (onde e quando nasceram, onde moravam, que clubes representaram e em que ano, etc., etc.) numa demonstração de grande cultura futebolística.

Pois,  naquele dia 25 de Abril de 1974, à hora do almoço, quando toda a gente, em silêncio, aguardava com alguma ansiedade novas de Lisboa sobre o que por lá estaria a passar-se na realidade, estavam aqueles dois "fabianos" em acesa discussão acerca, provavelmente, da cor das cuecas que determinado jogador usou no jogo tal, marimbando-se completamente para o que se estava a passar na Capital do Império!

Nesse dia foram-se adensando as suspeitas de que algo de importante se estaria a passar em Lisboa. Aos poucos as notícias foram chegando, mas nada de oficial. Eram transmitidas de boca em boca e, nessa situação, não havia que fiar e continuava-se a combater no mato.

O brigadeiro Alberto da Silva Banazol estaria a banhos na ilha de Bubaque, mas tardava em aparecer.
O general Bettencourt Rodrigues nada dizia.

Começa a "boatice". Que houve um golpe de Estado liderado pelo gen Spínola..., que o gen Bettencourt estava contra..., que íamos ficar sem reabastecimentos de Lisboa..., etc., etc..

Baixou a qualidade da alimentação... Faz-se um levantamento de rancho... Fazem-se reuniões por tudo e por nada... A confusão é mais que muita...

O brig Banazol desaparece... O QG/CCFAG, a Amura,  é cercado e o gen Bttencourt, na manha~de 26 de Abril, é preso.

Em Bissau os estabelecimentos são pilhados... É reforçado o patrulhamento nas ruas... A sede da PIDE em Bissau corre perigo ...

Sou escalado para sargento de piquete e, à noite, põem-me uma HK-21 nas mãos e a respectiva fita de balas... Não sei o que hei-de fazer com aquilo... Mandam-me com mais 6 homens fazer segurança à PIDE/DGS... Eu sou amanuense, mas ninguém quer saber... Eu também já não quero saber... Só quero é que ninguém me chateie...

E lá vou eu!

Coloco o pente de balas ao pescoço e cruzo-o no peito, qual Pancho Villa liofilizado. Seguimos de Unimog em direcção ao objectivo, a sede da PIDE/DGS, em Bissau.

Lá chegados, havia que montar o dispositivo de segurança... Começam os problemas... Nas Caldas da Rainha tinha tido uma formação em HK-21 de cerca de ... 10 minutos e recordava-me bem de como colocar a arma com o tripé no chão, mas como se metia a fita, aí é que já era pior..., tinha-se-me varrido completamente.

Um homem nunca se atrapalha:
 
 Há aqui algum atirador?
 
− Eu sou!  − responde alguém.
 
 − Então monta lá isso e anda para aqui!


O equipamento estava montado no meio da ruela que passava por detrás da DGS. Havia agora que colocar estrategicamente o pessoal, e assim fiz:
 
 − Sentem-se aí nesse canto e façam pouco barulho... (estratégia para não espantar a caça).

Entretanto, como já me estava a dar o sono por ouvir ressonar, levantei-me e fui andar um pouco para perto da HK, não fosse alguém a "gamar", e vi uma caixa de papelão que me deu uma ideia genial!

A HK ali sozinha, montada no chão, não fazia muito sentido. Era conveniente pôr lá um homem a apontar para qualquer lado (o factor psicológico é muito importante nestas ocasiões). Como a arma me tinha sido entregue a mim, parecia-me óbvio que o homem seria eu. Mas eu sou pacifista e, além disso, tinha de me deitar no chão e ia sujar-me todo naquela terra barrenta.

Desfiz a caixa de papelão e fiz uma espécie de tapete que coloquei atrás da HK.. Chamei o atiruense  e disse-lhe para se deitar que a cama já estava feita.

E ali estava, em todo o seu esplendor, uma segurança com preocupações estéticas, de higiene e de conforto.

E foi neste quadro burlesco que a força que nos veio render nos encontrou, às 4 horas da madrugada, não se tendo registado qualquer incidente.

(Revisão / fixação de texto, título: LG)
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Nota do editor LG:


domingo, 8 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26899: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) Parte VIII: quando cheguei a São Vicente, de férias, em outubro de 1973, fiquei encabulado, não sabia praticamemte nada sobre a proclamação unilateral da independência pelo PAIGC


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 1969 : Festa de Carnaval no Grémio... O Carlos Filipe Gonçalves é o nº 5...A maior parte do grupo está identificado: 1=Cajuca Feijó; 2=Herberto Martins; 3=Lena Melo; 4= Nini Tristão; 6= Ana Paula Ribeiro Freire; 7=Vanda Mesquitela Fonseca; 8=Fatu Grais; 9= Vicente Chantre; 10= Luís Guimarães Santos; 11= Zinha Pinto; 12= Ana Isabel Chantre Ramos; 13= Teté Bonucci Pias; 14=Filinto Martins. Fonte: Facebook do Carlos Filipe Gonçalves. Foto de Luisa Vidigal (20 de julho de 2017)

Em data anterior, encontrei a mesma foto, com pequenas alterações de legendagem, da autoria do Carlos Filipe Gonçaves: 28 de fevereiro de 2011. Legenda: Conjuntp West-Side, Carnaval 1969 no Grémio, MIndelo, SV, CV". 15=Henrique Sousa ("Nandim"); 16= Juliana; 17= Flintão; 4?Magui Curado... Os músicos do Conjunto West Side são: 1, 2, 5, 15.

