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quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27179: Casos: a verdade sobre... (54): Napalm, fósforo branco e outros incendiários no CTIG - Parte I: O que diz a IA / ChatGPT



Guiné (? ) > 1969 > Uma das célebres fotos de István Bara (1942-2025)  o fotojornalista húngaro, da agência estatal MTI (Magyar Távirati Iroda),  que esteve alegadamenmte  embebbed com forças do PAIGC, no mato, em 1969/70, em "áreas libertadas". 

Nesta imagem, da sua fotogaleria, mostram-se "os efeitos do napalm"... Pelo menos, a legenda (em húngaro) é isso que diz explicitamente: " István Bara: Napalm áldozata. Guinea-Bissau, 1969" (em português: "István Bara: vítima de napalm. Guiné-Bissau, 1969").

O fotojornalista (?) não diz  onde foi  exatamente tirada a foto (podia ter sido na Guiné-Conacri). E julgamos tratar-se de uma imagem copyleft, isto é, do domínio público... (A sua página foi descontinuada, e entretanto capturada pelo Arquivo.pt; o fotógrafo morreu recentemente aos 83 anos.) 

Numa análise mais atenta e detalhada da imagem, com a ajuda da IA, concluimos que estamos perante um caso aparentemente de má fé, manipulação ou grosseira ignorância (clínica): tudo indica que se trataria de um caso de vitiligo (perda de pigmento, comum em pessoas de pele escura, deixando manchas brancas), confundida intencionalmente ou não com queimaduras por napalm (que em geral atingem também outras partes do corpo, com o peito, o pescoço, a cara, o coro cabeludo...) e não apenas as mãos... E deixam marcas profundas...

A ser assim, estaríamos perante uma descarada manipulação ou encenação fotográfica para efeitos de propaganda "anticolonialista"...  Não há almoços grátis, camaradas...

Foto: Foto Bara (com a devida vénia...)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Acampamento Osvaldo Vieira (reconstruído) >  2 de Março de 2008 > Pretensos restos de bombas de napalm, largadas pelas NT no Cantanhez, e expostos, toscamente, no topo de um  baga-baga.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira (reconstruído),  nas proximidades de Madina do Cantanhez, na picada entre Iemberém e Cabedu > Simpósio Internacional de Guiledje > Domingo, de manhã, 2 de março de 2008 > Visita guiada e animada por antigos guerrilheiros e população local, ao Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira  >
 Foto do cor art ref Nuno Rubim, mostrando em mais pormenor os restos de bombas (de napalm ?) da nossa Força Aérea. Nem eu nem o saudoso Nuno Rubim (1938-2023) nos deixámos convencer pela encenação...

(...) "Há outro mistério que ficou sem resposta. No meio da clareira do acampamento estavam os restos de duas bombas de Napalm (ver foto). Podiam, naturalmente, ter sido trazidos de outro local, e colocados nos montes de baga-baga, mas eu procedi a uma pequena escavação e notei que parte delas estava parcialmente embebida no terreno. Mas isto também pode ser um sinal dos tempos, numa zona onde há grande precipitação. O facto é que, se as bombas caíram lá (ou onde quer que fosse), os estragos teriam sido consideráveis. Também não tive tempo de aclarar o assunto" (...) (*)

Foto (e legenda): © Nuno Rubim  (2008). Todos os direitos reservados. Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.
  

1. O uso do napalm na Guiné-Bissau durante a guerra colonial não está devidamente documentado... Julga-se o seu uso era irregular, ocasional, pontual.  (Por exempplo, no princípio da guerra, 1963/64,  ou então em grandes operações, como a Op Tridente, ilha do Coko, jan-março de 1964.)

 Portugal não fabricava napalm... Nem podia dar-se ao luxo de praticar, no CTIG, uma "política de terra queimada"... 

Fotos alegadamente de vítimas de napalm são uma manipulação fotográfica, como a do fotógrafo húngaro Bara István (que analisaremos em próximo poste), que intencionalmente, por má fé, ou por ingorância, terá confundido, em 1969, numa "área libertada" do PAIGC,  um caso de vitiligo (perda de pigmento, comum em pessoas de pele escura, deixando manchas brancas) com queimaduras (profundas) por napalm.
O uso do napalm durante a guerra colonial  é um tema delicado e ainda hoje com contornos pouco claros. Foi,  e tende ainda a ser, um arma de arremesso político (do PAIGC contra Portugal, ou entre nós, nos debates sobre a guerra colonial / guerra do ultramar).  A arma, de qualquer modo, só passou a ser "proibida" a partir de 1980...
Confesso que, em 1969/71, quando estive no TO da Guiné,  não vi devastações feitas por napalm, na bacia hidrográfica dos rios Geba e Corubal. Embora se falasse do uso de napalm nas ZLIFA (Zonas Livres de Intervenção da Força Aérea). Quando estive em Sare Gana, em agosto de1969, "ouvi" os Fiat G-91 bombardearem a "barraca" de Sinchã Jpbel... M´~ao me chegou ao nariz o cheiro de napalm pela manhã...
Não creuo que o general Spínola recorresse a essa arma de maneira sistemática... Poderia ter condenado o PAIGC e as populações sob o seu controlo à fome, queimando todos os campos de arroz (as "bolanhas"). O que não fez, era incompatível, de facto,  com a sua política "Por uma Guiné Melhor". A verdade acima de tudo (**).
No caso da Guiné, pouco ou nada se tem  falado do tema no nosso blogue. Temos uma escassa dúzia de referências a este marcador, "napalm". E  nem sempre o termo "napalm" quer dizer "napalm", sendo facilmente usado como sinónimo de outras bombas incendiárias. Temos, pois, que ser cautelosos quando os "infantes" fala(va)m do que não sabem (sabiam)...
Eis, entretanto, o que se sabe (recorrendo a fontes na Net), neste caso o ChatGPT (considerado o melhor assistente de IA):

