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terça-feira, 18 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26594: As nossas geografias emocionais (49): Gadamael Porto, fotos do Pepito (1949-2012), de 2010 (era então diretor executivo da AD, Bissau), e do Carlos Afeitos, de 2011 (cooperante, 2008-12)



Foto nº 1 > Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de outubro de 2010 > Antigas instalações do comando, centro de transmissões e residência de oficias


Foto nº 2 > Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de outubro de 2010 > A antiga pista de aviação....


Foto nº 3  > Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de outubro de 2010 > O porto ou cais acostável, construído pelo exército português... (O rio que banhava Gadamael era um braço do Rio Cacine, náo tinha nome, mas havia quem, como o Daniel Matos, que  dizia era o Rio Sapo, afluente do Rio Cacine, ,mas que ficava mais a sul de Gadamael Porto).


Foto nº 4 > Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de outubro de 2010 > A caminho do porto, situado no Rio Sapo, afluente  do  Rio Cacine...


Foto nº 5 > Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de outubro de 2010 > Restos do abrigo do morteiro 81  

Foto nº 6 > Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de outubro de 2010  > O que restava  da base do pau da bandeira...



Foto nº 6 > Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de outubro de 2010 > Mari Dabó, antiga lavadeira do alferes Oliveira [talvez da CCAÇ  4152/73 ? ] que ficou em Gadamael depois da independência e que era de Moscavide


Fito nº 7 > Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de outubro de 2010 > Mariama Mané, lavadeira do "major Manso" (... que só pode ser o maj cav Manuel Soares Monge, penúltimo cmdt do COP 5: entre jan 73 e ago 74, o COP 5 teve como cmdts o  maj art Alexandre Costa Coutinho e Lima; o ten-cor  pqdt  Sílvio Jorge Rendeiro de Araújo e Sá; o cap inf Manuel Ferreira da Silva; o maj cav Manuel Soares Monge; e o cap ten Heitor Prudêncio dos Santos Patrício; o COP 5 mudou de Guileje para Gadamael, depois da retirada de Guileje em 22 mai 73).
 


Foto nº 8 > Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de outbro de 2010 > Arafá Turé, aluno do professor furriel Barros, do Porto, em 1971 (devia pertencer à CCAÇ 2796, na altura comandada pelo cap art Morais da Silva, que esteve em Gadamael, entre jan 1971 e fev 1972).

Fotos do álbum do Pepito (engº agrónomo, Carlos Schwarz da Silva, então diretor executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento) (Bissau, 1949 - Lisboa, 2012). Na altura, em outubro de 2010, andava entusiasmado, ele e a população  local, com a ideia da criação do Núcleo Museológico de Gadamael, á semelhança do de Guileje. Este e outros foram projetos que ficaram por realizar, face à sua insperada morte, em Lisboa,  no início de 2012, aos 63 anos).

Fotos (e legendas):  © Pepito   (2010). Todos os direitos reservados  [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné ]



Foto nº 9  Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 > Vestígos da CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68). A subunidade a que pertenceu o nosso grão-tabanqueiro Mário Gaspar (1943-2025). Mas também o  Joaquim Fernandes Alves, ex-fur mil, grão-tabanqueiro nº 625 (mora em V. N. Gaia).


Foto nº 10 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 > Vestígos da CART 6252/72, "Os Indiferentes" (1972-74).

A CART 6252/72, com apenas meia dúzia de referências no blogue, não tem nenhum representante, registado. Há uma página do Facebook com o nome CART 6252/72 "Os Indiferentes", criada pelo Luís Francisco Gouveia, ex-fur mil trms: telem 964 153 392 | email: luisfsgouveia@gmail.com. Fica aqui o convite para ele se juntar à Tabanca Grande.





Foto nº 11 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 >  "Bunker a seguir à pista, no início do aquartelamento" 




Foto nº 12 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 >  "Bunker"...



Foto nº 13 _ Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 >  "Base do pau da bandeira" (vd. foto nº 6 do Pepito, 2010)


Foto nº 13 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 >  "Espaldão do obus"...  




Foto nº 14 e 14A > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 >  "Antiga enfermaria" (informação dada ao Carlos Afeitos pela população local).



Foto nº 15 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 >  "Sem legenda" (vd. foto  nº 1, do Pepito, 2010)




Foto nº 16 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 > Rio Sapo >  "Cais" (1)  (vd. foto nº  3, do Pepito, 2010)...



Foto nº 18 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 > Rio Sapo >  "Cais" (2)  (vd. foto nº  3, do Pepito, 2010)

Fotos do álbum do  Carlos Afeitos, professor de matemática, cooperante na Guiné-Bissau, durante 4 anos (2008-2012), e nosso grã-tabanqueiro, com o nº 606.

Fotos (e legendas): © Carlos Afeitos (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Foto nº 19A e 18 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 >"Antiga messe de oficiais e depois hospital",  legendou o Pepito... Descobrimos que este edifício abandonado, da época colonial,  ostentava duas informações intrigantes: na parte superior da parede lateral direita a sigla ou o acrónimo ASCO, com as letras ainda perfeitamente legíveis ; e na parte da frente o ano "1918"...   

Foto (e legenda):  © Pepito 2010). Todos os direitos reservados  [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné ]




Foto nº 20 e 20A  > Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CART 2410 (1968/69) > Messe e quarto de sargentos...  Foto do álbum de  Luís Guerreiro, ex-fur mil,  CART 2410 e Pel Caç Nat 65 (Guileje. Gadamael e Ganturé, 1968/70).

Neste edificio funcionou a filial da empresa ASCO - Aly Souleiman & Companhia...  A misteriosa sigla, A.S.C.O., já lá estava nessa época, e continuava  lá em 2010/2011. E nunca ninguém reparou nela nem na data da fachada (vd. fotos nº 14 e 19).

