Mostrar mensagens com a etiqueta (De) Caras. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta (De) Caras. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26206: (De) Caras (225): Duas fotografias, girândola e fastígio das recordações (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Há manhãs de sorte, falo por mim, comprei na D. Amélia da Feira da Ladra estas duas fotografias que irão depois para um arquivo. A primeira levou-me à minha chegada à Guiné, o barco da mancarra que me levou a Bambadinca parou exatamente naquele ponto onde está a embarcação que veio recolher esta unidade, bem curioso é o contraste entre o caminhar destes homens e a ondulação dos arrozais; na segunda fotografia quem captou a imagem terá sido um homem com muita sorte, apanhar o rebentamento de uma granada enquanto desfilam militares num curso de água, segundo o que vem no reverso a caminho do Sambuiá, santuário que veio a revelar-se quase inexpugnável, outras lembranças me ocorreram, de leituras e conversas, mas o mais importante é deixar esta imagem no nosso blogue.

Um abraço do
Mário



Duas fotografias, girândola e fastígio das recordações

Mário Beja Santos

Chego à Feira da Ladra ao despertar do dia, o meu fornecedor de livros, quando aparece, é imediatamente procurado por gente que vive da venda de livros em segunda mão, eu apareço ali como um outsider, olhado um tanto de viés. Antes de ele chegar, vou conversar com a D. Amélia, uma senhora que já me vendeu um lote de fotografias que devem ter pertencido ao capitão de uma das duas companhias que estavam na Guiné entre 1959 e 1961 e que mais recentemente me vendeu um lote de correspondência dos irmãos Barbieri Cardoso. Regra geral, só encontro correspondência ou fotografias de Angola e Moçambique, mas naquela manhã havia um lote bem gordinho de fotografias em que se escrevia no reverso Porto Gole, 1971, indiscutivelmente fora pertença de um jovem de bigodaça farta que por ali viveu um bom tempo, posiciona-se à porta de todos os edifícios, em viaturas, no abrigo, no refeitório, são imagens com que ele seguramente contou dar sossego à família, não há para ali nenhum sinal de guerra declarada.

Passei os olhos por todo o monte de imagens e de repente surgiu esta, a mente levou-me até ao princípio da tarde do dia 2 de agosto de 1968, o barco da mancarra que me levou até Bambadinca aqui atracou, lembro-me, como se fosse hoje daquele caminho que se palmilhava até chegar a terra firme, orlado por terrenos cultivados, guardo a lembrança de tudo, mas quem entrava e saía era população civil, com sacos e animais, gente de todas as idades. Imagem esmaecida, o Geba perdeu cor, e lá ao fundo vê-se o Quínara, que sempre sonhei visitar, e que nunca aconteceu. Coisa curiosa, deixara-se de circular por terra entre Jugudul e Porto Gole, as minas anticarro eram muitas, as emboscadas também, morrera a circulação naquela estrada que passava perto do Enxalé, S. Belchior, Mato de Cão, subia até Missirá, e pela ponte do Gambiel podia-se viajar até Bafatá. Enfim, o Geba era a estrada por onde se ia até Porto Gole, Enxalé, Xime e Bambadinca. Tudo mudará em novembro de 1969, com a inauguração do porto do Xime. Mas a circulação pelo Geba era vital para todos estes aquartelamentos, incluindo os do Leste, de Bafatá para cima.

Não mais voltei a Porto Gole, em 1990, 1991 e 2010 fui até Missirá por aquela estrada, com o alcatroamento já muito danificado, regressei a Enxalé e percorri todo o regulado do Cuor. Mas lembro-me que da estrada se via perfeitamente o monumento comemorativo à passagem de Diogo Gomes, em 1456. Deu-me pare recordar Porto Gole, acho que a fotografia tem o seu encanto com aquelas ondulações do arrozal e aqueles grupos de combate que não sabemos se vêm de uma operação ou para ela partem.

Porto Gole, 1971
Monumento alusivo à passagem de Diogo Gomes em 1456

Continuo a remexer nos maços de imagens que a D. Amélia tem na banca. Há mais fotografias da Guiné, são triviais, estou absolutamente convicto que na generalidade dos casos serviram para sossegar famílias, metem gente sorridente com cobras mortas, refeições e exibem-se cervejas, gente a ler aerogramas. É nisto que pego nesta segunda fotografia, diz enigmaticamente a caminho do Sambuiá, posso estar equivocado, mas iniludivelmente uma boa imagem com o rebentamento de uma morteirada, nunca vira até agora nada de parecido, um instantâneo tão violento. Enquanto olho demoradamente a fotografia, lembro as conversas que tenho tido com o Belmiro Tavares, que por ali andou, e que refere mesmo que numa operação a Sambuiá houve um desastre com uma equipa de morteiros, um acidente estúpido. Mais recentemente, numa carta do tenente Barbieri para o irmão ele refere uma operação no Sambuiá em tom perfeitamente crítico. Por ali passou Gérard Chaliand, um historiador das revoluções, em 1964, na companhia de Amílcar Cabral, passaram depois por Dugal e internaram-se no Morés. Acho que esta imagem nos faltava, valeu a pena ter começado a manhã de compras com estas duas imagens e a gratificação das recordações quem em mim as acompanha.
A caminho do Sambuiá, sem data
_____________

Nota do editor

Último post da série de 24 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26074: (De) Caras (224): Maurício Saraiva, cofundador e instrutor dos Comandos do CTIG, cmdt do Gr Cmds Fantasmas - Parte II: Um dos momentos mais dramáticos que vivi, na sequência da terrível emboscada com mina A/C, em 28 de novembro de 1964, na estrada de Madina do Boé para Contabane, perto de Gobije (Antóno Pinto, ex-alf mil, Pirada, Madina do Boé e Béli, 1963/65)

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26074: (De) Caras (224): Maurício Saraiva, cofundador e instrutor dos Comandos do CTIG, cmdt do Gr Cmds Fantasmas - Parte II: Um dos momentos mais dramáticos que vivi, na sequência da terrível emboscada com mina A/C, em 28 de novembro de 1964, na estrada de Madina do Boé para Contabane, perto de Gobije (Antóno Pinto, ex-alf mil, Pirada, Madina do Boé e Béli, 1963/65)



Guiné > Brá > Comandos do CTIG > c. 1964 > Emblema de braço do Grupo Fantasmas, que pertenceu ao alferes  mil 'comando' Maurício Saraiva.

Angola > CIC - Centro de Instrução de Comandos > 1963  > O alferes mil Maurício Saraiva em Angola, aquando da frequência do curso de Cmds; no CTIG  será depois promoviodo, por mérito, a tenente e a capitão. 
  

Fotos (e  legendas): © Virgínio Briote (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Madina do Boé > 1966 > Vista aérea do aquartelamento (1966). Imagem reproduzida, sem menção da fonte, no Blogue do Fernando Gil > Moçambique para todas. Presumer-se que a sua autoria seja de Jorge Monteiro (ex-cap mil CCAÇ 1416, Madina do Boé, 1965/67) ou de Manuel Domingues, nosso tabanqueiro, ex-alf mil, CCS/BCAÇ 1856, Nova Lamego, 1965/66 (autor do livro: Uma campanha na Guiné, 1965/67).



1. Alferes, tenente e depois cap mil 'comando' (até  chegar a cor inf, na reforma extraordinária), Maurício Saraiva (1939-2002) foi idolatrado por uns, odiado por outros, "um mal amado", no dizer do Virgínio Briote (*)... 

A nível operacional, começou por integrar a 4ª CCAÇ (Bedanda, 1961) e,  depois de frequentar o curso de comand0s (em Angola, sua terra, 1963), voltou ao CTIG como instrutor e também como comandante operacional. 

A seguir à da Op Tridente (jan - mnar de 1964), irá  comandar o  Grupo Fantasmas, de que fez parte, entre outros, o nosso querido e saudoso tabanqueiro Amadu Djaló (1940-2015).  Recorde-se que o sold cond auto Amadú Djaló alistou-se nos comandos do CTIG, a convite do Maurício Saraiva.

O Amadu Djaló frequentou o 1º Curso de Comandos da Guiné, que decorreu entre 24 de Agosto e 17 de Outubro de 1964. Desse curso fizeram parte 8 guineenses: além do Amadu Djaló, o Marcelino da Mata, o Tomás Camará e outros. Deste curso sairam ainda  os três primeiros grupos de Comandos, que desenvolveram a actividade na Guiné até julho de 1965: Camaleões, Fantasmas e Panteras

Interessa-nos conhecer melhor o percurso do nosso camarada Maurício Saraiva, no CTIG, embora saibamos que ele virá a ser gravemente ferido, por mina A/P, em Moçambique, em 1968, enquanto comandante da 9ª CCmds. (Altamente medalhado por feitos em combate, é agraciado em 1970 com o o grau de Oficial da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito; passaria em 1973 à situação de reforma extraordinária: vd. o seu impressiomnante CV militar, no portal UTW - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar.)