1. Portugal e o Napalm:

  • Portugal não produzia napalm; 

  • as suas forças armadas dependiam de material fornecido sobretudo pelos EUA até ao início da guerra colonial (1961), e depois pela  França, Alemanha Ocidental e África do Sul, através de canais indiretos;

  • napalm era de fabrico norte-americano; foi usado em larga escala no Vietname, mas a sua exportação era controlada;

  • a FAP podia eventualmente recorrer oa fabrico de um sucedâneo de napalm (que, no fundo, é gasolina, ou um outro combustível altamente inflamavável, combinado com um espessante...).

2. Na Guiné-Bissau:

  • há testemunhos de militares portugueses  (incluindo pilotos da FAP) e de dirigentes do PAIGC (com destaque para o seu líder, Amílcar Cabral) que referem o uso de bombas incendiárias (algumas descritas como “napalm” ou “bombas de fósforo”, facilmente confundíveis);

  • contudo, parece que o seu uso foi muito mais limitado do que no Vietname;  pontual, não sistemático;

  • Em termos documentais:

    • PAIGC denunciou repetidamente em fóruns internacionais (ONU, OUA) e na imprensa europeia o uso de "napalm" contra populações civis indefesas, nas "áreas libertadas"; 

    • em Portugal, há relatos dispersos em memórias de militares, mas poucos documentos oficiais, possivelmente porque se tratava de armamento sensível e politicamente embaraçoso;

    • alguns investigadores (como o João Paulo Borges Coelho,  Carlos Matos Gomes, John Cain) admitem que possa ter havido emprego de napalm  e/ou bombas incendiárias fornecidas por aliados ocidentais, mas sem prova de fornecimento regular de napalm.

3. Possível confusão:

  • muitas vezes, as tropas no terreno chamavam “napalm” a qualquer bomba incendiária (por exemplo, bombas de fósforo branco ou de gasolina gelatinizada artesanal);

  • o PAIGC, por sua vez, tinha todo o interesse em maximizar o impacto propagandístico, denunciando o uso de  “napalm” à opinião pública internacional e  associando, deste modo,  Portugal às práticas mais condenadas da guerra do Vietname; e, com isso, conseguia maior ajuda humanitária dos "amigos suecos" e outros;

  • o tema estava, infelizmente, na moda: o horror dos bombardeamentos com napalm no Vietname entrava-nos  pelas casas adentro através da televisão  

4. Comparação com outros teatros:

  • em Angola e Moçambique, há também relatos de uso de fósforo branco e e bombas incendiárias, nomeadamente no início da guerra (em Angola, em 1961) mas não há indícios fortes de fornecimento sistemático de "napalm" (que ninguém sabia exatamente o que era);

  • a Guiné-Bissau, pela sua dimensão reduzida, pelas florestas-galeria e pela intensidade da guerra, seria o lugar mais provável para uso experimental ou ocasional de "napalm", em áreas de maior implantação do PAIGC (bacia hidrográfica do rio Corubal, Cantanhez, Oio, Boé...);

  • mas, nomeadamente durante o consulado de Spínola (meados de 1968 / meados de 1973), o uso de "napalm" seria contra-producente, contrário à política "Por uma Guiné Melhor".


Conclusão provisória:
  • Está documentado em testemunhos e denúncias, mas não há provas inequívocas de fornecimento regular de "napalm" a Portugal por parte dos EUA.

  • O mais provável é que o seu uso tenha sido ocasional e talvez até confundido com outras bombas incendiárias (fósforo, gasolina, termite).

  • Na versão oficial,  Portugal nunca teria usado o napalm.  

O uso de armas incendiárias contra populações civis passou a ser proibido pelo Protocolo III da Convenção sobre Certas Armas Convencionais de 1980

O  uso contra alvos militares é ainda, todavia,  uma área controversa do direito internacional humanitário. 

Entre as armas incendiárias as duas mais conhecidas são o napalm e o fósforo branco. Mas há outras:  termite (ou termita), ligas de magnésio, líquidos inflamáveis espessados (diferentes do napalm). 

Vamos perguntar aos nossos leitores se tiveram conhecimento do uso de algumas destas armas no CTIG, no seu tempo, antes, durante e depois do "consulado de Spínola"... 

No meu tempo (maio de 1969/março der 1971), não me lembro de ver grandes extensões de terreno, vítimas de bombardeamento por napalm ou outras incendiárias. No Sector L1 (Leste 1, Bambadinca)... 

Tenho ideia que as NT (a infantaria e a artilharia) dispunham de granadas incendiárias (inlcuindo fósforo branco)... Nuna usámos (a CCAÇ   12) "lança-chamas", nem sei se os haviua no CTIG no meu tempo... Mas os infantes não sabiam o que se passava na FAP nem tinham acesso â BA 12 (Bissalanca)... "Nunca vi" a nossa aviação largar bombas incendiárias...  (o que também era difícil, porque os alvos IN não estavam propriamente  em cima de nós ou ao alcance da nossa vista...) 