Foto (legenda): © Luís Guerreiro (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Bissau > 1956 > Um anúncio de um das casas comerciais mais importantes que existiam na Guiné em 1956. A empresa Aly Souleiman & Companhia (ASCO) dedicava-se à importação e exportação de produtos ultramarinos.  

Com sede em Bissau, tinha filiais em diversos pontos do território da Guiné, de norte a sul:  Bafatá, Farim, Mansoa, Pecixe, Bula, Sonaco, Mansabá, Contuboel, Bambadinca, Xime, Nova Lamego, Cacine, Campenae, Gadamael e  Catió,  "Aly Souleiman (apelido grafado à francesa...), e não "Ali Suleimane" (à portuguesa) era um próspero comerciante sírio-libanês.

O acrónimo da empresa era ASCO, tal como o seu endereço telegráfico... Algumas das mais importantes empresas estrangeiras, e nomeadamente as de origem francesas, com negócios no Senegal e na Guiné portuguesa, usavam acrónimos: NOSOCO, SCOA, CFAO... 

Ficou definitivamente explicado em  o mistério do acrónimo ASCO que aparece num edifício de Gadamael, que, no tempo da guerra, serviu de enfermaria. A data "1918" deve ser referente à sua construção.

Foto (e legenda): © Màrio Vasconcelos (2015). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Tombali > Carta de Cacoca (1960) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Gadamael Porto, Ganturé, Sangonhá, Cacoca, Rio Cacine e fronteira com a Guiné-Conacri

Infografia: Blogue Luís Grºça & Camaradas da Guiné (2025)


1. Estas fotos servem para nos recordar que o tempo também cura... Gadamael Porto não precisa de apresentação aqui no blogue. É um dos topóminos trágicos da nossa guerra, um dos 3 três G: Guidaje, Guileje, Gadamael... (Estamos sempre a esquecer Gandembel,  a batalha mais longa daquela guerra, com mais de 3 centenas de ataques e flagelações, em menos de 9 meses, de abril de  69 a janeiro de 1969: o aquartelamento, construído de raiz, seria depois mandado retirar por Spínola, à semelhança de outros aquartelamentos e destacamentos como Madina do Boé, Béli, Cacoca, Sangonhá, Ponta do Inglês, etc.).

Decifrámos o enigma das fotos nº 14 e 19 a partir de uma anúncio comercial de 1956...Um dos muitos anúncios de casas comerciais que existiam então na Guiné (*).  

O acrónimo da empresa era ASCO, tal como o seu endereço telegráfico... Algumas das mais importantes empresas estrangeiras, e nomeadamente as de origem francesas, com negócios no Senegal e na Guiné portuguesa, usavam acrónimos oi siglas: NOSOCO, SCOA, CFAO... Ficou, definitivamente, explicado no início de 2015 o mistério do acrónimo ASCO que aparece no edifício de Gadamael, e sobre o qual já especulámos durante meses e meses,

Estas fotos fazem parte das nossas geografias emocionais (**). Mais de um dúzia unidades de quadrícula guarneceram Gadamael.  Impressionante e comovente é o facto de haver gente da população que ainda se lembrava, 40 anos depois, de camaradas nossos (!) (fotos nºs  6, 7 e 8):

  • Mari Dabó, antiga lavadeira do alferes Oliveira [talvez da CCAÇ  4152/73 ?] que ficou em Gadamael depois da independência e que era  de Moscavide;
  • Mariama Mané, lavadeira do "major Manso" (... que só pode ser o maj cav Manuel Soares Monge, penúltimo cmdt do COP 5);
  • Arafã Turé, aluno do professor do posto escolar militar, furriel Barros, do Porto, em 1971 (devia pertencer à CCAÇ 2796, na altura comandada pelo cap art Morais da Silva, nosso grão-tabanqueiro, que esteve em Gadamael, entre jan 1971 e fev 1972).

______________

Notas do editor LG: 

sábado, 6 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25347: Reordenamentos (5): Nalus para Cacine e biafadas para Gadamael, na sequência da retração dos aquartelamentos de Sangonhá e Cacoca, em 29 de julho de 1968


Guiné > Região de Tombali > Sangonhá, a sul de Gadamael-Porto > c. 1967/69  > Vista aérea do destacamento e da sua pista de aviação, de terra batida (como em todo o lado), na altura em que estava a chegar uma coluna militar [visível no lado esquerdo]. Foto tirada de uma aeronave DO 27 (nº 3490 ?). (*)


Guiné > Região de Tombali > Gadamael - Porto > s/d > Tabanca, reordenada pelas NT.

Fotos: Autor desconhecido. Álbum fotográfico Guiledje Virtual.

Fotos:  © Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2007).  Todos os direitos reservados (Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.L.G.).


Guiné-Bissau > Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana >  Título da foto: Morreu Salifo Camará, Rei dos Nalus; Data de Publicação: 30 de Janeiro de 2011; Data da foto: 22 de Janeiro de 2011; Legenda:

"Salifo Camará, rei dos Nalus, sábio, filósofo e combatente da independência da Guiné-Bissau, despediu-se desta vida no dia 21 de Janeiro de 2011, em Cadique, onde sempre viveu" (...) . (****)

Foto (e legenda): Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2011) (com a devida vénia...)


1. Mal tomou posse, em finais de maio de 1968, o novo governador e com-hefe da Guiné, o brig António Spínola,  prodeceu ao "reajustamento do dispositivo", com destaque para a região de Tombali, no sul,  e com implicações em muitas das suas guarnições (Aldeia Formosa, Sangonhá, Cacoca, Gadamael, Cacine, Ilha do Como, Empada, Ualada, Gubia, Cabedú, Guile, Mejo, Gandembel,  etc.)