Mas demos voz também àqueles que o conheceram,  para além  do Virgínio Briote (*) e da família (**). Foi o caso do António Pinto (***),  ex-alf mil inf, BCAÇ 506 (Guiné, 1963/65), um veterano de Madina do Boé e de Beli mas também um dos veteranos do nosso blogue. É mais um pequeno contributo para o seu "retrato" que o Virgínio Briote ainda há de fazer, se Deus lhe der vida e saúde... (****). 

 

António Pinto, II Encontro Nacional
da Tabanca Grande, Pombal, 2007

Um dos momentos mais dramáticos que vivi, na sequência  da terrível emboscada com mina A/C, em 28 de novembro de 1964, na estrada de Madina do Boé para Contabane, perto de Gobije


por António Pinto 

(...) A memória já me vai traindo um bocado, mas há momentos que jamais poderei esquecer e com certeza que me acompanharão para sempre. 

Guardei alguns documentos daquele tempo e, vasculhando-os, verifico que pertenci à 3ª Companhia de Caçadores, em Nova Lamego, e aos Batalhões de Caçadores, sediados em Bafatá, nºs 506 e 512 e,  finalmente,  ao Batalhão de Cavalaria nº 705.

Sobre Madina do Boé,  estive lá no 2º ano de comissão, lembro-me que fomos os primeiros a lá chegar e montar o 1º aquartelamento que ficou ao fundo da estrada, onde havia uma escola desactivada. 

Os primeiros tempos passámo-los sem sobressaltos de maior até que houve o 1º ataque, não posso precisar a data. Não tivemos feridos.

Há um episódio, no entanto, entre vários, que me marcou bastante. Vou tentar resumi-lo:

Uma tarde estávamos no destacamento, quando, de repente, ao fundo da tal estrada vimos chegar, com grande alarido,  dois ou três jipes com uma velocidade inusitada e alguém aos gritos, que só conseguimos entender quando chegaram à nossa beira. 

Era um grupo de comandos, chefiados pelo alferes  [Mauríco] Saraiva [um homem tremendamente marcado pela guerra em Angola, onde assistiu à morte de familiares seus, (dizia-se)].

Aos berros, pediu-nos viaturas e homens para efectuar uma operação (de que eu não tinha conhecimento ) nos arredores de Madina.

 De tal maneira ele estava transtornado que chegou a puxar de pistola para um furriel do destacamento, que estava a apertar as botas, tal era a sua pressa.

O que não posso esquecer é o pedido que um dos nossos soldados fez para substituir o condutor duma viatura, salvo erro, uma Mercedes, argumentando que, sendo ele pequeno ( e era-o de facto), se uma mina rebentasse,  ele saltava com mais facilidade, pedindo só para deixar tirar a capota da viatura. Não me recordo do nome dele mas vejo-o constantemente...

Essa patrulha, em que não participei, pois o Saraiva não o permitiu, foi atacada, após o rebentamento de minas. Morreram vários camaradas nossos, entre eles o referido condutor, que teve uma morte horrorosa.

Alguns desses camaradas deixaram este mundo nos meus braços e nos do médico que, na altura, estava conosco e que é por demais conhecido - o Luiz Goes, que todos conhecem, com certeza, pelos seus fados de Coimbra.

Este foi um dos momentos mais dramáticos que vivi na Guiné, para além de outros, especialmente em Beli, onde fui ferido (....)


______________

Notas do editor:

(*) 11 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25832: (De) Caras (308): Maurício Saraiva, cofundador e instrutor dos Comandos do CTIG, cmdt do Gr Cmds Fantasmas - Parte I: O "capitão Manilha", por Virgínio Briote (ex-alf mil cav, CCAV 489, Cuntima; e ex-alf mil 'cmd', Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67)

(**) Vd. poste de 6 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11531: As Nossas Tropas - Quem foi quem (12): Maurício Leonel de Sousa Saraiva, ex-cap inf comando (Brá, 1965/67) (Luciana Saraiva Guerra)

Vd. também poste de:


(...) Tenho muito material sobre o cor Maurício Leonel Saraiva. Fotos, documentos e memórias de acontecimentos, histórias que corriam na altura, outras de que fui testemunha e uma ou outra em que até fui protagonista. Gostaria de fazer um trabalho sobre o Saraiva (já em tempos encomendado pelo Presidente da Associação de Comandos, mas que não pude levar adiante).

Foi ele, o Saraiva, que como tenente me convidou a concorrer aos comandos e, dois meses mais tarde, como capitão, foi meu director de instrução.(..:)


quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26052: (De) Caras (223): Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (5) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de setembro de 2024:

Queridos amigos,
Estas três últimas cartas de Pedro Barros e Silva para o seu amigo Paulo António, vindas do SPM 0368, são acima de tudo afetuosas, um faz a guerra com uma grande carga de ceticismo, fala mesmo de uma guerra que parece a do Solnado, o outro deverá andar stressado e com problemas familiares. Penso que a carta anterior de Pedro Barros e Silva deverá ser analisada por um investigador que se interesse por este período, ficamos no desconhecimento da sua arma, possui informações topo de gama e refere explicitamente numa das suas cartas que desembarcou numa área do Sul, onde teríamos sofrido quatro mortos. Agora é questão de atar estas cartas com um cordel e entregá-las no Arquivo Histórico-Militar.

Um abraço do
Mário



Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (5)

Mário Beja Santos

Nota explicativa: o conjunto de cartas que adquiri dizem estritamente respeito a correspondência efetuada na Guiné, e dirigida a Paulo António Osório de Castro Barbieri, residente em Lisboa, embora uma das cartas endereçadas por Pedro Barros e Silva seja dirigida a este destinatário em Palmela. São duas cartas do irmão, tenente Nuno Barbieri e quatro endereçadas pelo Alferes Barros e Silva, inequivocamente um amigo íntimo do destinatário. Havia mais correspondência, mas não tratava da Guiné. Deste pequeno acervo julgo que o documento mais importante foi a carta de Barros e Silva, publicada nas duas últimas semanas. As três que restam, datadas de 15 de fevereiro, 19 de abril e 9 de novembro, de 1966, possuem muitas considerações por caráter privado, houve que as omitir pelo respeito de quem escreveu e quem recebeu.

Em 15 de fevereiro, escreve assim Pedro Barros e Silva:

“Meu caro Paulo,

Depois de ter passado uma semana em Bafatá cheguei hoje a Bissau onde me esperava uma tua carta. Se, por um lado me inquietou ver que te falta a saúde, por outro lado alegra-me teres modificado o teu estilo epistolar. Entre nós há estilos que não encaixam e entre eles os dos relatórios de citação.

Compreendo e sinto o teu problema, pois também me debato com outro semelhante. A plataforma que tenho procurado encontrar para me entender com o resto, ainda não encontrei. É uma ação negativa que me é parecida, quando a vou buscar, mas sem encanto, como o amor de uma prostituta.

O que ainda me vai animando e me vai oferecendo um pouco de atração a esta coisa é eu ter a consciência de que estou continuamente oscilando entre a animalidade e o misantropismo.

E, entretanto, a guerra continua empatada, sem que nenhum dos contendores tenha força nem talvez vontade para a desempatar. É uma guerra tipo Solnado.

Espero que os teus exames tenham corrido bem, que estejas melhor e que me escrevas em breve dando notícias de ti.

Um grande abraço amigo do Pedro,”


Em 19 de abril, o alferes Barros e Silva dirige-se deste modo ao amigo:

“Meu caro Paulo,

Já há bastantes dias que tinha iniciado uma carta, mas ultimamente tenho feito tal vida de andarilho que só agora te escrevo dando mais uma vez motivo para o desencartar da nossa correspondência. Na carta que me escreveste analisavas os vários tipos de fazer a guerra e como tu escreveste devo fazer para do grupo C (os que a fazem tendo por único Absoluto o mar de dúvidas, de incertezas, de relatividades). Simplesmente eu preferi fazê-la de uma outra maneira, mais quente. É que não passo de um alferes.

Tens razão ao relembrar-me o tipo de guerra. É por eu o compreender que me chateia a maneira como esta malta a faz, com muita papelada, muito empecilho burocrático, muita leizinha, muitas merdinhas que quase nos paralisam e que só servem para complicar aquilo que é tão simples.

Não sei se já te falei do assunto, mas tive em sério risco de apanhar uma porrada, pelo menos ameaçaram-me. Motivo: participei de que tinha conhecimento de uma operação realizada em tal data, numa zona do Sul da província e revestida de certa importância. Como caí na asneira de citar o nome de um major, saltaram-me em cima. O pior é que mal desembarcámos tivemos quatro mortos. Os gajos até sabiam o sítio certo de desembarque e limitaram-se a estar à espera.

Caríssimo, não leves tanto tempo como eu a escrever, pois é sempre com grande alegria que leio as tuas cartas amigas.

Um grande abraço amigo do Pedro.”


Temos agora o teor da última carta, data de 9 de novembro:

“Meu caro Paulo,

Não vejo o motivo para te preocupares com o atraso que me respondeste. Também eu já me tenho atrasado, contudo, tive sempre a certeza de que me compreenderias.

Acerca do que me escreveste, não fiquei surpreendido. E decerto que tu também não. Algumas vezes falámos sobre o assunto quando eu ainda aí estava. Vejo que os estudos manquejam, a família chateia-te, tudo te chateia, sentes-te mal no meio de tudo isso. Muda-te, pois, vai para qualquer outro sítio onde a operação seja menor e menos pesada. Em 2 de dezembro espero estar aí, tenho muito para te contar.

