Pesquisar neste blogue

Mostrar mensagens com a etiqueta casos: a verdade sobre.... Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta casos: a verdade sobre.... Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26525: Casos: a verdade sobre ... (52): o major cav Matos Guerra foi presidente da câmara de Bissau de mar71 a out73... Em 1966, a comandar a CPM 1489, nunca poderia ter discutido com os vereadores nenhum plano para arrasar o Pilão, contrariamente às memórias (baralhadas) do "Cadogo Pai"...


 O documento, de 26 páginas, que me foi entregue pessoalmente pelo autor, em Bissau, em 7 de março de 2008, e que tem por título: "
Memória de Carlos Domingos Gomes, Combatente da Liberdade da Pátria: Registos da História da Mobilização e Luta da Libertação Nacional. Recordar Guiledje, Simposium Internacional, Bissau, 1 a 7 de Março de 2008."

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008)






1. Diz-se, no poste P26522 (*):

(...) Temos apenas umas trinta e tal referências sobre o Pilão: famigerado, para uns; triste, para outros, vergonhoso, para os mais puritanos e conservadores... Houve um presidente da Câmara municipal de Bissau, o major Matos Guerra, que por volta de 1966 o terá querido arrasar (segundo  o comerciante Carlos Domingos Gomes, "Cadogo Pai", vereador na altura) ... 

Ainda bem que prevaleceu o bom senso... (A ideia teria partido do próprio Governador e Comandante-Chefe, Arnaldo Schulz: alegava-se que o Pilão era umn "ninho de terroristas.) (...)

2. Esta história está mal contada pelo "Cadogo Pai" (Bolama, 1929 - Coimbra, 2021), o empresário e político Carlos Domingos Gomes, cujas memórias já aqui publicámos no blogue. E-nos impossível verificarr, caso a caso, por falta de contradeitório,  a veracidade factual de tudo aquilo que aqui se escreve pelos nossos amigos e camaradas da Guiné. A não ser a posteriori, muitas vezes, cruzando com outras fontes.

"Cadogo Pai" engana-se nas datas: em 1966,  o major Matos Guerra ainda não era major nem muito menos presidente da Câmara Municipal de Bissau, cargo que só exerceu durante  dois anos anos e meio, de mar71 a out73 (portanto, no tempo do gen Spínola e não do gen Schulz).

Em 1966, José Eduardo Matos Guerra  era simplesmente cap cav, cmdt da CMP  1489 (Bissau, Amura e Sta Luzia, out65/jul67). (**)

Segundo o portal UTW - Dos Veteranos da Guerrra do Ultramar (nota de obituário do cor cav na situação de reforma, Eduardo Matos Guerra, 1931-2016), este antigo combatente, depois da comissão na Guiné (out64/jul67), em 23jul68,  encontrava-se colocado como adido na GNR,  sendo então "promovido a major"...

Logo a seguir, em 10 de setembro desse ano, regressa a Bissau, tendo sido "nomeado pelo CCFAG para chefiar a Secção de Reordenamentos e Autodefesas da Rep ACAP/QG"...

Em 24fev70, e ainda segundo a mesma fonte, é  agraciado com a Medalha de Prata de Serviços Distintos com palma  (...) "pela forma altamente eficiente, dinâmica e devotada como desempenhou as funções de chefe da divisão de organização e defesa das populações, do gabinete militar do comandante-chefe das Forças Armadas na Guiné, que estruturou e organizou de forma modelar, e ultimamente corno chefe de secção no quartel-general do comandante-chefe das Forças Armadas na Guiné, gerindo os mesmos assuntos" (...)

E mais se acrescenta sobre o teor do louvor, citando a mesma fonte:

(...) "Tendo chegado à Guiné em setembro de 1968 e sendo-lhe confiada a missão de estruturar e impulsionar o reordenamento e autodefesa das populações, o major Matos Guerra, no curto prazo de dezasseis meses, planeou e executou uma vasta obra neste sector. (...)

(...) "Foi ainda o major Matos Guerra pedra fundamental no estudo e elaboração da recente Iegislação sobre o recenseamento e controle da população, documentos de alto interesse e oportunidade na actual vida das populações da Guiné." (...)

Em 23out70 regressa à metrópole, ficando colocado no RC3, Estremoz. Em 1mar1971, "tendo sido requisitado pelo Ministério do Ultramar para desempenhar comissão de âmbito civil na Província da Guiné Portuguesa, volta a Bissau"...

Quinze dias depois, em 16mar71 no palácio do governo provincial da Guiné Portuguesa, "é empossado no cargo de presidente do município de Bissau", cargo que exerceu até 18out73.




Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Bambadinca > BART 2917 (1970/729 > Março de 1972 > Carreira de tiro > Da direita para a esquerda: (i) em primeiro plano, o general Spínola, e o ten cor Polidoro Monteiro (comandante do BART 2917); e atrásm (iii) o 
Guerra Ribeiro, transmontano. antigo administrador do concelho de Bafatá, e nesta altura  intendente  em Bafatá (e não em Bissau)

Foto (e legenda): © Paulo Santiago (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


A menos que quisesse referir-se a outro militar ou administrador civil (como, por exemplo, o Guerra Ribeiro, administrador da circunscrição  nos anos 60 e depois intendente em Bafatá, no tempo de Spínola), o então comerciante e vereador "Cadogo Pai" nunca poderia ter trabalhado, em 1966, com o Matos Guerra, que era capitão da Polícia Militar, e não presidente da Câmara Municipal de Bissau.

Repôe-se aqui a verdade dos factos (***).


3. Há um camarada nosso, membro da nossa Tabanca Grande, 0 Evaristo Reis, que trabalhou na Câmara Municipal de Bissau como "mestre de obras", ao tempo do maj cav  Matos Guerra: leia-se aqui o seu depoimento (****).

O Evaristo Pereira dos Reis descreve o maj cav Matos Guerra, então requisitado pelo Ministério do Utramar, para exercer funções civis no CTIG.  como um "homem duro, aliado e bastante protegido pelo Governador" (o gen Spínola).

________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 23 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26522: Humor de caserna (104 ): "Ontem fui ao Pilão, o que não quer dizer que fui às p..." (Bissau, 16 de dezembro de 1973, in: António Graça de Abreu, "Diário da Guiné", Lisboa, Guerra e Paz, 2007).


(**) Vd. ficha de unidade:

Companhia de Polícia Militar nº 1489

Identificação CPM 1489

Unidade Mob: RL 2 - Lisboa

Cmdt: Cap Cav José Eduardo Matos Guerra

Divisa: -

Partida: Embarque em 200ut65; desembarque em 260ut65 | Regresso: Embarque em 27Ju167


Síntese da Atividade Operacional

Ficou instalada em Bissau, no Forte da Amura, substituindo a CPM 590, com vista a desenvolver a actividade inerente à sua especialização, tendo efectuado acções e operações de policiamento, nomeadamente patrulhamentos, guardas, rusgas e escoltas.

Em 26Nov65, transferiu o seu aquartelamento para Santa Luzia, também em Bissau.