Curiosamente, há um comentário sob a forma de pergunta,em crioulo,  que não deixa de ser pertinente: "Esse era naquel tempe que Greme era de "Gente Bronque"? (Traduzindo: Isso era naquele tempo em que o Grémio era da "gente branca",  ou seja elitista, crioula e colonial ) (Elisa Andrade, uma mindelense que vive em Paris).

Deve tratar-se do Grémio Recreativo Mindelense...

Segundo o assistente de IA da Gemini / Google, "o Grémio Recreativo Mindelense tem uma história muito significativa no Mindelo, São Vicente, e é uma entidade distinta, embora por vezes se possa confundir a sua história com a do Clube Sportivo Mindelense (que é o famoso clube de futebol).

É crucial clarificar que existe o Clube Sportivo Mindelense (CS Mindelense), fundado em 8 de outubro de 1919, que é um dos clubes de futebol mais antigos e mais vitoriosos de Cabo Verde e da África Ocidental. É este o clube conhecido pelos seus inúmeros títulos regionais e nacionais e pela sua grande massa adepta.

No entanto, as pesquisas indicam claramente a existência de um Grémio Recreativo de Mindelo, que parece ser uma entidade separada e com um foco mais amplo que o desporto.

Aqui estão os pontos principais sobre a história do Grémio Recreativo de Mindelo:

  1. Natureza e Finalidade: ao contrário dos clubes desportivos que se focam principalmente no futebol, o Grémio Recreativo de Mindelo era uma associação de caráter social e recreativo;  p seu objetivo era proporcionar um espaço de convívio, lazer e entretenimento para os seus membros.

  2. Exclusividade e Elite: era considerado um "bastião da presença colonial" e um local de encontro da alta sociedade mindelense, da elite local;  a admissão de membros era rigidamente controlada;  era frequentado por "gente brónke" (termo que, em Cabo Verde, não se referia necessariamente à cor da pele, mas à posição social e económica da elite, por vezes associada a uma certa "portugalidade").

  3. Localização e Importância: a sede do Grémio Recreativo de Mindelo localizava-se em frente à Praça Nova ( hoje, Praça Amílcar Cabral, no centro histórico do Mindelo), o que demonstra a sua centralidade e importância na vida social da cidade; era um local onde os membros se reuniam para conversar e se divertir.

  4. Papel Cultural e Político (Rádio Barlavento):

    • Um dos aspetos mais marcantes da história do Grémio Recreativo de Mindelo é a sua propriedade sobre a Rádio Barlavento.; esta rádio, instalada nas instalações do Grémio, era um veículo de comunicação crucial para a elite mindelense e teve um papel ativo de oposição à independência imediata de Cabo Verde e à unidade com a Guiné-Bissau ( e , portanto, ao PAIGC).
    • A sua importância foi tal que, em 9 de dezembro de 1974, às vésperas da independência, a Rádio Barlavento foi tomada por um comando do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC); este evento simbólico marcou a transição de poder e a queda do que era visto como o "establishment colonial"; a Rádio Barlavento deu depois lugar à Rádio Voz de São Vicente e, mais tarde, à Rádio Nacional de Cabo Verde (RNCV).
  5. Atividades Recreativas e Culturais:

    • O Grémio era palco de bailes, serenatas e outras atividades sociais; artistas locais atuavam nas suas instalações;  por exemplo, há relatos de músicos como Faia Torres (Rafael Augusto Torres) a tocar com o seu grupo no Grémio Recreativo do Mindelo nos anos 60.
    • Este espaço permitia o convívio e a manutenção de certas tradições culturais e sociais da elite mindelense.

Em resumo, o Grémio Recreativo de Mindelo não era um clube desportivo como o CS Mindelense, mas sim uma importante associação social e recreativa da elite mindelense, que teve um papel cultural relevante e uma significativa implicação política no período pré-independência de Cabo Verde, nomeadamente através da Rádio Barlavento. O seu declínio e a tomada da rádio marcaram o fim de uma era para esta associação."



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 1969 > O Conjunto West Side no histórico Cinema Eden Park... O Calu, o nosso Carlos Filipe, é o terceiro, a contar da esquerda, de óculos: tocava percussão.