Paulo, escreve-me quando quiseres e como quiseres, pois eu procurarei sempre de todos os meus meios compreender-te e estar contigo.

Um grande abraço do teu amigo Pedro.”


A cidade de Bissau que o alferes Pedro Barros e Silva também conheceu
_____________

Nota do editor

Último post da série de 8 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26021: (De) Caras (222): Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (4) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26021: (De) Caras (222): Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de setembro de 2024:

Queridos amigos,
Se é verdade que o tenente Barbieri, na primeira carta aqui publicada, nos dá conta de uma desastrada operação que ocorreu na Península do Sambuiá, obrigando-nos a refletir como todos nós fomos impelidos a viver desaires militares pelo desenho de operações que desconhecia cabalmente o terreno, esta carta do alferes Pedro Barros e Silva é um documento significativo para se ver como em 1966, e seguramente que ele estava altamente informado pelos dados que aqui apresenta, já havia quem, lucidamente, antevia um final pouco feliz para a nossa presença na Guiné, o PAIGC, por este tempo, já dispunha inequivocamente de um armamento no terreno muito superior ao nosso. Ainda vou bater à porta da minha fornecedora para ver se, por bambúrrio da sorte, ainda se possam encontrar mais correspondência deste alferes que devia ter acesso às mais cotadas informações militares, e não só.

Um abraço do
Mário


Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (4)

Mário Beja Santos

Nota explicativa: tratando-se da segunda parte da carta dirigida em 17 de agosto de 1966 ao alferes Pedro Barros e Silva do seu amigo Paulo António, em Lisboa, convém alertar o leitor que tem tudo a ganhar em ler o texto anterior, lendo e relendo o que o militar enviou para Lisboa já não duvido tratar-se, deste pequeno acervo que adquiri recentemente na Feira da Ladra, de um significativo documento que pode e dever ser orientado para investigadores. 

O alferes Barros e Silva começa a refletir-se sobre como se processou a colonização na Guiné, se as mudanças em curso, perpetradas pelas autoridades portuguesas, chegam ao bom porto, ele está profundamente cético; destaca seguidamente a atividade do PAIGC, aí não tem dúvidas que será na Guiné que se irá definir o futuro do Estado Novo (recorde-se que a carta é escrita em 1966).

É precisamente aqui que ele continua:

“E comparado com a porrada que aqui vai haver e até talvez com a que já há, as lutas de Angola e de Moçambique hão-de parecer infantis guerras de índios e cowboys. O terreno e as populações, e a situação geográfica aliados às estratégias em luta, a intensificação da propaganda IN, a ocupação efectiva de vastas regiões e consequente organização político-administrativa, o aumento da capacidade de combate (armamento, instrução, efectivos, etc.) e o crescente número de russos e cubanos que lutam nas fileiras do IN. Eis alguns indícios cuja análise nos fornece uma desagradável conclusão.

O terreno não é mau nem bom, é simplesmente impróprio para efectuar acção com motorizados. Assim, restam a artilharia e a aviação por um lado, a infantaria por outro. Deste modo, tem de morrer muita gente para os desalojar.

As populações são turras e nós quando as não chateamos não as controlamos, quando as chateamos, elas cavam e vão para as praças-fortes do IN, contribuindo assim para o engrossamento das fileiras deste.

Das estratégias e situação geográfica já falámos. Passamos agora à propaganda.

Há mais de um mês que o IN nos dedica quase diariamente um programa. O convite à deserção é apresentado como algo de aceitável e até de louvável; isto misturado com algumas deserções extraordinárias do vice-chefe da segurança e de outros. 

Insiste-se sobre a situação desesperada em que nos batemos, tudo por causa dos miseráveis capitalistas exploradores do povo, etc., do que o povo português não tem culpa nenhuma. E aqui entram no baile as Frentes Patrióticas com os seus folhetins tais como o ‘Passa Palavra’ e outros, fazendo ver aos compatriotas que somos uns malandros se andarmos a matar os nossos queridos irmãos de cor. E tudo por causa dos fascistas alemães que dão armamento aos salazaristas a troco do santo território pátrio. Estás a ver o género.

Até que ponto estas lengalengas influem no moral do soldado, não sei em absoluto. Mas parece-me que o soldado nem as ouve. Para ele a propaganda adequada é outra.

Como já escrevi por aí, o IN ocupa além do Oio, o Cantanhez, o Quitafine e o Como. São verdadeiras praças-fortes dotadas de abrigos contra ataques aéreos, etc.

Outras regiões foram organizadas política e administrativamente na base de grupos, subsecções e secções. Mas organização em terra de preto é como manteiga em nariz de cão. O mais importante é o poderio militar do IN nestas regiões.

As secções do Exército Popular encontram-se fardadas, treinadas e armadas até aos dentes. E, para ajudar à festa, temos os russos e os cubanos (estes, pelo menos, já têm levado umas coças bastante razoáveis). Pensa-se que dentre em pouco estarão na Guiné mil ou mais cubanos.

O material que o IN possuiu é o que de há de melhor pelos sítios. Só lhes falta aviação e marinha. De resto, postos-rádio, antiaéreas quádruplas, canhões sem recuo de infantaria (fala-se em obuses), bazucas, rockets, morteiros de 61, 82 e até talvez de 120, metralhadoras de todos os tipos e feitios, automáticas a dar com pau, enfim, estão mais bem armados que cá a rapaziada.

A missiva já vai longe. Não era minha intenção massacrar-te com este cumprimento salazarento. Antes de acabar ainda te quero falar sobre as tais prisões e das consequências que delas advieram. Não era segredo para ninguém que muitos dos ocupantes de cargos administrativos estavam à espera de serem ministros. Como o Governo salazarista não os satisfazia, resolverem oferecer os seus préstimos à outra equipa. Neste caso, ao contrário do que acontece com o futebol (lá se foi a Comunidade Luso-Brasileira) quem pagou as luvas foram os jogadores. 

Assim, em Bissau até havia o futuro Presidente da República (abastado comerciante, explorador das carreiras navais para o interior da província e, portanto, da tropa, suspeito de tráfico de armas, dono dos barcos que em 1963 se enganaram na rota e foram mais para o Sul), ministros em profusão nas pessoas-vice-presidente da Câmara, de um vogal no conselho administrativo e até de um modesto alfaiate do Batalhão de Intendência. Todas estas prisões e outras de menos importância tiveram por base o célebre atentado de Farim de que falei na altura.

Ora quando a gente lhes buliu,  os homens grandes de Bissau, os turras muito logicamente decidiram meter um cagaço aos rapazes de Bissau. Assim, deslocaram uns mil ou 2 mil mânfios para a região Nhacra – Mansoa (Balantas, quase todos turras). Este tem-se entretido a chatear a rapaziada. 

Os Comandos ficaram à nora, mandaram as mulheres e as crianças para a metrópole, e de vez em quando lançam tremendos alarmes gerais por toda a cidade. Muito construtivo.

Entretanto, o batalhão de Mansoa tremeu, tremeu e disse: não posso mais. Então, os avisados homens grandes das estrelas decidiram reforçá-lo com unidades vindas do Norte.

Os negros, servos do diabo, agora entretêm-se no Norte a cortar estradas com valas e abatises (o que não acontecia há 2 anos).

Bem, não te quero maçar mais apesar de haver muito mais para dizer.

Um grande abraço do amigo,
Pedro

P.S – lê o artigo de Raymond Cartier no Diário de Notícias de 5 de agosto"

Distribuição do correio, imagem registada na RTP no Natal de 1966, Guiné

(continua)
_____________

Nota do editor

Último post da série de 3 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26005: (De) Caras (221): Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (3) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26005: (De) Caras (221): Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de setembro de 2024:

Queridos amigos,

Devo a seguinte explicação. Adquiri inicialmente um conjunto de aerogramas, posteriormente perguntei à minha fornecedora se podia remexer lá no saco e ver se havia ainda alguma correspondência da Guiné. Apareceram, de facto, mais cartas do tenente Nuno Barbieri, mas datadas de Luanda, no nosso blogue só trato da Guiné e não vi razão para abrir exceções. 

O que obtive foram mais cartas de um amigo de Paulo António, o alferes Pedro Barros e Silva. Começo por uma carta extensa (publica-se agora só metade), toda esta correspondência foi escrita em 1966, o autor é uma pessoa incontestavelmente informada e culta, a redação comprova-o. 

Vista à distância, tratou com argúcia e pertinência certas observações, outras falhou redondamente, caso do Senegal, naquele mesmo ano de 1966 o PAIGC, depois de um encontro entre Senghor e Cabral, viu a sua vida facilitada com o transporte de pessoal e armamentos através de diferentes corredores; e não passava de pura especulação a possibilidade do PAIGC implantar uma estrutura governamental no Quitafine. 

Esta carta é merecedora da nossa atenção.