Pode ler-se no livro 2 da CECA, relativo à atividdae operacional no CTIG (de 1967 a 1970) (pp. 170/171);

(...) Pela Directiva n° 3/68 (sem data) é imposto ao CTIG, ouvido o Comando local, que proceda a um estudo sobre a possibilidade de reajustamento a curto prazo do dispositivo das NT, no 'corredor' do Guileje, à luz do princípio da concentração de meios.

Em continuação da alteração do dispositivo, é difundida a Directiva nº 4/68 (sem data) - reajustamento do dispositivo nas áreas de Sangonhá - Cacoca e do Cantanhez, a qual fixa ao CTIG o estudo, emcolaboração com o Comando local, da possibilidade de recuperar a Companhia implantada na área de Sangonhá - Cacoca e idêntico procedimento à Companhia implantada na área de Cabedú.

Igualmente em sequência do tema da Directiva n° 4/68 e no que diz respeito ao reajustamento do dispositivo na área de Sangonhá- Cacoca e reordenamento das populações prescreve a Directiva n° 14/68, de 25jun,  que:

 "Os aquartelamentos de Sangonhá e Cacoca serão abandonados em Jul/Ago próximo quando da rendição da CCaç 1621.(*)

"As populações de Sangonhá e Cacoca devem ser deslocadas desde já, por forma a que possam ainda cultivar as terras das regiões de Cacine e Gadamael.

"Em princípio, as populações de Sangonhá devem recolher à área de Gadamael, e as de Cacoca à área de Cacine, procurando-se paralelamente aproveitar este reagrupamento das populações para resolver o litígio da sucessão em Sangonhá, transferindo os Nalús para Cacine e os Beafadas para Gadamael. [... ]"

Os reordenamentos de Gadamael e Cacibe, ara realogar as popukações de Sangonha e Cacoa, respetivamente, deve, ter começado logo no 2º semestre de 1968. 

Segundo informçõ do nosso amigo e camarada cor art ref António J. Pereira fa Costa, "em Maio/Junho de 1968, o brig Spínola determinou o abandono dos quartéis de Sangonhá e Cacoca. Houve que transportar, para Gadamael e Cacine, a população que ali residia e que, em Cacine, ficou instalada na antiga Missão do Sono que agora já não existia, visto que a doença estava erradicada.

"Foram feitas mais de 30 colunas em pouco mais de 15 dias. À chegada foi necessário construir as casas com o auxílio do pessoal da CART 1692. Pela sequência das fotos é possível ver que se podem construir casas a partir do telhado. A qualidade das fotos não será a melhor, mas este poderá ter sido o primeiro Reordenamento da Guiné" (**).

Em 13 de julho de 1968, a CCAÇ 1621 ainda estava em Sangonhá, com um pelotrão destacado em Cacoca, a sul de Gadamael- Porto, junto à fronteira com a República da Guiné.


Guiné > Mapa geral da província ( 1961) > Escala 1/500 mil > Posição relativa de Sangonhá e Cacoca,  a sul de Gadamael e a leste de Cacine. na estrada fronteiriça Aldeia Formosa-Cacine...  

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)

 Fonte: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico- Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II - Guiné - Livro 2 (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2014, 604 pp.)

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, itálicos: LG)
__________


(**) Vd, poste de 2 de julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3013: Reordenamentos Populacionais (1): Gadamael, o primeiro, na sequência da retirada de Sangonhá e Cacoca em meados de 1968 (António J. Pereira da Costa)

(***) Último poste da série > 6 de abril de  2024 > Guiné 61/74 - P25344: Reordenamentos Populacionais (4): Uma perspetiva mais "securitária", no final do mandato de Arnaldo Schulz: em março e abril de 1968, foram deslocadas e reagrupadas cerca de 3 mil pessoas do "chão balanta"

(****) Vd. 22 de fevereiro e 2011 Guiné 63/74 - P7836: (In)citações (26): A morte de Salifo Camará, rei dos nalus, e pai espiritual adoptivo do nosso amigo Pepito (Luís Graça)

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25341: Reordenamentos Populacionais (3): Na construção de casas usa-se, como vigas, as rachas de palmeira (de cibe, mas também de dendém) (Cherno Baldé, Bissau)


Guiné-Bissau > Borassus aethiopum, conhecida vulgarmente por cibe, é uma palmeira de grande importância na construção civil:  do seu espique se extraem as rachas de cibe, vigas para a construção das moranças


Guiné-Bissau > Elaeis guineensis, a palmeira dendém: o seu espique tem idêntica utilidade ao cibefornecendo ainda óleo alimentar, palmito, folhas para fabrico de vedações e seiva como bebida refrescante ou matéria prima para bebida alcoólica.

Fonte: Maria Adélia Diniz - Gestão tradicional dos recursos naturais da Guiné-Bissau.  Atas do Colóquio Internacional Cabo Verde e Guiné-Bissau: percursos do saber  e da ciência. Lisboa, 21-23 de junho de 2012. (Com a devida vénia...)



Guiné > Região de Tombali > Gadamael - Porto > 1968 > A construção de uma casa, que em vez de vigas de cimento leva "rachas de cibe"... Foto do álbum do cor art ref António J. Pereira da Costa (na sua opinião, este, em Gadamael, em 1968, terá sido o  primeiro reordenamento do CTIG, alojando população deslocada de Sangonhá e Cacoca.

Foto (e legenda) : © António José Pereira da Costa (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné]



O dr. Cherno Baldé (Bissau),
nosso colaborador permanente,
com o pelouro das questões
etno-linguísticas
1. Comentário de Cherno Baldé (Bissau), ao poste P25336 (*)

É preciso esclarecer que para a estrutura das coberturas utilizavam-se, e ainda se utilizam, tanto rachas de cibes propriamente ditos (uma espécie muito resistente e diferente da palmeira vulgar das bolanhas da Guiné e que só se encontravam nas zonas costeiras) e rachas de palmeiras vulgares que, também, são boas quando bem maduras.

