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sábado, 9 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26133: As nossas geografias emocionais (31): Nova Lamego, região de Gabu, em jan / fev 1967 (Manuel Coelho, ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Beli e Madina do Boé, 1966-68)



Foto nº 1 > Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > c. jan / fev 1967 > A rua principal de Nova Lamego... Do lado esquerdo vê-se a Casa Caeiro e o edifício que era o comando dos batalhões que passaram  por aqui ao longo da guerra (já era protegido por bidões cheios de terra).

No outro lado da rua, no lado direito da foto, um edifício não identificado (parece-nos ser o Cine-Clube local) e depois a estação dos CTT (Correios, Telégrafos e Telefones)...



Foto nº 2 > Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > c. jan / fev 1967 > Outra das artérias  da vila, com a estação dos CTT à esquerda, e o Cine-Clube (?) à direita, do outro lado (vd. foto nº 9, em que este edifício não aparece).



Foto nº 3 > Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > c. jan / fev 1967 > Um DC-3 em na pista de aviação


Foto nº 4 > Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > c. jan / fev 1967 > Um a rua em rebuliço, a do comando do batalhão, com a colocação de bidões cheios de arame como proteção em caso de ataque ou flagelação do IN


Foto nº 5 > Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > c. jan / fev 1967 > > Vista aérea da tabanca


Foto nº 6 > Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > c. jan / fev 1967 >  Tabanca


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > c. jan / fev 1967 > > Tabanca (a avaliar pelos animais, porcos, à direita da foto, seria um tabanca de gente não-muçulmana)


Foto nº 7 > Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > c. jan / fev 1967 > > O ferreiro


Foto nº 8 > Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > c. jan / fev 1967 > Tecelão

Fotos do álbum de Manuel Caldeira Coelho (ex- fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894,
"Os Tufas") (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Beli e Madina do Boé, 1966-68) (*)


Fotos (e legendas): © Manuel Caldeira Coelho (2011). Todos os direitos reservados, [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné ]



Foto nº  9 > Guiné > Região do Gabu > Nova Lamego > s/d > Foto aérea  (pormenor) > Povoação e quartel velho de Nova Lamego (hoje Gabu). Alguns edifícios civis de referência, Compare-se com as fotos acima, nºs 1 e 2.

Legenda: (1) Loja dos irmãos Libaneses (depois ocupada pelos comandos dos batalhões que passaram por esta vila); 
(2) Casas civis (para alugar) | Casa Caeiro (eata seria rua principal);
(3) Estação dos CTT (civil) (e a seguir deveria ser o Cine-Clube, no prolongamento da rua, que ia dar ao edifício da administração, mais tarde, com a independèncai,  sede do Governo Regional); 
(4) Parque de jogos.... (Do lado esquerdo da foto original, aparecia uma parte da tabanca, que cortámos, tal como a parte superior, ao fundo da vila, redimensionando a foto).

Foto (e legendas): © Roseira Coelho / Tino Neves (2007). Todos os direitos reservados. [Edição: e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > Carta (1957) (Escala 1/50 mil) > A vila de Nova Lamego tinha uma malha urbana ortogonal. A noroeste ficava o aeródromo e a(s) tabanca(s) (Gabu-Sara) mais a norte. De Nova Lamego partia-se para: (i) Bafatá (a oeste); (ii) Sonaco (a noroeste); (iii) Bajocunda, Pirada, Senegal (a nor-nordeste); (iv) Piche, Buruntuma, Guiné-Conacri (a és-nordeste); (v) Canjadude, Cheche, Madina do Boé, Guine-Conacri (a sul); (vi) Cabuca (a sudeste).


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)




1. São fotos de Nova Lamego e seus arredores (tabancas e pista de aviação). 

O Manuel Coelho (ou Manuel Caldeira Coelho) é o nosso melhor fotógrafo de Madina do Boé. 

Quando entrou para o o nosso blogue, em 12/7/2011, disponibilizou cerca de 90 fotos do seu álbum. A maioria relativa (c.40) são dos sítios onde a CCAÇ 1589 passou mais tempo, ou seja, na região do Boé.(**)

Alentejano de Reguengos de Monsaraz, com 45 dezenas de referências no nosso blogue, vive em Paço d' Arcos, Oeiras.

2. Sobre a CCAÇ 1589, recorde-se aqui 
sumariamente a o seu percurso pelo CTIG:

(i) chegada em 4/8/1966, foi inicialmente colocada em serviço na guarnição de Bissau na dependência do BCaç 1876, em substituição da CCaç 728, com vista a garantir a segurança das instalações e das populações da área;

(ii) em 16dez66, passou a ser subunidade de intervenção e reserva à disposição do Comando-Chefe orientada para a zona Leste, instalando-se em Fá Mandinga e tendo tomado parte em diversas operações realizadas nas regiões de Xime, Sarauol, Nova Lamego, Madina do Boé e Enxalé.

(iii) de 28jan67 a 7fev67, esteve colocada em Nova Lamego como subunidade de reserva do Agr24, colmatando a saída da CCaç 1625 até à chegada da CCav 1662;

(iv) voltou para Fá Mandinga, onde assegurou a responsabilidade do respectivo subsector durante a adaptação operacional da CArt 1661;

(v) após a marcha de um pelotão em 25mar67 para Béli, foi deslocada em 7abr67 para Madina do Boé, a fim de substituir a CCaç 1416,

(vi) em 10abr67, assumiu a responsabilidade do respectivo subsector, com o pelotão já instalado em Béli, ficando então integrada no dispositivo e manobra do BCaç 1856 e depois sucessivamente do BCav 1915 e do BCaç 1933;

(vii) em 20jan68, foi rendida em Madina do Boé pela CCaç 1790 e em 12Fev68 no destacamento de Béli, tendo ambos os aquartelamentos sofrido fortes flagelações no periodo de jun a dez67;

(viii) em 31jan68, foi colocada em Bissau na dependência do BCaç 2834, para serviço de guarnição até ao seu embarque de regresso (em 9/5/1968), colmatando anterior saída da CCaç 1547 e sendo depois substituída em Bissau pela CCav 1617;

(ix) Cmdt: Cap Inf Henrique Vitor Guimarães Peres Brandão.