1. Continuação da publicação da série do nosso camarada Carlos Filipe Gonçalves (*),disponíveis na sua pãgina do Facebook e na nossa página da Tabanca Grande:

Mais uns extratos de "Recordações de um Furriel Miliciano na Guiné 1973/74": são mesmo «pequeníssimos» como indicam a numerosas reticências entre aspas. Isso porque deixo para a edição do livro muitas descrições pormenorizadas e documentadas. Aliás, já estou quase no final da publicação destes extratos das minhas memórias. 



O "senhor rádio", o Carlos Filipe Gonçalves (Kalu Nhô Roque (como consta na sua página no facebook):

(i) nasceu em 1950, no Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde;

(ii) foi fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74;


(iii) ficou em Bissau até 1975;


(iv) músico, radialista, jornalista, historiógrafo da música da sua terra, escritor, vive na Praia;


(v) membro da nossa Tabanca Grande desde 14 de maio de 2019, nº 790;


(vi) tem 26 referências no nosso blogue.(*)


Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo)

Parte VIII: quando cheguei a São Vicente, de férias, em outubro de 1973, fiquei encabulado,  não sabia praticamemte nada sobre a proclamação unilateral da independência pelo PAIGC


Naqueles anos de 1973 e inícios de 74, Bissau é uma cidade cheia de festas e bailes, apesar da guerra, no entanto, muito poucos da tropa portuguesa têm acesso a esses convívios privados! 

Geralmente são festas de gente com estudos, quadros, funcionários guineenses e cabo-verdianos que trabalham na administração pública (alfandega, banco, casas comerciais, empresas, etc.). 


Muitos oficiais e sargentos, frequentam a única e famosa boîte de Bissau, o “Chez Toi” com música ao vivo e «brancas» vindas da metrópole… que fazem striptease e outras coisas… para fazer a malta esquecer a guerra…, minimizar o ambiente de horror… (…) 

Os soldados divertem-se em jantaradas e cervejadas nos restaurantes e bares que pululam pela cidade, conversam depois da bica nos cafés, deambulam depois pelas ruas… ou, vão ao famoso bairro infestado pela prostituição que é o Cupelon. 

Aqui, surgem rixas e pancadaria frequente, há tiros, e… de vez em quando, depois de uma discussão qualquer… alguém lança uma granada…. Bum! Salve-se quem puder! 

Porque, em Bissau todo o mundo anda armado, para além disso, muitos militares estão psicologicamente afectados, são os marados, os apanhados pelo clima, ou pelo cacimbo, não estão no seu perfeito juízo! Logo, provocam zaragatas por tudo e por nada, têm reacções violentas, praticam actos irreflectidos. (…)

Como disse antes, eu estava cada mais integrado na sociedade guineense, de modo que nas horas de folga e de lazer, pouco a pouco, fui deixando de ter contactos assíduos com os militares brancos. Os meus colegas de quarto atiram-me então indirectas, criticando a minha integração: “Sortudo! Andando com pretas e mulatas e não ligas à malta!” 

Quando eu chegava altas horas da noite à camarata, não faltavam comentários: “Na borga toda a noite e agora chateias o sono de cada um!” 

E continuei a ser o alvo das provocações do Gabarolas (#), sempre que podia, ele atirava-me diretas «provocatórias» sob a capa de informações as mais diversas. Foi assim que passei a saber muita coisa sobre o desenrolar da guerra e sobre muitos ataques e operações que decorriam no mato naquela altura. 

Foi através de diálogos do tipo (com o Gabarolas) que eu soube que tinha havido no início de maio uma contra-ofensiva da tropa portuguesa, depois de um ataque do PAIGC à localidade de Guidage. (…)

Em Bissau, naquele mês de junho de 1973 falava-se muito sobre Guidaje, (…) Só em meados de julho soubemos de um grande ataque no Sul em Guileje, (…) (##)

No quartel em Bissau, desde finais de maio que a ofensiva do PAIGC era tema recorrente nas conversas, mas, a maioria de nós, não imaginávamos a amplitude (…). Nem podíamos imaginar que os acontecimentos daquele mês de «Maio sangrento», ditariam o final da guerra! 

Anos depois, os ex-militares que lá estiveram, referem maio de 1973 como o «Inferno dos Três G» ou seja: Guidaje, Guileje, Gadamael! A partir de Junho de 1973 a guerra tomou um novo rumo, a cada dia, um novo desenvolvimento, cada vez mais acontecimentos sangrentos… mas, em Bissau a vida continua como se nada tivesse acontecido. (…)~

Pouco dias antes do final de julho (de 1973) por volta das 11 horas, na CHEFINT, ouvimos o roncar de um helicóptero, o ruído aproxima-se e está cada vez mais forte, vimos então o aparelho a descer, levantando muita poeira, aterra na parada do BINT. Estamos todos nas janelas a observar…. Abre-se a porta do helicóptero… logo depois sai o general Spínola, como sempre fardado de camuflado… fui logo avisar o tenente-coronel, nosso chefe, que saiu a correr... 