Acho que em algumas zonas, caso do nordeste, exceptuando os zincos, cimento e pregos que eram importados e saíam de Bissau, os restantes materiais utilizados eram locais e como não tinham cibes utilizavam-se as rachas das palmeiras locais que eram de qualidade inferior, mas também serviam para o efeito, permitindo uma economia de recursos raros. 

A grande diferença é que os cibes maduros eram duros como o ferro e quase "eternos" porque não tinham medo da chuva e dos omnipresentes e teimosos baga-bagas vermelhos que são  os grandes "destruidores" e regeneradores da natureza nos solos  das regiões tropicais.

Encontrei em muitas localidades estas casas feitas nos anos 70 que ainda resistem ao desgaste do tempo e que, para os padrões de hoje, parecem muito pequenas e baixinhas, mas que ainda continuam a prestar bom serviço. 

Em alguns casos os zincos originais que eram de melhor qualidade,  já tinham sido trocados, mas muitos ainda continuam a fazer o serviço mesmo estando velhinhos e cobertos de ferrugem.

Pelos meus cálculos, uma casa de 4 quartos (4 x 4), como era a maioria na altura,  podia precisar, em média, entre 60 a 80 rachas de palmeiras ou de cibes, supondo que a asna e as ripas são feitas de barrotes e tábuas de madeira.

Hoje em dia, a estrutura da cobertura completa é feita de cibes e precisa entre 100 a 150 rachas de cibes, mínimo.

Cherno Baldé



2. Comentário do editor LG:

Obrigado, Cherno, pelas tuas "achegas" a este assunto dos reordenamentos (**), e em especial sobre as rachas de palmeira que eram (e continuam a ser) utilizadas na construção de casas. 

A palmeira de cibe (nome científico, Borassus aethiopum var. senegalense), pelo que tive oportunidade de ler, é de facto um "monumento da natureza" (***)... Os materiais (as rachas) que se obtêm do seu espique são verdadeiras "vigas de aço" que resistem à ação do tempo e das térmitas... Daí o seu uso tradicional na construção civil. Mas, confesso, ao fim destes anos todos, eu não sabia distinguir bem uma palameira de cibe de uma palmeira de dendém...

Sabendo agora que a palmeira de cibe poderá atingir 20-30 metros de altura com um diâmetro variável (que pode chegar a um metro), tenho que reconsiderar o número de árvores abatidas, para o programa dos reordenamentos da época colonial (aponta-se para qualquer coisa como 110 o número de reordenamentos no final da guerra, e 15 mil as casas construídas com a ajuda das Forças Armadas, umas com cobertura de colmo e outras de chapa de zinco) ...

Eu apontaria então para um abate, não de 180 mil palmeiras, mas de um terço (c. 60 mil). Um tronco de palmeira tinha que dar, não 4 rachas de cibe, mas pelo menos 12 ou até 16 (ou até mais), dependendo da altura e do diâmetro. Mesmo assim foram muitas palmeiras...
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 4 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25336: A nossa guerra em números (25): Reordenamentos populacionais: materiais (das rachas de cibe às chapas de zinco) e custos

(**) Último poste da série > 5 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25340: Reordenamentos Populacionais (2): Em louvor do BENG 447 e do PTE - Pelotão de Transportes Especiais (João Rodrigues Lobo, ex-alf mil, cmdt do PTE / BENG 447, Brá, 1967/1971)

(***) Também conhecida como Palmeira-Leque Africana... Vd. aqui descrição:

A forma típica de Borassus aethiopum é uma palmeira solitária de 25 metros de altura e 1 metro  de diâmetro na base. 

Nos fundos dos rios (planícies aluviais), em muitos dos  rios da África Oriental (o Rufiji na Tanzânia e o Tana no Quénia, entre outros), uma forma intimamente relacionada pode ter até 2,1 metros de espessura a cerca de 1,2 metros acima do solo,  e a mesma espessura na ventricosidade superior. 

Esta palmeira Pode chegar a ter  30 metros de altura.

As folhas em forma de leque têm 3 metros  de largura (as maiores, até 3,7 metros).  com pecíolos de 2 metros de comprimento. As pontas  estão guarnecidas com espinhos. 

Nas plantas masculinas, as flores pequenas ficam em grande parte escondidas nos amentilhos escamosos; as flores femininas,  muito maiores. atingem 2 centímetros de largura e produzem frutos de cor amarelo e castanha.  Cada fruta contém de 1 a 3 sementes, cada uma encerrada num endocarpo lenhoso. A variedade que cresce nas zonas aluviais é quase certamente a mais imponente  de todas as palmeiras, comparável à Jubaea chilensis, a palmeira vinífera chilena.

(...) A árvore tem muitos usos: os frutos são comestíveis, assim como as tenras raízes produzidas pela planta jovem; fibras podem ser obtidas das folhas; e a madeira (que tem fama de ser à prova de térmitas) é usada na construção.