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26074: (De) Caras (224): Maurício Saraiva, cofundador e instrutor dos Comandos do CTIG, cmdt do Gr Cmds Fantasmas - Parte II: Um dos momentos mais dramáticos que vivi, na sequência da terrível emboscada com mina A/C, em 28 de novembro de 1964, na estrada de Madina do Boé para Contabane, perto de Gobije (Antóno Pinto, ex-alf mil, Pirada, Madina do Boé e Béli, 1963/65)



Guiné > Brá > Comandos do CTIG > c. 1964 > Emblema de braço do Grupo Fantasmas, que pertenceu ao alferes  mil 'comando' Maurício Saraiva.

Angola > CIC - Centro de Instrução de Comandos > 1963  > O alferes mil Maurício Saraiva em Angola, aquando da frequência do curso de Cmds; no CTIG  será depois promoviodo, por mérito, a tenente e a capitão. 
  

Fotos (e  legendas): © Virgínio Briote (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Madina do Boé > 1966 > Vista aérea do aquartelamento (1966). Imagem reproduzida, sem menção da fonte, no Blogue do Fernando Gil > Moçambique para todas. Presumer-se que a sua autoria seja de Jorge Monteiro (ex-cap mil CCAÇ 1416, Madina do Boé, 1965/67) ou de Manuel Domingues, nosso tabanqueiro, ex-alf mil, CCS/BCAÇ 1856, Nova Lamego, 1965/66 (autor do livro: Uma campanha na Guiné, 1965/67).



1. Alferes, tenente e depois cap mil 'comando' (até  chegar a cor inf, na reforma extraordinária), Maurício Saraiva (1939-2002) foi idolatrado por uns, odiado por outros, "um mal amado", no dizer do Virgínio Briote (*)... 

A nível operacional, começou por integrar a 4ª CCAÇ (Bedanda, 1961) e,  depois de frequentar o curso de comand0s (em Angola, sua terra, 1963), voltou ao CTIG como instrutor e também como comandante operacional. 

A seguir à da Op Tridente (jan - mnar de 1964), irá  comandar o  Grupo Fantasmas, de que fez parte, entre outros, o nosso querido e saudoso tabanqueiro Amadu Djaló (1940-2015).  Recorde-se que o sold cond auto Amadú Djaló alistou-se nos comandos do CTIG, a convite do Maurício Saraiva.

O Amadu Djaló frequentou o 1º Curso de Comandos da Guiné, que decorreu entre 24 de Agosto e 17 de Outubro de 1964. Desse curso fizeram parte 8 guineenses: além do Amadu Djaló, o Marcelino da Mata, o Tomás Camará e outros. Deste curso sairam ainda  os três primeiros grupos de Comandos, que desenvolveram a actividade na Guiné até julho de 1965: Camaleões, Fantasmas e Panteras

Interessa-nos conhecer melhor o percurso do nosso camarada Maurício Saraiva, no CTIG, embora saibamos que ele virá a ser gravemente ferido, por mina A/P, em Moçambique, em 1968, enquanto comandante da 9ª CCmds. (Altamente medalhado por feitos em combate, é agraciado em 1970 com o o grau de Oficial da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito; passaria em 1973 à situação de reforma extraordinária: vd. o seu impressiomnante CV militar, no portal UTW - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar.)

Mas demos voz também àqueles que o conheceram,  para além  do Virgínio Briote (*) e da família (**). Foi o caso do António Pinto (***),  ex-alf mil inf, BCAÇ 506 (Guiné, 1963/65), um veterano de Madina do Boé e de Beli mas também um dos veteranos do nosso blogue. É mais um pequeno contributo para o seu "retrato" que o Virgínio Briote ainda há de fazer, se Deus lhe der vida e saúde... (****). 

 

António Pinto, II Encontro Nacional
da Tabanca Grande, Pombal, 2007

Um dos momentos mais dramáticos que vivi, na sequência  da terrível emboscada com mina A/C, em 28 de novembro de 1964, na estrada de Madina do Boé para Contabane, perto de Gobije


por António Pinto 

(...) A memória já me vai traindo um bocado, mas há momentos que jamais poderei esquecer e com certeza que me acompanharão para sempre. 

Guardei alguns documentos daquele tempo e, vasculhando-os, verifico que pertenci à 3ª Companhia de Caçadores, em Nova Lamego, e aos Batalhões de Caçadores, sediados em Bafatá, nºs 506 e 512 e,  finalmente,  ao Batalhão de Cavalaria nº 705.

Sobre Madina do Boé,  estive lá no 2º ano de comissão, lembro-me que fomos os primeiros a lá chegar e montar o 1º aquartelamento que ficou ao fundo da estrada, onde havia uma escola desactivada. 

Os primeiros tempos passámo-los sem sobressaltos de maior até que houve o 1º ataque, não posso precisar a data. Não tivemos feridos.

