sexta-feira, 12 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25737: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte II: 15 minutos, de ferro e fogo, no K3, em meados de 1963


Foto nº  5


Foto nº 6


Foto nº 6A

Foto nº 6B


Foto nº 7

Guiné > s/l > s/d > O alf mil art José Álvaro Carvalho  (1º trimestre de 1963/meados de 1965) > Nestas fotos do seu álbum ainda não conseguimos identificá-lo: talvez possa ser o militar que se vê na foto nº 6B, em segundo plano, de pefil, de óculos.




Angola > Ponte do rio Cuanza (em contrução, desenhada pelo eng. Edgar Cardoso) > c. 1971 > O José Álvaro Almeida de Carvalho, diretor do departamento de trabalhos externos da empresa L. Dargent Lda. Aqui ainda no início da montagem do tabuleiro da ponte...Viveu 5 anos em Angola (até depois do 25 de Abril de 1974).

Fotos: © José Álvaro Carvalho (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O José Álvaro Carvalho, 85 anos, natural de Reguengo Grande, Lourinhã, entrou recentemente para o nosso blogue. Senta-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 890 (*). 

Não dispondo da sua caderneta militar (diz que nunca a teve), o Zé Álvaro (como eu o trato, afetuosamente), não sabe exatamente em que data chegou ao CTIG, para render um alferes de uma companhia de intervenção, sediada em Bissau. Aponta para a primavera de 1963, escassos depois da guerra ter "oficialmente" começado, na "narrativa" do PAIGC,  com o ataque  a Tite, na região de Quínara, em 23 de janeiro de 1963.

Já estava há 26 meses na tropa. E deve ter cumprido mais uns 26 ou 27, no CTIG, entre o primeiro trimestre de 1963 e o segundo semestre de 1965. Passou por Bissau, Olossato e Catió, aqui já a comandanr um Pel Art / BAC, obus 8.8 (a duas bocas de fogo).


O alf mil Maurício Saraiva,
nascido em Sá da Bandeira,
quando ainda frequentava
 o curso de comandos,
em Luanda, em 1963.
Foto de Virgínio Briote
(2015)
No CTIG era popularmente conhecido pelo seu nome artístico do fado, "Carvalhinho" (*) . O Mário Dias, o Manuel Luís Lomba, o Virgínio Briote são (ou ainda são) do seu tempo e rconhecem-no.  O Armor Pires Mota (ex-alf mil, CCAV 488/BCAV 490, Bissau, Ilha do Como, Jumbebem, 1963/65) também era do seu tempo (ligeiramente mais novo: jul 63/ ago 65). Era também amigo do então alferes  'comando' Maurício Saraiva, que será depois visita da sua casa, em Lisboa (foto à direita, em q963, quando frequentava, em Angola, o curso de comandos).De acordo com as as suas memórias de guerra, ao oitavo mês de Guiné, o Carvalho (ou "Carvalhinho") ainda estava no Olossato. E no excerto que passamos a reproduzir. preparava-se para fazer uma golpe de mão ao K .  
Por sua conta e risco, tanto quanto dá para perceber. (K, leia-se K3 / Saliquinhedim: 
Saliquinhedim ao Km 3 da estrada Farim-Mansabá, será ocupado mais tarde, no último trimestre de 1965, pela  CCaç 1421).

Na versão, digital, que nos facultou, em formato pdf,  das suas memórias de guerra, os topónimos da Giné aparecem só com as iniciais (como é o caso  de O, 
de Olossato). Não há nomes de militares.  Nem datas.  Esclarecimentos  e informações  complementares têm sido obtidas através das  nossas conversas na Praia da Areia Branca (onde reside atualmente).

Pelas nossas contas (e apenas com base dos livros da CECA), essa companhia para a qual ele terá ido, inicialmente, em rendição individual,  pode ter sido a CCAÇ 273 (mo
bilizada pelo BII 17, Angra do Heroísmo): esteve no CTIG desde janeiro de 1962 e acabou a comissão em janeiro de 1964. (Nessa altura, a comissão na Guiné era de 24 meses.)  

Sabe-se que a CCAÇ 273 teve um pelotão destacado no Olossato, por períodos variáveis, em 1963. Era comandada pelo cap inf Jerónimo Roseiro Botelho Gaspar.

Mas voltemos às memórias do Olossato, destacamento que ele vai reforçar,  dois meses depois de estar em Bissau, a fazer segurança a Bissalanca (de 3 em 3 dias) e patrulhamentos nos arredores.  

De acordo com o poste anterior, ele  tinha saído em coluna auto,  para uma missão na região do Cacheu, de que foi desviado, para o Olossato, ao chegar a Mansoa, por ordem do QG (**): 

(...) "O pelotão para aí destacado, não conseguia não só defender o povoado, como até impedir que o inimigo, encurralando-o de metralhadoras apontadas a cada porta do edifício do quartel, um antigo celeiro de amendoim rodeado de arame farpado a distância conveniente, se passeasse impunemente na aldeia, entrando nos dois estabelecimentos comerciais existentes, abastecendo-se do que bem entendia, em troca de requisições supostamente válidas, após ganha a guerra e exercendo junto da população civil branca ou africana as mais variadas formas de propaganda e intimidação.

"Após confirmar por rádio para o QG as ordens que acabara de receber, desviou a marcha no sentido da povoação de 
O[lossato] , entrando na região onde a guerrilha tinha começado a atuar recentemente e era constituída por um polígono com cerca de 120 kms de comprimento na sua maior dimensão e oitenta na outra , cuja principal estrada, que o atravessava em diagonal, estava obstruída por árvores derrubadas assim como todos os pontões e pequenas pontes já destruídas que atravessavam as linhas de água, que eram muitas em todo o território por ser este a foz dum rio importante, que se dividia por grandes e pequenos canais que se ligavam e entrelaçavam entre si." (...)