Um abraço do
Mário



Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (3)

Mário Beja Santos

Dei conta ao leitor que nas minhas deambulações pela Feira da Ladra vou sempre cumprimentar potenciais fornecedores, um deles dispõe em cima da sua banca álbuns fotográficos, caixas com velhos bilhetes-postais, fotografias avulsas, maços de aerogramas (infelizmente só de Angola e Moçambique), material avulso, desde programas de ópera a teatro de revista, tudo para satisfazer a clientela de colecionistas, que ali aparece em número apreciável. 

Bato quase sempre com o nariz na porta, mas desta feita apareceram para ali, primeiramente, quatro cartas destinadas a Paulo António Osório de Castro Barbieri, duas escritas pelo seu irmão na Guiné, Nuno Barbieri, e outras duas escritas por um alferes na Guiné, seu amigo, Pedro Barros e Silva, SPM 0368. 

Posteriormente, e depois de pedir à Sra. D. Amélia se tinha mais cartas dentro dos seus sacos, apareceram outras escritas pelo tenente Nuno Barbieri mas relacionadas com a sua presença em Angola, e mais duas de um alferes amigo de Paulo António, Pedro Barros e Silva. 

Já aqui se publicaram as duas cartas de Nuno Barbieri para Paulo António, vejamos agora uma das quatro cartas de Pedro Barros e Silva, datada de 17 de agosto de 1966 (as demais cartas são igualmente de 1966):

“Meu caro Paulo,

Escrevo esta carta na esperança que ainda siga para amanhã no avião militar. O mais provável é que ou o avião não segue ou não segue a carta. Enfim, tenta-se. Recebi a tua carta que chegou, como sempre, em boa altura. Já começava muito seriamente a temer que tivesses ficado submergido sob a avalanche dos exames, mestres, doutores e professores. Felizmente que te safaste com vida e fiquei bastante satisfeito por saber que os teus exames te tinham corrido positivamente. Podes crer que o meu patriotismo ficou ao rubro quando li que tinhas arrancado um 16 a tal coisa da História. Por momentos até acreditei que tivesses entrado no bom caminho. A Pátria que tanto fez por ti não merece as tuas ingratidões. Como já vai sendo habitual, a seguir aos teus exames, aos teus embates ferozes com a sapiência, entras gosse-gosse na tua caverna da Outra Banda, lá ficas a desintoxicar e a descontrair. Eu é que já estou bem necessitadinho de uma caverna pois começo a ficar nas lonas.

Já estou farto desta merda toda. Queres crer que não me importava nada, mesmo nadinha, poder estar fazendo uns estudos sobre essa tal fauna estival de que falas. Bem, espero que as pesquisas decorram frutuosamente e que a tua loura Fúria (loura ou morena?) te não prejudique nos teus trabalhos.

Escrever sobre a situação da Guiné não me parece muito simples. Mas deixemos o perlapié para dezembro, quando eu aí for. Por agora, vou procurar mostrar-te alguns aspectos da situação. Acertaste quando escreveste que eles tocam e nós dançamos. Contudo, não é bom esquecer que não são eles os regentes.

Quando cá cheguei entretive-me durante uns tempos a analisar as relações entre os militares e a população civil. Desta exceptuei os que vieram para a Guiné posteriormente à eclosão da porrada. A presença dos militares é tolerada. Na verdade, o máximo que nos parece ser permitido é pedir que não nos chamem muito alto filhos da puta. Esmagados pelo nosso complexo de culpa, nós, os maus e impuros, vamos atafulhando de dinheirinho as algibeiras dos bons e puros. Talvez eles nos deixem de chamar nomes feios.

Não julgues que este modo de pensar é característica exclusiva dos ‘velhos’. Uma boa parte dos novos também acha que se a gente tratar bem os pretinhos estes nos perdoariam por todos os séculos de chicotada que têm no lombo (se os visses trabalhar perguntarias para que serve o chicote) e passariam a ser bons cristãos e bons portugueses. Normalmente, após terem bebidos uns goles de água da bolanha mudam de ideias e então querem é pisgar-se. Mas isto tem que ser visto no contexto geral das estratégias que uma e outra parte utilizam. As ideias-base da nossa estratégia coincidem com as ideias-base da estratégia inimiga. Diferem no sinal. Assim, enquanto a estratégia do IN é ativa, conquistadora, lançada para um futuro, a nossa é passiva, conservadora, projeção do passado (dos tais 5 séculos).

Assim, bem podemos bradar aos quatro ventos que o IN ataca indistintamente brancos e negros. Será que também não haverá maus negros, traidores que a troco de uns patacões estão prontos a lutar (e alguns bastante bem) do nosso lado?

Nem tudo que é do lado de lá está o lugar deles e efetivamente é lá que está a grande maioria. E porquê? Quando nós dissemos aos Felupes, aos Sossos, aos Fulas, aos Balantas, aos Mandigas, a todos esses selvagens que se odiavam de morte, que eram todos portugueses, todos filhos do mesmo Deus que também era o nosso, quando os afastámos dos seus usos, deturpámos e aviltámos os seus sítios, os arrancámos à tabanca e os lançámos na cidade, não fizemos mais que criar as condições que permitiram a atual situação. Quando o IN proíbe severamente o tribalismo e os privilégios tribais, chama-os a todos guineenses, dá-lhes o português como língua única, limita-se a continuar aquilo que nós iniciámos e que incompreensivelmente continuamos. Quanto a mim, tendo em linha de conta um e outro dispositivo, a derrota é inevitável, a menos que se alterem certos factores externos que influem decisivamente e são susceptíveis de alterar profundamente a situação. Eles tocam, mas não são eles os donos dos instrumentos.

Parece-me que o factor mais importante é a atitude que os EUA possam vir a tomar. Até que pontos os ianques estarão dispostos a auxiliar-nos a ganhar esta guerra (no fundo, trata-se somente de impedir os outros de a ganharem, já que nós somos insuficientemente incompetentes para o fazer).

Vou deixar propositadamente para trás as nossas possibilidades de conquistar a mão da donzela. Há muito que andamos afastados destas lides e andamos esquecidos. Durante algum tempo ainda pensei que quiséssemos empatar a disputa (engolindo à pressa mais vitaminas), hoje cheguei à conclusão de que não temos a audácia e força para a desempatar. Assim, esperemos que o outro pretendente tenha uma paralisia infantil. Ora o outro pretendente é o PAIGC (que tem dois primos raquíticos, a FLING e a FLING combatente). As surpresas do rapaz dependem da atitude que tomarem uns parentes um pouco mais idosos: o Senegal e a Guiné.

Como é óbvio, a posição desses é determinada pelos cataventos da História. Ora sopram daqui, sopram dali. Pelo que toca ao Senegal, está-me a parecer que o PAIGC está a levar com os pés. Não é que os senegaleses nos beijem na boca e nos chamem Tarzan, mas eles têm medo de que o PAI de parceria com o PAIGC lhe meta um cagaço. E como a região do Casamansa é a base do PAI, os rapazes senegaleses estão a empurrar os turras para longe. Para começar proibiram todo o trânsito de material de guerra no seu território.

A concretizar-se mais profundamente o desafio que o Senghor está a oferecer ao Amílcar, é admitir que este tenha de abandonar ou pelo menos de diminuir a intensidade da luta no Norte e até talvez seja levado a abandonar uma das suas mais tradicionais posições: o Oio (apesar do que para aí dizem, nós não entramos no Oio).

Não se alterando a posição do Touré, é provável que tivéssemos de enfrentar um endurecimento da porrada ao Sul, que é, sem sombra de dúvida, aonde estamos de cócaras e onde eles têm posições tão seguras que até já pensam em instalar o Governo no Quitafine. Quanto à Guiné, falou-se por aí de umas desinteligências entre o Amílcar e o Touré. Quanto a mim, não passa de um bec-bec. As forças do PAIGC representam, para o Touré um tampão que lhe protegerá para a fronteira Norte e se necessário o ajudará a manter-se no trono, já que no Sul o rapazola (recentemente cognominado de Le Grand Soleil – maravilhas do socialismo africano) estão de calcinhas, ou por outra, de tanga na mão. De resto, parece-me que não seria muito difícil dar-lhe umas boas palmadas no rabo. Os ebúrneos que se entretenham. Eles têm para lá uma FNL (decerto que entendes a sigla) e já chamam bandidos e outros nomes feios aos moços do PAIGC. Para mim, tanto faz que lá esteja o Mamadu, o Baldé ou Fosquinhas. O principal é que se dê o chuto nos tais bandidos e seja amigo da tropa. A actual situação militar, como já deves ter depreendido através dos monocórdicos comunicados não é propriamente fantástica. A maralha não defronta uns bandos mas (e eu sei) gajinhos muitíssimo bem treinados e ainda por cima enquadrados por russos (chamemos assim aos brancos do lado de lá) e cubanos. Vou até ousar afirmar que não é em Moçambique ou em Angola que vão incidir maiores esforços do IN para nos pôr a andar. É aqui na Guiné.”


Interrompemos aqui a carta de Pedro Barros e Silva para Paulo António, é muito extensa e escusado é relevar que merece ser lida com a maior atenção.