No rés do chão o comandante do BINT saiu logo,  foi cumprimentar o general Spínola, chegam, entretanto, outros oficiais, conversam todos uns vinte minutos… Spínola volta a entrar no helicóptero e vai-se embora. 

O alferes, que era sempre, o mais bem informado, comentou que Spínola estava a despedir-se, pois ia de férias para a metrópole durante o mês de Agosto. A grande verdade é que em inícios de Setembro, Spínola não voltou, chegou depois a notícia da nomeação de um novo governador e comandante-chefe. (…)

No final do mês de setembro de 1973 aconteceu no mato a proclamação da República da Guiné-Bissau, mas confesso, não foi um assunto badalado entre a tropa. Logo depois, início de outubro, fui de férias a S. Vicente. 

Aqui, na minha cidade do Mindelo, mal cheguei fui logo confrontado com essa notícia! Primeiro pelo meu pai que me acolheu no aeroporto, depois pelo resto da família. Fiquei encabulado, pois não sabia pormenores sobre esse assunto! Porque, esta notícia, nem foi comentada no meu círculo na repartição, nem com colegas na messe. 

Aqui no Mindelo, perguntavam insistentemente pela Guerra na Guiné e diziam: as coisas estão feias! Ah! Isso eu sabia, mas não podia dizer uma palavra sobre os acontecimentos em Guileje ou Guidage! Sabia que a Pide estava omnipresente… qualquer deslize, estaria tramado! O jornal Arquipélago que o meu pai comprava, abordou várias vezes a notícia da Independência da Guiné-Bissau, claro, dizia-se/insistia-se que «era um acto de fantasia». 

Mas… eu sabia, que uma grande parte do território da Guiné, não tinha tropa portuguesa! É que quando eu entrava no gabinete do tenente-coronel, ele ia rapidamente fechar a cortina que cobria o grande mapa que lá havia, no qual se indicava com alfinetes de diversas cores, onde estavam os batalhões e respectivas companhias, pelotões disso e daquilo, etc. 

Mas, tarde de mais… não dava para esconder… eu, via sempre, duas grandes áreas, onde não havia nenhum alfinete, uma zona ali a norte de Mansoa, que venho a saber mais tarde era a “Zona Libertada de Morés”, a outra estendia-se a Leste e para o Sul! Era um buracão sem nada…. Nenhum quartel! 

Meu pai insistia nas perguntas, mas eu, não abria a boca, nem com ele, nem com amigos e malta conhecida… porque eu sabia, a Pide estava sempre por perto…

___________

Notas do autor:

(#) O Gabarolas era um "camarada" militar, que me acompanhou desde quando estive em Leiria, na especialidade. Gozava comigo, provocava-me com tiradas políticas, enfim, passei muito mal com este «camarada» que só depois do 25 de Abril vim a saber que era da PIDE! (…)

(##) A batalha de Guileje foi em meados de maio de 1973

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto, título, edição e legendagem das fotos: LG)

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Nota do editor:

Último poste da série  > de 4 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26880: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Parte VII: Os "turras" têm agora um míssil que abate aviões e helicópteros

segunda-feira, 28 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26738: No 25 de Abril eu estava em... (37): Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG (Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, natural do Mindelo, vive hoje na Praia, Cabo Verde) - Parte II



Carlos Filipe Gonçalves: (i) nascido em 1950, no Mindelo, ilha de São Vicente; (ii)  foi fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74; (iii) radialista, jornalista, historiógtrafo da música  da sua terra,  e escritor, vive na Praia, Cabo Verde; (iv) membro da nossa Tabanca Grande desde 14 de maio de 2019, senta-se à sombra do  nosso poilão, no lugar  nº 790; (v) tem 15 referências no nosso blogue; (vi) figura conhecida do meio musical, jornalístico e da rádio (ver aqui a sua entrada na Wikipédia), é  também amigo do nosso camarada Manuel Amante da Rosa, e seu contemporâneo no QG/CTIG).

1. Continuação do seu depoimento,sobre o 25 de Abril em Bissau (*), disponível na sua página do Facebook (Carlos Filipe Gonçalves, Kalu Nhô Roque)  e também na página do Facebook da Tabanca Grande.


 No 25 de Abril eu estava em... (37): Em  Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG - Parte II

por Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense 
(natural do Mindelo, vive hoje na Praia, Cabo Verde)


51 anos se passaram, o dia 26 de Abril de 1974 em Bissau, também foi repleto de recordações e acontecimentos. Para aqueles, que nunca lá estiveram e para os nossos filhos e netos, eis, como passámos o dia 26 de Abril de 1974 na Guiné. 