Portanto, quando chegou ao Olossato, com o seu pelotão, a "guerra subversiva" tinha começado na região do Oio. Estava-se já na época das chuvas. (E na sua terra, Lourinhã, estava-se em plena época balnear.) É uma narrativa, quase telegráfica, incisiva, "pura e dura", que me faz lembrar as crónicas do "Tarrafo",  o livro de 1965, do Armor Pires Mota, que também andou por aqueles lados (sector de Farim), além de ter estado na Ilha do Como (Op Tridente).



Guiné > Região do Oio > Carta de Farim (1954) > Escala 1/50 mil) > Pormenor: localização de Saliquinhedim / K3, entre o Olossato e Farim. (Não confundir com o verdadeiro Olossato, que fica a sudoeste de Farim, e que está localizado na carta de Binta.)



Guiné > Carta da Província (1961) (Escal: 1/500 mil) > Posição relativa do Olossato, em pleno coração da região do Oio... Do Olossato a K3 / Saliquinhedim eram c. 20 km por estrada. (A o
cupação de Saliquinhedim ao Km 3 da estrada Farim-Mansabá foi feitta pela  CCaç 1421 no final do ano de 1965.)

Infografias:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)



Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) 

Parte II:   15 minutos, de ferro e fogo, no K3, em meados de 1963



Durante as sestas, depois do almoço , o sono era calmo e repousado. Mas agora era noite e não conseguia dormir.

− Eles aí estão,  meu Alferes!!!

Choviam tiros por todo o lado. As metralhadoras dos postos principais matraqueavam o mais que podiam à medida que aumentavam os pec-bum dos disparos contrários.

Pegou numa granada de mão e, curvado, correu para o posto mais próximo.

 
Deixem-nos vir!!!

As metralhadoras calaram-se. As palmeiras suavam humidade, indiferentes aos homens e aos ruídos da noite.

Ouviam-se rebentamentos ao longe.

  Estão a estoirar com os acessos!!!

Tinham medo que alguma ajuda fosse pedida, mas não corriam esse risco. À noite o teto de nuvens era tão baixo que o rádio só emitia ruídos.

Chamou o furriel mais próximo.

 
− Não quero mais tiros! Deixem-nos chegar à vedação e depois acendam as luzes exteriores e abram fogo de novo. Por cada tiro quero um homem ferido ou morto! Se se vão embora sem "levar na tromba",  amanhã estão cá de novo!

No dia seguinte:

− Encontrámos alguns rastos de sangue.

− Quantos?

− Quatro.

− Já não foi mau.

O sol a pique aquecia a humidade excessiva, para que as plantas vivessem prósperas, numa inundação de verdura que era preciso destruir diariamente, à volta do celeiro de amendoim, único edifício do aquartelamento.

Durante o dia, a carne dos homens ficava mole. Ainda bem que só havia ataques à noite.

Era a hora do rancho. Os quinze homens do pelotão desfalcado, os nove da secção que o reforçava e os quatro condutores juntaram-se à volta das panelas fumegantes na cozinha de campanha instalada ao fundo do edifício, para receberem a sua ração e irem em seguida para a mesa de refeições, num compartimento separado por divisórias de esteira com 2 metros de altura como todos os outros que formavam as instalações do pelotão.

O impedido aproximou-se:

−  Meu Alferes, o jantar está pronto.

Trazia-lhe a amostra: sopa de feijão, batatas com bacalhau, bolachas, café instantâneo e vinho.

Provou e disse:

 Está bom.

Sentado com os três furriéis à volta duma mesa de caixotes, aguardava em silêncio que o impedido lhe trouxesse a refeição, a pensar que o tempo nunca mais passava. 

Tinha tido 26 meses de serviço militar na metrópole e já estava em África havia oito meses.

O operador rádio trouxe-lhe uma mensagem cifrada do pelotão do alferes que comandava uma guarnição a Norte, a guarnição de B
 [Bigene],  que havia pouco tempo ali tinha estado a contar-lhe do almoço com o comandante da lancha patrulha do rio C[acheu]

Tinha-lhe dito que esse comandante era uma óptima pessoa, uma vez que,  mesmo sem o conhecer, tinha atracado a lancha no cais e convidara-o para um excelente almoço. 

Não lhe apeteceu dizer que aquele almoço se destinava a ele, conforme tinha sido previamente combinado mas não tivera oportunidade de informar o comandante da lancha do desvio que lhe fora imposto e da alteração das instruções do quartel-general.

Na referida mensagem indicava-se em pormenor todo o percurso dos guerrilheiros treinados num campo junto à fronteira do S
 [enegal]. que passavam na região Norte, atravessavam no rio junto à povoação de
K[3],  onde recebiam apoio logístico e seguiam depois por um trilho a corta-mato até à estrada que passava a alguns km do seu aquartelamento, entrando depois na zona que o inimigo pretendia dominar, lutando por ocupar e controlar um território que lhe parecia estrategicamente propício.

Depois do café disse aos furriéis :

− Vamos arrasar o 
K[3].

− Fica a 30 kms.

 Por isso não nos esperam.

Levantou-se da mesa e foi fumar um cigarro sentado do lado de fora do edifício. Não havia vento. O calor continuava a encharcar-lhe o corpo. Tinha anoitecido. As estrelas mal se descortinavam por entre a humidade do ar. Devia ser aí que habitavam as coisas certas e decentes. Dentro em pouco viria mais uma das repentinas trovoadas da época, a descarregar água por todo o lado, a inundar tudo.

Já deitado, pensava que com alguma sorte a operação correria bem. O 
K[3] era a passagem obrigatória dos abastecimentos e dos homens do inimigo, treinados junto à fronteira, que diariamente reforçavam os efectivos da região. Ali se devia esconder todo o apoio necessário à travessia do rio: canoas e barcos de borracha,  como dizia a mensagem cifrada. Nas palhotas da aldeia próxima, ouvia-se o choro de crianças assustadas.