Estava na moda falar-se do napalm, sobretudo por causa da guerra do Vietname. Mas Portugal, em princípio,  não fabricava napalm nem podia importar grandes quantidades. Portanto,  o seu uso, na Guiné, a ter ocorrido,  foi pontual e datado.  Ou não ?

Comecemos por saber a diferença entre o napalm e outras bombas incendiárias (de fósforo, etc.). E façamos um comparação entre eventual uso de napalm e outras bombas incendiárias, nas guerras de Argélia, Vietname e Guiné-Bissau, nos anos 60/70.

O assistente de IA (o ChatGPT) respondeu à pergunta, organizando a resposta em três partes: (i) diferenças técnicas, (ii) casos de uso, e (iii) perceção pública/política. Veremos, depois, noutros postes a abordagem do problema feita por outros assistentes de IA (Gemini, Perplexity, Deep Seek).


O napalm e outros incendiários nas guerras dos anos 60/70 (Vietname, Argélia, Guiné-Bissau)

1. Diferenças: napalm vs. fósforo branco e outras incendiárias

  • Napalm

    • é uma mistura de gasolina (ou querosene) com espessantes (sabões de ácidos nafténicos e palmíticos, daí o nome "napalm"),;

    • cria um gel combustível que adere a superfícies (corpos, vegetação, edifícios);

    • queima lentamente, a temperaturas de 800–1200 ºC;

    • o efeito é prolongado e praticamente impossível de apagar com água;

    • Usada sobretudo em bombardeamentos aéreos (bombas de napalm lançadas por caças-bombardeiros).

  • Fósforo branco

    • Substância química que inflama espontaneamente em contacto com o oxigénio.

    • Arde a temperaturas muito altas (até 1300 ºC).

    • Produz denso fumo branco (usado para criar cortinas de fumo e marcação de alvos).

    • Tem efeito incendiário e tóxico, com queimaduras químicas profundas.

    • Usado tanto em granadas, morteiros e projéteis de artilharia como em bombas aéreas.

  • Outros incendiários (ex.: termite (oiu termita),  bombas incendiárias de magnésio)

    • Geram temperaturas elevadíssimas (até 2500 º C), sobretudo para destruir material e infraestruturas (ex., aviões, veículos, depósitos).

    • Não eram tão usados contra pessoas em combate irregular, mas sim contra alvos materiais.

Resumindo:

  • Napalm → arma sobretudo aérea, efeito prolongado, terror psicológico.

  • Fósforo → mais versátil (artilharia, granadas, bombas), com uso misto tático (fumo/iluminação) e ofensivo.

  • Outras armas incendiárias → destruição de material e infraestruturas.

2. Casos de uso em conflitos coloniais/guerras de guerrilha
  • Argélia (1954/62)

    • A França foi acusada de usar napalm em bombardeamentos contra posições da FLN - Frente de Libertação Nacional (criafa em 1954) sobretudo em zonas montanhosas da Cabilia e Aurès.

    • O governo francês inicialmente negou, depois admitiu "experiências limitadas".

    • Também se usou fósforo branco em apoio de artilharia.

    • O napalm tornou-se símbolo da violência colonial francesa, denunciado na ONU e pela imprensa internacional.

  • Vietname (1961/75)

    • É o caso mais conhecido e documentado.

    • Os EUA usaram napalm em larga escala em ataques a aldeias suspeitas de apoiar o Viet Cong e para limpar vegetação (juntamente com desfolhantes como o “Agent Orange”).

    • Uso extensivo de fósforo branco também, para marcar alvos e provocar incêndios.

    • A imagem da menina Kim Phúc, vítima de napalm (1972), tornou-se ícone mundial contra a guerra.

  • Guiné Portuguesa (1963/74)

    • A FAP (Força Aérea Portuguesa) não dispunha oficialmente de napalm em larga escala, ao contrário dos EUA; a industrial militar portuguesa estava em condições de fabricar um sucedánio do napalm.

    • testemunhos contraditórios: (i) Alguns veteranos e dirigentes do PAIGC (como Amílcar Cabral) denunciaram o uso de napalm pela aviação portuguesa, sobretudo em zonas de mato denso (Tite, Boé, sul da Guiné); (ii) Portugal admitia o uso de bombas incendiárias (fósforo e napalm improvisado em pequena escala, adaptado em depósitos lançados por T-6 ou Fiat G-91).

    • Mais consensual: o uso de fósforo branco em morteiros e granadas pela tropa portuguesa, como em outras frentes coloniais (Angola, Moçambique).

    • Mesmo que o uso de napalm tenha sido limitado, a acusação tinha forte peso 
      político internacional, reforçando o isolamento de Lisboa.

3. Perceção política e psicológica
  • O napalm tornou-se um símbolo do terror aéreo, sobretudo porque: (i) era usado contra populações civis; (ii( causava queimaduras horríveis; (iii) era difícil negar ou esconder; (iv) por isso, teve maior repercussão mediática (Argélia, Vietname).

  • Fósforo branco, apesar de igualmente devastador, tinha a "cobertura" do uso legítimo como gerador de fumo ou sinalização, o que facilitava a defesa oficial dos governos.

Comparação  em 3 teatros de operações (1950/70)

Nos casos da Argélia, Vietname, Guiné-Bissau), as denúncias internacionais visavam mostrar a brutalidade das potências coloniais ou imperialistas, e as armas incendiárias eram vistas como instrumentos de guerra desproporcionada contra povos em luta de guerrilha.