Há um episódio, no entanto, entre vários, que me marcou bastante. Vou tentar resumi-lo:

Uma tarde estávamos no destacamento, quando, de repente, ao fundo da tal estrada vimos chegar, com grande alarido,  dois ou três jipes com uma velocidade inusitada e alguém aos gritos, que só conseguimos entender quando chegaram à nossa beira. 

Era um grupo de comandos, chefiados pelo alferes  [Mauríco] Saraiva [um homem tremendamente marcado pela guerra em Angola, onde assistiu à morte de familiares seus, (dizia-se)].

Aos berros, pediu-nos viaturas e homens para efectuar uma operação (de que eu não tinha conhecimento ) nos arredores de Madina.

 De tal maneira ele estava transtornado que chegou a puxar de pistola para um furriel do destacamento, que estava a apertar as botas, tal era a sua pressa.

O que não posso esquecer é o pedido que um dos nossos soldados fez para substituir o condutor duma viatura, salvo erro, uma Mercedes, argumentando que, sendo ele pequeno ( e era-o de facto), se uma mina rebentasse,  ele saltava com mais facilidade, pedindo só para deixar tirar a capota da viatura. Não me recordo do nome dele mas vejo-o constantemente...

Essa patrulha, em que não participei, pois o Saraiva não o permitiu, foi atacada, após o rebentamento de minas. Morreram vários camaradas nossos, entre eles o referido condutor, que teve uma morte horrorosa.

Alguns desses camaradas deixaram este mundo nos meus braços e nos do médico que, na altura, estava conosco e que é por demais conhecido - o Luiz Goes, que todos conhecem, com certeza, pelos seus fados de Coimbra.

Este foi um dos momentos mais dramáticos que vivi na Guiné, para além de outros, especialmente em Beli, onde fui ferido (....)


______________

Notas do editor:

(*) 11 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25832: (De) Caras (308): Maurício Saraiva, cofundador e instrutor dos Comandos do CTIG, cmdt do Gr Cmds Fantasmas - Parte I: O "capitão Manilha", por Virgínio Briote (ex-alf mil cav, CCAV 489, Cuntima; e ex-alf mil 'cmd', Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67)

(**) Vd. poste de 6 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11531: As Nossas Tropas - Quem foi quem (12): Maurício Leonel de Sousa Saraiva, ex-cap inf comando (Brá, 1965/67) (Luciana Saraiva Guerra)

Vd. também poste de:


(...) Tenho muito material sobre o cor Maurício Leonel Saraiva. Fotos, documentos e memórias de acontecimentos, histórias que corriam na altura, outras de que fui testemunha e uma ou outra em que até fui protagonista. Gostaria de fazer um trabalho sobre o Saraiva (já em tempos encomendado pelo Presidente da Associação de Comandos, mas que não pude levar adiante).

Foi ele, o Saraiva, que como tenente me convidou a concorrer aos comandos e, dois meses mais tarde, como capitão, foi meu director de instrução.(..:)


segunda-feira, 15 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25745: Notas de leitura (1709): "Missões de Um Piloto de Guerra", por Rogério Lopes; edição de autor, 3.ª edição, 2019 - Memórias de um piloto nos primeiros anos da guerra da Guiné (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Fevereiro de 2023:

Queridos amigos,
São memórias de um piloto que combateu na Guiné e Angola, um feixe de peripécias de situações omnipresentes em todo o tempo que aquela durou, desde aviões avariados, ao nascimento de crianças a bordo, o transporte de prisioneiros ou de sacos de cadáveres vitimados por uma daquelas explosões do combustível que pôs os corpos em tocha. Lembranças amargas umas, porque morreram pilotos heróicos e devotados, histórias de sobressalto, como uma cobra metida num sapato, a revelação de um sabotador em Bissalanca, os bombardeamentos noturnos, permanecer uma noite no quarto com um avião avariado e levar com uma flagelação, os T-6 na Operação Tridente, apanhando os guerrilheiros em plena praia, e não podemos deixar de gargalhar com a mulher do Governador Schulz levada pela multidão, a senhora a gritar e o Governador a pedir para apanharem a velha... Leitura que não vou esquecer tão cedo, até porque me assaltou à memória as ajudas recebidas da Força Aérea na evacuação dos meus feridos, pilotos tão solícitos e enfermeiras tão dedicadas.

Um abraço do
Mário



Memórias de um piloto nos primeiros anos da guerra da Guiné (2)

Mário Beja Santos

Rogério Lopes, (2.º Sargento Piloto, Guiné, 1963-1965), nascido em 1939, tirou a primeira licença de piloto civil em 1959 através da Escola Aeronáutica da Mocidade Portuguesa e nesse mesmo ano entrou na Força Aérea. Durante 3 anos esteve colocado na base aérea de S. Jacinto, parte para a Guiné em 1963. Passou à reserva em 1970 e foi trabalhar para a aviação civil. Das suas missões em dois teatros de guerra deixa-nos este relato que já vai em 3.ª edição, Missões de Um Piloto de Guerra, 2019.

São narrativas versáteis, revelam memórias de um espírito otimista, entusiasta, dotado de grande espírito de corpo, de muitas coisas nos falará, desde o seu batismo de fogo, a missões de socorro, o seu apreço pelos heróis do ar, avarias que não acabaram em desastre, bombardeamentos noturnos, evacuações de uma atmosfera de tempestade, crianças que nasceram a bordo, episódios picarescos, vale a pena contar um pouco de tudo, são os primeiros anos da guerra da Guiné.