***

Eram 4 horas da manhã. O sargento de ronda que o antecedia, foi acordá-lo:

− Meu alferes, está na hora.

Levantou-se cheio de sono, e acendeu um cigarro que apagou depois de saborear algumas fumaças com força. Deu a volta a todos os postos e parou por fim no último.

− Tudo bem?!

 
− Tudo bem, meu alferes.

Para lá do arame farpado pouco se via além do reflexo das poças de água onde centenas de rãs coaxavam no silêncio da noite. Sentou-se ao lado da sentinela a sacudir os mosquitos que lhe mordiam o corpo por cima do fato de combate.

Já no seu compartimento, estendeu-se na cama à espera do café.

Pensava nas praias da sua terra, naquela altura cheias de gente e sol e paz. Deu-lhe vontade de rir o facto da vida poder ser tão diferente.

O rádio, em escuta, fazia a zoada do costume. Ouviu o ruído dos homens a acordar e foi até à cozinha.

 Quer provar o café,  meu alferes?

 Não, obrigado.

Depois de comer chamou os 4 furriéis ao seu compartimento. Apontou um deles e disse:

 Você entra comigo no centro da aldeia.

Apontando outro disse:

 Você fica no aquartelamento.

Apontando os dois restantes disse:

 
− Vocês entram à direita e à esquerda. 100 balas a cada homem, quatro granadas de mão, uma ração de combate. Levantar às zero horas, partida à uma. Caras sujas com rolha queimada.

Apontou no mapa e disse:

 Seguimos por aqui a corta-mato durante cerca de 20 kms até onde se situa a estrada que conduz ao 
K[3].. Nesta altura estamos a 2 kms do objectivo. Seguimos a pé. Os carros estacionam escondidos. Os motoristas aguardam no máximo 8 horas pelo nosso regresso. Se não regressarmos ao fim desse tempo, voltam para o aquartelamento pela estrada. Se forem descobertos ou tiverem suspeitas disso regressam também de imediato. Se mandar retirar e dispersar, o local de reunião será sempre junto do estacionamento das viaturas mesmo depois destas terem partido. O ataque não pode demorar mais do que 15 minutos. Ao fim desse tempo retiramos à minha ordem. Se houver algum tiro prévio que nos denuncie, abandonamos o objetivo, dispersamos e retiramos para o ponto de reunião sem atacar. Vamos entrar de Este para Oeste,  destruindo tudo o que for útil ao apoio do inimigo.

Apontou um furriel e continuou :

 − O Furriel J, da 1ª secção que entra pela esquerda, vai passar no rio e com granadas de mão o seu pessoal, destrói todas as canoas assim como qualquer outro tipo de embarcação. A segunda secção dá-lhe apoio. Hoje à tarde quem não estiver de serviço deita-se e procura dormir. Podem retirar-se.   [...]

 Na madrugada seguinte, á saída da povoação  [do Olossato],  entraram no mato. As viaturas, ligadas entre si por correntes, roncavam no trilho enlameado estreito demais para elas. A vegetação rompia as capotas. Os homens seguiam em silêncio. O domínio do medo torcia-lhes as caras pintadas. De quando em quando era necessário que os guias indígenas procurassem melhores trilhos explorando o caminho mais à frente. e, em cada uma destas paragens, os soldados saltavam e escondiam-se no mato. Os motores ferviam. 

Ao fim de 3 horas, encontraram a estrada que levava a K[3]. Esconderam as viaturas e dentro em pouco os gritos da floresta tornaram-se normais. Caminhavam curvados, a um e outro lado da estrada em fila indiana, em silêncio. Parecia participarem num jogo de segredos fora do tempo, em que jogavam a vida.

A humidade diluía o suor, tornando-lhes o corpo peganhento, as roupas pesadas, repulsivas, a cara negra com riscas brancas. Pousavam os pés no chão com todo o cuidado, e investigavam com os olhos, reflexos e sombras. Sabiam bem o que os podia denunciar. 

Há mais de 1 ano que andavam metidos naquelas andanças. Agora davam mais importância  vida, porque a morte, na guerra é sempre uma derrota.

 [Ele, o alf Carvalho], seguia à frente com os guias. Em cada curva do caminho levava dois homens e avançava algumas dezenas de metros. Só depois o resto do pelotão avançava.

A terra exalava humidade e calor. Os mosquitos não os largavam há muito. Zumbido enlouquecedor,  ávido de sangue quente.

Perto da aldeia, abandonaram a estrada e redobraram as cautelas. O céu, com rasgos de luz menos escura, anunciava os sons da manhã.

Progrediam agora a dois e dois, de abrigo em abrigo. A alguns metros das primeiras cubatas, sentada no chão e encostada a um tronco velho, a primeira sentinela dormitava. Foi engolida em silêncio pelas facas de dois soldados.

Alguns cães ladraram. Farejavam sarilho. Rebentou a primeira granada. Daí em diante foram sombras vertiginosas, respirações de morte, ferro e fogo, gritos, ferro e fogo, confusão, instantes infernais, ferro e fogo, palavrões, guinchos, ferro e fogo, gemidos, correrias, aflições, ferro e fogo, e cubatas a arder reflectidas na água mole e suja do rio e tiros, tiros e explosões.

Veio depois o silêncio da retirada dispersa e rápida, corrida louca para o ponto de encontro junto das viaturas, com tiros ocasionais a persegui-los. Contou os homens já com os motores em marcha. Estavam todos. Regressaram.

***

Levantou-se. Tomou o pequeno almoço e foi passear pela povoação.

 
− Bum dia, noss' alfero.

As poucas casas dispostas dos dois lados da estrada faziam-lhe lembrar a aldeia onde tinha nascido.