O «Day After» 25 de Abril de 1974. Em Bissau vivemos um novo dia! Manuel Amante Rosa (meu companheiro desde os tempos do liceu em S. Vicente) recorda assim esse «day after»: 

“Ao render da guarda (de manhã logo cedo) do dia 26 de Abril de 1974 sou solicitado a continuar de Sargento de Dia (algo inusitado!). Até hoje desconheço a razão!",,, Note-se: As unidades militares dispersas pelo território Guiné estavam de prevenção porque receberam uma mensagem «relâmpago» emitida do Comando-Chefe em Bissau, na véspera, às 22h45 do dia 25 de Abril com a informação de que agências noticiosas estavam a noticiar o derrube do governo de Lisboa. A mesma mensagem ordenava os comandos das unidades a estarem vigilantes a um eventual aproveitamento do PAIGC e garantirem pronta capacidade de reacção e um alerta para se respeitarem ordens apenas depois de devidamente autenticadas.

Nas suas recordações do dia 26 de Abril em Bissau Manuel Rosa exclama:

 “E tudo desaba nesse dia e nos seguintes. A estupefacção é geral. Nem a indicação do General Spínola (para presidente da Junta de Salvação Nacional) acalenta os ânimos! Os maus oficiais e graduados ficam recolhidos, discretos… ou a saudarem tudo e todos.

 "Acontece a meio da manhã (de 26 de Abril) a detenção do Governador e Comandante-Chefe na reunião com os líderes do MFA. É de seguida encaminhado, sob escolta, para o Aeroporto de Bissalanca, Base Aérea, de onde seguiu para a ilha do Sal. Foi tudo por nós observado! As interrogações vão assolando abertamente as paradas das unidades. O contingente africano ficou algo desprendido destas confabulações. (…).

Na verdade, o que aconteceu em Bissau naquele «day after» foi um «outro golpe», conforme  recorda o tenente-coronel Jorge Sales Golias numa intervenção anos mais tarde, numa mesa-redonda em 2005:

 “Em 26 de Abril de 1974 o MFA na Guiné-Bissau, que estava preparado para efectuar um golpe em Bissau caso falhasse o golpe em Lisboa, resolveu mesmo assim tomar o poder, sobretudo para condicionar o processo de descolonização.” 

Justifica e descreve aquele oficial:

 “Era fundamental, logo de início, contrariar a estratégia do General Spínola de efectuar uma consulta popular na Guiné com vista à sua integração numa comunidade lusíada. (…). Assim, no dia 26 de Abril, onze oficiais dirigiram-se ao Gabinete do General Comandante e exigiram a sua demissão e o regresso a Lisboa. (…) As primeiras medidas tomadas foram a detenção dos agentes da PIDE e a libertação dos prisioneiros políticos. Estas medidas estavam a ser exigidas nas primeiras manifestações de populares em Bissau à semelhança do que se passava em Lisboa.” (…) 

Anos mais tarde no blog Tabanca Grande de Luis Graça,  fonte de informação que temos vindo a citar, surgem explicações mais claras sobre os acontecimentos na Guiné e em Bissau naquele dia 25 de Abril de 1974 e seguintes. (…) Passo a transcrever agora o comentário, do tenente-coronel Jorge Sales Golias no referido blog: 

“O MFA resolveu actuar em face de uma escuta telefónica em que o senhor General Bettencourt Rodrigues (o Governador e Comandante-Chefe) deu ordem à PIDE para seguir os movimentos dos capitães do MFA em Bissau e pelo facto de não ter reconhecido a JSN [Junta de Salvação Nacional], tal como já havia feito o Comodoro Almeida Brandão, comandante marítimo. 

"A entrada no gabinete do General comandante foi feita por oficiais desarmados que apenas lhe comunicaram que vinham depô-lo porque ele não reconheceu a JSN. Ele perguntou se se devia considerar preso e foi-lhe dito que não, que se considerasse detido em nome do MFA, e que preparasse a bagagem para embarcar para Portugal. (…) Em suma, que fique claro que o senhor General Bettencourt e os oficiais que com ele se solidarizaram foram tratados com toda a deferência que lhes assistia e com a máxima cordialidade da nossa parte.” 

Dentro dos quartéis há outros acontecimentos, que o tenente-coronel Jorge Sales Golias recorda: 

“À semelhança do que se passava em Portugal, também na Guiné tivemos problemas de autoridade e disciplina. Nas Unidades havia comandos que não aderiram ao MFA.”

No quartel em Santa Luzia, recorda Manuel Amante Rosa, o dia 26 de Abril (...) "amanheceu em polvorosa, ninguém queria aparecer na formatura para a distribuição das tarefas do dia. Em suma, uma confusão!! E os irreverentes e valentes praças da companhia de transportes a redobrarem as confusões habituais. Eram responsáveis pelos abastecimentos de víveres e abastecimentos aos quartéis do mato.” 