(Adapt. de íNaturalist, e Wikipedia, com a devida vénia)

sábado, 7 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23958: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XVII: O maluco do Honório nunca mais!... E depois o meu adeus à guerra dos “Fantasmas”, maio de 1965


Lisboa > Terreiro do Paço > 10 de Junho de 1965 > O Almirante Américo Tomás a condecorar o ten mil 'comando' Maurício Saraiva, comandante do Grupo de Comandos "Os Fantasmas", com a Medalha de Valor Militar com Palma, e entretanto pronovido a capitão. Branco, nascido em Angola, Saraiva, idolatrado por uns, odiado por outros, foi um "mal amado", diz o Virgínio Briote... O Amadu Djaló, por sua vez, foi um dos oito "negros" (sic) - a par do Marcelino da Mata, do Tomás Camará e outros - a participar "no 1.º curso de quadros para os Comandos do CTIG", que teve início em 3 de agosto de 1964... Integraria depois o o Gr Cmds "Os Fantasmas", de outubro de 1964 a maio de 1965. O seu último comandante de secção foi o fur mil 'comando' Joaquim Carlos Fereira Morais, natural de Lisboa, oriundo da CAÇ 412 / BCAÇ 512. Morreu na Op Ciaio. Foram também feridos, da sua secção, o Amadu Fajló e o Tomás Camará. Outro ferido do grupo foi o João Parreira. (*)


Guiné > Bissau > 11 de junho de 1965 > "Foto tirada em frente ao Hotel Portugal, num dia que nunca mais esqueço, e por várias razões (i) era o dia dos meus anos; (ii) fui a Bissau buscar o 2º sgt. José Cabedo e Lencastre que vinha para o Centro de Instrução de Comandos; (iii) foi um dia depois da condecoração e promoção (a capitão) do Saraiva; (iv) os sapatos de pala castanhos que calçava atravessaram algumas bolanhas; (v) de tarde saímos para instrução e à noite fui ao cinema UDIB ver o filme “Noites de Casablanca", com a Sara Montiel".


Guiné > Região do Oio >   Tita Sambo (Camjambari) > 1965 > O Grupo Cmds "Os Fantasmas". Final da operação Ebro, em 26 de março. Para completar os intervenientes da Op Ciao (6-7 de maio de 1965, e Catunco, Cacine), falta apenas a presença do cap art 'comando' Nuno Rubim que acompanhou o Grupo. Em pé: o Cmdt Grupo ten Saraiva, 5º da esq. (MS);  e eu o 9º (FP). O fur mil Joaquim Carlos Ferreira Morais )JM) está em frente do Saraiva e o soldado Amadú Dajló (AD) à minha frente.

Fotos (e legendas): © João Parreira (2006). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais um precioso  excerto das memórias do Amadu Djaló (**), neste caso relativas ao tempo em que integrou o Gr Comandos "Os Fantasmas" (comandado pelo alf mil cmd Maurício Saraiva, entretanto promovido a tenente e depois capitão). 

Descreve aqui a última operação, a Op Ciao, que ele realizou (junto com outros camaradas com os fur mil Morais e João Parreira, o primeiro ferido mortalmemte, e o segundo também evacuado para o HM 241; o próprio Amadu é ferido nesta operaçao). Foi em 6 de maio de 1965,  no sector de Cacine; tratou-se de um golpe de mão contra um acampamento IN em Catunco,

Recorde-se, aqui o percurso anterior do então sold cond auto Amadú Djaló (1940-2015):
(i) alistou-se nos comandos do CTIG, a convite pelo alferes mil 'comando' Maurício Saraiva, angolano; (ii) requentou o 1º Curso de Comandos da Guiné, que decorreu entre 24 de Agosto e 17 de Outubro de 1964; (iii) deste curso fizeram parte 8 guineenses: além do Amadu Djaló, o Marcelino da Mata, o Tomás Camará e outros; (iv) deste curso sairam ainda os três primeiros grupos de Comandos, que desenvolveram a actividade na Guiné até julho de 1965: "Os Camaleões", "Os Fantasmas" e "Os Panteras".

O Amadu passou a pertencer ao Grupo "Os Fantasmas" comandado pelo alf mil 'comando' Maurício Saraiva. Logo no fim do curso, os três grupos participaram na primeira operação, a Op Confiança, realizada entre 25 de outubro e 4 de bovembro de 1964 no Oio,   na área atribuída ao BCav 705, tendo por objectivo a reabertura do itinerário entre Mansabá e Farim.

A fonte continua a ser o ser livro "Guineense, Comando, Português" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp.), de que o Virgínio Briote nos disponibilizou o manuscrito em formato digital. A edição, que teve o apoio da Comissão Portuguesa de História Militar, está há muito esgotada. Muitos dos novos leitores do nosso blogue  estão agora a ter contacto com as memórias do Amadu Djaló.


Capa do livro de Bailo Djaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.


A leitura, mais atenta,  do livro continua a ser uma verdadeira surpresa para mim.   Nunca é demais sublinhar que  é um testemunho humano, singelo, de valor grande documental, e com muito interesse, do ponto de vista socioantropológico, para um melhor conhecimento do passado da Guiné-Bissau e em especial do período da guerra colonial. O Amadu Djaló esteve 12 anos, de 1962 a 1974, ao serviço do Exército Português. 

Como já tivemos ocasião de o dizer noutra ocasião, o título do livro pode parecer ter pouco a ver com o conteúdo. Terá sido, aliás, mais ditado pelo marketing, com o objectivo de vender, o que no caso do Amadu até era um objectivo relevante, sabendo-se que ele tinha 10% sobre o preço de capa e era um homem pobre e doente. (Infelizmente, não enriqueceu com o livro.) "Guineense, comando, português" foi  claramente uma concessão aos "brancos" ou "europeus" (como ele nos chamava, quase sempre), Mas ele sentia-se português e um verdadeiro comando, sem nunca, por outro lado, ter renegado a sua pátria de origem (onde está , de resto, seputaldo).

Se um homem é sempre ele próprio mais as suas circunstâncias (não podendo escapar à historicidade), o Amadú foi porventura uma espécie de Sancho Pança guineense, servindo diversos Dom Quixotes, do Mauricio Saraiva ao Antónioo Spínola, mas também poderia ter estado ao lado do 'Nino Vieira e do Amílcar Cabral, como ele próprio admitiu, quando a páginas 30/31 evocou  a tentativa de aliciamento, para ingressar nas hostes do PAIGC, em julho de 1961, por parte de Adulai Djá, um colega seu de Bissau"  (que, tendo militado nas fileiras do PAIGC, chegaria a ser 2º comandante da base principal do Morés; mais tarde morto num ataque de comandos helitransportados, em data não especificada pelo Amadu, p. 30, nota de rodapé).