O inimigo lutava o mais que podia para arranjar simpatizantes e para isso não molestava a população civil,  branca ou negra. Só em ultimo caso empregava a força.

Homens e mulheres faziam a sua vida de todos os dias como se nada houvesse, mas,  por de trás dos olhos de cada um, lá estava o terror, a duvida, a ansiedade, a insegurança da hora seguinte. Os nervos tensos à espera do mínimo sinal para fugir, recolher ao abrigo possível.

Depois da sesta da tarde, verificou a situação de todas as medidas defensivas instaladas. Esperava uma represália. Passou o resto da tarde a estudar a forma de melhorar as defesas existentes e implementar métodos de ataque em situação de fogo como sair do aquartelamento através de trincheiras etc.

A noite adivinhava-se pesada, escura, trovejante, desagradável. São estas noites que escondem medos e vergonhas, disfarces e desumanidades. Mas não são noites de guerra, porque a falta de claridade dificulta os movimentos.

Pensava em tudo isto depois de dar ordem de prevenção, e se encostar solitário junto ao abrigo duma sentinela.

Estava tudo a postos para mais um jogo de morte.

O pequeno Unimog blindado com chapas de bidão endireitadas, tinha a traseira encostada à porta principal do celeiro de amendoim que servia de aquartelamento. 

Junto a esta porta, o piso do edifício era sobrelevado em relação ao chão cerca de 1,2 metros, a fim de permitir o carregamento fácil dos camions de transporte que em tempo aí se abasteciam.

A corda amarrada ao “cavalo” de arame farpado que na vedação servia de porta, estava estendida no terreiro e entrava no interior do edifício de modo a que daqui, puxando-a,  se desobstruísse a entrada e o Unimog pudesse sair.

As metralhadoras das duas portas foram abastecidas com mais caixas de munições. Os dois morteiros, um atrás e outro à frente,  entrincheirados também.

Fora enviado para ali porque o destacamento anterior tinha sido várias vezes encurralado no aquartelamento com fogo cruzado inimigo que,  após enfiar uma metralhadora a cada porta, se passeava no povoado abastecendo-se nos estabelecimentos existentes, a troco de improvisadas requisições supostamente válidas, alardeando o seu poder e exibindo a sua melhor propaganda.

Tinha esperança de que com o seu pelotão isso nunca acontecesse.

Todas as máquinas de guerra do destacamento luziam limpas e oleadas, possivelmente satisfeitas por poderem vomitar fogo tão frequentemente. Tinham-nas feito para isso.

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto, itálicos e negritos, parênteses retos: LG)
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de  
26 de junho de  2024 > Guiné 61/74 - P25684: Tabanca Grande (560): José Álvaro Almeida de Carvalho, ex-alf mil art, Pel Art / BAC, obus 8.8 m/943 (1963/65) , adido 14 meses ao BCAÇ 619 (Catió, 1964/66): senta-se no lugar nº 890, à sombra do nosso poilão

23 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

É uma situação deveras caricata, aquela que o alferes Carvalho foi encontrar no Olossato, meia dúzia de militares, uma secção, encurralados num armazém de mancarra, mantidos à distância, sem poder ripostar, por duas metralhadoras do IN, enquanto os tipos do PAIGC iam "abastecer-se" nas lojas locais, à conta do imposto revolucionário...

Olossato tinha chefe de posto, pertencendo à circunscrição de Bissorã... Quem seria os dois comerciantes que lá estavam ? E de quem era o armazém de mancarra ? A malta nossa que passou por lá, nos anos seguintes, é capaz de poder responder...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Sabemos que só no último trimestre de 1965 (!) foi ocupada, pelas NT (CCaç 1421), a tabanca Saliquinhedim "ao Km 3 da estrada Farim-Mansabá"... Em 1 de julho de 1966, a CCAÇ 1421 (menos 1 pelotão) estava em Mansabá, e a CCAÇ 1422 em Saliquinhedim (que ficou sempre conhecida, popularmente, por K3, de resto muito mais fácil de dizer que o arrevezsado topónmo Saliquinhedim).

O nosso cmarada Ernesto Duarte era fur mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67... Talvez nos possa contar como essa ocupação... Tem uma série que merece ser revisitada. "Memórias de Mansabá":

23 DE ABRIL DE 2014
Guiné 63/74 - P13027: Memórias de Mansabá (31): Com o tempo interiorizámos três ou quatro coisas: (i) que tínhamos sempre medo; (ii) que de dentro do mato era muito difícil disparar um LGFog ou até um morteiro; e (iii) depois do primeiro tiro tínhamos a ideia que conseguíamos controlar as coisas (Ernesto Duarte, ex-fur mil, CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67)


https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2014/04/guine-6374-p13027-memorias-de-mansaba.html

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Sabemos que só no último trimestre de 1965 (!) foi ocupada, pelas NT (CCaç 1421), a tabanca Saliquinhedim "ao Km 3 da estrada Farim-Mansabá"...

Em 1 de julho de 1966, a CCAÇ 1421 (menos 1 pelotão) estava em Mansabá, e a CCAÇ 1422 em Saliquinhedim (que ficou sempre conhecida, popularmente, por K3, de resto muito mais fácil de dizer que o arrevesado topónimo Saliquinhedim).

O nosso cmarada Ernesto Duarte era fur mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857 (Mansabá, 1965/67)... Talvez ela nos possa contar como fo essa ocupação... Tem uma série que merece ser revisitada. "Memórias de Mansabá":

23 DE ABRIL DE 2014
Guiné 63/74 - P13027: Memórias de Mansabá (31): Com o tempo interiorizámos três ou quatro coisas: (i) que tínhamos sempre medo; (ii) que de dentro do mato era muito difícil disparar um LGFog ou até um morteiro; e (iii) depois do primeiro tiro tínhamos a ideia que conseguíamos controlar as coisas (Ernesto Duarte, ex-fur mil, CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2014/04/guine-6374-p13027-memorias-de-mansaba.html

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Sabemos que só no último trimestre de 1965 (!) foi ocupada, pelas NT (CCaç 1421), a tabanca Saliquinhedim "ao Km 3 da estrada Farim-Mansabá"... Em 1 de julho de 1966, a CCAÇ 1421 (menos 1 pelotão) estava em Mansabá, e a CCAÇ 1422 em Saliquinhedim (que ficou sempre conhecida, popularmente, por K3, de resto muito mais fácil de dizer que o arrevezsado topónmo Saliquinhedim).