Em 26Ju167, foi substituída pela CPM 1751, a fim de efectuar o embarque de regresso.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa n.º 83 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: fichas das unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pág. 581


(***) Último poste da série > 27 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26316: Casos: a verdade sobre... (51): a terrível emboscada na estrada Ponte Caium-Piche, em 14/6/1973 (ex-sold cond auto, Florimundo Rocha, c. 1950-2024; ex-fur mill Ribeiro, natrural de Braga, CCAÇ 35446, Piche, 1972/74)

(****) Vd, poste de 12 de janeiro de 2017 >  Guiné 61/74 - P16950: O nosso livro de visitas (190): Evaristo Pereira dos Reis, 66 anos de idade, residente em Setúbal... Ex-1º cabo condutor auto, de rendição individual, esteve no QG (1971/73), mas na maior parte da comissão foi mestre de obras da Câmara Municipal de Bissau, ao tempo do maj cav Eduardo Matos Guerra, como presidente


(...) Voltando à minha chegada,  fui colocado na secção do ficheiro, no Quartel General, local aparentemente privilegiado em relação aos meus camaradas, local onde comecei a ter consciência do que se passava naquela província em guerra. Nesse serviço estavam arquivadas as fichas de todos os intervenientes naquele teatro de guerra que eu considero de tortura física, mental e psicológica,

No arquivo assinalava os mortos, os desaparecidos, os evacuados, os que tiveram a sorte de já ter regressado e os que se encontravam presentes. Claro que a curiosidade principal foi ver a ficha do maestro da banda. Tive oportunidade de estar bem perto dele, diversas vezes, Refiro-me ao homem da lupa pelo qual nunca tive qualquer simpatia.

Passado um mês tive oportunidade de concorrer a um cargo de Mestre de Obras, para a Cãmara Municipal de Bissau para o qual estava talhado, Chefiada pelo major [cav Eduardo} Matos Guerra [1931-2016] como Presidente da Câmara, homem duro, aliado e bastante protegido pelo Governador,

A partir desse dia a minha farda foi arquivada no armário até ao dia do regresso, Foi muito difícil desempenhar tal cargo, a Câmara não tinha recursos, imaginem que tinha que fazer os remendos das ruas com cimento, porque não tínhamos alcatrão.

Mesmo assim consegui fazer obras de algum vulto praticamente sem recursos, recorrendo a máquinas da engenharia militar, chefiada pelo então Cap Branquinho e Furriel Guedelha, sobre os quais nunca mais tive noticias.

Também existia uma empresa civil de construção ali sediada com o nome de TECNIL. Esses eram os meus fornecedores gratuitos.


Fiz uma messe para Sargentos e renovei o bar de oficiais dentro do Hospital Militar. Alarguei parte da estrada de Bissalanca, para o aeroporto, arrancando dezenas de mangueiros. Fiz uma vala de drenagem e alargamento da estrada para o Quartel General, Enfim, fiz várias obras de beneficiação para melhorar aquela cidade, passando nestas lides diárias os restantes e difíceis 23 meses. (...)


(Negritos nossos).

sábado, 25 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26424: O segredo de... (45): António Medina (1939-2025) - Parte I: "Uma história de terror que me atormentou toda a vida (Jolmete, junho / setembro de 1964)"


  
Guiné  > Região do Cacheu > Jolmete > CART 527 (1963/65) > Aspeto da vida no aquartelamento.   O António Medina, à esquerda


Foto (e loegenda): © António Medina (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




António Mediba, 2016
1. Mensagem, de  
 23 de Junho de 2014, às 22:52, enviada pelo nosso saudoso camarada da diáspora António Medina (1939-2025) (*) , e que voltamos a republicar (em quatro postes, a última com com os comentários dos nossos leitores) (**).


Recorde.se:

(i) o António Medina era natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde,

(ii) foi fur mil inf, CART 527 (Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65):

(iii) trabalhou depois BNU em Bissau (***) e em Lisboa;

(iv) passou a viver nos EUA desde 1980, em Medford, Massachusetts (onde morreu há dias) (*)


Olá,  camarada e amigo Luís:

Há muito não te contactei porque procurei ultimar este trabalho que vivia em letargia nas minhas memórias, precisamente para coincidir com o aniversário deste acontecimento que na altura me desapontou imenso, sem todavia nada poder fazer.

Antes de se tomar qualquer iniciativa,  gostaria que atentamente lesses o seu conteúdo e me desses a tua opinião se pode ou não ser publicado no blogue. Considerei este caso como uma forma de terror que se pode juntar a muitos mais e infelizmente praticados pelo nosso exército em todas as frentes de luta.

Aguardarei ouvir a tua opinião quando puderes.

Um abraço
Medina


2. Resposta de L.G. na mesma data (23/6/2014):

António:

Não há, não houve, nem nunca haverá guerras "limpas". No caso da guerra que nos coube em sorte, é minha opinião que nem nós nem o PAIGC fomos "meninos de coro".

Na mesma altura, ou antes, em que se passam os acontecimentos que tu relatas (em Jolmete, na região do Cacheu, entre junho e setembro de 1964), o PAIGC fazia o seu 1º congresso em Cassacá, no sul, na região de Tombali, e "limpava" a casa, com julgamentos revolucionários e execuções sumárias que tiveram o OK de Amílcar Cabral...

Mas uma mão não limpa a outra, nem um partido dito revolucionário como o PAIGC podia servir de bitola para "avalizar" o comportamento dos militares de um exército regular, de um país ocidental como o nosso.

Usámos a arma do terror, tal como o PAIGC usou. Infelizmente, vou sabendo, aqui e acolá, em conversas "off record", com outros camaradas do teu tempo, de mais casos, pontuais é certo, de execuções sumárias, praticadas nessa época, noutros sítios (por ex., no setor de Bambadinca, zona leste onde estive)... Não sabemos qual a extensão dessas práticas, espero que tenham sido meros casos isolados. Também não adianta "sacar" culpas para o exército, ou reparti-las com a PIDE e/ou a administração colonial...

No mínimo, e não havendo tribunais de guerra, estas decisões deviam ter o OK (tácito ou explícito ) de Bissau, e no caso concreto que relatas, do brig Arnaldo Schulz (ministro do interior de Salazar, entre 1958 e 1961, promovido a brigadeiro em 1963, ainda em Angola, e nomeado depois governador e comandante-chefe no TO da Guiné, em maio de 1964; chegou a Bissau a 24 de maio de 1964).

Eu fiz a guerra, de junho de 1969 a março de 1971, no tempo de Spínola e da chamada política da "Guiné Melhor"... Não participei nem tive conhecimentos de casos como o que relatas. Mas no meu tempo, os meus soldados africanos da CCAÇ 12, os mais velhos (com o pobre do Abibo Jau, mais tarde fuzilado pelo PAIGC) contaram-me algumas histórias macabras, da responsabilidade da polícia administrativa de Bambadinca.

Por outro, Samba Silate é um exemplo triste de uma tabanca balanta reduzida a cinzas.... E um padre italiano, da missão de Samba Silate, Antonio Grillo, foi preso pela PIDE em 23/2/1963, acusado de atividades subversivas... Já escrevemos sobre isso, aqui no blogue... 

A "guerra subversiva" e "contrassubversiva", nesta época (1959/64), ainda está muito mal documentada....

Um dos princípios fundamentais do nosso blogue é a nossa obrigação de relatar factos e episódios por nós vividos ou do nosso conhecimento direto, procurando dizer a verdade e só a verdade, e recusando fazer juízos de valor...

O teu testemunho é assertivo, pormenorizado, ponderado, equilibrado e, parece-me, isento e responsável, ditado também por um imperativo de consciência de um homem cristão e português, como tu.

Em dez anos de blogue é a primeira vez, em 2014, que um camarada nosso tem a coragem de, publicamente, assinar um relato desses, com execuções sumárias de suspeitos de colaborar com o IN.

Da minha parte, suspeito que este tipo de ações não chegava a constar dos nossos relatórios militares, sendo portanto altamente improvável que um dia os investigadores tenham acesso a estes factos no Arquivo Histórico Militar, por exemplo.