Obviamente que conheceu voos acidentados e alguns deles com a fuselagem crivada de tiros. Era um piloto bem preparado e não perdia o sangue frio, veja-se este episódio:
“Aconteceu-me um incidente numa missão de correio e transporte de Auster para Gadamale-Porto, cujo quartel ficava junto a um rio com um cais no fim da pista. Acontece que a dita pista era um caminho de terra e lama, onde só se podia aterrar na maré-baixa, tendo apenas 600 metros de comprimento. Ora, nesse dia, a maré já estava a encher, o que estreitava a faixa de aterragem e aumentava o perigo de derrapagem. Depois de uma passagem baixa resolvi aterrar, correndo todos os riscos inerentes, e porque tinha uma evacuação a fazer e isso podia custar a vida a alguém. Tudo correu bem até ao preciso momento de aconchegar os travões, que eram ao contrário de qualquer outro avião, que são na ponta dos pedais, enquanto estes eram nos calcanhares. Aí é que foi o diabo, o avião começou a dar ao rabo como uma dançarina de rumba, e lá vou eu, deslizando como sabão sobre azulejo molhado. Os 600 metros acabaram, consegui apontar à rampa de 5 metros de largura que dava acesso à doca e… entrei deslizando por ali dentro, gerando a confusão total. Soldados, civis, brancos, pretos e mestiços pareciam baratas aterrorizadas. Eu é que não estava pelos ajustes que só me restava uma solução: provocara um cavalo-de-pau, ou seja, rodar 360 graus, e assim fiz.”

Guarda saudades da Aldeia Formosa, o régulo recebia-o sempre prazenteiramente. Foi inevitável, nasceu-lhe uma criança a bordo, tudo aconteceu num Do-27, voou para Farim, a bordo seguia um mecânico e uma enfermeira paraquedista, tratava-se de um parto complicadíssimo. 

“No regresso e no eclodir dos primeiros gritos a bordo, a enfermeira-paraquedista, apesar dos seus temores, arregaçou as já curtas mangas, desinfetou-se, calçou luvas próprias, ordenou ao mecânico que agarrasse a mulher e mergulhou as suas mãos energicamente. Entre os gritos da paciente, da transpiração da enfermeira e da boca aberta do mecânico, esgazeado por todo aquele aparato a que nunca tinha assistido, eu ia tentando, com o meu feito brejeiro, amenizar um pouco todo aquele stress, dizia que ia sair do meu lugar para ajudar, o que deixava a pobre paraquedista ainda mais nervosa. Depois de uma hora de luta intensa, de berros, suores e cabelos em desalinho, finalmente ouvi um grito de jubilo: Ó Lopes, olhe, já se vê a cabecinha! O nosso cabo mecânico, com uma cara assaz comprometida, continuava a desculpar-se com o seu pouco ou nenhum auxílio, dizendo que não tinha luvas para tal tarefa. Quando aterrámos o bebé acabava de nascer.”

Uma vez foi a Tite levar passageiros e correio, quando este lhe foi entregue tentou ligar o motor, nada, como último recurso rodou a hélice à mão com os magnetos ligados, nada, ali ficou à espera de auxílio, no dia seguinte. Nessa noite houve flagelação, a sua grande preocupação era o avião, saiu ileso daquele confronto, em compensação parte do telhado da caserna tinha desaparecido. Ele fora bem recebido por um Furriel vagomestre, soube na manhã seguinte que tinha sido atingido à saída do quartel. 

Também passou por peripécias com jagudis intrometidos, houve um que lhe entrou no avião com uma bala de canhão, passou um mau bocado, mais tarde recebeu um jagudi embalsamado, “oferta dos nossos soldados do quartel de Binar para o aviador que nesse dia ia perdendo a vida ao tentar entregar o correio por que tanto ansiavam e não receberam, por este ter encontrado no caminho o guerreiro jagudi”.

E vem agora o episódio mais hilariante da narrativa, intitulado “A visita oficial do Governador”:
“Bem cedo, pela manhã, com o Dornier já preparado, pouco esperei pelo Governador e comitiva, que constava apenas da esposa, que aparentava ser mais velha do que ele e tinha dificuldade em andar, e o oficial de operações às ordens.
A viagem de Bissau a Bafatá era de mais ou menos uma hora. Nos bancos de trás, ia o oficial de operações e a senhora e, ao meu lado, o general. Como simpatizávamos um com o outro, aquela hora foi passada de forma e conversa agradável, até a nossa vista alcançar a pista de dois quilómetros de terra batida, mas em bom estado, ladeada pela formação das tropas dos três ramos das Forças Armadas. Todos eles com as suas melhores fardas e ostentando orgulhosamente as medalhas. A separar a população nativa havia um cordão da polícia militar para impedir a invasão da pista. Aterramos no meio de todo aquele aparato festivo, com o clamor de palmas, gritos, fanfarra, rufar tambores, guizos indígenas e bandeiras flutuando ao sabor da agitação de centenas de mãos; assim que parámos, um diligente oficial veio rapidamente abrir a porta de trás do Dornier, para ajudar e facilitar a saída da esposa do Governador.

Ainda hoje, não sei dizer ao certo como tal aconteceu, mas a verdade é que a populaça rompeu o cordão de segurança e, rodeando o Dornier, sacou rapidamente a senhora, levando-a em ombros, acompanhada de gritos festivos, para o meio da multidão em delírio.
A senhora olhava para trás e gritava para o marido a tirar dali, e ele, por sua vez, dizia para mim, com ar assustado: Ó Lopes, eles levam-me a velha!
Depois, gritando o mais que podia, para ser ouvido pela tropa que estava tão desnorteada como nós, repetia incessantemente: Apanhem a velha, apanhem a velha!
E lá se foi todo aquele aparato disciplinar por água abaixo. As alinhadas formaturas desfizeram-se, a multidão branca e preta corria para apanhar a senhora, que continuava a gritar para o marido, no meio daquele mar colorido de civis, militares, bandeiras, estandartes e fanfarra à mistura.”