O nosso cmarada Ernesto Duarte era fur mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67... Talvez nos possa contar como essa ocupação... Tem uma série que merece ser revisitada. "Memórias de Mansabá":

Guiné 63/74 - P13027: Memórias de Mansabá (31): Com o tempo interiorizámos três ou quatro coisas: (i) que tínhamos sempre medo; (ii) que de dentro do mato era muito difícil disparar um LGFog ou até um morteiro; e (iii) depois do primeiro tiro tínhamos a ideia que conseguíamos controlar as coisas (Ernesto Duarte, ex-fur mil, CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67)

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

A narrativa do presente Poste, na minha opiniao, deve ser lida com muitas reservas, pois assemelha-se muito ao tipo de "bravatas", deveras frequentes nas historias dos legionarios dos anos 60 que vinham para a Guine com expectativas que, depois se provaram serem infundadas, de acabar rapidamente com a guerrilha de rebeldes pes descalcos e mal armados, exatamente, como acontecia em finais do seculo XIX e inicios do seculo XX, nos idos tempos do Cap. Teixeira Pinto.

Embora a distancia e a descricao do terreno possa corresponder, tenho dificuldades em aceitar que o 'K' do autor corresponda a K3 ou Saliquinhedim, pois olhando o mapa do territorio, nao se vislumbra nenhum outro rio que nao seja o rio Farim que, nesse caso estaria mesmo defronte da cidade de Farim o que nao somente seria muito ousado, mas tambem contraprudecente da parte da guerrilha e precisamente na parte mais larga e perigosa do rio Farim, servindo de travessia de homens vindos da fronteira do Senegal, como assim... ?

Ainda, o Alferes da companhia fala de uma asneira sem se desconfiar da natureza desprezivel de um provavel crime por abuso de autoridade "Era meio dia. O sol torrava. Uma rapariga com um cesto de roupa lavada, entrou, fechou a porta, tirou a roupa, e deitou-se na cama. Estava incluído no preço”.

Este Alferes, certamente, nem sabe que Olossato e arredores, povoado por orgulhosos mandingas soninques, metade animistas e metade muculmanos, fazia parte de uma regiao que historicamente sempre foi um bastiao de resistencia e de revolta anticolonial na Guine e com uma indescritivel aversao a tudo que representava a convivencia com a cultura e a pratica coloniais da epoca. ‘Estava incluido no preco”, diz ele. Estou sem palavras.


Cordialmente,

Cherno Balde

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Sim, esta posição, K, seria uma tabanca mais a norte, na margem esquerda do rio Cacheu/Farim, local de cambança do PAIGC, naquela época...

(...) "Na referida mensagem indicava-se em pormenor todo o percurso dos guerrilheiros treinados num campo junto à fronteira do S [enegal], que passavam na região Norte, atravessavam no rio junto à povoação de K[3], onde recebiam apoio logístico e seguiam depois por um trilho a corta-mato até à estrada que passava a alguns km do seu aquartelamento, entrando depois na zona que o inimigo pretendia dominar, lutando por ocupar e controlar um território que lhe parecia estrategicamente propício." (...)

O objetivo do PAIGC na altura é criação da base central do Morés e o domínio da região (estratégica) do Oio... O que iria conseguir...


Tabanca Grande Luís Graça disse...

Esta tabanca, identificada como K, cuja população colaborava com o PAIGC, devia ser 2 km a norte de Saliquinhedim / K3...

(...) "Seguimos por aqui a corta-mato[, paralelanente à estrada Olossato - Farim,] durante cerca de 20 kms até onde se situa a estrada que conduz ao K[3].. Nesta altura estamos a 2 kms do objectivo. Seguimos a pé. Os carros estacionam escondidos." (...)

(...) "O Furriel J, da 1ª secção que entra pela esquerda, vai passar no rio e com granadas de mão o seu pessoal, destrói todas as canoas assim como qualquer outro tipo de embarcação" (...)

No relatório que elaborou, o alf Carvalho escreveu (ver próximo poste):

(...) "Há 3 dias sofremos uma flagelação, no seguimento da qual foi efetuado um reconhecimento à volta da povoação. Encontraram-se rastos de sangue.

O informador B comunicou que continuam a passar grandes quantidades de abastecimentos e homens em K3 nas margens do rio C[acheu].

Apesar das ordens recebidas para não nos afastarmos da povoação mais do que o indispensável para não por em risco a sua segurança, porque julgo que uma secção do destacamento a consegue defender durante algumas horas, decidi atacar K , como acção de flagelação ao inimigo, semelhante a algumas que já temos efectuado, ainda que mais perto.

Partimos às 0 horas da madrugada do dia... com 3 viaturas pesadas e 1 ligeira. Além do equipamento habitual, levámos 1 metralhadora e 1 lança-roquetes. Às 4 horas encontrámos a estrada principal que liga M[ansabá] a K. Deixámos os carros escondidos e avançámos a pé.

O ataque foi iniciado por volta das 6 horas, tendo terminado 15 minutos depois. Foram confirmadas 4 baixas inimigas e recolhidas as respectivas armas. Destruímos 10 canoas, 2 barcos de borracha e 1 depósito com munições e abastecimentos. Chegámos ao aquartelamento por volta das 11 horas do mesmo dia." (...)