Aqui está um resumo comparativa das bombas incendiárias (napalm, fósforo, etc.) nos três teatros de guerra (Argélia, Vietname e Guiné-Bissau, anos 50/70).

(Por razões que não nos foram reveladas, o Blogger não nos autoriza a publicar este resumo. Presumimos que viole a sua política de contreúdos.)

segunda-feira, 5 de maio de 2025

Guiné 61/74: P26766: Efemérides (454): O fim da guerra do Vietname foi há 50 anos ("Diário de Lisboa", 30 de abril de 1975)

 












Recortes de imprensa, "Diário de Lisboa", 30 de abril de 1975, 2ª ed., pp. 1 e 20.

Fonte: Instituição: Fundação Mário Soares e Maria Barroso |  Pasta: 06822.172.27196 | Título: Diário de Lisboa | Número: 18752 | Ano: 55 | Data: Quarta, 30 de Abril de 1975 | Directores: Director: António Ruella Ramos; Director Adjunto: José Cardoso Pires | Edição: 2ª edição | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: Imprensa  


1. Há 50 anos a agência Reuters e o Diário de Lisboa, de 30/4/1975, noticiavam o fim da guerra do Vietname.  Uma guerra com 3 décadas, que foi um pesadelo para todos: os vietnamitas e os outros p0vos da Indochina, os franceses, os americanos... (e demais povos e todo o mundo, já que não foi  uma mera guerra regional, desenrolou-se em pleno clima de "guerra fria"...).

Foi também uma guerra que esteve no nosso "imaginário"... Mais do que isso: também sobrou para nós... Os mísseis terra-ar Strela, por exemplo, já tinham sido testados no Vietname... bem como a passagem da guerrilha à guerra convencional (no caso, port exemplo,  da Guerra dos 3 G: Guidaje, Guileje, Gadamael)...

E havia até quem, mal ou bem, na nossa geração, comparasse a guerra da Guiné com a do Vietname... É evidente que foram duas realidades incomparáveis: pelos meios bélicos empregues, em homens e armas, pela extensão do território, pela violência, pelo nº de baixas, etc.; as nossas guerras foram de "baixa intensidade". Os militares norte-americanos tiveram cerca de 58 mil mortos, e perto de 300 mil feridos. As perdas entre os vietnamitas, civis e militares, do Norte e do Sul são impossíveis de calcular (há estimativas que apontam para 2 a 4 milhões).

Em 30 de abril de 1975 estávamos no rescaldo das eleições, realizadas uns dias antes (em 25 de abril) para a Assembleia Constituinte.  As primeiras eleições livres!... Tinha havido o 11 de março e depois a fúria das nacionalizações...Mas já antes o 28 de setembro de 1974, que alguns historiadores apontam como o  início do PREC (Processo Revolucionário Em Curso). 

O "verão quente de 1975", já estava em banho maria... E em Angola, a 6 meses da independência,  já havia crescentes sinais da brutal guerra civil que se iria desencadear depois do 11 de novembro de 1975 e  prolongar durante anos e anos até 2002 (com escassos períodos de paz podre pelo meio). 

Os últimos militares portugueses em Angola regressaram a 10/11/1975, na véspera da "dipanda". A sangria de quadros foi brutal... Um amigo meu, angolano, médico, disse-me que nesse dia, histórico, o número de médicos que restavam no território era der 26...

Cinquenta anos depois perguntamo-nos, ingenuamente: porquê ? para quê ? como foi possível ?  A guerrra do Vietname, a guerra da Guiné, a guerra de Angola... A(s) guerra(s)... 

_________________

Nota do editor LG:

Último poste da série > 26 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26732: Efemérides (453): Lourinhã, 25 de abril de 2025: cerimónia de homenagem aos combatentes da guerra do ulltramar / guerra colonial

sexta-feira, 28 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24510 Antologia (93): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: o caso da ajuda ao PAIGC – Parte IV


Capa de "O Nosso Livro 2ª  Classe".
Exemplar gentilmenmte cedido ao nosso blogue pelo Paulo Santiago, natural de Águeda (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 53, Saltinho , 1970/72) .


 
Foto do secretário geral do PAIGC, incluída em O Nosso Livro, 2ª ClasseAutor desconhecido. Amílcar Cabral, que passou a visitar  regulamente a Suécia, a partir de finais de 1968, era visto pelos seus admiradores suecos como  ”um mestre da diplomacia [...], uma pessoa notável e uma grande figura internacional, que era portador de uma mensagem extremamente positiva”.

"O Partido Social-Democrata e a Liga da Juventude Social-Democrata, da Suécia, recolheram fundos para a produção, no final dos anos sessenta, por parte do PAIGC, dos primeiros manuais escolares em português. 

"O primeiro livro (PAIGC: O Nosso Livro: 1ª Classe) foi impresso em 1970 pela Wretmans Boktryckeri em Uppsala, com uma tiragem de 20.000 exemplares. Nesse mesmo ano a Wretmans publicou O Nosso Livro: 2ª Classe, com uma tiragem de 25.000 exemplares. 

"Ao lado do nome da editora, na capa do segundo livro, dizia-se que o livro era publicado pelo PAIGC nas zonas libertadas da Guiné." 

(Fonte: Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Nordiska Afrikainstitutekl, Uppsala, 2008, pág. 152)


1. A Suécia (parceiro comercial de Portugal desde o ano de 1960, no âmbito da EFTA - Associação Europeia do Comércio Livre) e a Guiné-Bissau nunca tiveram, até ao final da década de 1960, praticamente quaisquer ligações (históricas, comerciais, ou outras). 