Dedica um texto e muito emotivo à morte do alferes Pité, como igualmente nos relata a tragédia de fuzileiros falecidos mortos a caminha de Madina do Boé. Uma bazucada rebentara o depósito de combustível de um dos carros e todos os que ali iam foram consumidos pelas chamas, tiveram uma morte horrorosa. Os camaradas eram uma máscara de dor, com os seus gritos dilacerantes. E Rogério Lopes, pesaroso, descreve os voos para transportar os cadáveres envolvidos em enormes sacos de plástico preto. “Foram quarenta atrozes minutos em que as minhas narinas ficaram impregnadas de um cheiro que jamais esquecerei, assim como a pena por aqueles infelizes fuzileiros, que não conhecia pessoalmente, mas que admirava pela coragem demonstrada no campo de combate.”

Em maio findou a sua comissão, em junho foi condecorado no Terreiro do Paço com uma Cruz de Guerra, ao lado do seu Comandante na Guiné. Sentiu uma saudade imensa por aqueles que jamais voltariam.

Não vou esquecer tão cedo tão memorável, dura narrativa, recheada de peripécias inusitadas e outras não tanto, onde paira sempre o sentido de ver alanceado pelo otimismo.



Cruz de guerra, 3.ª classe
T-6 em pleno voo
O Do-27
O Auster
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Notas do editor:

Post anterior de 8 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25726: Notas de leitura (1707): "Missões de Um Piloto de Guerra", por Rogério Lopes; edição de autor, 3.ª edição, 2019 - Memórias de um piloto nos primeiros anos da guerra da Guiné (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 12 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25738: Notas de leitura (1708): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1867 e 1868) (11) (Mário Beja Santos)

sábado, 8 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25618: Casos: a verdade sobre... (43): sim, a situação político-militar agravou-se em 1973/74, no CTIG, mas o PAIGC não fez a declaraçáo unilateral de independència... em Madina do Boé: um erro toponímico sistemático que a nossa historiografia militar anda a replicar há meio século...

 

Imagem de satélite (Cortesia de Google Earth)  com indicação de algumas das tabancas situadas na região oriental do Boé. Refere-se, também, Tiankoye, situada em território da República da Guiné, local por onde circularam as forças do PIAGC que atacaram Madina do Boé, em 10 de Novembro de 1966, e onde morreu o cmdt Domingos Ramos (1935-1966). 

Lugajole, Vendu-Leidi e Lela (esta já no território da Guiné Conacri) estão mais próximos do local "misterioso" onde o PAIGC fez a declaração unilateral da independência, a única zona acidentada da Guiné- Bissau (com pequenas colinas que chegar aos 100, 200 e até 300 metros, nas falda do Futa Jalon)... 

Madina do Boé, seguramente, é que não foi o "berço da Nação", embora desse mais jeito ao PAIGC para efeitos propagandísticos...  De Madina do Boé até á fronteira (passando por Vendu-Leidi), a leste, são 70 km, em linha reta. Para sul, são 10 km. (Vd. mapa da antiga província da Guiné, 1961, escvala 1/500 mil)

Naquele tempo não havia GPS, as fronteiras eram porosas, o Boé não tinha estrada para a fronteira a leste (nem picadas transitáveis em plena época das chuvas como era o caso em setembrto de 1973)... 

E todas as testemunhas (os protagonistas) do lado do PAIGC já morreram: o Luís Cabral não se lembrava do nome da tabanca mais próxima, o Vasco Cabral dizia que era Vendu Leidi... Fica a amnésia da História (e de um povo).. .

De qualquer modo, era preciso "ter lata"  para declarar "urbi et orbi" a independência da Guiné... num país estrangeiro. Mesmo assim estava garantida, na ONU, o reconhecimento imediato da nova república logo por cerca de 80 países... 

Foi a grande jogada de mestre do Amílcar Cabral desenhada antes de morrer... E o pior erro estratégico de Spínola, ainda "periquito",  a retirada das NT do Boé (Beli, Madina e Cheche).  E acresente-se: do Hélio Felgas, profundo conhecedor do território, mas que subestimou a importância do Boé para a logística e a propaganda do PAIGC.... De qualquer modo, quem não tinha cão, caçava com gato (*)...

Infografia: Jorge Araújo (2021). Legenda: JA/LG












Painel, reproduzido com a devida vénia, da exposição "MFA 25A - O Movimento das Forças Armadas e o 25 de Abril", Lisboa, Gare Marítima de Alcântara (Abril-junho de 2024)

1. A propósito da exposição "MFA 25A - O Movimento das Forças Armadas e o 25 de Abril" (**). que está a decorrer na Gare Marítima de Alcàntara, em Lisboa, de 14 de abril a 26 de junho de 2024 (no horário  das 14h00 às 20h00, de quarta feira a domingo), já chamámos a atenção para um erro factual imperdoável: dar Madina do Boé como local onde o PAIGC proclamou a independência unilateral da Guiné-Bissau, em 24 de setembro de 1973 (ver imagem do painel, acima reproduzida, com o topónimo sublinhado a vermelho, por nós)

Não sabemos de quem é a autoria do texto. Pode ser um deslize, mas é lamentável.  Hã anos que temos batalhado, aqui no nosso blogue, contra este "embuste histórico" do PAIGC, infelizmente replicado  por historiógrafos militares e jornalistas portugueses, para não falar de académicos, uns e outros pouco ou nada conhecedores da geografia  da região do Boé. (*).  