Tabanca Grande Luís Graça disse...

O início na guerra do Oio terá "surpreendido" as autoridades militares portuguesas:

(i) 30/6/1963: inutilizada a janhad de Barro, no rio Cacheu (fazia a ligação Bissorã-Barro):

(ii) 1/7/1963:; alvejadas viaturas das NT na margem direita (norte) do R Cacheum entre Binta e Farim:

(iii) 2/7/1963: tentivas de destruição, com explosivos de pontes e pontões nas estradas Olossato-Farim, Olossato-Mansabá, Mansoa-Nhacra; emboscada na estrada Mansoa-Bissorã, fazendo 5 feridos entre as NT;

(iv) 4/7/1963: ataque a Binar e Olossato: em BInar mataram o régulo e raptaram o chefe de posto administrativo:; no Olossato saquearam as lojas comerciais (que ficavam maid afastadas do armazém de mancara que servia de "quartel" à diminuta guarnição local);

(v) 6/7/1963: embosaca a força militar de Mansabá, n regresso de patrulha ao Morés;

(vii) 12/13 de julho de 1963: destruição de vários pontões na estrada Olossato - Mansabá

(viii) 18/7/1963: ataque Encheia (que não tinha qualquer guarnição militar)...

É o alferes Carvalho deve ter ido para o Olossato nesta altura, com o seu "pelotão de intervenção"...

Eduardo Estrela disse...

"estava incluído no preço"

Forma abjecta e desprezível de mencionar o relacionamento com uma bajuda da época.
Aproveitamento indecoroso de quem tudo precisava.
Um alferes do exército português??
Não!!
Alguém que extravasava a autoridade do posto militar que detinha e amesquinha os outros.
Estou como o Cherno!!
Sem palavras.
Eduardo Estrela

Anónimo disse...

Caros amigos,

Sempre que alguém tenta falar dos abusos e atropelos dos soldados portugueses no decurso da guerra na Guiné são muitos os que se fazem de advogados do diabo e defebdem tudo e todos, mas perante uma prova factual que o proprio praticante confessou, por escrito e, sendo ainda um oficial do exército português, todos preferiram assobiar para o lado e ninguém diz nada, salvo o Eduardo Estrela. Estou sem palavras. O Alfero Cabral já foi para a outra dimensão, mas onde está o Paulo Salgado, o Luis Graça, o Carlos Vinhal e outros defensores das virgens inocentes, a honra do inofensivo e digno soldado português do seculo passado ?!?...

Cherno Baldé

Eduardo Estrela disse...

Cherno do Cambaju do Fajonquito de Bissau, de Kiev, de Lisboa e do mundo, estamos ambos sem palavras.
Eu que sou de Cacela e de Cuntima, que larguei nos bolanhas e nos matos da Guiné a pele e a alma, sempre no respeito das pessoas que nasceram na terra vermelha não consigo ser suficientemente perspicaz para entender os silêncios que escutamos.
Abraço fraterno
Eduardo Estrela

Anónimo disse...

JOão Moreira (by email)
sexta, 12/07/2024, 15:42
Boa tarde Luís.

Agradeço o envio do "post" nº P25737, que vem relembrar os 14 meses da minha estadia no Olossato.

Desejo que a tua família e tu estejam de saúde.

Abraço.João Moreira

Anónimo disse...


João G. Sacôto (by email)
14 jul 2024 18:50

Caro Luis, boa tarde.

EU e o artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65), O “CARVALHINHO”, vivemos de 64 a 65 em Catió. Ele era um óptimo fadista e fazia lembrar o velho fadista “Marceneiro”.

Falei agora com outro alferes da minha CC 617 em Catió, o Gonçalves que também se lembra e com saudade das horas passadas a ouvir o inesquecível “Carvalhinho”.

Um forte braço para todos, em particular para o Carvalhinho.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cherno Baldé e Eduardo Estrela:

Foi interpelado nos v/ comentários sobre este poste P25737. Parece que o meu "silêncio" está a causar algum mal-estar. Entendo a vossa indignação. Mas eu não posso asssunir o papel de defensor da honra e da moral dos combatentes (de um lado ou do outro).

Além disso, eu fui o editor do poste, e na altura podia muito bem ter eliminado o excerto em questão (e em qualquer altura posso eliminá-lo): "Era meio dia. O sol torrava. Uma rapariga com um cesto de roupa lavada, entrou, fechou a porta, tirou a roupa, e deitou-se na cama. Estava incluído no preço."

Não retirei (nem eliinei), porque entendi (e entendo) que não tinha (nem tenho) esse direito. Sou escritor e defendo a liberdade de expressão. Fui jornalista e também conheci os execráveis censores do lápis azul...que cortaram, por exemplo, ao insuspeito Armor Pires Mota (autor do notável "Tarrafo", 1965) paragráfos tão "inocentes" como este: "Mas o certo é que vão ficando noivas por casar e famílias de luto" (pág. 132(.

Por outro lado, uma das nossas regras de ouro é: "a recusa da tentação de julgar (e muito menos de criminalizar) os comportamentos dos combatentes, de um lado e de outro"... Sei que não podemos ter dois pesos e duas medidas... E que estas situações têm o seu melindre... Não estou a "encobrir ninguém", até fiz questão de pôr esse parágrafo a negrito, para que pudesse ser discutido e criticado, como o foi, para já por vocês os dois, que eu muito estimo e respeito...

Eu é que não posso, à partida, censurar os textos que me chegam para editar, a não ser que violem, pública, notória, flagrantemente, as nossas regras editoriais: por exemplo, a defesa do ódio, do racismo, da xenofobia, da misoginia, da violação, da tortura, etc.