O Amadú acabou por ir para a tropa portuguesa em 1962 ("tropa era uma obrigação"), depois de um série de peripécias que meteram o pai, os primos do Senegal (militares do Exército francês), o administrador de Bafatá, o tenente Carrasquinha, do BCAÇ 238 (que tinha um fraquinho pela prima, bonita, Aua Djaló)...  .

Tenho igualmente chamado a atenção  para o talento narrativo do Amadu. Como bom africano, ele era um homem da cultura oral e, logo, um grande contador de histórias. E essa oralidade, espontânea (mesmo em português que não era a sua língua materna), perpassa por todo o livro, graças ao talento de outro homem, o Virgínio Briote, o seu "editor literário" (Ou "copydesk"), à sua paciência, perserverança, bom senso, bom gosto, sentido de ética e camaradagem.

Voltamos aqui a ter, neste excerto, duas boas histórias:

 (i) uma, cómica, burlesca e divertida, na I parte (já em parte aqui reproduzida) (***), em que ele descreve as peripécias da sua (e do Tomás Camará) viagem de DO-27, de Bissau até Cufar e depois Cacine, pilotado por esse "glorioso maluco das máquinas voadoras", que já era então o fur pil Honório Brito da Costa, nascido em Cabo Verde: sobre o Honório (Srgt Pil Av) temos mais de 3 dezenas de referências no blogue; 

(ii) outra bem mais dramática, pungente, reveladora da grande coragem mas também da nobreza humana do Amadu, a última operação do Gr Cmd "Os Fantasmas", em que morre o seu comandante de secção, o fur mil Morais,  e ele próprio é ferido com mais camaradas (*).


Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XVII: O maluco do Honório nunca mais!... E depois o meu adeus à guerra dos “Fantasmas”, maio de 1965 (pp. 123-130)

por AmaduDjaló

(i) Voando com o "maluco" do Honório até Cacine


Em Maio[1] de 1965, fomos para Cacine, com o objectivo de executar um golpe de mão a um acampamento em Catunco. Era a última operação do grupo “Os Fantasmas” e, por isso, o tenente [Maurício Saraiva] pôs-lhe o nome de “Ciao”.

Em Brá tivemos a manhã para preparar tudo. Depois, fomos em viaturas para o aeroporto de Bissalanca, onde estavam quatro avionetas à nossa espera. O tenente dirigiu-se ao furriel Morais, que já tinha acabado o tempo de comissão e disse-lhe:

– Vocês esperam pelo Honório[2], que parece que ainda não está pronto.

– Meu tenente, eu não vou no avião do Honório! Custa-me muito faltar à operação, mas eu não vou! – disse eu.

O Tomás Camará disse também que, com o Honório, não ia.

Então, o tenente disse que as avionetas que os iam levar,  regressavam para depois levar o resto do grupo. Visto que um dos pilotos concordou, eu e o Tomás Camará ficámos a aguardar.

As três avionetas levantaram com o pessoal e, passados dez minutos vimos o furriel Honório a dirigir-se para a sua Dornier. Virou-se para nós e disse:

–Vamos?

O furriel Morais e um soldado europeu foram ter com ele.

– Só vão vocês os dois?

– É, eles dizem que não vão na sua avioneta!

– Mas, porque não?

Saiu da avioneta e dirigiu-se para nós. Cumprimentou-nos e perguntou:

– Por que é que vocês não querem ir comigo?

Olhámos para o lado, nenhum de nós deu resposta. Ele disse:

  É pá, isso é uma grande vergonha para nós! Eu sou preto, levo brancos, que têm confiança em mim e vocês, que são meus patrícios, não querem ir na minha avioneta? Vamos embora, pá, não há problemas!

–  Eu não gosto de manobras no ar e o Tomás também não!

 
–  Eu não faço nenhum tipo de manobras!

Depois, pegou nos nossos equipamentos e disse:

– Vamos embora!

Não havia outra maneira. Muito contrariados, embarcámos na avioneta. Tomou altura, virou para sul e o voo correu muito bem até ao campo de Cufar. Aí, o Honório viu um homem a andar sozinho, apontou-lhe o dedo e disse alto:

– Vou assustá-lo.

Aí, eu já não sabia onde me meter. Ele baixou a avioneta e passou por cima do homem, que continuou a andar com calma.

– Ai, ele não fugiu?!...  Então, vou-lhe acertar com a asa da avioneta! 

E baixou outra vez e ainda mais, parecia que ia aterrar ali. O homem viu aquilo, que não era nada normal, e saltou para junto de uma árvore. Mas agora, para retomar altura,  é que me parecia mesmo muito difícil.

Ao homem, a árvore tinha-lhe salvo a vida e a nós, pouco faltou para perdermos as nossas. A partir deste incidente, nenhum de nós abriu mais a boca, até chegarmos a Cacine.

Esta pequena vila fica junto ao rio. O piloto parou o motor e mergulhou, mergulhou. Só víamos água à nossa frente. Naquela altura, eu disse para comigo, "até aqui foi brincadeira, mas agora ele não vai poder controlar a avioneta e vamos morrer todos". Era só água que eu estava a ver, tapei a cara para não ver mais nada e gritei com força. Ouvi o Tomás também aos gritos.

De um momento para o outro, senti o estômago na boca, o avião estava a levantar, outra vez, a pique. Mesmo assim, vi os mangueiros bem perto e, logo depois, entrou directo na pista e aterrou.

Saltou cá para fora, abriu a porta a cada um de nós e, quando, sem qualquer tipo de fala, lhe virámos costas, ele apalpou-me o rabo e cheirou a mão, para saber se eu tinha borrado as calças.