Tor Sellström, do Instituto Nórdico de Estudos Africanos, tem um texto de 290 páginas, sobre "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau" (publicado em 2008, em versão portuguesa). (Vd. ficha técnica a seguir.)

No livro o autor conta-nos como é que de repente  certas organizações suecas de solidariedade com a luta dos povos da África Austral e o governo sueco começaram a interessar-se pelo que se estava a passar naquele pequeno país de África Ocidental, que era/é a Guiné-Bissau,  um  território então sob administração portuguesa, com um escasso meio milhão de habitantes, e  com um pequeno partido nacionalista, o PAIGC;  a lutar pela sua independência.  

E não apenas a interessar-se: a partir de 1969, a Suécia a dar uma "ajuda humanitária", substancial, que se prolongou muito para além da independência, até meados dos anos 90. "As exportações financiadas com doações da Suécia representavam, durante este período, entre 5 por cento e 10 por cento do total das importações da Guiné-Bissau".

 Estamos a falar de valores que chegaram aos 2,5 mil milhões (!) de coroas suecas [c. 269,5 milhões de euros] durante o período de 1974/75-1994/95 (sendo de 53,5 milhöes de coroas suecas, ao valor actual,  ou sejam, cerca de 5, 8 milhões de euros, de 1969/70 até 1976/77).
 
Passados estes anos todos, julgamos que ainda tem algum interesse, para os nossos leitores, saber um pouco maios desta história e dos seus meandros 

Vamos continuar a seguir esta narrativa, reproduzindo, com a devida vénia, mais um excerto do livro de  Tor Sellström. Já chamámos, logo no início,  a atenção para alguns factos e dados que merecem a nossa contestação ou reparo crítico, nomeaadamente quando o autor fala do trajeto do PAIGC e do seu líder histórico, não citando fontes independentes e socorrendo-se no essencial da propaganda do PAIGC (ou de fontes que lhe estavam próximas)... 

Já apontámos, nos postes anteriores, para alguns exemplos desse enviesamento político-ideológico: (1) a greve dos trabalhadores portuários do Pijiguiti e o papel do PAIGC; (ii) a batalha do Como: (iii) o controlo de 2/3 do território e de 400 mil. habitantes por parte do PAIGC; (iv) as escolas, as clínicas e as lojas do povo nas "áreas libertadas"; (v) o assassassinato de Amílcar Cabral. etc.  .

O texto (na parte que nos interessa, a ajuda sueca ao PAIGC, pp. 138-172)  tem demasiadas notas de pé de página, que podem ser úteis do ponto de vista documental mas sáo extremamente fastidiosas para a generalidade dos nossos leitores. (Vamos mantê-las, para não truncar a narrativa; podem ser lidas na diagonal)

Os negritos são nossos: ajudam a destacar alguns dos pontos importantes do texto. O "bold" a vermelho são passagens controversas,  são uma chamada de atenção para o leitor, devendo merecer um comentário crítico (ou o recurso a leituras suplementares).

Corrigimos os excertos seguindo o Acordo Ortográfico em vigor.

Para já aqui ficam os nossos agradecimentos ao autor e ao editor, Nordiska Afrikainstitutekl (em inglês, The Nordic Africa Institute).

Ficha técnica: 

Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Nordiska Afrikainstitutekl, Uppsala, 2008, 290 pp. Tradução: Júlio Monteiros. Revisão: António Lourenço e Dulce Åberg. Impresso na Suécia por Bulls Graphic, Halmstad 2008ISBN 978–91–7106–612–1.

Disponível em https://www.diva-portal.org/smash/get/diva2:275247/FULLTEXT01.pdf

(Também disponível na biblioteca Nordiska Afrikainstitutekl (ou Instituto Nórdico de Estudos Africanos) aqui, em "open acess" .)


Resumo dos excertos anteriores (*):

Com base numa decisão parlamentar aprovada por uma larga maioria, a Suécia tornou-se em 1969 o primeiro país ocidental a dar ajuda oficial aos movimentos nacionalistas das colónias portugueses (MPLA, PAIGC, FRELIMO). O PAIGC vai-se tornar o principal beneficiário dessa ajuda (humanitária, não-militar). Muito também por mérito de Amílcar Cabral e da sua habilidade diplomática. Até então, e sobretudo na primeira metade da década de sessenta, o debate na Suécia sobre a África Austral tinha quase exclusivamente sido centrado na situação na África do Sul, onde vigorava o apartheid.

O êxito da campanha contra a participação da empresa sueca ASEA no projecto de Cahora Bassa em Moçambique, por volta de 1968–69, na altura em que decorria a guerra do Vietname, levou a que os principais grupos de pressão (“Grupos de África”, oriundos de cidade como Arvika, Gotemburgo, Lund, Estocolmo e Uppsala) se ocupassem quase em exclusivo da luta armada nas colónias portuguesas, com destaque para a Guiné-Bissau(Parte I).

Em 3 páginas (pp. 141-143), o autor faz um resumo da "luta de libertação na Guiné-Bissau",  usando unilatereal e acriticameente informaçáo propagandística do PAIGC, alguma particularmente grosseira como a pretensão deste de controlar 400 mil habitantes... (Parte II).

Nas páguinas 144-147, fala-se dos primeiros contactos com o PAIGC e das primeiras visitas ao território (Parte III)



 Excerto do índice (pág. 4)

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno

Pág.