No dia em que eu (ou os outros editores) o fizer, o blogue acaba... Temos de ter a coragem,a frontalidade, a abertura de espírito e a capacidade crítica para saber ler (e contextualizar) o que os nossos camaradas aqui escrevem. Não é fácil, por exemplo, ler a série "O segredo de...". pensada em termos de "confessionário"... (Algumas "confissões" deram, infelizmente, acesa polémica...)

Os textos (ou os excertos) que tenho vindo aqui publicar, do José Álvaro Carvalho, com a sua autorização, fazem parte de uma "obra literária" (!)... Tão legítima como as obrs de escritores famosos como o António Lobo Antunes ou o José Saramago...

O parágrafo em questão está publicado também em papel no "Livro de C" (Chiado Books,Lisboa, 2019, pág. 54), e de que eu tenho um exemplar autografado. Mas estou a recorrer uma versão posterior, em formato digital, aumentada,corrigida e melhorada, pensada pelo escritor para uma eventual 2ª edição. Das setecentas e tal páginas eu estou a reproduzir umas escassas dezenas, centradas em "memórias literárias da guerra"...

Temos que saber dissociar o escritor José Álvaro Almeida de Carvalho do ex-alf mil José Álvaro Carvalho ou "Carvalhinho"... Se náo estamos lixados, ninguém mais aqui publica memórias nenhumas da p... da guerra colonial.

Com um abraço amigo do Luís Graça.

Anónimo disse...


Paulo Cordeiro Salgado (by amil)
14 jul 2024 19:31

Caros Camaradas do Blogue,
Caro Luís Graça,

Quero afirmar-vos de forma clara que o Olossato ficou gravado nas memórias deste vosso camarada, a tal ponto que a minha trilogia "Guiné - Crónica de Guerra e Amor", "Milando ou Andanças por África" e "Margens - Vivências de Guerra" se refere abundante e marcadamente a esta tabanca/aquartelamento e às suas gentes. Livros de memórias e de regressos. Tive oportunidade de adaptar uma das crónicas - "Liberdade" para ser encenado e foi-o pela minha mulher que conheceu o Olossato...

Na verdade, vinte anos depois de ter estado na guerra, fui cooperante na área da saúde, tendo visitado o Olossato mais de vinte vezes, acompanhado pela minha mulher e, uma das vezes, com o Moura Marque, um cabo do meu pelotão. Olossato - a Sintra da Guiné - como o meu querido Amigo e grande escritor Beja Santos apelidou.

O Povo da Guiné é solidário, dele recebi as melhores amizades. Bem precisava de boa governação...

Ficou gravado na memória e ficará no futuro de muitos de nós o Povo da Guiné.

Uma saudação bloguista.

Paulo Salgado

Hélder Valério disse...

Caros camaradas

Não será desajustado dizer que aqui há muita razão nos comentários, críticas e desabafos.
A indignação do Cherno e do Eduardo é justa.
A crítica à falta de pronunciamento à frase em causa e ao que lhe é subjacente, também é justa.
O que o Luís escreve em defesa da publicação do artigo, incluindo a frase da polémica é igualmente justa, segundo o meu entendimento.

Na verdade não se pode dizer que TODOS os elementos ditos "metropolitanos" foram incorretos, insultuosos, abusadores, do mesmo modo que também não se pode dizer que TODOS foram uns anjinhos, uns perfeitos exemplos se bons modos.
E não estou a falar de "atos de guerra" pois bem sabemos como essas situações extremam os comportamentos e também bem sabemos como "do outro lado" se comportaram nesses casos.
Refiro-me concretamente no relacionamento com as populações.

Claro que podia dizer que as ações ficam para quem as praticam mas também nada impede que, mesmo sem fazer "juízos de valor" sobre as pessoas em concreto, se possa criticar os conceitos e, principalmente, os preconceitos que, por aqui e por ali, por este e por aquele, foram tomadas.

No caso vertente, para a frase em causa, julgo que o que é mais censurável é o facto de tudo aquilo parecer "natural", ser assim a generalidade das situações, estar "incluído no preço", mas, embora não tivesse estado "em todo o lado o tempo todo" não tenho essa ideia.

Hélder Sousa

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Embora nunca tenha usado uniforme e seja mais novo do que a maioria de voces, eu aceitei, de boa fe, integrar este Blogue de antigos combatentes irmanados pelo passado da guerra da Guine, acreditando que estou entre pesoas de bem, pessoas que viveram o suficiente e sofreram muito nas suas vidas e que, de livre arbitrio, nao aceitam a injustica, o abuso e a arbitrariedade sob todas as suas formas e inclusive condenam as manifestacoes de preconceitos injustificados e recusam a utilizacao da linguagem inadequada em quaisquer circunstancias.

No dia em que, comprovadamente, chegar a conclusao que estes principios e atitudes humanas nao estao reunidos nas publicoes e comentarios do Blogue da TG, entao tera chegado o momento de deixar de colaborar e/ou participar nele, o que seria muito triste da minha parte porque, apesar de tudo, eu sempre me senti muito bem aceite e integrado neste espaco de interacao e troca de experiencias sobre a guine e suas gentes.

Digo muito obrigado aos veteranos, Eduardo Estrela Helder Valerio que, por hoje e por um triz, me dissuadiram de pronunciar as palavras do Adeus ao Blogue, conforme ja era minha decisao de ontem para hoje.

E dizer que lamento muito as palavras que ouvi da parte do Editor Principal do Blogue, o meu amigo e irmao Luis Graca, pois nao era isso que esperava ouvir dele, um discurso quase "neofascista" e uma justificacao bem lamentavel muito parecida com o que, recentemente foi dito na ANP, na voz do seu novo Presidente, Sr. Jose Pedro Aguiar Branco referindo-se ao inqualificavel e preconceituoso discurso do Presidente do partido da extrema direita (Chega) em relacao a Turquia e aos cidados Turcos.