Mas, a grande verdade é que partir deste dia 26 de Abril de 1974, reinam em Bissau a alegria e expectativa. Na messe e nos alojamentos, os militares que participaram nas operações, contam as peripécias que ocorreram com as detenções dos agentes da PIDE, trazem livros e documentação que estava nas instalações da PIDE em Bissau, lá onde íamos fazer o tal serviço de guarda nas traseiras. 

A malta ria-se dos posters apreendidos só porque traziam aquelas baboseiras dos “anos 60” como “Make Love, Not War” ou então imagens de diversas posições de sexo assinaladas pela planta dos pés de um casal, etc. 

"Os elementos da PIDE foram concentrados “no Campo de Instrução Militar do Cumeré, até ao seu embarque para Lisboa, contrariando a sua petição de irem para Angola.” (….)

Nestas recordações do final do regime colonial, Manuel Amante da Rosa conta que o “mais surreal foi ser incumbido pelo QG para guardar de noite, com uma secção de tropa africana, as traseiras da cadeia da PIDE no Cupelon!! E às tantas estar cercado por um pelotão de paraquedistas… por pouco não acontecia o pior. Valeu a conduta previdente do alferes paraquedista, ou o barulho que a minha patrulha fazia para se instalar e dormir.”

 Este foi, talvez, o último serviço de guarda naquele local sinistro, do qual ninguém gostava. Os acontecimentos em Bissau aceleram, então, a um ritmo impressionante! 

Extracto das minhas recordações da Guiné, 1973 – 1975, talvez um dia serão publicadas em livro.— com José Luiz Ramos e 10 outras pessoas.

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Nota do editor:

sábado, 21 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26295: Os 50 Anos do 25 de Abril (34): O "virar da página" da revista católica "Flama", cujo diretor era o António dos Reis, bispo de Mardassuma e capelão-mor das Forças Armadas (1967-1975) - IV (e última) Parte

 


"Foram longas, longas as esperas que os familiares dos presos políticos tiveram de aguardar junto ao forte de Caxias. Mas foram horas quer valeram a pena. Depois viriam os abraços, o recordar de uma lembrança antiga de muitos anos" (Flama, separata, 10/5/1974,  pp. XXII /XXIII)



(Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXIII)


"A multidão já não tem dúvidas que de Caxias irão sair os familiares, os amigos,. os conhecidos há muito detidos. E mesmo com chuva não arredou pé. Tranquilamente. Aproveitando as horas para convívio. (Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXIV)


"Uma cena das imedfiações de Caxias. Quem aguardará o menino ? Talvez um pai que não conheça ainda"... Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXV)





"O general António Spínola chega ao quartel-general da Cova da Moura. Eram 16:25 do dia 25 de Abril" (Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXVI)


"Naq Cova da Moura, no Ministério da Defesa Nacional, ficou instalado  o novo Quartel-General que até ao dia 26 funcionara no Regimento de Engenharia 1, na Pontinha" (Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXVII)



(Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXVII)






(Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXIX)






"A zona da Cova da Moutra encontrava-se guardada por quatro carros blindados: um AML Panhard e três Chaimites. Naturalmente as atenções da miudagtem foram despertadas" (Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXIX)





"Às 17:50  do dia 26 apresentaram-se à porta de armas do Ministério da Defesa duas das mais (infelizmente) conhecidas figuras da PIDE/DGS: Bernardino Leitão (inspetor) e Mortágua (chefe de brigada). Segundo soubemos terão ido colocar-se às ordens da Junta, terão sido mandados entrar pelo general Spínola que teria ordenado a sua prisão".  (Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXX)



"A chaimite Bula que levou do quartel do Carmo o prof. Marcelo Caetano, transporta agora três elementos da PIDE/DGS reconhecidos e detidos no Bairro Alto" (Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXX)



(Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXXI)


"25 de Abril : o povo esteve com as Forças Armadas" (Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXXII)

Fonte: Excertos de Flama: revista semanal de actualidades, nº 1366, ano XXXI, 10 de maio de 1974, XXXII páginas. (Cortesia da Hemerateca Digital / Câmara Municipal de Lisboa)


(Seleção, revisão / fixação de texto, reedição das imagens: LG)


1. Quarta (e última) parte da publicação de uma seleção de fotos da separata que o semanário "Flama" dedicou, tardiamente, em edição de 10 de maio de 1974, ao histórico dia de 25 de Abril. É uma das mais interessantes, belas e completas reportagens feitas pela nossa imprensa semanal da época. (Repare-se, todavai,que a revista concorrente, "O Século Ilustrado", adiantou-se, publicando logo, em 28 desse mês,  uma edição especial: Suplemento. ao n.º 1895, 28 de Abril de 1974)

Estas fotos, menos conhecidas, serão também de fotojornalistas talvez menos conhecidos  (do grande público) que o Alfredo Cunha e o Eduardo Gageiro, mas algumas são de grande interesse documental e de qualidade estética. 