As colónias portuguesas no centro das atenções

138

A luta de libertação na Guiné-Bissau

141

Primeiros contactos

144

Caminho para o apoio oficial ao PAIGC

147

Uma rutura decisiva

152

Necessidades civis e respostas suecas

154

Definição de ajuda humanitária

157

Amílcar Cabral e a ajuda sueca

161

A independência e para além dela

168

 

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno
(pp. 138-172)

Caminho para o apoio oficial ao PAIGC (pp. 147-152)

Os visitantes descreveram a forma como o PAIGC estava a construir uma sociedade democrática nas zonas libertadas, mantendo ao mesmo tempo em curso a luta armada com os portugueses.

 A construção da nova sociedade, na qual a disponibilização de cuidados de saúde e de serviços de educação era um elemento essencial, era ameaçada não só pelos constantes bombardeamentos aéreos, mas também por uma enorme escassez de material e para as escolas e clínicas rurais que iam sendo criadas. Foi com este enquadramento que o PAIGC pediu ajuda à Suécia.

O primeiro pedido em nome do movimento de libertação foi feito em Outubro de 1968 pelo historiador britânico Basil Davidson (49) a Per Wästberg, um membro destacado do Comité Consultivo Sueco para a Ajuda Humanitária, organismo criado pelo governo sueco (50). Wästberg, por sua vez, apresentou o pedido ao Ministério dos Negócios Estrangeiros (51). 

Na sua carta, Davidson, destacando que atuava unicamente como ”um intermediário”, confirmava poder organizar ”um debate direto com o PAIGC na altura julgada mais conveniente” (52), realçando haver ”uma necessidade urgente de serem disponibilizadas algumas ajudas de tipo não-militar nas zonas libertadas”, e acrescentando:

"Tenho a sensação de que seria muito útil se os nossos amigos na Suécia pudessem, tão rapidamente quanto possível, angariar o dinheiro necessário para comprar bens do seguinte tipo 1) produtos médicos, e 2) leite em pó e carne enlatada. [...]

A outra sensação que tenho é que devemos, neste momento, concentrar-nos em avançar depressa em vez de querer fornecer grandes quantidades. Estou especialmente a pensar nos muitos casos relacionados com napalm que eles têm, ou na quase total ausência de stocks de produtos de primeira necessidade ou, ainda, no facto de (ao que julgo saber) estarem a receber muito pouca ajuda militar e quase nenhuma ajuda não-militar" (53).

O secretário geral do PAIGC fez, menos de dois meses depois, a sua primeira (de muitas) visitas à Suécia, a convite do Partido Social Democrata (54). Essa visita marcou o início dos laços estreitos que uniriam a organização de Cabral e o partido no poder na Suécia, bem como o movimento organizado de solidariedade(55). 

A visita teve lugar num momento crucial. A campanha contra o projecto de Cahora Bassa em Moçambique dispunha de um apoio bastante alargado e, em finais de Novembro de 1968, um grupo de activistas deu início em Gotemburgo a ”acções directas” contra a ASEA, a que se seguiram, pouco tempo depois, e um pouco por toda a Suécia, manifestações contra a empresa e contra o próprio governo social democrata. Estava em curso o debate a nível nacional quanto ao projecto de Cahora Bassa quando o governo votou, a 29 de novembro de 1968, a favor da Resolução 2395 da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre as colónias portuguesas.

Ao votar, o governo expressou oficialmente a sua preocupação ”com a actividade continuada e intensificada de interesses estrangeiros, de tipo económico, financeiro e outros, que impedem a concretização das aspirações legítimas dos povos africanos desses territórios”. Apoiava ainda o apelo feito no sentido de ”conceder aos povos dos territórios sob domínio português a ajuda moral e material necessárias para que os seus direitos inalienáveis sejam repostos” (56).

Enquanto o governo do primeiro ministro Tage Erlander não agiu de acordo com a sua posição internacionalmente declarada relativamente à primeira questão ou seja, a recusa em intervir contra a ASEA, fê-lo imediatamente no caso da assistência aos movimentos de libertação. Dez dias depois, a 9 de Dezembro de 1968, o Ministro dos Negócios Estrangeiros Torsten Nilsson apresentou uma declaração de intenções fulcral, ao dizer que:

"A Suécia é um dos estados que tem vindo a pedir que sejam aprofundados os esforços no sentido de acabar com a política de discriminação racial na África Austral e com a caduca e grotescamente provocadora política colonial portuguesa. Contudo, como é do conhecimento geral, não podemos contar, num futuro próximo, com passos no sentido de acabar com estas iolações. Que podemos então fazer, para deixar bem patente a nossa solidariedade com estes povos oprimidos? [...] 

"A Suécia vem vindo, desde há longa data, a dar contribuições financeiras para a formação de refugiados oriundos da África Austral e, para além disso, há já alguns anos que ajudamos a custear as despesas de aconselhamento jurídico das pessoas acusadas de crimes à luz das chamadas ”leis do apartheid” na África do Sul. Temos também ajudado a garantir o sustento das pessoas a cargo daqueles que têm sido presas ou detidas por razões definidas nas referidas leis. [...]

"Essas contribuições têm sido dadas para ajudar os povos oprimidos de África que não conquistaram a liberdade. A luta continua e mantemos contactos com vários líderes dos movimentos de libertação em África, alguns dos quais nos solicitaram ajuda. Estamos preparados para ajudar, tal como ajudamos a frente de libertação do Vietname do Sul, disponibilizando medicamentos e material médico. A ajuda educativa aos membros dos movimentos, através das suas organizações é também uma possibilidade que estamos dispostos a analisar. Está em questão a disponibilização de ajuda humanitária. Essa ajuda melhorará a situação dos membros desses movimentos e vai permitir-lhes continuar com maior facilidade a sua luta para obter a liberdade para os seus povos" (57).