Mensagens de Natal, Guiné 1966, RTP Arquivos

(continua)
_____________

Nota do editor

Post anterior de 24 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25976: (De) Caras (220): Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (2) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 24 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25976: (De) Caras (220): Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de setembro de 2024:

Queridos amigos,
Esta carta do tenente Barbieri para o seu irmão, Paulo António, em Lisboa, terá a ver com uma viagem que este oficial da Armada fez a caminho de Luanda com paragem em Bissau. Não deixa de surpreender a riqueza da informação que foi prestada, certamente no Comando de Defesa Marítima da Guiné. Há, evidentemente, dados arbitrários, discutíveis, desde os 10% do domínio territorial do IN, passando pelo gasto de 80 granadas de morteiro numa operação de emboscada, até ao poderio naval do IN, nesta data o PAIGC já deslocava pela calada da noite embarcações no Sul, daí as operações com êxito efetuadas pelo comandante Alpoim Calvão, a previsão do tenente de Barbieri quanto a um poderio naval no Sul nunca se concretizou, bem como o sistema antiaéreo que ele refere na região do Quitafine acabou por ser aniquilado. Este documento, à semelhança da correspondência para Paulo Barbieri, prendendo-se sempre com o tema da guerra colonial, será posteriormente entregue no Arquivo Histórico-Militar.

Um abraço do
Mário



Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (2)

Mário Beja Santos

Dei conta ao leitor que nas minhas deambulações pela Feira da Ladra conto sempre cumprimentar potenciais fornecedores, um deles dispõe em cima da sua banca álbuns fotográficos, caixas com velhos bilhetes-postais, fotografias avulsas, maços de aerogramas (infelizmente só de Angola e Moçambique), material avulso, desde programas de ópera a teatro de revista, tudo para satisfazer a clientela de colecionistas, que ali aparece em número apreciável. Bato quase sempre com o nariz na porta, mas desta feita apareceram para ali quatro cartas destinadas a Paulo António Osório de Castro Barbieri, duas escritas pelo seu irmão na Guiné, Nuno Barbieri, e outras duas escritas por um alferes na Guiné, seu amigo, Pedro Barros e Silva, SPM 0368. Já aqui se publicou a primeira carta de Nuno Barbieri para Paulo António, vejamos agora a segunda, com data de 12 de maio de 1967:

“Meu caro Paulo:

Deixei Bissau ontem à tarde sob a ameaça de um tornado, que não tardou a desabar sobre nós no canal de Geba e que veio anunciar a época das chuvas por estas paragens. No momento presente o céu está aberto e o Sol começa a escaldar e isto a umas escassas milhas da costa, pois há cerca de 1 horas passámos pelo través do Cabo Verde. Não só este regime é instável, como também estamos em presença de um microclima, o da Guiné.

Devo dizer-te que um dia antes de chegarmos à Guiné a cor do mar sofreu uma alteração sensível de azul para verde-sujo e isto seria uma amostra da cor das águas marinhas daquela costa. Quando nos levantamos verificamos com desagrado que o mar passara a cor de água de charco. Costa não se via ainda, embora pouco mais tarde nos aparecesse misteriosa, encoberta por um véu de neblina que nós atribuímos ao facto de ainda ser manhã cedo.

A nossa chegada a Bissau foi um acontecimento para as forças navais, que nos vieram esperar sob formatura, com todas as pequenas e ‘grandes’ unidades disponíveis no momento. Era uma da tarde e Bissau continuava encoberta por uma neblina agora parda e apenas nos deixava ver a orla costeira de edifícios e árvores. Sob os nossos pés a chapa de aço fazia arder os sapatos e começava a tornar-se incomodativo para quem como nós tínhamos de estar parados em formatura. Devo dizer-te também que no dia anterior à nossa chegada já a noite se apresentou húmida embora estivesse longe da costa e isso não se parecesse nada com o que nos esperava: 93% de humidade na atmosfera!

Tirando os habitantes e os arredores, Bissau parece uma cidade portuguesa de província onde a desmentir tal facto existe talvez um excesso de geometria no traçado das ruas e um elevado número de cores no tipo de moradias. No entanto, existe qualquer coisa que nos lembra imediatamente que estamos numa terra sob a nossa influência. A presença islâmica é aqui verdadeiramente notável, tendo dado ao negro não só uma aparência de dignidade como também uma mobilização humana orientada que nos pode ser útil ou difícil de suportar, conforme a soubermos manejar.

Etnicamente a Guiné compõe-se de Fulas, Futa-Fulas no Leste, Balantas na faixa central, Mandigas na zona de Como e Cantanhez, Papéis e Balantas ao pé de Bissau e Manjacos no Noroeste. Os Fulas não podem com os Balantas e vice-versa, no entanto as nossas autoridades esforçam-se para a pacificação e é nesse sentido que se procura encarar a fraternização dessas duas etnias. 

Se se perguntar qual a razão por que o terrorista se estabeleceu com tanta força no Sul, e se encarniça a defender essas terras, é porque essa é a zona mais rica em agricultura da Guiné, arroz, e também porque pode receber diretamente da República da Guiné o apoio de que necessita.

As vias de abastecimento do IN são nossas conhecidas e de vez em quando flageladas. Tal conhecimento não nos impede, no entanto, de permitir outras vias sob pretextos humanitários, de tratamentos médicos à população do Senegal que ‘pacificamente’ entra na Guiné para receber tratamento.

Chega-se agora à conclusão da necessidade de organizar a nossa administração sob o tipo de hierarquias paralelas, como único meio de fazer frente à forte organização IN. Este realiza um esforço triplo: de informação, de abastecimento em pessoal e material, e finalmente o de guerra.

 A sua informação na maioria dos casos é superior à nossa e a tal ponto que o fator surpresa não conta praticamente para o nosso lado. O seu abastecimento é bastante eficiente pois material não lhes falta, nem tão pouco munições. É vulgar o IN gastar numa operação de emboscada 80 granadas de morteiro. Como sabes, apareceu agora como novo elemento na dança o canhão sem recuo, que é transportada às costas até ao local da emboscada. Ao longo das principais do IN encontram-se peças antiaéreas duplas que tornam praticamente ‘impossível’ o voo da FAP.

Existe também um contra às nossas ações que é dado pela uniformidade de relevo da Guiné. A falta de pontos conspícuos torna difícil a navegação marítima e terrestre. Sempre que uma força é obrigada a desvia-se de estradas ou picadas por razões de surpresa ou de segurança, tem de se fazer navegação por bússola aproveitando o tipo de vegetação como elemento auxiliar na identificação da posição.

A navegação costeira é feita a olho assim como a determinação dos pontos de reunião de forças desembarcadas com as unidades navais de recuperação. Tal facto apresenta o inconveniente da escolha obrigatória de pontos de desembarque e de reunião, facilmente identificados pelo IN.

Logo que os informadores de Bissau assinalam a partida de uma força anfíbia ao Sul, para o Norte, pelo Geba acima, imediatamente as posições prováveis de desembarque e de ação se tornam identificadas. Para fugir a este inconveniente, o desembarque realiza-se muitas vezes acima de um arbusto, quase arbóreo, que pela sua densidade forma uma massa impenetrável. É o tarrafo, que separa a linha de água da terra firme, numa margem de cerca de 300 m e que é necessário percorrer de ramo em ramo com o material às costas e de regresso, com feridos, prisioneiros e material apreendido. Assim consegue-se desembarcar em qualquer lugar do rio ou da costa e ganha-se segurança. 
Porém, o desgaste físico é violentíssimo e a operação de desembarque demora por vezes 45 minutos. 

Outro aspeto característico da Guiné é a quantidade de líquidos que se absorve e o facto de nunca se conseguir ter o corpo seco. Qualquer gole de água que se beba parece que nos sai logo pelos poros da pele. O calor é muito violento, embora exista sempre uma aragem do mar que no nosso suor nos dá uma sensação de frescura. É apenas uma ilusão provocada pela evaporação do suor e talvez mesmo um meio de defesa.

Tudo isto se conjuga para nos dar a ideia de que a Guiné não é para nós a não ser um divertimento ou uma escola militar. É importante salientar o facto de que as populações indígenas constituírem no interior sistemas de autodefesa bastante eficientes e que por vezes por sua iniciativa tomam parte em ações deliberadas contra o adversário. Além disso, existe na Guiné a milícia que tem feito grandes ações e dado provas de bravura muito superiores a algumas das nossas forças.

Como sabes, o terrorista esforça-se para dominar as zonas ricas de gado e agricultura, não só para debilitar a economia da província como para resolver os seus problemas. Assim, pelo domínio substitui a nossa hierarquia administrativa pela sua, que compreende técnicas especializadas em assuntos agrícolas. Aonde o seu domínio não pode ser efetivo, o terrorista em ações isoladas vai subtrair às populações pela força o arroz de que tem necessidade. Porém, isso autoriza a nossa propaganda a classificá-lo como IN. 

Para fugir a tal classificação, o exército popular da libertação da Guiné começa a vir às nossas zonas comprar o arroz às populações com a nossa moeda, o que significa possuírem dinheiro suficiente para nos fazer concorrência ao nosso poder de compra!

Para terminar, basta dizer que o nosso espírito é o do saudosismo pela causa abandonada na metrópole. Felizmente ainda existem casos de reação e de vontade e que com a escassez de meios ao seu dispor conseguem equilibrar e, ultimamente, obter lenta vantagem militar.