Vê-se que estavam a trabalhar, pela primeira vez, sem o medo da censura, apresentando por isso um belo e entusiástico trabalho de fotojornalismo. Sabemos que, em 1974, os  fotógrafos de reportagem da "Flama" eram o António Xavier,  o António Vidal e o Carlos Gil, justamente a equipa que assina (em grupo) as fotos desta separata (sendo o texto dos jornalistas António Amorim, Alexandre Manuel, Fernando Cascais e Dionísio Domingos).  É justo destacar aqui pelo menos  o Carlos Gil (1937-2001), que tão precomente nos deixou e que está esquecido: um "reporter da guerra e da paz", como ficou conhecido.

Com a devida vénia aos autores e à revista (que já não existe), são fotos que pertencem à memória de todos nós,  merecendo ser divulgadas em especial pelos antigos combatentes, alguns dos quais ainda estavam na Guiné, e outros eram leitores da "Flama".

É também uma homenagem a esta revista, que foi escola de jornalismo e fotojornalismo e que nos ajudou, a alguns de nós, na Guiné,  a mitigar a saudade de casa e a preencher o tempo de solidão e lassidão que foi o nosso, naquela guerra.


Revista fundada a 5 de fevereiro de 1937, como fonte de informação da Juventude Escolar Católica, autointitulando-se como “jornal ilustrado de actualidades”. Era dirigida, em 1974, por António dos Reis, que começara como repórter do "Novidades". 

Contava, na época, com Edite Soeiro (chefe de redação), Carlos Cascais e António Amorim (subchefes de redação), para além de António Amorim, Alexandre Manuel, Fernando Cascais, Dionísio Domingos, António Xavier, António Vidal e Carlos Gil, estes três últimos fotógrafos de reportagem, precisamente a equipa que assinou a principal peça jornalística dos acontecimentos, composta na rua Rodrigues Sampaio (50), em Lisboa. 

No número de 17 de Maio, é apresentado um novo Conselho de Redação, constituído por Alexandre Manuel, António Amorim e António Xavier. A revista tinha atingido a sua maior tiragem, no início destes anos 70, com 30 mil exemplares e privilegiando os assuntos políticos importantes, ao mesmo tempo que dava destaque às figuras do mundo do espetáculo, em páginas muito ilustradas. 

De vez em quando, tentava transgredir e passar ao crivo da Censura. O seu diretor preocupava-se, essencialmente, com a parte administrativa e com o tema e a imagem de capa. Ora, precisamente, chegados ao “virar da página” (Flama, 3 de Maio de 1974), nos três números posteriores ao 25 de Abril (3/10/17 de maio) outras tantas capas sugestivas. 

Na primeira, a chaimite é o centro das atenções, e o povo à volta, tal como na edição seguinte, mas onde os protagonistas centrais são outros, Mário Soares e Álvaro Cunhal. 

No número seguinte, as “Três Marias” [Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa] suspiravam pelo “fim de um escândalo” que abalara a sociedade por causa do livro "Novas Cartas Portuguesas" (Flama, 17 de maio de 1974). Regina Louro e António Xavier fizeram a reportagem. 

Nas primeiras páginas da Flama, em Liberdade, há notícias sobre a libertação das mulheres e, também, sobre as dificuldades agrestes que assolavam os agricultores portugueses. Reportagens que já estavam escritas antes da mudança, pelo menos iniciadas. Esta mudança, porém, devolveu o sorriso a muitos portugueses, expresso nos textos e fotos das horas desse dia sem fim – “Dá resultado… vê-se na sua cara!”. Não, este não é o slogan do 25 de Abril, mas podia ser! É, tão-somente, o anúncio do creme anti-rugas que acompanha a coluna do primeiro editorial em Liberdade. 

Mas, efetivamente o “virar a página”, de que esse editorial nos fala, devolveu aos portugueses a esperança e um novo ar nos rostos. Na Flama, lemos um dos mais expressivos conjuntos de reportagens dos novos tempos da imprensa nacional, nas páginas e separatas dedicadas ao 25 de Abril e ao 1.º de Maio. 

Dos tempos que não deixaram espaço a uma mudança não revolucionária, tal como foi o fim desta revista (2 de setembro de 1976), provocada por decisão da administração, dois anos depois, sem margem para a redação ainda se organizar para mais um número, na senda do que se passava noutros casos, em que quando uma publicação era suspensa eram os seus jornalistas que comunicavam o fim aos leitores.