Ao falar em contactos com líderes dos movimentos de libertação de África, é muito provável que Nilsson se estivesse a referir sobretudo a conversações tidas com Amílcar Cabral pouco tempo antes. Pierre Schori, que participou nas conversações com o líderdo PAIGC, descreveria mais tarde Cabral como ”um mestre da diplomacia [...], uma pessoa notável e uma grande figura internacional, que era portador de uma mensagemextremamente positiva” (58). 

Que tenha sido Cabral a pessoa que, ao fim de anos de contactos estreitos entre a Suécia e líderes nacionalistas da África Austral, acabaria por ”quebrar o gelo” quanto à ajuda oficial directa, é algo que fica patente pela celeridade com que ogoverno, após a sua visita, deu forma e conteúdo à declaração de Nilsson. Pouco mais de duas semanas volvidas sobre a declaração, o embaixador da Suécia na Libéria, Olof Ripa,recebeu instruções para entrar em contacto com o governo em Conacri para apurar se a ajuda directa da Suécia ao PAIGC seria ou não aceitável para o governo anfitrião (59). 

Ripa respondeu em Fevereiro de 1969 que o governo de Sékou Touré apoiava o PAIGC e que ”sem a mais pequena sombra de dúvida, participaria activamente no envio de remessas de ajuda humanitária da Suécia para os movimentos de libertação” (60).

Durante a sua estadia em Estocolmo, Cabral visitou também a ASDI, onde pôde confirmar, em traços gerais, o teor do pedido feito por intermédio de Basil Davidson edeu mais pormenores quanto às necessidades do PAIGC nas áreas da saúde, educação e necessidades básicas, tais como alimentos e têxteis (61).  

No seguimento dessas conversaçõese com base na declaração de intenções do governo, em Abril de 1969 o director geral daASDI, Ernst Michanek, tomou (ainda antes de o parlamento sueco ter tornado públicoo seu posicionamento sobre este mesmo princípio) a decisão de enviar uma missão para apuramento de factos ao Senegal e à República da Guiné62 com a finalidade de ”estudar as condições para entrega de ajuda ao PAIGC” (63).

A missão oficial, chefiada por Curt Ström, responsável pelo departamento de formação da ASDI, esteve na África Ocidental em meados de Maio de 1969, na mesma alturaem que a Comissão Permanente do Parlamento para as Dotações (64) discutia a questão geral do apoio sueco aos movimentos africanos de libertação. A conclusão foi que essa ajuda estava em conformidade com o direito internacional, ”nos casos em que as Nações Unidas tenham tomado uma posição inequívoca contra a opressão de povos que lutam pela liberdade nacional” (65). 

A Suécia tornar-se-ia assim no primeiro país ocidental industrializado a apoiar uma política de ajuda humanitária oficial directa aos movimentos de libertação nas colónias portuguesas, no Zimbabué, na Namíbia e na África do Sul (66). 

No caso da ”Guiné portuguesa”, a decisão fazia referência expressa ao PAIGC e aos passos preparatórios a dar relativamente à ajuda sueca, declarando-se que de acordo com a informação recebida pelo comité, estão a ser exploradas as possibilidades práticas de alargar a ajuda humanitária sueca no campo da educação às vítimas da luta travada sob a liderança do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), no sentido de libertar a Guiné portuguesa da soberania de Portugal. O comité tem, entre outros aspectos, com referência ao apoio que já está a ser alargado, por forma a abarcar o Instituto Moçambicano (67), uma abordagem positiva relativamente a esse tipo de ajuda, caso seja possível ultrapassar os problemas de índole prática, e partindo do princípio que o governo vai explorar as possibilidades de acção que se lhe apresentem (68).

A Guiné-Bissau não faz parte da África Austral. Num sentido estrito, as relações da Suécia com o PAIGC não devem portanto ser incluídas neste estudo. Contudo, o PAIGC tinha uma ligação estreita com o MPLA de Angola e com a FRELIMO de Moçambique.

Em conjunto com os seus aliados do CONCP e com a SWAPO da Namíbia, o ANC da África do Sul e a ZAPU do Zimbabué, fazia, para além do mais, parte do chamado Grupo de Cartum de ”autênticos” movimentos de libertação. Num contexto internacional, a luta de libertação na pequena colónia portuguesa situada na costa da África Ocidental estava, no âmbito do contexto acima descrito, muitas vezes justaposta com as lutas na África Austral. Esta justaposição é, em larga medida, de incentivar e utilizar como fonte de inspiração.

A importância da cooperação com o PAIGC para a participação sueca na questão da África Austral é enorme. O primeiro programa global sueco alguma vez concebido para dar ajuda humanitária directa e oficial a um movimento de libertação africano foi criado em conjunto com o PAIGC, o qual, por sua vez, estava profundamente empenhado numa luta armada contra uma nação europeia que tinha ligações comerciais formais com a Suécia, facto que determinou o carácter e as limitações da ajuda. 

Apesar de apelos veementes, feitos pelo movimento de solidariedade não-governamental e pela esquerda socialista de uma forma geral, em prol de um ”apoio incondicional”, ou seja, que fossem disponibilizadas verbas que o PAIGC pudesse usar a seu belo prazer, foi mantida uma orientação para a vertente humanitária. 