Tens o meu OK, para publicar o teu testemunho, e gostaria que fosse já, 50 anos depois. É uma efeméride trágica. Tens o cuidado de não identificar nenhum camarada, e esse é um dos nossos princípios. Não somos juízes nem queremos julgar ninguém. Esses factos também fazem parte da nossa memória (dolorosa) da guerra na Guiné.

Dou-te os parabéns pela tua decisão de contar este "segredo". É também uma afirmação contra o medo de seres julgado pelos teus pares. Espero que apareçam mais versões destes acontecimentos. As tuas melhoras, se possível.

Um abraço fraterno. Luís Graça


O António Medina na mata da Caboiana
(c. 1964)

3. R
esposta do António Medina, na "volta do correio" (24/6/2014):


 Obrigado,  Luís,  pela tua apreciação ao meu testemunho que resolvi trazer à tona do que realmente aconteceu há cinquenta anos. Vamos então publicá-lo quanto antes como dizes e conto com a tua colaboração nesse sentido.

 Gostaria de o realçar talvez com algumas fotos minhas de Jolmete que certamente aí tens, assim mesmo vou tentar reenviá-las de imediato para que não se perca mais tempo. Logo após a publicação, agradecia que me avisasses para que eu possa tomar conhecimento. Telefonar-te-ei um dia desses.

Um abraço amigo
AMedina



Crachá da CART 527

4. Ficha de unidade >  Companhia de Artilharia nº 527

Identificação: CArt 527
Unidade Mob: RAL 1 - Lisboa
Crndt: Cap Mil Art António Maria de Amorim Pessoa Varela Pinto | Cap Art Domingos Amaral Barreiros

Divisa: -
Partida: Embarque em 27mai63; desembarque em 4jun63 | Regresso: Embarque em 29abr65

Síntese da Atividade Operacional

Em 25jun63, seguiu para Teixeira Pinto, a fim de reforçar o BCaç 239 e depois o BCaç 507, com vista à realização de operações de patrulhamento e batida na região de Binar.

Em 8ag063, substituindo a CCaç 154, assumiu a responsabilidade do subsector de Teixeira Pinto e destacamento de Cacheu, ficando então integrada no dispositivo e manobra do BCaç 507 e tendo ainda empenhado efectivos em diversas operações realizadas na região do Jol e Pelundo, entre outras; por períodos variáveis, destacou, ainda, efectivos para reforço das guarnições locais de Calequisse, Caió e Bachile.

Em 28abr65, foi rendida no subsector de Teixeira Pinto pela CCav 789 e recolheu a Bissau para embarque de regresso.

Observações - Não tem História da Unidade. Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pág. 439.


5. O essencial do "segredo" do António Medina  será republicado, dez anos depois, no poste seguinte desta série (***):  

em resumo,  "foi há 50 anos [agora 60], a 24 de junho de 1964, sofremos uma emboscada no regresso ao quartel, que teria depois trágicas consequências para a população de Jolmete: como represália, cerca de 20 homens, incluindo o régulo e o neto, serão condenados à morte e executados pelas NT, dois meses depois".

 _____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 23 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26417: In Memoriam (531): António Medina (Santo Antão, Cabo Verde, 1939 - Medford, Massachusetts, EUA, 2025), ex-fur mil at inf, OE, CART 527 (Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió 1963/65), nosso grão-tabanqueiro desde 2014

(**) Último poste da série > 21 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25862: O segredo de... (44): Aos 70 anos, comecei a ficar farto da guerra (Torcato Mendonça, 1944-2021)... Um "segredo póstumo" que chega ao blogue por mão da Ana Mendonça e do Virgínio Briote

Vd também poste de 29 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14945: O segredo de... (19): António Medina (ex-fur mil, CART 527, 1963/65, natural de Cabo Verde, mais tarde empregado do BNU, e hoje cidadão norte-americano): Desenfiado em Bissau por três dias, por causa dos primos Marques da Silva, fundadores do conjunto musical "Ritmos Caboverdeanos"... Teve de se meter num táxi, até Teixeira Pinto, que lhe custou mil pesos, escapando de levar uma porrada por "deserção"!

(***( Vd. poste de 4 de outubro de 2023 > Guiné 61/74 - P24725: O segredo de... (39): António Medina: O surpreendente reencontro, em Bissau, em junho de 1974, com o meu primo Agnelo Medina Dantas Pereira, comandante do PAIGC

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26316: Casos: a verdade sobre... (51): a terrível emboscada na estrada Ponte Caium-Piche, em 14/6/1973 (ex-sold cond auto, Florimundo Rocha, c. 1950-2024; ex-fur mill Ribeiro, natrural de Braga, CCAÇ 35446, Piche, 1972/74)



Guiné-Bissau > Região de Gabu > Piche > Ponte Caium > Dezembro de 2015 > O que resta do célebre memorial do 3º Gr Com da CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974)), dedicado aos seus mortos: "Honra e Glória: Fur Mil Cardoso, 1º Cabo Torrão, Sold Gonçalves, Fernandes, Santos, Sold AP Dani Silva. 3º Gr Comb, Fantasmas e Lestos (?). Guiné- 72/74" (***)...

O Fur Mil Op Esp Amândio de Morais Cardoso, natural de Valpaços, morreu aqui, vítima de uma armadilha que ele montava e desmontava com regularidade, na margem do rio... A trágica ocorrência foi no dia 19 de fevereiro de 1973...  O 1º cabo Torrão, e os soldados Gonçalves, Fernandes e Santos morreram numa emboscada entre a Ponte Caium e Piche, em 14 de junho de 1973).

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



A CCAÇ 3544 (Piche e Pontre Caium, 1972/74) pertencia 
ao BCAÇ 3883 (Piche, 1972/74) (***)



Florimundo Rocha
(c. 1950-2024)
1. Morreu há dois meses o nosso camarada Florimundo Rocha (ex-sold cond auto, CCAÇ 3546, Piche e Ponte Caium, 1972/74, natural de Lagoa, membro da Tabanca Grande, desde 11/4/2011 [foto à direita, Ponte Caium, 1973] (*):

Ele era um dos sobreiventes dos ocupantes do Unimog 411 ("burrinho"), que ia à frente da pequena coluna  que foi emboscada em  14/6/73, a escassos quilómetros de Pixhe.  Ele era o condutor.

Em sua homenagem, voltamos aqui a reproduzir a reconstituição desse confronto com o IN, juntando a também a versão d0 fur mil Ribeiro (natural de Braga) que ia ao lado do condutor, e que foi gravemente ferido. (**)


I. O Rocha já não se lembra do número de viaturas que seguiam na coluna, nesse dia fatídico, de 14/6/1973.


Ele ia à frente a conduzir o seu Unimog 411, o “burrinho do mato”, que lhe estava distribuído. A seu lado, de pé, ia o Charlô (alcunha do Carlos Alberto Graça Gonçalves, natural de Lisboa, Alfama) . E atrás, sentados nos bancos, os restantes camaradas do pelotão que haveriam de morrer nesse dia e hora, numa curva da estrada para Piche, a escassos 3 quilómetros da sede da unidade, a CCAÇ 3546/BCAÇ 3883… A saber: o Torrão, o Fernandes e o Santos…

II. Também não pode precisar a hora exata, mas terá sido depois das 9 da manhã. "Foi seguramente da parte da manhã".

Antes de partirem para Piche, uns tinham jogado à bola, e outros (uma secção) tinham ido à lenha, como era habitual… Eram actividades que eles faziam pela fresca. Lembra-se que o Torrão nesse dia estava de serviço à lenha. Quanto ao futebol, costumavam jogar, de manhã, pela fresca. O Rocha não falhava um jogo, aliás veio continuar, depois da peluda, a jogar futebol, em clubes da 2ª e 3ª divisões, no Algarve. (Ele era naturaçl de Lagoa.)