Encontrei o Pedro
(adquiri na Feira da Ladra duas cartas do alferes Pedro Barros e Silva também dirigidas a Paulo António Barbieri, delas se fará referência adiante) no Quartel-General onde trabalha numa repartição de nome estranho e pouca importância. 

Persiste no bigode, embora mais curto para substituir as penosas operações militares dedica-se por vezes a pequenos distúrbios. Basta dizer-te que apanhou com uma garrafa na cabeça, mas segundo ele o adversário ficou pior! Saudoso de casa, isto é, da Europa e certos alimentos, o Pedro espera ardentemente livrar-se da Guiné. Faz projetos de férias que, suponho, te vai participar na próxima carta. 

Quanto ao seu aspeto físico achei-o bom embora com aquela cor um pouco verde da gente que aqui vive. As suas taras mantêm-se vivas e julgo que contraria outras bem mais numerosas. Jantei com ele no batalhão de engenharia por convite do coronel Branquinho e esposa. O comandante situa-se perplexo durante a guerra e diz-nos que a nossa ação será difícil. Esquece, porém, uma coisa, que estamos perante um teatro de operações que é do tamanho das nossas terras a Sul do Tejo e que de todo esse teatro só 10% está nas mãos do IN. 

Embora o terreno seja realmente difícil de atuar, as suas dimensões são, por outro lado, um auxílio nosso. A 20 km de Bissau as tropas estão em guerra o que mostra da parte do adversário o conhecimento que as dimensões estão contra ele. Obrigado por razões de economia a estabelecer-se em força no Sul, espalha-se pelo resto do território para evitar que esses 10% de espaço ocupado e de ação se situem numa zona delimitada, fácil de cercar e estrangular pelas suas pequenas dimensões.

Tudo isto é razão de sobra para a nossa atitude de boca aberta. Enquanto os comandos militares sofrerem de admirações e indecisões deste tipo, julgo que a supremacia será deles.

De todos os seus problemas talvez o das vias de comunicações seja o maior. Este traz problemas de atraso de abastecimentos e das informações e ordens, ao mesmo tempo que só são verdadeiramente possíveis deslocações no sentido Oeste-Leste. Norte-Sul implica o atravessar de numerosas vias de água, esta é a menor dimensão da Guiné logo para azar dos turras. Imposição por virtude de necessidades, de atravessar vias de água obriga os turras a lançarem mão de construção naval: pirogas, porém, uma vez obrigados a aceitar água, o turra serve-se dela para acelerar o abastecimento e a informação no sentido longitudinal, reduzindo assim uma combinação de deslocamentos terra-água o comprimento da Guiné para efeitos de tempo.

Parece-me nunca ser possível ao IN a utilização de outro tipo de embarcação, a não ser que a consolidação das suas posições no Como e no Cantanhez permita a instalação de artilharia de costa e assim estabelecer águas territoriais independentes ao Sul.

Essas águas independentes serão a porta de entrada de embarcações de guerra bem equipadas que a República da Guiné lhes queira fornecer. Primeiro como base naval, depois como irradiação do poderio naval para o interior, o Sul apresenta-se hoje como uma pedra-chave ao poderio do IN. 

A nossa fiscalização, embora dificultada pela ação das margens, não tem encontrado reação pelo próprio meio. Esta inicia-se agora por meio de minas nos rios, já tendo sido danificada uma lancha de desembarque, a ação no próprio meio a longo prazo e depois em ação direta do poderio naval. Isto obrigará da nossa parte a um aumento do custo da guerra, o qual deixará de ser compensado pelo nosso fraco objetivo ideológico.

Julgo ter-te dito tudo quanto consegui concluir no prazo de 2 dias em que aqui permaneci. Dá à família os carinhos devidos e insiste no estado perfeito da minha saúde, Nuno".


(continua)

_____________

Nota do editor

Post anterior da série de 17 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25951: (De) Caras (219): Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (1) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25951: (De) Caras (219): Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de setembro de 2024:

Queridos amigos,
Sendo completamente inútil tecer juízes moralizantes quanto às razões pelas quais aparecem na Feira da Ladra correspondência privada, ainda por cima comportando, dada a proveniência deste expedidor e deste recetor, compreensíveis melindres, que os herdeiros deviam acautelar, esta correspondência contribui para a compreensão do estudo de mentalidades, estão em causa duas pessoas de formação superior, pode avaliar-se que o expedidor tem noções claras sobre o muitíssimo que é necessário fazer para inverter a evolução da guerra na Guiné e temos aqui uma apreciação sobre os erros praticados, por incapacidade de avaliação estratégica ao nível de Comandos, numa operação que decorreu em junho de 1970, na Península do Sambuiá. Entregarei, como é óbvio, esta correspondência no Arquivo Historico Militar.

Um abraço do
Mário



Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (1)

Mário Beja Santos

Nas minhas deambulações pela Feira da Ladra, tenho entre os meus fornecedores uma senhora que tem sempre na banca coleções de aerogramas, álbuns com oficiais da Armada, imensas caixas com bilhetes postais, fotografias, correspondência avulsa. Nesses sábados em que a visito há sempre um ritual da pergunta se apareceu algo relacionado com a Guiné, aerogramas, cartas, imagens. A resposta é sistematicamente negativa, o correio de guerra é sempre polarizado por Angola e Moçambique. Mas eis que naquela manhã a senhora me acenou e disse tenho ali uma carta que diz ser de Bissau, tenho a impressão que tenho lá mais, veja se lhe interessa, se lhe interessar trago o que encontrar.

Esta primeira carta endereçada a Paulo António Osório de Castro Barbieri foi-lhe escrita pelo irmão, tenente Nuno Barbieri, SPM 0418, tem interesse histórico, por isso se reproduz na íntegra. Caso o leitor pretenda saber quem escreve e quem recebe este documento, basta ir ao Google.

Vejamos, pois, o conteúdo da mesma, a primeira a que se irá fazer referência:

Bissau, 28 de junho 1970

Meu caro Paulo:

De boas intenções está o mundo cheio, no entanto é bem mais difícil concretizá-las. Refiro-me, é claro, aos teus anos que acabam de decorrer, a 23. Partindo do princípio que compreendes o que se passou, deixo de lado este assunto, enviando-te, no entanto, um grande abraço de parabéns, um pouco tardio.

Dificilmente consigo compreender as motivações que levam o pai a ocultar-me determinados assuntos, a não ser aqueles inerentes ao próprio “segredo absoluto”, que de forma alguma podem ser conhecidos de uma pequena minoria. Trata-se, decerto, do segredo dos deuses. Porém, como todos os segredos, mais tarde ou mais cedo acaba-se por se conhecer, senão o seu âmago, pelo menos as suas características mais evidentes. Refiro-me, é claro, ao litígio que opôs, em certa altura o pai ao Spínola.

Como a reforçar tudo isto, acabo hoje de aceitar um prolongamento da minha comissão, não no DFE, será rendido à data estabelecida, mas no Grupo de Acções Especiais do Comando-Chefe. A natureza de segurança deste meio não é suficiente a permitir-me esclarecer-te melhor qual o nosso papel e quais as tarefas a desempenhar.

Suponho, no entanto, que te bastará mencionar o facto de que passarei a estar subordinado ao Comandante Calvão. Talvez o pai te possa esclarecer sobre o assunto…

Estou em Bissau desde o dia 21, pois tive a possibilidade de aproveitar um avião, uma DO que fizera o PCV da Operação Meia Nau. Esta operação, espécie de grande batida à zona do Sambuiá, teve como resultado dois mortos do Exército e três feridos, um dos quais grave. Da parte do IN desconhecem-se os resultados, mas é de prever que os efeitos tenham sido ligeiros ou mesmo nulos.

A operação desencadeada visava uma zona já tradicional, procurando-se atuar sobre o IN, nos seus acampamentos de refúgio. Na realidade, as informações obtidas, umas do Senegal, outras de origens várias, eram absolutamente falseadas, lançadas no intuito de levar as nossas forças a desencadear uma operação de desgaste. Os objetivos entregues às tropas especiais, DFE 12 e DFE 7, revelaram-se inexistentes. Por outro lado, o bigrupo do Sambuiá atuaria sobre o perímetro externo de encercamento da zona, constituído por tropa dos aquartelamentos de três pontos distintos: Bigene, Guidaje e Binta.

Por ironia do destino, coincidência, ou fuga de informações, o IN escolheu a posição mais fraca, a assegurada pela tropa de Bigene. Claro que a pobre companhia de caçadores açorianos, quase exclusivamente armada de G3 e HK, foi completamente cilindrada. Valeu-lhe o helicanhão que em 5 minutos alcançou o local e obrigou à fuga do inimigo. Mesmo assim, as munições foram esgotadas e os resultados estavam definitivamente assegurados.

Ao meio-dia de 21, apenas restava mandar levantar o dispositivo posto em ação e contentarmo-nos com a captura de uma PPSH, já velha e três granadas de morteiro 82.  Graças a todos este esquema, estava em Bissau às 17h desse dia.