Por esta nao esperava do LG, mas acontece. Todavia, nao precisamos ser muito sabios ou inteligentes para diferenciar o bem do mal, o correcto do incorrecto, presume-se, mesmo se hoje em dia tudo esta em aguas de bacalhau, como se costuma dizer la nas terras da dona maria. Nem tudo se pode justificar em nome da liberdade de expressao, e a literatura e um oficio nobre para gente nobre, pelo menos e o que se espera dela.

Nota: Estou a escrever com teclado ingles que nao permite acentuacoes, pelo que apsresento minhas desculpas pelo facto.

Um abraco amigo,

Cherno Balde

Eduardo Estrela disse...

Obrigado Cherno!
A tua decisão de continuares connosco só engrandece o blogue.
É importante manter a âncora da tua cultura e sabedoria de modo a podermos continuar a beber dos teus ensinamentos.
Mantenhas
Eduardo Estrela

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Pensando bem, o famigerado parágrafo está a mais, não acrescenta nem adianta nada em relação às nossas memórias do Olossato, e muito menos à sequência da narrativa do autor.

Ponderei os vários comentários. Obrigado a todos. Ajudaram-me a decidir. Temos que nos sentir todos confortáveis aqui, neste blogue, que não é nenhum portal de literatura, é um lugar de partilha de memórias (e de afetos). E que tem regras, princípios, valores... Regras que, afinal, são sobretudo as do "bom senso e bom gosto"...

Temos alguma experiência, nestes vinte anos, de debates onde é difícil chegar a conclusões consensuais... Há temas (ditos "fracturantes") onde há uma carga emocional e/ou ideológica muito forte. Temos de saber de lidar com eles com inteligência, sabedoria, ponderação, equilíbrio... Os editores têm de estar mais atentos a textos e comentários que podem estar "minados e armadilhados"... E é bom lembrar que o exercício da liberdade de expressão, no nosso blogue, também está condicionado pelo nosso "livro de estilo": editores, autores, comentadores não podem dizer tudo o que lhes apetece, ou que lhes dá na real gana...

O consenso é muito importante (e não é fácil de obter): valorizo-o muito. Não é a mesma coisa que unanimidade (impossível entre grupos, ou até entre duas pessoas). Não gosto da unanimidade, mas bato-me pelo consenso, pedra de toque das nossas sociedades abertas, democráticas. Só nas sociedades totalitárias, à esquerda ou à direita, é que existe "unanimidade", falsa unanimidade, imposta pela repressão, pela propapanda, pelo terror...

Neste blogue temos que valorizar sobretudo as nossas experiências e vivências pessoais, e não tanto as nossas crenças e opiniões. É isso que o torna único. Deixem-me lembrar uma das melhores máximas do nosso "proverbiário": "Na Tabanca Grande cabemos cá todos com o tudo o que nos une, e até com o que nos pode separar"... enquanto "amigos e camaradas da Guiné" (que é isso que está em causa, e é esse o nosso "core business").

Um alfabravo para todos. Luís

Carlos Vinhal disse...

Fiquei deveras admirado de ver aqui o meu nome citado como defensor de virgens inocentes.
Abstenho-me de mais comentários.
Carlos Vinhal

Carlos Vinhal disse...

Discordo da opinião do Luís quanto à liberdade de expressão, quando tomada abusivamente por, escritores, jornalistas, políticos e outros comunicadores, que ao abrigo de não sei que estatuto superior, podem dizer o que lhes dá na real gana. Quando nos baseamos em factos e/ou pessoas reais, temos o dever de preservar a moral individual e/ou colectiva. No acto de escrever não vale tudo por muito que custe a estes seres superiores.
Carlos Vinhal

Anónimo disse...


Caros amigos,

Falando e que a gente se entende, da minha parte este lamentavel incidente "estava incluido no preco" que eu acredito nao passar de palavras ocas de um oficial que nao merecia os galoes que ostentava, esta ultrapassado.

O mundo e pequeno, mas para que a nossa Tabanca seja verdadeiramente Grande deve respeitar seus principios basilares inscritos no seu registo de nascimento, ou seja, na base do respeito da humanidade de todos (e de todas) e na justica universal, sem mais.

Cordialmente,

Cherno AB

Anónimo disse...

Caros combatentes:
Só ontem li, no tlm, apressadamente, esta publicação que está a suscitar alguma polémica e a causar até alguma indignação, mas só hoje pude reler, com mais disponibilidade, no computador,
tudo em pormenor, incluindo os comentários. Sobre : "fechou aporta, tirou a roupa, e deitou-se na cama" e o remate desumano, justificado só por pura afirmação de supremacia: " Estava incluído no preço". Esta última frase torna tóxica esta publicação.
Nós não éramos santos, nem a guerra é o melhor local para o poder ser. Contrariamente ao que afirmam alguns, havia atitudes de racismo por parte de muitos ou de alguns combatentes. Não afirmo que fosse essa a doutrina e a prática do governo da Guiné, no meu tempo 1972/74, nem digo que a maioria de nós era racista. Aliás, quando muitos diziam : "estamos aqui, nesta vida de sacrifício e agruras por causa destes pretos", - o que era isso senão uma manifestação de racismo mesclado de ignorância ?
As relações de grande proximidade afectiva, de namoro ou até sexuais existiram entre militares e mulheres mais ou menos jovens, durante a guerra. Porém o seu relato, num registo supremacista, reduzindo uma jovem guineense a mero objecto fácilmente transacionável, é perfeitamente dispensável e talvez se possa enquadrar no âmbito do racismo que alguns militares não se envergonham de exibir neste blog de grande qualidade e préstimo.
O meu apelo é no sentido de este incidente não ser razão para o abandono do nosso irmão Cherno, um guineense cujo contributo para a grandeza e qualidade do nosso blog tem sido inestimável. Ao Luís e ao Vinhal peço que continuem a guiar este barco, mesmo nas pequenas tormentas.

Um grande abraço

Carvalho de Mampatá