III. Já não tem a certeza, mas atrás de si, devia vir uma Berliet, com restos de materiais de construção ou madeiras.


Também não se lembra se havia mais viaturas. Tem ideia que “malta de Buruntuma [CCAÇ 3544], ou de Camajabá [outro destacamento de Piche, CCAÇ 3546]” também vinha atrás, numa terceira viatura…

O "Wolkswagen" (alcunha de um camarada que ficará ferido) vinha atrás, numa outra viatura. O Rocha não o deixou vir com ele, no Unimog 411. Nessa altura as relações entre ambos não eram as melhores.

IV. A distância entre a primeira viatura (o Unimog 411) e a segunda (talvez a Berliet) deveria ser de “80 metros”. Ele, Rocha, não ia a mais de 70 km, que era o máximo que o “burrinho” dava, em estrada alcatroada.

O asfalto ia até à Ponte. Trabalho da Tecnil, cujas máquinas chegaram a ser atacadas e algumas incendiadas pelo PAIGC. As bermas estavam limpas, o capim cortado. Estamos no início da época das chuvas. E foi “na curva” que o Rocha começou a ver cabeças, de gente emboscada. “Eles tinham-se entrincheirado nos morros de terra deixados pelas máquinas da Tecnil”… Pelo número de efectivos (falava-se no fim “em mais de 200”), está visto que a emboscada “não era para eles”, mas sim para o pessoal de Piche.

V. Quando o 411, conduzido pelo Rocha, entrou na “zona de morte”, na curva, os primeiros tiros (ou roquetadas) furaram-lhe os pneus. A malta foi projectada. A viatura capotou. 

O Rocha ficou caído no lado direito da estrada. Os tipos do PAIGC estavam do lado esquerdo (da estrada Ponte Caiuu- Piche).  O fogachal foi tremendo. Ele ainda conseguiu proteger-se atrás da viatura que ficou a trabalhar, de pernas para o ar. Lembra-se de ter pegado em duas ou três G3, dos camaradas feridos, e de ter respondido ao fogo do IN.

VI. A emboscada poderá ter demorado “15 a 20 minutos”… O IN teve tempo para tudo: meio escondido, a uns 50 metros já da viatura sinistrada e dos camaradas feridos, viu uns gajos "brancos", “cubanos”, a falar espanhol, a saltar para a estrada… Já não pode precisar quantos eram, mas eram sobretudo “brancos”, poucos negros… Falavam em voz alta, e diziam qualquer coisa, em espanhol, como “condutor morto, condutor morto”… 

Completamente impotente, sem poder intervir, viu com os seus próprios olhos o espectáculo macabro, os tiros de misericórdia que acabaram com a vida dos camaradas moribundos, tiros na nuca ou na boca. Confirma o que já tínhamos dito antes: os corpos foram depois retalhados, por rajadas de Kalash…

VII. Ainda se lembra da chegada das chaimites de Piche, que fizeram fogo contra as forças inimigas, que ripostaram, já no final dos combates. Talvez meia hora depois do início da emboscada.

 Ainda se lembra, dos 3 ou 4 feridos que foram evacuados, de heli, em Piche. Houve alguém que sugeriu que ele aproveitasse a boleia e se fizesse maluco. Mas ele recusou. Nesse mesmo dia regressaria à Ponte Caium. Não se lembra de ter tido o conforto de nenhum superior hierárquico. Uma simples palavra, muito menos um louvor. Voltou para a ponte e dormiu, como “dormia todos os dias, como ainda hoje dorme” (sem pesadelos ?..., não me respondeu à pergunta)…





Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > Destacamento da Ponte Caium > Da esquerda para a direita: O 1º Cabo Pinto, e os soldados Ramos, Cristina (segurando granadas de morteiro 60), o "Wolkswagen#, o Fernandes, de pé (outro que morreu na emboscada de 14/6/1973) e o Silva ("que percorreu 18 km com um tiro no pé!")... Foto e legenda do Jacinto Cristina: falta identificar o condutor do Unimog 404.

Foto: © Jacinto Cristina (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


VIII. A única versão que até agora tínhamos desta emboscada, era a do Cristina (que ficou no destacamento e que, portanto, só pode contar o que lhe contaram os sobreviventes; ou do que se lembra dessas versões, e que já aqui resumimos, em tempos:

(...) “Em data que o Cristina já não pode precisar, a sua companhia sofreu uma violenta emboscada, entre Piche e Buruntuma, montada por um grupo ‘estimado em 400’ elementos IN (ou ‘turras, como a gente lhe chamava’)...Um RPG 7 atingiu a viatura da frente da coluna, que ia relativamente distanciada do grosso da coluna, e que explodiu...Houve de imediato 4 mortos: O Charlô e o Fernandes foram dois deles... Dos outros dois o Cristina já não se lembra.

(...) “Com as granadas de mão dos mortos, o 'Wolkswagen' conseguiu aguentar o ímpeto da emboscada, mas chegou a ter uma Kalash apontada à cabeça... Ninguém sabe como ele se safou... O Silva por sua vez levo um tiro no pé, fugiu, e mesmo ferido fez 18 km até ao aquartelamento”...


IX… E voltamos ao monumento erigido à memória dos mortos da Ponte Caium (vd. foto acima). A ideia, não há dúvida, “foi do Alexandre”, do Carlos Alexandre, o "Peniche". que tinham conhecimentos de moldes por trabalhar na construção naval, na sua terra, Peniche.

 Ele, Rocha, também deu uma ajuda. Mas não lhe perguntem datas nem pormenores. Disse-lhe que o Cristina já não se lembrava de nada e que o Alexandre estava furioso por causa da amnésia dos camaradas.

X. Disse-me, por outro lado, que a filha ia mandar-nos as fotos pedidas, para poder entrar na nossa Tabanca Grande.

 Sentiu-se muito bem em falar comigo e contar toda esta tragédia. Estava mais calmo do que da primeira vez, em que me falou desta tragédia, emocionadíssimo. É um homem simples e franco. Pu-lo à vontade, mas ainda não consegui que ele me tratasse por tu… “Muito obrigado, o senhor (sic) tem aqui uma casa às suas ordens, quando vier a Lagoa”…

XI. Da nossa conversa, à noite ao telefone (foi ele que me ligou), fiquei a saber que, em janeiro de 1973, tinha vindo de férias à Metrópole. 

Estava, de regresso, em Piche quando se deu a tragédia que matou o furriel Cardoso, já em 19 de fevereiro de 1973. Só depois dessa data é que foi para a ponte, para onde ninguém gostava de ir. E por lá ficou até ao fim da comissão.

XII. Mas logo a seguir, aconteceu outra tragédia: a morte do Silva, apontador de canhão sem recuo… 

Morreu na sua viatura quando tentaram levá-lo, moribundo, até ao helicóptero, foram pela estrada fora, sem picar, sem segurança. Tarde demais. Um estúpido acidente, que marcou muito o grupo.

XIII. Os furriéis só iam um de cada vez para ponte: o Cardoso, que foi vítima da explosão de uma armadiha; o Ribeiro, de Braga; o Barrroca, alentejano… No dia da embocada, estava o Ribeiro na ponte. Mais o Cristina, municiador, do morteiro “grande”, o 81…

O Rocha esclarece ainda que na foto de grupo [vd. poste P8029], não é o Santiago (que é da Covilhã), mas sim o Serra (que é de Barcelos), quem aparece à esquerda, de pé…

XIV. Nunca foi a um convívio do batalhão ou da companhia. Voltei a dar-lhe os contactos telefónicos do Jacinto Cristina. Tentara ligar para o fixo, mas ninguém atendeu. Em, contrapartida, já tinha falado com o Alexandre (ou o Alexandre com ele), o "Peniche"….