Fica aqui o nosso protesto: damos importância, no nosso blogue, à "verdade factual" (***)... De qualquer modo, continuamos a aconselhar a visita à exposição, a qual, de resto, utiliza alguns materiais do nosso blogue (fotos do Jose Casimiro Carvalho e do Miguel Pessoa).
_________________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

5 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22106: Um olhar crítico sobre o Boé: O local 'misterioso' da proclamação solene do Estado da Guiné-Bissau, em 24 de setembro de 1973, em plena época das chuvas - Parte I: A variável "clima" (Jorge Araújo)

21 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22122: Um olhar crítico sobre o Boé: O local 'misterioso' da proclamação solene do Estado da Guiné-Bissau, em 24 de setembro de 1973, em plena época das chuvas - Parte II: Missão a Gaoual (Jorge Araújo)

12 de junho de 2021 > Guiné 61/74 - P22275: Um olhar crítico sobre o Boé: O local 'misterioso' da proclamação solene do Estado da Guiné-Bissau, em 24 de setembro de 1973, em plena época das chuvas - Parte III: A Brigada de Fronteira de Gaoual e o apoio no controlo dos movimentos na Região de Lela em novembro de 1966 (Jorge Araújo)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2021/06/guine-6174-p22275-um-olhar-critico.html

Mas também:


20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3920: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (2): Opção inicial, uma tabanca algures no sul, segundo Luís Cabral (Nelson Herbert)

1 de março de  2009 > Guiné 63/74 - P3955: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (3): O local estava minado e o PAIGC sabia-o (Jorge Félix)

17 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4042: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (4): Ajudas de memória (Abreu dos Santos)

9 de outubro de  2009 > Guiné 63/74 - P5079: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (5): Lugajole, disse ele (Luís Graça)


(***) Último poste da série > 24 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25104: Casos: a verdade sobre... (42): O "making of" do livro do Amadu Djaló (1940 - 2015), "Guineense. Comando, Português" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, il.) (Virgínio Briote)


segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25027: Notas de leitura (1654): Notas do diário de um franciscano no pós-Independência da Guiné-Bissau (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Julho de 2022:

Queridos amigos,
Podemos pensar o que quisermos deste diário, é indiscutivelmente uma relação, o missionário franciscano estava na hora certa no tempo certo a viver o que registou, reuniões com promessas de profundo apreço pelo trabalho missionário, aquelas notícias desencontradas da muita vigilância à volta de Bissau para repelir não sabemos bem o quê e de quais intentos da FLING, que abertamente era contra a união Guiné-Cabo Verde. Os seus passeios naqueles dias em que partiam os últimos militares portugueses e em que se fixava uma placa de alumínio no que fora a residência do comandante militar e passava a ser a Embaixada de Portugal. Os conceitos de nacionalidade guineense, uma nota espúria de que havia casos de terror, já se praticava a justiça popular, tudo parecia que iria haver um bom entendimento entre o Partido único e os franciscanos, veremos seguidamente que já há nuvens no horizonte.

Um abraço do
Mário



Notas do diário de um franciscano no pós-Independência da Guiné-Bissau (2)

Mário Beja Santos

Na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa chamaram-me à atenção para o número mais recente da revista Itinerarium, o n.º 227, referente ao semestre de janeiro a junho de 2020, a Itinerarium é a revista semestral de cultura publicada pelos franciscanos em Portugal. Ali aparece um artigo com páginas do diário de Frei Francisco de Macedo (1924-2006) que foi missionário na Guiné entre 1951 e 1997. O diário inclui os apontamentos do religioso sobre os primeiros anos da Independência, a matéria versada relaciona-se com a educação e as missões.

Dando-se continuidade a um diário que vem pela primeira vez à luz do dia, ainda na reunião havida em 20 de setembro com a equipa que o PAIGC nomeara para a Educação escreve Frei Francisco de Macedo: 

“Saímos com a certeza de que o trabalho dos missionários tinha sido muito válido e que muito contribuiu para que a Guiné-Bissau tivesse alcançado a independência. Essa verdade tem nos sido afirmada muitas vezes por alguns dos responsáveis do Partido, que nos vêm cumprimentar e manifestar a sua gratidão. Entre estes contam-se o camarada José Neto, que foi criado na missão de Cacheu e nutre uma amizade muito especial por Monsenhor Amândio Neto. Outro amigo que nos veio cumprimentar foi o camarada Julião Lopes, antigo aluno da Escola Dona Berta e agora nomeado comandante da Marinha. Estes e muitos outros são unânimes em dizer que quase todos os homens importantes do PAIGC e os seus principais militantes saíram das escolas das Missões, em especial de Bissau, Bula, Canchungo, Bafatá e Bolama”.

Em 24 de setembro anota no seu diário que se celebra o 1.º aniversário da República da Guiné-Bissau. O acontecimento foi festejado em Madina do Boé, onde construíram casas-palhotas para receber os convidados e onde querem lançar as bases da capital do Estado. 

“Disseram-me alguns militantes que querem lançar em Madina do Boé os alicerces da nova Nação, com programas diversos quanto ao Ensino, à Saúde e Agricultura. Há falta de apoio ao PAIGC por parte de muita população. Daí o controlo rigorosíssimo que implantaram em todas as saídas e entradas de Bissau.”