Mesmo na pista, estava uma coluna à nossa espera, que nos transportou para Cameconde.



Guiné > Mapa geral da província ( 1961) > Escala 1/500 mil > Posição relativa de Cameconde, a guarnição militar portuguesa mais a sul, na região de Quitafine, na estrada fronteiriça Quebo-Cacine...  
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Cameconde não tinha tabanca, só quartel. Os únicos vizinhos da tropa eram do PAIGC. Os nossos militares mal podiam sair do arame farpado. Aquele local foi um castigo doloroso para quem cumpriu lá a comissão.

Cameconde fica num cruzamento. Para entrar em Cacine tem que se passar por Cameconde, venha de onde se vier. As fronteiras são em Sangonhá, Cacoca, Camissorã e Banire, este por via marítima. A estrada continua até Cassacá e Campeane. É um cruzamento que separa tudo.

Chegámos depois do almoço e ficámos a descansar até às 17h00, mais ou menos. O tenente chamou-me e levou-me junto do guia, que era nalu.

Perguntou-lhe se tinha coragem para nos levar ao acampamento. Se não tivesse, mandava vir outro guia, amanhã, de Cacine. Mas o guia, à nossa frente, assegurou que não era preciso vir mais ninguém, que ele nos levava até ao acampamento da guerrilha. Enquanto o tenente ia falando com ele e fazendo perguntas, nós ficámos a aguardar a hora de saída.


(ii) A morte do furriel Morais, meu comandante de secção

Por volta das 20h00, começámos a sair, rumo a Catunco Nalu, com a missão de executar um golpe de mão ao acampamento.

Saímos à nossa moda, como era costume, com muito cuidado e sempre no maior silêncio. Alguns minutos depois, saiu um pelotão de periquitos, pertencente à companhia de Cameconde. Fomos sempre ao lado da estrada de Cacine a Camissorã, que atravessa Cameconde, até Catunco. No cruzamento deixámos o pelotão para trás, com a missão de fazer a segurança do local e aguardar a nossa retirada.

Entrámos na direita e, a partir daqui, o guia ficou fora do nosso controlo. Já não andava mais. O tenente bem insistia e chegou a dar-lhe com a coronha da arma na cabeça, mas nada dava resultado. Rastejava um pouco e parava, levava uma coronhada, rastejava e parava outra vez. Assim, fomos andando até chegarmos a um local cheio de mangueiros, dos dois lados da picada. O local era muito escuro e o guia continuava a atrasar-nos. Não sabíamos onde o sentinela estava.

Logo que saímos da escuridão das sombras dos mangueiros, uma rajada, à minha esquerda, cortou o silêncio. Aterrámos no chão, primeiro, depois, aos gritos de "Comandos ao ataque", arrancámos na direcção de onde partiram os tiros, pensando que era o local do acampamento. Era apenas o posto da sentinela. O acampamento ficava um pouco afastado e, mais para a esquerda, viemos a saber pouco depois. Abrimos fogo e lançamos granadas incendiárias. Barracas não vimos nenhuma, o que ouvimos logo foram tiros, vindos do lado esquerdo.

Corremos nessa direcção e encontrámos uma horta, com barracas. Começámos a revistá-las e fomos encontrando equipamentos e bagagens.

Retirámos um pouco na direcção do cruzamento e, passados alguns minutos, o tenente Saraiva perguntou-me se eu tinha ouvido uma metralhadora pesada a cantar. Eu tinha ouvido muitos tiros, só não sabia se alguns eram de metralhadora pesada. Ele, então, perguntou ao furriel Morais a mesma coisa. Que não sabia se eram de metralhadora pesada, foi a mesma resposta.

E o tenente a dizer-lhe:

– Pois eu ouvi perfeitamente. Pega no guia, vai lá com o Amadú, leva duas equipas e vão vasculhar toda a área. De certeza que vão encontrar qualquer coisa interessante.

O furriel Morais e eu levantámo-nos.

– O guia para quê? Estamos a ver as barracas a arder!

Iniciámos a marcha em direcção das barracas, mas a perguntar a mim próprio, porque razão o comandante do grupo não vinha connosco. Ainda não eram 24h00 quando lá chegámos pela primeira vez, agora já eram quase 2h00 da madrugada.

A progressão até ao acampamento não teve problemas e, quando lá chegámos,  começámos outra vez a vasculhar tudo. Eu com uma lanterna na mão à procura da tal arma pesada. O furriel Morais perguntou se eu já tinha visto alguma coisa. Não, não tinha ainda visto nada.

O furriel dirigiu-se na minha direcção. O local onde eu estava tinha ídolos [3] e deuses e ele esteve naquele local ainda um bocado de tempo, sempre à procura de qualquer coisa interessante até que me disse:

– Amadú, temos que sair daqui!

Dirigimo-nos para o local onde estavam os restantes elementos. Vimos o 1º cabo Cruz com uma jarra na mão e a bater com ela no pé de uma árvore de cola, pam, pam, pam…

Eu pensei, bom, ele está a fazer este barulho para a guerrilha saber o local onde estamos. Só podia ser para essa finalidade, tanto barulho!

O Tomás Camará disse-me que o cabo Cruz lha tinha tirado, para a destruir. Daqui resultou uma discussão entre nós, dentro do acampamento, que só não deu mais barulho porque o furriel Morais pôs o pessoal na ordem.

Entretanto, as barracas ardiam com toda a força e o furriel deu ordem para sairmos do local. Perguntei-lhe qual era a equipa que ia à frente.

– É a nossa 
– disse.

Foi a última coisa que o furriel Morais disse. Mal dei o primeiro passo, uma granada de RPG [4] explodiu à nossa frente e atingiu quase todo o pessoal. O furriel Morais teve morte instantânea. Logo a seguir ao rebentamento da granada, sucedeu-se o tiroteio, que durou alguns minutos. Ninguém levantava a cabeça. Quando o fogo abrandou, já todos tínhamos pensado o mesmo, para onde, por onde, como e quando sair dali.

Entre nós estava uma grande árvore, que nós na Guiné chamamos poilão [5]. Tinha raízes de fora, com grandes lombas, eram tão grandes que podiam abrigar um bigrupo. Meti-me, deitado, numa das lombas e estava a sentir qualquer coisa a escorrer pelas minhas costas. Desabotoei o dólmen, meti a mão até à anca e pareceu-me que era sangue.

Ao mesmo tempo senti que o meu ombro esquerdo estava a doer. Cuspi na mão e tentei ver a cor do cuspo. Se fosse sangue era mau sinal, podia ter sido atingido nos pulmões ou até no coração. Não era sangue, fiquei mais tranquilo. Se a ferida é fatal, a gente nem sente.

Mas eu estava a ouvir gemidos de companheiros. Um chamava pela mãe e eu cheguei-me a ele. Que estava ferido, eu também estava e o Tomás Camará andava com as pernas abertas, a dizer que o furriel estava morto,  e que, como era agora o comandante, ia pedir apoio pelo rádio. Tomás comunicou com o tenente Saraiva, que lhe perguntou se nós não podíamos regressar pelos nossos próprios meios.

– Tenente, nós éramos onze! Há muitos feridos e um está morto! 

O tenente ainda insistiu:

– Então vocês não podem sair daí, nem se podem mexer?!

Nesse momento ouviam-se gritos de um companheiro ferido. Mas outros, gritavam alto para o PAIGC ouvir:

– Venham ter connosco aqui, pá! Estamos aqui à vossa espera!

Estes gritos serviram de incentivo. Outros começaram também a recuperar o ânimo.

Entretanto, uma secção do pelotão, que estava com a missão de nos apoiar e recolher, meteu pés ao caminho, para nos ajudar a recolher o morto e o ferido que não podia estar de pé. O único que não foi ferido foi o cabo Cruz. Dos outros, dez tinham sido atingidos, um deles mortalmente. Mas saímos dali, mal ou bem, a arrastarmo-nos como pudemos até ao cruzamento.

Ficámos a aguardar a chegada da manhã, para procedermos às evacuações. O corpo do furriel Morais esteve ali ao nosso lado, deitado e bem caladinho, num silêncio de quem nunca mais voltará. Nasceu em Portugal e veio acabar a vida neste lugar de Catunco, no sul da Guiné, em 7 de maio de 1965.

Os militares que cumpriram a comissão em Cameconde foram muito sacrificados. Estavam ali para segurança da pequena vila de Cacine. Como já disse, para entrar em Cacine, venha-se de onde vier, tem que se passar por Cameconde. E para sair é pelo mesmo cruzamento. De Cameconde para Cacine vira-se para norte. De qualquer parte que se venha, a entrada é a mesma e a saída na direcção do sul, é também a mesma. 

Em Cameconde há uma picada que liga Cacine a Camissorã, continua-se sempre para sul até chegarmos a Camissorã. Quando se chega a Cameconde, há uma estrada principal, que fica a leste, que leva a Bafatá, Enchudé, Catió, Empada, Bedanda, Quebo. Para qualquer lado que se queira ir a saída é a mesma e para oeste tem muitas tabancas, de que eu só conheço Banire, Cassacá e Campeane. Dos outros nomes, não me lembro.

Portanto, para cumprir o serviço militar em Cameconde, era como quem pegava arma e entrava na mata para atacar os acampamentos da guerrilha. Todas as horas de todos os dias eram perigosas aqui. E só passava o perigo quando se ficava longe de Cameconde. Enquanto aqui estivesse, o militar não podia sair do arame, porque a partir de 20 a 50 metros podia ser morto ou raptado pelo PAIGC.

De manhã, a avioneta pediu que indicássemos a nossa posição. O tenente mandou estender telas, a avioneta localizou-nos e, poucos minutos depois, chegou o helicóptero acompanhado de bombardeiros T-6.

O tenente indicou a posição onde podiam bombardear. Durante a noite, o PAIGC não esteve quieto, foi fazendo fogo sobre nós. Mas depois dos bombardeamentos, o tiroteio acabou. Os helis [6] puderam assim pousar com segurança. Um foi para Bissau com um ferido e o corpo do furriel Morais, eu e o Tomás Camará fomos noutro para Cacine, onde recebemos os primeiros socorros de um médico da Marinha. Estivemos deitados na enfermaria, até que chegou a coluna que nos transportou para a pista. Fomos recolhidos por avionetas e ainda não era meio-dia estávamos em Bissau.

Esta foi a “Ciao”, a última operação dos “Fantasmas”. Eu e o Tomás resolvemos abandonar os comandos. Entregámos as armas e os equipamentos e regressámos à CCS do QG.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Parênteses retos com notas / Subtítulos: LG]
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Notas do autor e/ou do editor literário (VB);

[1] Nota do editor: 6 maio 1965.

[2] Furriel Piloto Aviador.

[3] Chifres, bonecos de pau, garrafas.

[4] Nota do editor: RPG ou la
nça-granadas-foguete. A abreviatura deve-se à expressão russa “lançador de granada anti-tanque portátil” (Ruchnoi Protivotankovye Granatamyot)

[5] Árvore grande, majestosa, muito frequente na Guiné. Aproveitamos a madeira para fazer canoas. Para os que adoram deuses é uma árvore sagrada, protege as tabancas, é morada tradicional de espíritos e local de cerimónias.

[6] Allouette II.
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Notas do editor:

(**) Último poste da série > 3 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P23942: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XVI: Op Faena e Açor, abril de 1965, no sector de Buba