Sobre a ponte diz que era de boa construção, dos princípios dos anos 60. “Até se dizia que tinha sido construída pelo Amílcar Cabral”… Rectifiquei: o Cabral não era engenheiro de pontes, mas agrónomo… Não bate certo…

XV.  Outras memórias da ponte: O gen Spínola um dia aterrou lá, estavam a jogar futebol… Usavam todos barba e cabelo compridos. 

Não havia barbeiro. O Spínola deu uma piada qualquer, ia de heli para Buruntuma.

XVI. Despedi-me do Rocha, para o poupar, mas com a promessa de voltarmos a falar, com mais tempo e vagar. Percebo que lhe fazia bem. 

E que, por outro lado, só lhe interessa a verdade dos factos… Parece ter boa memória fotográfica.



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > 3º Grupo de Combate (Os Fantasmas do Leste) > Destacamento da Ponte de Caium > 1973 > Álbum fotográfico do Florimundo Rocha >  A famosa equipa de futebol: 

"Em primeiro, ao centro, o Rocha, o dono da bola, à direita o José Alberto, à esquerda o Pinto [que o Jacinto Cristina voltou a reencontrar 38 anos depois]. 

"De pé, na segunda fila, à direita, o Barbeiro, o furriel Barroca, o Santiago que tem a fita na cabeça, e o furriel Ribeiro" (Legenda: Carlos Alexandre, Peniche).


Foto: © Florimundo Rocha (2011). Todos os direitos reservados .
[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Reproduzimos a seguir o comentário do ex-fur mil Ribeiro, que vive hoje em Braga, e que pertencia ao 3º Gr Comb ("os Fantasmas do Leste") da CCAÇ 3546 (Piche e Ponte Caium, 1972/74), ao poste P8061 (****). 

É pena não haver mais versões,  que nos permitissem, por exemplo, confirmar a alegada participação de cubanos e a  crueldade dos tiros de misericórdia aos moribundos (cujos cadáveres terão sido depois retalhados com rajadas de Kalash, com requintes de selvageria) (*****).

A única informação de dispomos, do lado do exército, é a que é reproduzido pela CECA (2015):  não bate certo com as versões aqui apresentadas, que falam em quatro mortos (o 1º cabo Torrão, e os soldados Gonçalves, Fernandes e Santos), quatro feridos graves, evacuados para o HM 241 (o fur mil Ribeiro, mais o   Algés, o Silva e o Rolo), e um Unimog 411 destruído por LGFog RPG...

Além disso, os militares emboscados não podiam perfazer dois grupos de combate: só havia um destacado na Ponte Caium (er alguns militares tiveram que lá ficar para assegurar a sua defesa, como foi o caso do Jacinto Cristina, que era municiador de morteiro 81, e o Sobral, que era o apontador)...  

Segundo o testemunho reproduzido a seguir, do ex-fur mil Ribeiro (e que bate certo com a informação que me deu em tempo o Jacinto Cristina), o destacamento da Ponte Caium foi a Piche com um "seção reforçada", num Unimog 411 (e uma Berliet de Camabajá (carregada com materiais de construção). 

Fazer uma coluna destas, numa distância de mais de 20 km, com um "burrinho" e uma secção, era temerário... Dá impressão que alguém (o comando do BCAÇ 3833, ou o comandante da CCAC 3546) quis "branquear" a situação... 

"Acção - 14Jun73

Pelas 08h45, na região de Copiró 
 [e não Capiró] sector L4, na área de Piche, 2 GComb / CCaç 3546 foram emboscados por um grupo inimigo que causou às NT 3 mortos, 2 feridos graves e 14 feridos ligeiros na região de Copiró. 1 viatura "Unimog" das NT ficou danificada."


Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pág. 302 (Com a devida vénia...).


3. Comentário do fur mil Ribeiro, 3º Gr Com / CCAÇ 3546 (****):

Caro amigo Florimundo Rocha, gostava de fazer algumas correcções ao teu comentário sobre a fatídica emboscada de 14/6/1973:

Ponto nº I:

(…) “O Rocha já se lembra do número de viaturas que seguiam na coluna, nesse dia fatídico, de 14/6/1973. Ele ia à frente a conduzir o seu Unimog 411, o ‘burrinho do mato’, que lhe estava distribuído. A seu lado, de pé, ia o Charlô (alcunha do Carlos Alberto Graça Gonçalves, natural de Lisboa. Alfama) . E atrás, sentados nos bancos, os restantes camaradas do pelotão que haveriam de morrer nesse dia e hora, numa curva da estrada para Piche, a escassos 3 quilómetros da sede da unidade, a CCAÇ 3546/BCAÇ 3883… A saber: o Torrão, o Fernandes e o Santos” (…) (FR).


Quem ia de pé ao teu lado era eu, furriel Ribeiro; atrás, sentados do lado esquerdo (da morte), ia o Fernandes, o Torrão, o Charlô e o Santos, todos estes camaradas morreram; e do lado direito ia o Rolo, o Algés, o Silva e não me lembro quem era o outro que falta.


Ponto nº III :

(…) “Já não tem a certeza, mas atrás de si, devia vir uma Berliet, com restos de materiais de construção ou madeiras. Também não se lembra se havia mais viaturas. Tem ideia que ‘malta de Buruntuma [CCAÇ 3544, ], ou de Camajabá [outro destacamento de Piche, CCAÇ 3546]’ também vinha atrás, numa terceira viatura… O 'Wolkswagen' (alcunha de um camarada que ficará ferido) vinha atrás, numa outra viatura. O Rocha não o deixou vir com ele. Nessa altura as relações entre ambos não eram as melhores” (…) (FR).


Nós fomos a Piche porque já não havia mantimentos, o alferes Afonso, do 1º pelotão, chegou à Ponte Caium e pediu-me para eu lhe disponibilizar uma secção e um Unimog para ir a Piche buscar alguns mantimentos. Não vinha ninguém de Buruntuma, apenas vinha uma Berliet de Camajabá.

Ponto nº IV:

(…) “A distância entre a primeira viatura (o 411) e a segunda (talvez a Berliet) deveria ser de ‘80 metros’. Ele, Rocha, não ia a mais de 70 km, que era o máximo que o ‘burrinho’ dava, em estrada alcatroada. O asfalto ia até à Ponte. Trabalho da Tecnil, cujas máquinas chegaram a ser atacadas e algumas incendiadas pelo PAIGC. As bermas estavam limpas, o capim cortado. Estamos no início da época das chuvas. E foi ‘na curva’ que o Rocha começou a ver cabeças, de gente emboscada. ‘Eles tinham-se entrincheirado nos morros de terra deixados pelas máquinas da Tecnil’… Pelo número de efectivos (falava-se no fim ‘em mais de 200’), está visto que a emboscada ‘não era para eles’, mas sim para o pessoal de Piche. (…) (FR).


A emboscada não era para nós mas sim para uma coluna de grande reabastecimento de munições para Buruntuma que, não se sabe porquê!, foi anulada em Nova Lamego.