Tece seguidamente considerações sobre os primeiros tempos da independência: 

“Há uns anos que para a Guiné não vinha ninguém de Portugal, a não ser alguns administrativos e comerciantes. E, digamos a verdade: uns e outros imbuídos de ideias colonialistas, considerando o nativo como um escravo, sem acesso à cidadania; nada produzindo nem se interessando por iniciativas de desenvolvimento económico desta terra, limitando-se a importar panos e outros artigos para na venda tirarem lucros fabulosos. Alguns industriais e comerciantes até se mostraram hostis a que os missionários abrissem escolas e se empenhassem pelo ensino”

Frei Macedo duvida dos dados apresentados pelo PAIGC quanto ao analfabetismo, a propaganda falava em 99% de analfabetos, ele observa que numa população de 500 mil habitantes devia haver, pelo menos, 30 mil que sabiam ler e ter alguma instrução. E, mais adiante, escreve: 

“Desde meados de setembro que o PAIGC montou um sistema de controlo muito rigoroso nas estradas. Dizem que por causa do movimento da FLING. Ninguém nos informou devidamente sobre este caso. Temos conhecimento, por conversa com muitos estudantes guineenses residentes em Lisboa, que a FLING apoia o Partido que lutou pela independência, mas não apoia a sua união com Cabo Verde para formar uma só nação. Terão razão? O tempo dirá!...”

Anota no seu diário a 3 de outubro que andaram a retirar dos seus pedestais as estátuas associadas à presença portuguesa, caso de Teixeira Pinto, Nuno Tristão, Honório Barreto. E, inopinadamente diz que se continua a assistir a atos de terror, e conta uma história passada em Nhacra que meteu esfaqueamento, terão achado muito bem em ver o povo a fazer justiça sem que as autoridades se tivessem intrometido. 

A 13 de outubro regista que se fez a entrega do complexo do Quartel-General de Santa Luzia, passou a ser ocupado por dirigentes do PAIGC, os últimos militares portugueses abandonarão dentro de horas a Guiné-Bissau. No dia seguinte, deixa lavrado no seu diário que pela noitinha ele, o Prefeito Apostólico e o Padre Afonso deram a volta pela cidade, os militares portugueses tinham partido no Uíge e em Caió, o Niassa esperava os últimos soldados que vinham em lanchas. 

“Deve ter sido única esta retirada dos 25 mil militares portugueses, em ordem em sem confusão alguma.” 

E no dia seguintes escreve: 

“Dei uma volta a pé pela cidade. Passei em frente da antiga residência do comandante militar e li em placa de alumínio: Embaixada de Portugal. Fiquei satisfeito. É uma ótima residência e bem situada. Portugal continua. É a primeira embaixada a marcar presença, como é natural.”

E no dia seguinte regista que houve uma reunião na Associação Comercial e Industrial de Bissau presidida por Vasco Cabral, comissário da Economia e Finanças, há perguntas e respostas. Vasco Cabral informa quem o interpelou que a Guiné-Bissau faz parte do Terceiro Mundo.

“O nosso sistema é de economia democrática. No mundo de hoje, em todas as nações, estamos perante esta realidade: sistema de vida capitalista e sistema socialista. Vamos aproveitar o melhor que houver dos dois.” 

Interpelado sobre a questão da dupla nacionalidade, respondeu Fidélis Cabral de Almada, comissário da Justiça: 

“Conscientes de uma larga convivência com o povo português, não deixamos de nos preocupar com aqueles portugueses de boa fé que continuam na nossa jovem República. Todos os cidadãos são classificados em 3 categorias: 

a) os indivíduos, filhos de estrangeiros, nascidos aqui, com permanência de 10 anos, serão considerados cidadãos e gozam de todos os direitos; 

b) os indivíduos não nascidos na Guiné, mas com permanência de 20 anos pelo menos, são cidadãos guineenses; 

c) aqueles que não nasceram na Guiné, mas filhos de gente da Guiné, são cidadãos e gozam de todos os direitos”

Interpelado sobre qual a Justiça para os que pertenceram à polícia política portuguesa, Fidélis respondeu: 

“Serão estudadas as diversas situações e aplicadas as penas. No que se referem aos cidadãos estrangeiros, podemos nacionalizar os seus bens, sendo atribuída uma justa indeminização. Tudo sem espírito de vingança.”

Vasco Cabral observou que tinha estado na CICER: 

“Visitei a fábrica e fiquei realmente admirado. Não esperava tanto. Há necessidade desta fábrica. Produzir muito para exportar e adquirir divisas e cambiais.”

Frei Macedo também anota uma notícia que encontrou, do seguinte teor: 

“O Governo português decidiu que os soldados da Guiné, que prestaram serviço no Exército português, podem escolher ser cidadãos da Guiné ou de Portugal. Os que decidirem ser cidadãos da Guiné regressarão imediatamente à sua terra.”

(continua)

Leprosaria da Cumura
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Notas do editor

Poste anterior de 25 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P25000: Notas de leitura (1652): Notas do diário de um franciscano no pós-Independência da Guiné-Bissau (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 29 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P25012: Notas de leitura (1653): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (5) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24806: As nossas geografias emocionais (13): A fonte da Colina de Madina, 1945 (Manuel Coelho / Cherno Baldé / António Murta)

Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4

Guiné > Região de Gabu > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, "Os Tufas" (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Beli e Madina do Boé, 1966-68) > 1967 > A "Fonte da Colina de Madina", construída em 1945, ao tempo do governador Sarmento Rodrigues. Fotos do álbum do Manuel Coelho, um dos nossos grandes fotógrafos.



Manuel Coelho, um dos bravos
 de Madina do Boé (1966/68)


1. Quatro  grandes fotos do Manuel Coelho (fotos nºs 1, 2, 3 e 4), um dos bravos de Madina do Boé, ex-fur mil trms, da CCAÇ 1580 (1966/68) (natural de Reguengos de Monsaraz, vive em Paço d'Arcos, Oeiras; tem 45 referências no nosso blogue, ingressou na Tabanca Grande em 12 de julho de 2011).


(i) Excerto de mensagem do Manuel Coelho,  com data de 23 de julho de 2018 às 19h45 (*):

(...) Parabéns pelo esforço (conseguido) de mostrar uma região tão importante para nós como para o PAIGC. Quem sobreviveu aqui a este conflito não esquece, fica marcado no nosso pensamento e, mesmo após 50 anos. ainda dói!

Quem dera ter a veia poética do Luís ou de outros camaradas para explicar em verso o calvário de meses de isolamento, com falta de reabastecimento, ataques diários, etc...

Para comparar envio mais algumas fotos [inéditas,] do meu álbum, começando pela da célebre "Fonte da Colina de Madina" [que ainda lá estava em 1998]...

Em relação a esta fonte, ela servia não só para fornecer os bidões para banho como para as lavadeiras fazerem o seu trabalho. Para beber tinha de se ferver ou desinfectar devidamente. (...)



Guiné-Bissau> Região de  Gabu > Boé > Madina do Boé > 1998 > A famosa fonte da Colina de Madina, com ornamentação de azulejo português, pintado à mão, de 1945. Parece(ia) haver vestígios de impacto de balas de armas automáticas (?), ou então os azulejos foram picados ou ainda (outra hipótese) estão deteriorados por ação do uso e das intempéries.


Guiné-Bissau> Região de Ganu > Boé > Madina do Boé > 1998 > A famosa fonte da Colina de Madina é um sítio onde se concentra(va) alguma população civil da escassa que há (havia)  nesta região semidesértica, e a única da Guiné que é acidentada (com cotas que sejam quase aos 300 metros). Fotos do álbum do nosso querido amigo e camarada  Xico Allen (1950-2022), que aqui esteve em 1998. As fotos chegaram-nos às mãos em 2006, por intermédio do Albano Costa (**).

Fotos (e legendas): © Francisco Allen / Albano M. Costa (2006). Todos os direitos reservados [Edição e çegendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Dois comentários de:  (i)  nosso colabor permanente Cherno Baldé, que vive em Bissau, e tem 285 referências no nosso blogue;  e (ii)  António Murta, ex-alf mil inf MA, 2ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), autor da notável série "Caderno de Memórias de A. Murta"; membro da Tabanca Grande desde 12/11/2014, tem mais de 100 referências no nosso blogue; vive na Figueira da Foz.

2.1. Cherno Baldé:

(...) Falando sobre as fontes ou nascentes de água em locais estrategicamente situadas junto de pequenas elevações de terreno, como tenho visto um pouco por todo o território, no Norte, Sul, Este e Oeste, fico sempre maravilhado com a  vista e na presenca deste apurado conhecimento do terreno e da noção do que pode ser um desenvolvimento durável e autossustentado stricto sensu

O que mostra, claramente, que os "colonialistas" que nos governaram nos anos 30 e 40 (aqui certamente no tempo de Sarmento Rodrigues), tinham uma visão de longo prazo e uma noção clara sobre o que era o desenvolvimento autossustentado, centrado nos recursos e bens disponíveis localmente e na sua utilização racional e equilibrada a bem da comunidade.

O Manuel Coelho diz que a água precisava ser fervida antes do seu consumo, mas a verdade é que ela é servida assim mesmo e muitas vezes é do melhor que ha (Iagu Sabi) e, pessoalmente, já a bebi muitas vezes, diretamente da fonte, em Bafatá, Quinhamel, Canchungo e, comparada com a água das nossas bolanhas do leste, era uma maravilha d'água e ainda hoje é. (**)

(...) É o que tenho estado a dizer aos mais novos, sempre que vejo esses maravilhosos locais com as suas fontes quase centenárias, mas que ainda continuam vivas e a jorrar água limpa e da melhor que há disponivel ao beneficio das populações locais e com nomes proprios que as populações lhes deram.

Encontrei-as em Bafatá (Boma), Bissau, Quinhamel (Hoilan), Canchungo, Catiá, Bambadinca, Madina de Boé e sei que existem e estão espalhadas por todo o território nacional.

Já não podemos dizer o mesmo dos furos e bombas manuais que os novos projectos de desenvolvimento, fruto da coooperação e das ajudas internacionais,  espalharam nas zonas rurais em anos recentes, mas que normalmente duram pouco, nãp sabendo ao certo se não teriam, também, um aplicativo de obsolescência programada, como se diz atualmente sobre todos os produtos do capitalismo moderno que nos calhou em escala. (...) | 25 de julho de 2018 às 13:27


2.2. António Murta:

As fotografias 3 e 4 da Fonte da Colina de Madina, que parece ser já um memorial, são muito bonitas e tecnicamente quase perfeitas: pelo enquadramento, pela gama de cinzentos, pela textura, e pelos reflexos que nos dão a sensação de vida daqueles instantes. 

Sei que não é isso que está em discussão e desculpem o arrazoado, mas é porque fiquei que tempos a olhar para elas. Não desmereciam o ilustre Ansel Adams (1902-1984), um especialista do preto e branco, sem contudo carregarem a rigidez técnica obsessiva que tiravam sensibilidade às fotografias dele. 

Parabéns ao Manuel Coelho.(...) | .26 de julho de 2018 às 00:56 
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Notas do editor:

(**) Vd. poste de 10 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11822: Álbum fotográfico do Xico Allen: região do Boé, 1998: trágicos vestígios 'arqueológicos' da guerra colonial, entretanto já destruídos ou desaparecidos...