Jorge Mangorrinha
Hemeroteca Municipal de Lisboa


Números disponibilizados na Hemeroteca Digital: 1365 (3 de Mai. 1974) a 1367 (17 de Mai. 1974)
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Nota do editor:

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26287: Os 50 Anos do 25 de Abril (33): O "virar da página" da revista católica "Flama", cujo diretor era o António dos Reis, bispo de Mardassuma e capelão-mor das Forças Armadas (1967-1975) - Parte III

 


(Flama, separata, pag.XII)






"Nos prédios crcundantes do Lago do Carmo, soldados tomam posições estratégicas nos telhados.  A população também pocura todas as posições de onde pudesse  ver os mais pequenos pormenores do desenrolar dos acontecimentso que conduziram à rendição incondicional do ex-Presidene do Conselho"
(Flama, separata, 10/5/1974, pág.XII)


"O povo sobe, com as colunas militares, a rua Garret, em direção ao Largo do Carmo. O cerco a fechar-se. Panhards (...): o insólito para mlhares de portugueses menores de 47 anos." (Flama, separata, 10/5/1974,  pág.XIII)




"O captão Maia, da Escola Prática de Cavalaria  (Santarém), que teve funções destacadas no cerco ao Largo Carmo, anuncia aos milhares de manifestantes a iminente chegada do general António de Spínola, que ali receberia a rendição de Marcelo Caetano". (Flama,separata, 10/5/1974, pág. XIII)


"A alegria dos soldados só pede meças à da população, que sempre os vitoriou como atuênticos libertadores"


"Nos acessos aos Largo do Carmo, todos se acunulam (inclusive nos veículos militares) para assistir à mais mportantes das ações do Movmento" (Flama,separata, 10/5/1974, pág. XIV)





"Os momentos mais importantes de um regime de quarenta e sete anos desenrolaram-se no Carmo em cujo quartel da GNR se refugiou o professor Marcelo Caetano. Impaciente a multidão, foi necessário acalmá-la através de megafones". (Flama,separata, 10/5/1974, pág. XV)


"Ao entardecer do dia 25 de Abril, o general Spínola chegava ao Largo do Rato.onde foi desusadamente ovacionado pela grande massa de público. Pouco depois de o general Spínola ter entrado no quartel d GNR, o ex-presidente saía do seu último reduto na chaimite "Bula", sob custódia, rumo a instalações militares na Pontinha" (Flama, separata, 10/5/1974, pág. XVII)



"Junto do edificío da PIDE/DGS viveram-se longas horas de tensão antes que a rendição fosse pedida incondicionalmente" (Flama, separata, 10/5/1974, pág. XVIII)






"Aquartelados na sede daquela que foi uma das mais tenebrosas  organizações de um regime que durou quase meio século, agentes da PIDE/DGS fazaim frente ao cerco que lhes era movido. Mais do que defender um regime, defendiam a pele, conscientes - por uma vez -  da repulsa que provocaram, desde sempre, na população que violentaram.  E esta, pertinaz, manteve-se firme nos postos 'conquistados'  ns ruas limítrofes de onde podia alcançar o fechar do cerco pelas Forças Armadas que terminou, felizmente, em rendição" (Flama, separata, 10/5/1974, pág. XIX)



"O maior foco de resistència ao Movimento das Forças Armadas foi a PIDE/DGS, por virtude da qual foi derramado sangue. Cercados por efetivos do Exército, a que se juntaram fuzileitos da Marinha, os polícias políticos resistiram durante  toda a noite do dia 25, continuaram pelo dia 26, acabando por render-se às primeiras horas de 27. A evacuação dos agentes detidos não foi fácil, pois a população não arredava pé, exigindo vingança por suas próprias mãos". 
(Flama,separata, 10/5/1974, pág. XX)



"Quem tivesse pensado que as Forças Armadas acabariam por ceder ao cansaço e à falta de alimentos, enganou-se. Por toda a parte, onde eles estiveram, estava também um gesto de carinho da população." (Flama, separata, 10/5/1974, pág. XXI)

Fonte: Flama: revista semanal de actualidades, nº 1366, ano XXXI, 10 de maio de 1974, XXXII páginas. (Cortesia da Hemerateca Digital / Câmara Municipal de Lisboa)


(Seleção, revisão / fixação de texto, reedição das imagens: LG)


1. Continuação da publicação de uma seleção de fotos da separata que o semanário "Flama" dedicou, tardiamente, em edição de 10 de maio de 1974, ao histórico dia de 25 de Abril. 

É  um belíssimo trabalho de fotojornalismo. Não sabemos quem são os autores de cada uma das fotos, algumas de grande interesse documental e de qualidade estética. Mas vê-se que estavam a trabalhar, pela primeira vez, sem o medo da censura. São da equipa de reportagem da "Flama" , António Xavier, António Vidal e Carlos Gil, grandes profissionais, talvez menos conhecidos do grande público que o Alfredo Cunha e o Eduardo Gageiro, mas nem por isso menos merecedores do nosso apreço, gratidão e homenagem.
 
(Continua)