Ponto nº V:

(…) “Quando o 411, conduzido pelo Rocha, entrou na ‘zona de morte’, na curva, os primeiros tiros (ou roquetadas) furaram-lhe os pneus. A malta foi projectada. A viatura capotou. O Rocha ficou caído no lado direito da estrada. Os tipos do PAIGC estavam do lado esquerdo. O fogachal foi tremendo. Ele ainda conseguiu proteger-se atrás da viatura que ficou a trabalhar, de pernas para o ar. Lembra-se de ter pegado em duas ou três G3, dos camaradas feridos, e de ter respondido ao fogo do IN. (…) (FR).


O nosso burrinho foi atingido com um RPG 7 na parte de trás do banco do condutor na chapa da carroçaria e com outro RPG 7 no gancho do reboque, foi isto que fez com que o Unimog saltasse, e o pessoal foi cuspido e perdemos as G3 mas tu apanhaste 2 ou 3 e uma delas era a minha, obrigado Rocha.

 Ponto VII:

(…) Ainda se lembra da chegada das chaimites de Piche, que fizeram fogo contra as forças inimigas, que ripostaram, já no final dos combates. Talvez meia hora depois do início da emboscada. Ainda se lembra, dos 3 ou 4 feridos que foram evacuados, de heli, em Piche. Houve alguém que sugeriu que ele aproveitasse a boleia e se fizesse maluco. Mas ele recusou. Nesse mesmo dia regressaria à Ponte Caium. Não se lembra de ter tido o conforto de nenhum superior hierárquico. Uma simples palavra, muito menos um louvor. Voltou para a ponte e dormiu, como ‘dormia todos os dias, como ainda hoje dorme’ (sem pesadelos ?..., não me respondeu à pergunta)… (FR).


Ó Rocha, não tiveste o meu conforto porque eu não to pude dar, visto eu ter sido evacuado para o hospital em Bissau, com o Algés, o Silva e o Rolo, e todos nós estávamos tão chocados como tu.


Ponto XIII:

(…) “Os furriéis só iam um de cada vez para ponte: o Cardoso, que foi vítima da explosão de uma armadiha; o Ribeiro, de Braga; o Barrroca, alentejano… No dia da embocada, estava o Ribeiro na ponte. Mais o Cristina, municiador, do morteiro ‘grande’,  o 81” (…) (FR).


Os Furriéis estavam sempre juntos na ponte, primeiro foi o furriel Cardoso que foi tomar conta da passagem do destacamento do 4º para o 3º pelotão; passada uma semana foi o pelotão com o furriel Barroca para a Ponte Caium e eu, furriel Ribeiro,  fui uma semana mais tarde porque fiquei a aprender a fazer e a ler […] (codificar e descodificar mensagens ). Estivemos sempre juntos e no dia da emboscada quem estava na Ponte Caium era o furriel Barroca.



4.  Comentário do editor:

Não temos aqté  agora (passados 13 anos!) qualquer contacto do Ribeiro (telemóvel, telefone, email...), a não ser este comentário. Dizem-nos que vive em Braga. Mas sabemos que é leitor do nosso blogue. 

Aproveitámos, na altura, em 2011,  para lhe agradecer os preciosos esclarecimentos adicionais que veio trazer sobre esta emboscada de que ele felizmente escapou, embora ferido com gravidade.

 Não é fácil "voltar ao passado" e reviver momentos terríveis como este. Mais um razão para o Ribeiro se juntar â nossa Tabanca Grande, composta na sua grande maioria por camaradas da Guiné, de diferentes épocas da guerra, de 1961 a 1974, e de diferentes lugares, de norte a sul, de leste a oeste... Continua  de pé o nosso convite,s e por acaso ele nos voltar a ler.
 




Guiné > Zona Leste >  Região de Gabu > Carta de Piche (1957) (escala 1/50 mil) > Local provável, assinalado a vermelho,  na zona de Copiró, da emboscada, levada a cabo por um forte dispositivoo do PAIGC, integrando "cubanos", a "três ou quatro quilómetros de Piche", a seguir a a um curva, do lado esquerdo da estrada (alcatroada) Ponte Caium-Piche, em 14 de junho de 1973. 

 O troço Ponte Caium-Buruntuma não estava alcatroado em 1974 (segundo o depoimento do Rocha). Repare-se que estamos perto da fronteira com a Guiné Conacri, na direcção sudeste (para onde terão retirado as forças do PAIGC, que seriam  c. de 200, segundo a versão do Rocha, um número de qualquer modo impossível de confirmar).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)

__________

Notas do editor:



Vd. também poste de 24 de março de 2010 > Guiné 64/74 - P6042: Tabanca Grande (209 ): Jacinto Cristina, natural de Ferreira do Alentejo, CCAÇ 3546 (Piche e Caium, 1972/74): Foi soldado atirador, mas a guerra fê-lo padeiro...

(*****) Último poste da série > 4 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26230: Casos: a verdade sobre ... (50): António Lobato, sete anos prisioneiro de Amílcar Cabral e Sékou Touré / L' affaire Antonio Lobato, sept années prisionnier d' Amilcar Cabral et de Sékou Touré

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26230: Casos: a verdade sobre ... (50): António Lobato, sete anos prisioneiro de Amílcar Cabral e Sékou Touré / L' affaire Antonio Lobato, sept années prisionnier d' Amilcar Cabral et de Sékou Touré

Imagem, à esquerda: 

António Lobato (1938-2024), maj pil av ref; no cativeiro (maio de 1963 / novembro de 1970) sempre recusou a liberdade em troca da denúncia da guerra colonial aos microfones da rádio do PAIGC.

Mas em carta  à  mulher, datada de Kindia, 22/5/65, escreveu: (...) "Houve momentos de fraqueza em que quase me arrependi de ter recusado essa liberdade, hoje porém agradeço a  Deus o ter-me dado a força necessária para resistir".

Imagem a seguir, em baixo, à direita: 

O António Lobato entrevistado em 1996, num programa da RTP1, "Operação Mar Verde - Parte l", Série "Enviado Especial", apresentado pelo jornalista José Manuel Barata-Feyo, em 7 de julho de 1997. Fotograma capturado e editado, com a devida vénia à RTP Arquivos. (Vídeo: 17' 38'').



1. É curioso (mas nada que nos possa surpreender)  como o tempo, a distância, os conflitos entre países, a (in)comunicação, a ideologia, as crenças,os preconceitos, etc., tendem a gerar e alimentar mitos, lendas, boatos,  atoardas, mentiras, etc.  Em suma, falsificar a(s) história(s).

Costuma-se dizer que quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto...Todos temos essa experiência com as diferentes narrativas da guerra, onde nós próprios participámos.

Um dos nossos leitores, que escreve em francês, e é africano pelo nome (não sabendo nós o que faz nem onde vive) tem aqui mostrado interesse pela história da Op Mar Verde e a libertação do nosso camarada da FAP, António Lobato (infelizmenfe falecido há uns meses).

Numa segunda mensagem  que recebemos dele, datada de 30 de outubro último, põe-nos ao corrente  de "boatos" que corriam na época,  na África Ocidental:

(i) que o António Lobato era filho do Presidente da Câmara de Lisboa;

(ii) ou então de um  poderoso industrial português que alegadamente teria dado um murro na mesa,  junto do governo português,  para obter a sua libertação;

 (iii) e
que o presidente Sékou Touré teria fechado um acordo (secreto) com os portugueses para virem buscar os seus prisioneiros...

Ora nada disto é verdade, para nós, portugueses e antigos combatentes. O António Lobato era filho (único) de pais minhotos, de Melgaço, terra que ele adorava. E, infelizmente, teve que esperar 7 longos anos de cativeiro até conseguir ser libertado, em 22 de novembro de 1970, na sequência da Op Mar Verde, cuja objetivo principal ia muito para além da libertação dos prisioneiros portugueses nas cadeias do PAIGC, em Conacri (26 ao todo)... 