Para que possas ter uma noção mais completa da ação, será necessário frisar-te o seguinte: a tropa de Bigene e Guidaje, que recebera a missão de fechar o Sambuiá, foram enviadas, respetivamente, para as bolanhas de Samoje e de Facã – prolongamentos naturais do rio de Talicó (extremo Oeste do Sambuiá) para Oeste e deste. Por pouco que conheças a tática militar, logo te apercebes do erro destas “portas naturais”, aonde o terreno é plano. Claro que quem olha para a carta e desconheça este tipo de guerra, convence-se que a mata entre Facã e Guidaje constitui um tampão à passagem. A isto ponho apenas a pergunta: - Se quiseres penetrar no Sambuiá, sabendo que está a decorrer uma ação, ou de lá retirares, com a aviação na área, não irá escolher precisamente a mata? O arvoredo constitui a melhor garantia de cobertura em relação à observação aérea e para uma passagem fácil apenas é necessário abrir um trilho à catanada. Porém, desde há longa data que se fecha o Sambuiá nas bolanhas de Samoje e Facã!

Tirando estes pequenos acontecimentos, que vão constituindo a nossa guerra e a nossa vida, pouco mais há a dizer-te. Da situação geral da guerra deves estar mais bem informado do que eu, até porque enquadras este conflito dentro do quadro completo. 

Além disso, observas diretamente o nosso meio metropolitano, fator definitivo do conflito. Aqui, apenas chegam rumores adulterados do que se vai passando. Temos, no entanto, que compreender que a guerra dura quase há 10 anos, com todo o significado deste lento arrastar.

Aqui na Guiné, se bem que se esteja a trabalhar bem próximo do problema central, a questão socioeconómica, ainda não se adotaram medidas enérgicas para a solução definitiva. A revolução agrária que deveríamos decretar, no género do que se passa em Cuba, para aceleramento de produção de cana do açúcar, e que faria oscilar profundamente os quadros tradicionais africanos, daria a possibilidade de concretização e de luta à camada jovem africana. 

Assim, dentro destas perspetivas, a criação de campos de trabalho de jovens dos liceus, escolas técnicas e industriais, faria mostrar à população estagnada dos centros, que dispõem de meios de progresso e cultura, que a nossa luta é dinâmica e visa a solução do problema fundamental: o zero económico da província.

Por outro lado, poderíamos aproveitar o estado de guerra para expropriar as companhias monopolizadoras do território guineense. Todos os terrenos que não fossem cultivados, pelo menos nas épocas de melhor rendimento, reverteriam para o Governo da província e constituiriam uma espécie de bolo a dividir pelas populações que os pretendessem e cuja segurança pudéssemos garantir. Constituiríamos, assim, um novo tipo de propriedade, em função do investimento e do empenhamento na produção.

Os meios de escoamento das riquezas deveriam ser pertença do Governo, de forma a impedir o bloqueio de produtos por parte das companhias. Se a isto somássemos a obrigatoriedade da mobilização civil, por períodos de 2 anos, veríamos, rapidamente, solucionado o problema dos meios técnicos e humanos, isto é, engenheiros agrónomos, engenheiros civis, economistas, etc., que fariam uma comissão dentro do seu ramo de atividade – considerável aumento de interesse da camada civil de metropolitana por estas condições de Ultramar, devido à especialização que este período de tempo necessariamente acarreta.

Além disto, é necessário acelerar a educação na Guiné, quer ao nível juvenil, que em campanhas de educação de adultos, procurando uma lenta conversão de valores, fácil de obter em espíritos simples. Mas, sobretudo, é necessário compreender que não poderemos responder à real e profunda revolução africana de caráter comunista a “tranquilidade das populações”, tão do estilo do defunto Salazar. Alargar-me-ia muito mais sobre este assunto. No entanto, isto é o suficiente para te passar a palavra.

domingo, 11 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25832: (De) Caras (218): Maurício Saraiva, cofundador e instrutor dos Comandos do CTIG, cmdt do Gr Cmds Fantasmas - Parte I: O "capitão Manilha", por Virgínio Briote (ex-alf mil cav, CCAV 489, Cuntima; e ex-alf mil 'cmd', Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67)


Guiné > Brá > Comandos do CTIG > 1964 > Alf mil Saraiva em Angola, em 1963, aquando da frequência  do curso de Cmds;



Emblema de braço do Grupo Fantasmas, que pertenceu ao alferes  mil 'comando ' Maurício Saraiva.  




Guiné > Bissau > Comandos  do CTIG > Gr Cmds "Os Fantasmas" > 1964 > O alf mil 'cmd' Maurício Saraiva (1939-2002) desfilando à frente dos seus homens, junto ao palácio do Governador.


Fotos (e  legendas): © Virgínio Briote (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. É um dos muitos, e belíssimos, textos do Virgínio Briote,  publicados no blogue, ao longo dos nossos 20 anos de existência. 

Virgínio Briote: (i) nosso coeditor jubilado; (ii) ex-alf mil cav,  CCAV 489 (Cuntima) e ex-9alf mil comando, cmdt do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67); (iii)  frequentou a Academia Militar (1962/64);  (iv) autor do blogue, desativado (a partir de 2009), Guiné, Ir e Voltar - Tantas Vidas (recuperado pelo Arquivo.pt em 25/9/2009).

O "capitão Manilha", como não é difícil de adivinhar, é o cap 'cmd' Maurício Saraiva (1939-2002) (*), contemporâneo do Rui Alexandrino Ferreira (**), ambos nascidos em Angola e colegas do Liceu Diogo Cão, em Sá da Bandeira [hoje cidade do Lubango, capital da província da Huíla].

O Maurício Saraiva, enquanto combatente, foi uma figura lendária mas não menos controversa. Faleceu com o posto de cor inf. Em 1970 foi agraciado com a Torre e Espada.  

Foi contemporâneo e camarada de armas, na Guiné, de alguns dos membros da Tabanca Grande: Mário Dias, João Parreira, Luís Rainha, António Pinto, José  Álvaro Carvalho,  Virgínio Briote, Júlio Costa Abreu, Marcelino da Mata, etc...

Aqui ficam alguns apontamentos para o retrato (sempre incompleto e parcial) de um grande combatente, visto por outros combatentes do seu tempo (Virgínio Briote, António Pinto, Amadu Djaló, Rui Alexandrino Ferreira, entre outros) (***). 

Nalguns dos seus textos memorialísticos, o Virgínio Briote (pseudónimo: Gil) usou nomes fictícios ou incompletos:

Manilha= Maurício Saraiva; 
Marcolino= Marcelino da Mata; 
Joáo Uva = João Parreira; 
Mirandela= Vasssalo Miranda;
Varela = Nuno Varela Rubim; 
Mamadu= Abdulai Djaló; 
Mássimo = Cássimo,  etc.

Sobre o percurso do Maurício Saraiva como 'comando' vd. os postes do Virgínio  Briote sobre o historial dos Comandos do CTIG (P25362 e 25366). (*****)

 


O Capitão Manilha, 

por Virgínio Briote 

(Excerto de um dos primeiros postes do blogue, da série; 
"Brá, SPM 0418", do Virgínio Briote) (****)


Grupos em sentido na parada. Porta fechada! A que horas estava marcada a instrução dos grupos? Às 21? E que horas têm? 21h02? Às 21h00, 1 ou 2 minutos depois são outras horas, ou não? Um minuto, meu capitão, desabafa um! Uns bardamerdas, é o que vocês são, os gajos fazem o que querem de vocês!

Não faço parte desta peça, meu capitão, o meu grupo estava pronto às 5 para as nove, protesta-lhe nos olhos outro! O capitão, a fisgá-lo de lado, ainda mamam da mamã, o que me calhou, porra! Já não me lembro de mamar, outra vez o outro.

Manilha pára, vira-se de frente, olha-o de baixo para cima, dispara, ouça lá seu alferesinho de merda, você acha que não sou capaz de o pôr daqui para fora ao murro e pontapé? Vamos, meu capitão, avança o tal, preparado para tudo.

Manilha tira a boina, passa a mão pelo cabelo, três a olharem para o lado, o outro à espera. Esta, suas meninas, esta, martela o capitão, com a mão virada para o tal, é a única, a única resposta que um comando pode dar! Todos à minha frente, 20 flexões para todos, grupos incluídos.

O capitão Manilha, promovido a capitão por distinção, até então o único vivo com a medalha de valor militar em ouro, mais duas cruzes de guerra, tinha metido o chico , estava em Lisboa na Academia Militar. Aproveitara as férias, viera a Bissau dar-lhes instrução operacional, e saíra com eles para o mato durante o curso de comandos para oficiais e sargentos na Guiné.

Foi um dos fundadores dos comandos da Guiné. Tinha estado em Angola, com o alferes Justo dos Camaleões, os irmãos R. Dias, o Mirandela e outros. Depois formou o grupo dos Fantasmas e com ele percorreu a Guiné de lés a lés. Ficou famoso pela forma como encarava a guerra, como se fosse uma brincadeira de garotos. Fazia que retirava, dava às vezes até sinais de fuga descontrolada, como se quisesse animar o IN a mostrar-se confiante. Escondia-se com o grupo, paciente, uma ou duas horas se fosse preciso. E depois, Fantasmas ao ataque! Uma série de êxitos coroavam-no e era objecto de mal disfarçada homenagem, numa altura em que a regra era ver as NT recolhidas a posições defensivas.

