Foi exímio apontador de morteiro 60, soldado arvorado e depois 1º cabo at inf da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (1969-1972), no 4º Gr Comb, 3ª secção [comandada inicialmente pelo fur mil 11941567 António Fernando R. Marques: DFA, vive hoje em Cascais, empresário reformado, membro da nossa Tabanca Grande].
O Umaru Baldé, que era de Dembataco (ou Demba Taco), cresceu com a guerra: Demba Taco pertencia ao subsetor do Xime, um dos primeiros a conhecer a crueldade da guerra. Foi recrutado em 12/3/1969, como ele conta em carta pungente que te escreveu, trinta anos depois, já a viver na Amadora.
Tirou a recruta no CIM Contuboel e fez o juramento de bandeira em Bissau, em cerimónia a que assistiu o gen Spínola. Em junho e julho de 1969 fez a especialidade, já com os graduados da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 como instrutores... Juntos formamos companhia e fizemos a IAO. Em 18 de julho de 1969 ficámos à ordem do comando do sector L1, e fomos colocados em Bambadinca. Seis dias depois tivemos o batismo de fogo em Madina Xaquili, que será abandonada, dois meses e tal depois, em outubro.
O Umaru Baldé fez a guerra entre meados de 1969 e 1972, foi depois colocado, nesse ano, em Santa Luzia, Bissau, no quartel do Serviço de Transmissões, onde ficou até ao fim da guerra. (Julgo que depois de ter sido ferido em combate, ainda na CCAÇ 12, que entretanto passará a unidade de quadrícula, colocada no Xime em março de 1973.)
Conheceu, em mais de metade da sua vida, a amargura e a solidão do exílio. Não sei se chegou a ter mulher e filhos. Percorreu meia África, em busca de liberdade e seguranças. Veio a morrer, aos 50 anos, em Portugal, no "terminal da morte", que era então o, hoje já extinto, Hospital do Barro, Torres Vedras (onde também, por ironia do destino, viria a morrer Luís Cabral, uns anos depois, em 2009).
O "puto" Umaru, como sempre o tratámos, contou apenas com o apoio e a ajuda de alguns dos seus antigos camaradas de armas, "tugas", da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, mas também da CART 11 (como tu, Valdemar Queiroz, e outros).
Não posso confirmar, com rigor, o ano em que nasceu e o ano em que morreu. Nunca mais o vi desde que regressei a casa em 17 de março de 1971. Tenho uma foto com e com o Zé Carlos.
Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Fevereiro de 1970 > Região do Xime > 1º Grupo de Combate, comandado pelo Alf Mil Inf Op Esp Francisco Moreira, no decurso da Op Boga Destemida, uma operação sangrenta... A CCAÇ 12, que integrava a "nova força africana" (que era a menina dos olhos de Spínola) foi uma subunidade de intervenção, duramente usada e abusada pelo comando dos BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72)
Foto: © Arlindo Roda (2010). Todos os direitos reservados
[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
2. Aproveito para retomar aqui, com algumas alterações, um comentário meu que já tem 18 anos sobre "a lista dos Baldés" da CCAÇ 2590 / 12, e que publicitei, em 2006 (**), depois de ponderar os prós e os contras: eram 100 os "Baldés", que foram integrados na CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), em Contuboel... Muito poucos deles estariam ainda vivos nessa altura. E hoje já não estará nenhum.
Na altura, podia parecer fastidiosa, inútil, irrelevante... a minha lista de Baldés... Mais: até imprudente, podendo pôr em risco a liberdade e a segurança dos nossos antigos camaradas guineenses, os sobreviventes, os que ainda estariam vivos (como, por exemplo, o José Carlos Ussumane Baldé, o único 1º cabo que existia no meu tempo).
Não pensava o mesmo , em 2006: podia ter (ou vir a ter) algum interesse documental, historiográfico, eu sei lá... Podia facilitar a pesquisa de informação, de testemunhos, de depoimentos...E quanto a ajustes de contas, infelizmente já tinham sido feitos sob o regime de Luís Cabral...
Entendia que era um pequeno, modestíssimo, gesto de elementar justiça para com aqueles guineenses que lutaram ao nosso lado, que fizeram parte da CCAÇ 12 e, portanto, da 'nova força africana' com que sonhou Spínola e que tanto atemorizou o PAIGC (eles e não apenas a "tropa especial", com destaque para os Comandos Africanos).
Infelizmente, uma grande parte deles (quantos, exactamente?) já não estariam vivos em 2006. Uns tinham sido fuzilados, como o Abibo Jau, logo em 1975, outros andaram fugidos, a maior parte terá morrido de morte natural, que a sua esperança de vida era muito menor que a nossa, em 1969...
Eu estava à vontade para publicar essa lista: sempre critiquei a africanização da guerra da Guiné, embora longe de imaginar que, no dia seguinte à nossa retirada, começasse a caça aos "traidores", aos "contra-revolucionários", aos "mercenários", aos "colaboracionistas", aos "cães dos colonialistas", aos "cachorros dos tugas"...
Eu já não estava lá, em agosto de 1974, quando foi extinta a CCAÇ 12 e as demais subunidades da "nova força africana" (incluindo a CCAÇ 11, herdeira da CART 11). E, confesso que, desde que cheguei, em março de 1971, e até ao final da década de 70, pus uma tranca à porta da "memória da guerra". E só no princípio de 1980, comecei a tentar "exorcizar os fantasmas da guerra colonial" (sic) (uma expressão minha, que paga direitos de autor...).
Em 1969, ainda estava vivo o Amílcar Cabral e eu, na metrópole, admirava-o, em abstrato, intelectualmente, pelo pouco tinha lido dele (náo tenho pejo em admito-lo hoje).
Achava que na Guiné, depois da independência, "abadá a guerra e feita a paz", tudo seria diferente, e não aconteceriam os ajustes de contas que se verificaram noutras revoluções ou guerras civis, na Rússia, na China, na Espanha franquista, na França depois da libertação, na Argélia, em Cuba, etc. Pobre de mim, ingénuo...
Mas, por outro lado, também fui cúmplice da integração destes "putos" no nosso exército: mesmo sendo da especialidade de armas pesadas, e não fazendo parte formal, organicamente, de nenhum dos quatro grupos de combate da CCAÇ 12, acabei como vulgar atirador de infantaria, já que a companhia não tinha instalações a defender e era de intervenção ("uma companhia de nharros, carne de canhão", rosnávamos nós, entre os dentes, sempre que saíamos para o mato...).
Participei, por isso, em muitas das operações em que estes participaram, fui testemunha da sua coragem e do seu medo, dormi com eles nas mais diversas situações, incluindo nas suas tabancas, transportámos às costas os nossos feridos e os nossos mortos...
Foram meus camaradas, em suma.
Alguns (ou até bastantes) vieram das milícias, a maior parte já tinha alguma experiência de combate. E quanto à sua origem geográfica, os nossos camaradas guineenses da CCAÇ 12 (originalmente, CCAÇ 2590), eram oriundos do chão fula e em especial dos regulados do Xime, Corubal, Badora e Cossé, com exceção de um mancanhe, escolarizado, oriundo de Bissau (que se fartou de levar "porradas", por ser "reguila" e "indisciplinado").
“Todos falam português mas poucos sabem ler e escrever", lê-se na história da CCAÇ 12. (O que só era verdade 21 meses depois de os termos conhecido e instruído em Contuboel, em junho e julho de 1969: nunca tiveram tempo sequer de ter aulas regimentais, o português que aprenderam, a falar e a escrever foi connosco.)
Foram incorporados no Exército como "voluntários" (sic), acrescentou o escriba (fui que escrevi a "história da unidade"), para branquear a insustentável (historicamente falando) situação dos jovens fulas, condenados a aliarem-se aos tugas e a pagarem a fatura do "colaboracionismo" no dia a seguir à nossa partida...
Mas devo acrescentar: mal ou bem, a tropa e a guerra acabaram por ser um "modo de vida" para muitos deles... Teria o Umaru Baldé alguma alternativa ? Seguramente que não. O Salazar, o Tomás, o Caetano queriam-nos, a todos, heróis ou... mortos!
___________
Notas do editor:
(*) Ultimo poste da série : 14 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26153: Casos: A verdade sobre... (48): Os "djubis" da CART 11 e da CCAÇ 12, que foram soldados... (Valdemar Queiroz)