Sabemos que a missão principal desta arriscada operação era ajudar uma facção de oposicionistas guineenses ao regime no poder em Conacri a derrubar o Sékou Touré e a decapitar o PAIGC. 


1. Mensagem, em francês, do nosso leitor, Lamine Bah:
 

30/10/2024, 07:58

Bonjour, merci pour cette bibliographie sur Antonio Lobato, pilote de guerre,  portugais detenu 7 ans durant en Guinée. (*)

N'a été liberé que suite à l'operation Mar Verde. Cette operation connu en Guinée sous le le nom d'agression portugaise contre la République de Guinée,  a été l'occasion pour Sékou Touré d'arreter et d'executer sans jugement de nombreux cadres civils et militaires, y compris des membres du gouvernement, comme complices des portugais. 

Ces accusés n'ont pas eu droit à un procès equitable, privés d'avocats. Le verdict se basait sur des aveux extorqués sous la torture et difusés à la radio.

Ma question est de savoir si Antonio Lobato etait le fils du Maire de Lisbonne à l'époque ou d'un industriel portugais qui aurait tapé sur la table au près du gouvernement portugais pour sa liberation ?

En tout cas c'est ce qu'évoquaient les rumeurs de l'époque.

Une autre rumeur serait que le Président Sékou Touré aurait conclu un 'deal' avec les portugais pour venir chercher leurs prisonniers.

Merci pour vos réponses.
Sincères salutations.

Cumprimentos,
Lamine Bah | laminebah2000@yahoo.fr



2. Tradução da mensagem para português:

Bom dia

Obrigado pela  bibliografia que me indicou, sobre o piloto de guerra António Lobato,  português detido durante 7 anos na República da Guiné. 

Só foi libertado após a Operação Mar Verde. Esta operação conhecida em Conacri como uma  agressão portuguesa contra a República da Guiné, foi um pretexto para Sékou Touré mandar prender e executar numerosos quadros civis e militares,  sem julgamento,  incluindo membros do governo, acusados de serem  cúmplices dos portugueses. 

Esses réus não tiveram direito a um julgamento justo e com advogados de defesa. O veredito baseou-se em confissões extraídas sob tortura e transmitidas na rádio.

A minha pergunta é se António Lobato era filho do Presidente da Câmara de Lisboa,  na época, ou  de um industrial português que alegadamente teria dado um murro na mesa,  junto do governo português,  para obter a sua libertação?

De qualquer forma, era isso que sugeriam os rumores da época.

Outro boato seria que o presidente Sékou Touré teria fechado um acordo com os portugueses para virem buscar os seus prisioneiros.

Obrigado pelas suas respostas.
Os meus cumprimentos.
Lamine Bah | laminebah2000@yahoo.fr

3. Réponse en français, pour une meilleure compréhension de notre lecteur:

On sait que le temps, la distance, les conflits entre pays, l'incommunication, l'idéologie, les croyances, les préjugés, etc., tendent à créer et à alimenter des mythes, des légendes, des mensonges, des rumers, à falsifier les faits, etc. 

On dit souvent, en portugais, que celui qui raconte une histoire, y ajoute un point… Nous avons tous cette expérience des différents récits de la guerre, en Guinée-Bissau, auquelle nous avons nous-mêmes participé .

Un de nos lecteurs, qui écrit en français et dont le nom est africain, Lamine Bah (nous ne savons pas ce qu'il fait ni où il habite) se montre intéressé par l'histoire de l'Opération "Mar Verde" (invasion amphibie de Conakry, le 22 novembre 1970) et de la libération de notre camarade de l' Armé de l'Air Portugaise, Mr. António Lobato, malheureusement décédé quelques mois auparavant. (**)

Dans un deuxième message que nous avons reçu de son coté, le 30 octobre 2024, il nous fait part de rumeurs qui circulaient à l'époque en Afrique de l'Ouest:

(i) que Mr. António Lobato était le fils du maire de Lisbonne ou d'un industriel portugais qui aurait tapé sur la table avec le gouvernement portugais pour obtenir sa libération;

(ii) et que le Président Sékou Touré avait trouvé un accord secret avec les Portugais pour la rescue de leurs prisonniers...

Or, rien de tout cela n’est vrai, pour nous, les ancients combattants portugais. Mr. Antonio Lobato était le fils unique, ses parents demeurant  à Melgaço, au Nord du Pays, une petite ville  qu'il aimait de tout son coeur.

Et malheureusement, il a eu attendre sept longues années de captivité avant d'être libéré, le 22 novembre 1970, à la suite de l'Opération "Mar Verde", dont l'objectif principal allait bien au-delà de la libération des 26 prisonniers portugais aux mains du parti de Mr. Amilcar Cabral, à Conakry... On sait que la mission principale était d'aider une faction de l'opposition guinéenne au régime en place à Conakry à renverser Sékou Touré et décapiter le PAIGC.

(**) Último poste da série > 15 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26157: Casos: A verdade sobre... (49): Os "djubis" da CART 11 e da CCAÇ 12, que foram soldados... (Luís Graça)

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26157: Casos: A verdade sobre... (49): Os "djubis" da CART 11 e da CCAÇ 12, que foram soldados... (Luís Graça)



Umaru Baldé (c. 1953- c.2004, Bambadinca, meados de 1970
Foto: Benjamim Durães (2010)



Umaru Baldé (c. 1953-c. 2004), recruta do CIM Contuboel,
 c. março de 1969 

Foto: Valdemar Queiroz (2014)


1. Resposta do editor LG ao Valdemar Queiroz (*): 

Valdemar, obrigado pela tua preciosa "lembrança"... Reconheço estes putos ou pelo menos três, os que pertenceram à CCAÇ 12, e que fizeram a guerra comigo (*)...

Quanto ao Umaru Baldé (c. 1953- c. 2004), o "menino de sua mãe", tens aqui  duas fotos dele (uma é do teu álbum, o recruta Baldé, no CIM de Contuboel, com cara e corpo de "djubi"; a outra, um ano mais tarde,  de meados de 1970, tirada em Bambadinca, já com o BART 2917).

Vamos pô-lo a nascer por volta de 1953 para salvar a "honra do convento", isto é, para que a NT não sejam acusadas de recrutar crianças para a guerra, como acontecia com o PAIGC...

Soldado do recrutamento local, nº 82115869, o Umaru tirou a recruta   (com a CART 11) e a especialidade (com a CCAÇ 12), no CIM de Contuboel (um um um "oásis de paz", como eu lhe chamei, em junho de 1969). 

Foi exímio apontador de morteiro 60, soldado arvorado e depois 1º cabo at inf  da CCAÇ 2590 /  CCAÇ 12 (1969-1972), no 4º Gr Comb,  3ª secção [comandada inicialmente pelo fur mil 11941567 António Fernando R. Marques: DFA, vive hoje em Cascais, empresário reformado, membro da nossa Tabanca Grande].

O Umaru Baldé, que era de Dembataco (ou Demba Taco),  cresceu com a guerra: Demba Taco pertencia ao subsetor do Xime, um dos primeiros a conhecer a crueldade da guerra.  Foi recrutado em 12/3/1969,  como ele conta em carta pungente que te escreveu, trinta anos depois, já a viver na Amadora. 