Mas nem sempre as coisas correram bem. Tanta intrepidez e desafio também lhe trouxeram problemas.

Novembro de 64, dia 28. Na estrada de Madina do Boé para Contabane, a uma escassa centena de metros do pontão sobre o rio Gobije, os Fantasmas detetaram uma mina anti-carro. Levantaram a mina e simularam o rebentamento. Ficaram emboscados nas proximidades cerca de 2 horas. Viram um grupo IN aproximar-se e afastar-se logo que deram pela presença de mulheres na estrada. Uma hora depois viram um elemento IN a fugir. Afinal, estavam em igualdade de circunstância, todos sabiam da presença uns dos outros.

No dia seguinte voltou com o grupo ao local. Meteu-se com alguns soldados no Unimog mais pequeno à frente, e encaixou dezasseis militares no Unimog maior atrás. A 1ª viatura passou, a outra, uma dezena de metros atrás, não. Pisou uma mina. Ao mesmo tempo que em cima deles caía uma chuva de balas de armas automáticas, o Unimog incendiou-se e as munições explodiram como foguetes num arraial minhoto. Quase todos os homens foram projectados a arder. 7 mortos logo ali e três feridos graves. Tinham partido 22 de Bissau, regressaram doze. Com o grupo dizimado, poucos dias depois arrancou com os restantes para uma operação.
 
(...) Claro que, fosse para onde fosse, o Manilha trazia com ele esses e outros acontecimentos, como se uma auréola o enfeitasse.

Quando o capitão Manilha entrou em Brá apresentaram-lhe os novos que estavam a frequentar o curso e pessoal já bem conhecido dele, o capitão Varela, o sargento M. Dias, os furriéis Mirandela, Moita, Matos, Fabião, o João Uva, o cabo Marcolino, os soldados, Mássimo, Camará, Mamadú... Dos novos conhecia alguns, e aos outros tinha algum tempo à frente para os ver trabalhar no mato e depois veria se lhes entregaria o crachá.

Passava a vida a pô-los em sentido. Uma volta na conversa e lá vinha o Nino  à baila. O Nino, estão a olhar para mim? O Nino, que porra, estes gajos são todos surdos? O Nino , ele a insistir e os alferes com falta de entendimento. Sentido, porra! Aqui nos comandos quando se fala no Nino, toda a macacada, vocês também, saltam como uma mola, estejam onde estiverem, não interessa, põem-se a pé! Em sentido, porra!

E foi assim que se fez escola, dali para a frente, sempre que alguém pronunciava o nome do Nino, os outros punham-se em sentido.

Uma vez, em Biambi, na zona do Oio, uma tempestade como não havia na memória deles, tinha partido o grupo em dois, aí pela uma da madrugada, noite negra como só em África quando o céu está todo tapado. Um, sozinho, lá encontrou o trilho depois de andar a tactear o chão. Daqui não saio, vou-me mas é sentar!

A chuva não parava, pareciam pedras grossas, faziam tanto barulho no camuflado que até sentiu medo que o denunciassem. Ainda bem que só tinha as cuecas debaixo, menos peso para carregar. Nada de sinais, nem de trás nem da frente.

Esta é boa, onde é que os gajos se meteram, que…assobiou baixo, a imitar o pássaro que afinaram no curso. Nada de respostas, minutos a passar, chuva em barda. Estou frito, estou mesmo perdido, o coração como um cavalo a galope, até sentia calor, olhava para todo o lado não via nada, nem pirilampos, nada, só ouvia o barulho da água a bater-lhe. E agora, o que faço?

Eles hão-de dar pela minha falta, não me vão deixar aqui. E se não derem? Calma, esperas pelo nascer do dia, viras as costas ao Sol, a corta mato, sempre em frente, até á estrada Mansoa-Bissorã, escondes-te, há-de aparecer uma coluna um dia destes, quase todos os dias passam. Depois é só saltar para a estrada e pronto. E se a guerrilha te vê, o que é que fazes? Minutos a durarem horas, o coração outra vez.

Um pequeno som, pareceu-lhe, serão eles, ou estarei a sonhar? Um assobiar baixinho. É isso, são eles, nunca mais vinham, assobia também, assobios cada vez mais próximos, uma mão, o Mássimo, o Manilha atrás. Então e os outros? O Manilha, danado, a bufar, e os outros? Mássimo à frente a assobiar, dentro do trilho, foram andando para trás, mãos no cinturão do da frente. Encontraram o capitão Varela e o Vidraças, os dois sentados, costas com costas. Nabos, a dormir na forma, ah?

No outro sábado o Manilha encontrou-os todos sentados, tinham acabado de almoçar na messe de Brá. E o programa para hoje, qual é? Um a dizer vou até Bissau espairecer, outro vou mas é dormir com a cama, a correspondência a preocupar o Duque, o outro, sei lá? Ele arranjava um melhor! Que se preparassem. Levou-os para o aeroporto, os motores já quentes do Dakota pronto para descolar.

Foram para leste, Nova Lamego, Canquelifá. Chegaram o Sol a ir-se. Esperaram fechados dentro do avião, os motores parados. Abriram-lhes as portas, entraram directos para uma GMC com a lona corrida. Meteram-lhes lá dentro queijo partido aos bocados e pão. O Manilha, gargalhada baixa, a pedir os cantis, para encher de água fresca.

O meu não precisa, está cheio até cima, nem se ouve, mesmo que o abane, diz um. Passa, o Manilha a insistir. Que a marcha ia ser longa, cerca de 20 km, e a água vai ser decisiva. Ouçam bem, só bebem quando eu der sinal, todos a beber ao mesmo tempo.

Carvão negro na cara e nos braços, pareciam manjacos e mandingas. Pôs-se o sol, meteram-se no mato, dois a dois, trilhos fora, quilómetros e quilómetros, a noite toda.

Comandos ao ataque, o Manilha desalmado a gritar, como gostava de começar o dia! Fizeram-se a eles, por ali dentro, as casas de mato com 2 ou 3 gajos que nunca lhes tinham sido apresentados, a pisgarem-se. Depois, um deles passou à história. Da gargalhada. Quando sentiu os projécteis de uma metralhadora pesada inimiga a bater na árvores, até disse para os outros, olha a NT a apoiar ! Os outros a rirem-se, uma força danada dentro deles. No caminho do regresso lembraram-se da genica que sentiram, estamos numa forma do caraças, não estamos?

Nunca souberam donde tinha vindo tanta gana, se calhar tinha sido quando o Manilha, finalmente, autorizou meterem água, devia ter vitaminas. A certa altura do caminho de retirada, começaram a ficar sem forças. Estranharam, nunca lhes tinha acontecido, não acertavam com o trilho, não era só um, eram todos. Menos o Manilha. Alguns paravam, encostavam-se às árvores, queriam sentar-se, os olhos para cima. Quem parar fica para trás, o Manilha lá à frente, na esgalha.

Em Canquelifá, uma cerveja gelada, boca abaixo, duma vez só. Alguns só acordaram com os motores do Dakota e um ou dois nem assim. A caminho do avião, pareciam zombies, em coluna por um, pelo campo fora.

Da outra vez, mandou tapar-lhes os olhos com algodão, fita adesiva e um lenço negro por cima. Só tiram os lenços e o adesivo quando eu mandar! É para ver se adivinham para onde vamos passar o fim-de-semana!

Viaturas pela estrada fora, para onde havia de ser, para o Oio. Quando entraram em Mansoa, pararam. Então, quem é amigo? Para onde vamos então? Toca a tirar os lenços, olhos e ouvidos bem abertos agora! Foram por ali fora até Bissorã. A mesma história do queijo e do pão, uma cerveja para cada um, cantis cheios de água, por aqueles trilhos, a noite toda.

Um cigarro agora é que sabia bem! Pois, também a mim me apetecia estar na praia de Carcavelos, ao sol com a miúda, os ouvidos dele em todo o lado! Fumas no fim do fogo! O dia clareou, estavam no sítio certo, as casas deles em frente. Os guerrilheiros é que faltaram à chamada naquela altura. Não saímos daqui enquanto os gajos não aparecerem, o Manilha a provocá-los.

Vieram mais tarde, quando já não dava muito jeito, mas arranja-se sempre qualquer coisa, que remédio. Um daqueles alferes integrado na equipa do furriel Moita, apanhado num campo de mancarra, pouca coisa para se abrigar, ou estava com pressa de regressar a Bissau, ou tinha visto no cinema uma cena parecida, chateou-se, aqui vou eu, quem quiser que venha. Quis lá saber da parelha e da equipa, meteu-se por aquelas casas de mato dentro. Depois ficou lá dentro sozinho, sem saber bem o que fazer. Os companheiros daquele fim-de-semana encontraram-no a olhar para o ar, para os ramos das árvores a abanarem com as balas. Estes gajos nunca mais aprendem, porra! 20 flexões aí já, o Manilha oportuno como sempre! (...)

Agora sim, podem fazer fogo com o isqueiro, toca a fumar! (...)

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos e itálicos / Título: LG]
____________

Notas do editor:





(*****) Vd. postes de;

9 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25362: Trabalho sobre a formação dos Comandos na Guiné, publicado na Revista da Associação de Comandos, MAMA SUME - Parte I (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando)