1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Janeiro de 2023:
Queridos amigos,
Mais um empréstimo feliz da Biblioteca da Liga dos Combatentes, encontrar-me com homem corajoso mas discreto, de escrita luminescente, agradado com a vida, que abre o seu livro com uma citação de Churchill: "Um otimista vê uma oportunidade em cada calamidade. Um pessimista vê uma calamidade em cada oportunidade", passou escrito peripécias com aviões atingidos, avariados, vamos assistir a crianças nascidas a bordo, e haverá um momento em que não podemos deixar de rir a bandeiras despregadas, uma viagem de Arnaldo Schulz a Bafatá, vai acompanhado da mulher e do seu Oficial de Operações às ordens, mal o avião aterra, a multidão agarra na mulher do governador e este desata aos gritos, "Agarrem-me a velha!", o Governador a correr atrás da multidão, eufórica, era a mulher do governador a correr às cavalitas de um possante, ninguém prestava atenção ao governador, que corria por ali, esbaforido. Este segundo sargento-piloto Rogério Lopes vai-nos ficar no coração.
Um abraço do
Mário
Memórias de um piloto nos primeiros anos da guerra da Guiné (1)
Mário Beja Santos
Rogério Lopes, (2.º Sargento Piloto, Guiné, 1963-1965), nascido em 1939, tirou a primeira licença de piloto civil em 1959 através da Escola Aeronáutica da Mocidade Portuguesa e nesse mesmo ano entrou na Força Aérea. Durante 3 anos esteve colocado na Base Aérea de S. Jacinto, parte para a Guiné em 1963. Passou à reserva em 1970 e foi trabalhar para a aviação civil. Das suas missões em dois teatros de guerra deixa-nos este relato que já vai em 3.ª edição, "Missões de Um Piloto de Guerra", 2019.
São narrativas versáteis, revelam memórias de um espírito otimista, entusiasta, dotado de grande espírito de corpo, de muitas coisas nos falará, desde o seu batismo de fogo, a missões de socorro, o seu apreço pelos heróis do ar, avarias que não acabaram em desastre, bombardeamentos noturnos, evacuações de uma atmosfera de tempestade, crianças que nasceram a bordo, episódios picarescos, vale a pena contar um pouco de tudo, são os primeiros anos da guerra da Guiné.
Chega a Bissau em novembro de 1963. Foi atingido a bordo de um avião desarmado, ia queimar capim perto da Ponta do Inglês, no chão do avião e em frente levava 50 granadas de fósforo. No regresso, já com o capim a arder, sentiu o impacto de uma bala debaixo do avião. Na aflição, chamou pela rádio a patrulha de F-86, começou a viagem de regresso, voo em direção a Bafatá. Pensava levar um pneu vazio, agiu com prudência para a aterragem: desligar o motor, cortar o fuel, os magnetos, aterrou suavemente com a roda direita sob a pista, tudo correu bem, os oficiais que o acompanhavam não ganharam para o susto. Na inspeção do avião, descobriu que uma bala tinha cortado a base da soldadura da longarina (tubo fino que liga a base triangular da perna do trem à fuselagem). Procurou uma solução expedita para viajar até Bissalanca. Instruiu três soldados para que o primeiro segurasse e levantasse a asa esquerda, o segundo tinha que se pendurar na direita e o terceiro agarraria no comprido barrote de madeira que travava as rodas dianteiras do Auster. A peripécia correu bem, pôs o motor a trabalhar, quando a cauda do avião levantou, mandou tirar o barrote de madeira, o avião rolava pela pista ladeado por um soldado correndo muito, tentando aguentar uma asa com tendência a cair para o chão, e o outro soldado, empoleirado na outra, tudo fazia para que a sua asa fosse direita. Já no ar, acenou aos seus improvisados ajudantes. A moral da história é que depois desta missão foram proibidas as largadas das granadas de fósforo em Auster, era uma operação demasiado perigosa.
Depois de nos contar uma história de como lhe apareceu uma cobra verde no sapato, narra um pedido de socorro de forças terrestres que estavam emboscadas numa picada perto de Buba. Conseguiu contactar a tropa e só ouvia gritos de socorro. Lá em baixo estavam todos numa aflição, mas ainda o avisaram que estavam a fazer fogo sob o avião. Fez fogo sob que o estava a emboscar, apontou à base, na inspeção descobriu que um dos tanques de fuel estava quase vazio. Ficou intrigado, o avião podia ter explodido. Mais tarde, na reparação do avião em Alverca do Ribatejo, foi encontrada a bala. “O bizarro era que a dita bala era de 9 mm, o calibre usado pela nossa tropa! Do outro lado do conflito, as munições eram de 7,62 ou 12,5 mm!”
Narra um caso de sabotagem que fora feita por um cabo especialista de armamento, cabo-verdiano e dá-nos, depois, uma boa explicação sobre bombardeamentos noturnos. Fala de missões num T-6 Harvard, armado de metralhadoras 7,62, foguetes de 37 mm, bombas de 12 ou 50 kg. “Em 1963/65 já havia reação antiaérea por parte do inimigo, principalmente de metralha tracejante 7,62 ou canhão 12,5, havia zonas de intervenção livre de fogo real pela nossa parte, zonas em que os nossos soldados já não conseguiam entrar sem sofrer grandes baixas, com intensíssima reação do inimigo. Foi decidido que nós, os aviadores, no princípio da noite, teríamos que apagar as fogueiras dos terroristas infiltrados nessas áreas (…). Os voos eram feitos com luzes apagadas, exigindo um enorme esforço de acuidade visual. Para fazer bombardeamento a picar no T-6, era preciso meter o alvo no bordo de ataque da asa com a a fuselagem, depois, subir o nariz da aeronave e, voltando para o alvo, mergulhar até alcançar a velocidade de cerca de 180 milhas. Ora isto de dia era uma coisa… de noite era algo muito mais difícil. Não tínhamos radar, nem piloto automático e não tínhamos um avião para bombardeamento noturno. Mas fazíamos!”
E dá-nos conta da natureza destes combates, quem estava em terra despejava fogo, o inimigo passava a saber que também se sujeitava a bombardeamentos noturnos.
Não se pode ficar indiferente à sua narrativa de uma evacuação na tempestade. Vai num Auster buscar uma mulher gangrenada em Gadamael Porto, que ele descreve como uma pista ao longo de um rio perto da foz e que ficava alagada sempre que a maré estava cheia, tinha apenas 600 metros de comprimento e cerca de 40 metros de largura. Já no ar, começou a ver a tempestade que se deslocava do mar para o interior, viam-se cúmulos-nimbos gigantescos, apercebeu-se que iria ter um regresso bem acidentado, como aconteceu. O cheiro nauseabundo da gangrena era de tal maneira intenso que ele foi obrigado a abrir as duas pequenas janelas do avião, nisto rompeu a tempestade em forma de peão gigante, fechando-lhe a rota para Bissau, chovia imenso, baixou o teto de nuvens, diminuiu a visibilidade apressadamente. Viu-se forçado a desviar a rota para fugir ao tornado gigante que se aproximava, apontou para a pista mais próxima, Catió, procurou pedir auxílio através do rádio, não obteve resposta. E estacionou o avião, ninguém apareceu, calçou as rodas do avião com pedras. “Ficámos dentro do Auster umas três horas, debaixo de trovões, relâmpagos, chuva e rajadas de vento, que faziam oscilar o pequeno avião como se fosse uma borboleta.” Quando o vento amainou e o negrume desapareceu, voou para Bissau, a mulher doente foi descarregada e metida numa maca.
“Despedi-me dela com lágrimas nos olhos, desejando-lhe as melhoras com um gesto de envio de beijo nas pontas dos dedos, que ela retribuiu com um doce sorriso.
Nem os soldados da ambulância nem os mecânicos ficaram insensíveis àquele estado de degradação, e a emoção tocou-nos a todos, homens da guerra.
A geração do após 25 de Abril que fique bem ciente que não foram só bombas que largámos em África, mas também salvámos muitas vidas de pretos e brancos, sem preconceitos de raças ou credos, pondo em primeiro lugar a sua sobrevivência.”
Cruz de guerra, 3.ª classe
T-6 em pleno voo
O Do-27
O Auster
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 5 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25719: Notas de leitura (1706): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1865 e 1868) (10) (Mário Beja Santos)
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