Tirou a recruta no CIM Contuboel e fez o juramento de bandeira em Bissau, em cerimónia a que assistiu o gen Spínola.  Em junho e julho de 1969 fez a especialidade, já com os graduados da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 como instrutores... Juntos formamos companhia e fizemos a IAO.  Em 18 de julho de 1969 ficámos à ordem do comando do sector L1, e fomos colocados em Bambadinca.  Seis dias depois tivemos o batismo de fogo em Madina Xaquili, que será abandonada, dois meses e tal depois, em outubro.

O Umaru Baldé fez a guerra  entre meados de 1969 e 1972,  foi depois colocado, nesse ano,  em Santa Luzia, Bissau, no quartel do Serviço de Transmissões, onde ficou até ao fim da guerra.  (Julgo que depois de ter sido ferido em combate, ainda na CCAÇ 12, que entretanto passará a unidade de quadrícula, colocada no Xime em março de 1973.)

Conheceu, em mais de metade da sua vida, a amargura e a solidão do exílio. Não sei se chegou a ter mulher e filhos.  Percorreu meia África, em busca de liberdade e seguranças. Veio a morrer, aos 50 anos,  em Portugal, no "terminal da morte", que era então o, hoje  já extinto,  Hospital do Barro, Torres Vedras (onde também, por ironia do destino,  viria a morrer Luís Cabral, uns anos depois, em 2009).

O "puto" Umaru,  como sempre o tratámos, contou apenas com o apoio e a ajuda de alguns dos seus antigos camaradas de armas, "tugas",  da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, mas também da CART 11 (como tu, Valdemar Queiroz,  e outros). 

Não posso confirmar, com rigor, o ano em que nasceu e o ano em que morreu. Nunca mais o vi desde que regressei a casa em 17 de março de 1971. Tenho uma foto com e com o Zé Carlos.

 

Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Fevereiro de 1970 >  Região do Xime >   1º  Grupo de Combate, comandado pelo Alf Mil Inf Op Esp Francisco Moreira, no decurso da Op Boga Destemida, uma operação sangrenta...  A CCAÇ 12, que integrava a "nova força africana" (que era a menina dos olhos de Spínola) foi uma subunidade de intervenção, duramente usada e abusada pelo comando dos BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72) 


Foto: © Arlindo Roda (2010). Todos os direitos reservados 
[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



2. Aproveito para retomar aqui, com algumas alterações,  um comentário meu que já tem 18 anos sobre  "a lista dos Baldés" da CCAÇ 2590 / 12, e que publicitei, em 2006 (**), depois de ponderar os prós e os contras: eram 100 os "Baldés", que foram integrados na CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), em Contuboel... Muito poucos deles estariam ainda vivos nessa altura. E hoje já não estará nenhum.

Na altura, podia parecer fastidiosa, inútil, irrelevante... a minha lista de Baldés...    Mais: até imprudente, podendo pôr em risco a liberdade e a segurança dos nossos antigos camaradas guineenses,  os sobreviventes, os que ainda estariam vivos (como, por exemplo, o José Carlos Ussumane Baldé, o único 1º cabo que existia no meu tempo).

Não pensava o mesmo , em 2006: podia ter (ou vir a ter) algum interesse documental, historiográfico, eu sei lá... Podia facilitar a pesquisa de informação, de testemunhos, de depoimentos...E quanto a ajustes de contas, infelizmente já tinham sido feitos sob o regime de Luís Cabral...

Entendia que era um pequeno, modestíssimo, gesto de elementar justiça para com aqueles guineenses que lutaram ao nosso lado, que fizeram parte da CCAÇ 12 e, portanto, da 'nova força africana'  com que sonhou Spínola e que tanto atemorizou o PAIGC (eles e não apenas a "tropa especial", com destaque para os Comandos Africanos).

Infelizmente, uma grande parte deles (quantos, exactamente?) já não estariam vivos em 2006. Uns tinham sido fuzilados, como o Abibo Jau, logo em 1975, outros andaram fugidos, a maior parte terá morrido de morte natural, que a sua esperança de vida era muito menor que a nossa, em 1969...

Eu estava à vontade para publicar essa lista: sempre critiquei a africanização da guerra da Guiné, embora longe de imaginar que, no dia seguinte à nossa retirada, começasse a caça aos "traidores", aos "contra-revolucionários", aos "mercenários", aos "colaboracionistas", aos "cães dos colonialistas", aos "cachorros dos tugas"...

Eu já não estava lá, em agosto de 1974, quando foi extinta a CCAÇ 12 e as demais subunidades da "nova força africana" (incluindo a CCAÇ 11, herdeira da CART 11). E, confesso que, desde que cheguei, em março de 1971, e até ao final da década de 70, pus uma tranca à porta da "memória da guerra". E só no princípio de 1980, comecei a tentar "exorcizar os fantasmas da guerra colonial" (sic) (uma expressão minha, que paga direitos de autor...).

Em 1969, ainda estava vivo o Amílcar Cabral e eu, na metrópole,  admirava-o, em abstrato,  intelectualmente, pelo pouco tinha lido dele (náo tenho pejo em admito-lo hoje). 

Achava que na Guiné, depois da independência, "abadá a guerra e feita a paz", tudo seria diferente, e não aconteceriam os ajustes de contas que se verificaram noutras revoluções ou guerras civis, na Rússia, na China, na Espanha franquista, na França depois da libertação, na Argélia, em Cuba, etc. Pobre de mim, ingénuo...

Mas, por outro lado, também fui cúmplice da integração destes "putos" no nosso exército: mesmo sendo  da especialidade de armas pesadas, e não fazendo  parte formal, organicamente,  de nenhum dos quatro grupos de combate da CCAÇ 12, acabei como vulgar atirador de infantaria, já que a companhia não tinha instalações a defender e  era de intervenção ("uma companhia de nharros, carne de canhão", rosnávamos nós, entre os dentes, sempre que saíamos para o mato...).

Participei, por isso, em muitas das operações em que estes participaram, fui testemunha da sua coragem e do seu medo, dormi com eles nas mais diversas situações, incluindo nas suas tabancas, transportámos às costas os nossos feridos e os nossos mortos... 

Foram meus camaradas, em suma.

Alguns (ou até bastantes) vieram das milícias, a maior parte já tinha alguma experiência de combate. E quanto à sua origem geográfica, os nossos camaradas guineenses da CCAÇ 12 (originalmente, CCAÇ 2590), eram oriundos do chão fula e em especial dos regulados do Xime, Corubal, Badora e Cossé, com exceção de um mancanhe, escolarizado,  oriundo de Bissau (que se fartou de levar "porradas", por ser "reguila" e "indisciplinado").

“Todos falam português mas poucos sabem ler e escrever", lê-se na história da CCAÇ 12. (O que só era verdade 21 meses depois de os termos conhecido e instruído em Contuboel, em junho e julho de 1969: nunca tiveram tempo sequer de ter aulas regimentais, o português que aprenderam, a falar e a escrever foi connosco.)

Foram incorporados no Exército como "voluntários" (sic), acrescentou o escriba (fui que escrevi a "história da unidade"), para branquear a insustentável (historicamente falando) situação dos jovens fulas, condenados a aliarem-se aos tugas e a pagarem a fatura do "colaboracionismo" no dia a seguir à nossa partida... 

Mas devo acrescentar: mal ou bem, a tropa e a guerra acabaram por ser um "modo de vida" para muitos deles... Teria o Umaru Baldé alguma alternativa ? Seguramente que não. O Salazar, o Tomás, o Caetano queriam-nos,  a todos,  heróis ou... mortos!
___________

Notas do editor:

(*) Ultimo poste da série : 14 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26153: Casos: A verdade sobre... (48): Os "djubis" da CART 11 e da CCAÇ 12, que foram soldados... (Valdemar Queiroz)