Apesar disso, as autoridades passaram, pouco tempo depois, a equacionar ajuda ”humanitária” com ajuda ”não-militar” ou ”civil” e, consequentemente, a alargar o âmbito dessa cooperação. Particularmente significativa foi a interpretação de ajuda humanitária ao PAIGC feita pelo governo sueco e pela ASDI, e que foi posteriormente aplicada aos movimentos de libertação na África Austral. A cooperação com o PAIGC não apenas definiu o conteúdo geral e a estrutura do programa de ajuda oficial da Suécia aos movimentos de libertação, mas criou também uma cultura institucional dentro da ASDI, e entre esta e o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Daí que seja relevante fazer um esboço da cooperação entre o governo sueco e o PAIGC (69).

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Notas do autor:

(44) Rudebeck participou activamente no Comité da África do Sul de Uppsala/Grupo de África. Voltou à Guiné-Bissau em 1972. Mais tarde professor assistente de ciências políticas na Universidade de Uppsala, Rudebeck publicou em 1974 um livro intitulado Guinea-Bissau: A Study of Political Mobilization (”Guiné-Bissau: Um estudo da mobilização política”) (op. cit.).

(45) Knut Andreassen e Birgitta Dahl: Guiné-Bissau: Rapport om ett land och en befrielserörelse (”Guiné-Bissau: Relatório sobre um país e um movimento de libertação”), Prisma, Estocolmo, 1971. Dahl, que na altura desempenhava um cargo na ASDI, viria a ser nomeada Ministra da Energia (1982–90) e do Ambiente (1986–91). Tornou-se presidente do parlamento sueco em 1994.

(46) Tal como Bengt Ahlsén: Portugisiska Afrika: Beskrivning av ett kolonialimperium och dess sönderfall (”A África portuguesa: Apresentação de um império colonial e sua queda”), Svenska Utbildningsförlaget Liber AB, Estocolmo, 1972. Após uma visita, em finais de 1971, às zonas libertadas, Anders Ehnmark e o fotógrafo Jean Hermanson publicaram Exemplet Guiné-Bissau: Ett reportage om en befrielserörelse (”O exemplo da Guiné-Bissau: Relatório sobre o movimento de Libertação”), Bokförlaget PAN/Norstedts, Estocolmo, 1973. O jornalista norueguês Johan Thorud acompanhou-os na viagem, publicando o seu próprio relato na Noruega (Geriljasamfunnet:Guiné-Bissaus kamp mot Portugal / ”A sociedade da guerrilha: A luta da Guiné-Bissau contra Portugal”, Tiden, Oslo, 1972).

(47) Uma vez que os conhecimentos que a ASDI detinha sobre o PAIGC e sobre a situação nas zonas libertadas era limitado, pediu-se a Palm e a Dahl que apresentassem à agência relatos das suas visitas, documentos esses que teriam depois um papel importante na tomada de decisão de aumento da ajuda oficial sueca ao MPLA de Angola.

(48)  Marianne Rappe: Memorandum (”Samtal med Folke Löfgren på SIDA den 21.4.1972: PAIGC”/”Conversa com Folke Löfgren na ASDI 21.4.1972: PAIGC”), ASDI, Estocolmo, 24 de Abril de 1972 (MFA).

Foto: Birgitta Dahl acompanhando o PAIGC às zonas libertadas da Guiné-Bissau em Novembro de 1970. (Foto: Knut Andreassen)

(49) Davidson estava muito ligado à causa nacionalista nas colónias portuguesas desde os anos cinquenta e visitou as zonas libertadas na Guiné-Bissau em 1967. O seu relato, intitulado The liberation of Guiné , foi publicado em 1969 em língua sueca, com o título Frihetskampen i Guiné-Bissau (Natur och Kultur, Estocolmo).

(50) Inicialmente criado em 1964 para aconselhar o governo na área da ajuda oficial sueca aos jovens refugiados africanos na área da educação, os membros do CCAH (nomeados oficialmente) representaram o Ministério dos Negócios Estrangeiros, a ASDI, as OGNs mais representativas e pessoas com conhecimentos especiais sobre a África Austral. Per Wästberg fazia, a título de exemplo, parte deste último grupo. 

O comité desempenhou um papel vitaldo ponto de vista dos destinatários da ajuda humanitária enviada pela Suécia. A começar pela decisão do parlamento sueco de aumentar a ajuda directa oficial aos movimentos africanos de libertação, o seu mandato e número de membros foi aumentando gradual e regularmente ao longo dos anos. Para além de dar assessoria à África Austral, o CCAH deu depois o seu apoio ao governo sueco na questão da ajuda humanitária à América Latina. O apoio dado pela Suécia ao Vietname e aos movimentos nacionalistas na Indochina nunca fez, contudo, parte do mandato do CCAH. 

O comité foi presidido pelo director geral da ASDI, que contava com o apoio de um pequeno secretariado,composto por funcionários da ASDI e do Ministério dos Negócios Estrangeiros, para preparar as reuniões e os pontos que nelas haviam de ser discutidos. 

Por norma, as recomendações eram apresentadas sob a forma de memorandos, cujo conteúdo se baseava, por sua vez, em contribuições e comentários feitos por agentes relevantes no terreno. O trabalho do Comité era feito num espírito de estrita confidencialidade, havendo registo apenas das decisões tomadas e nunca dos debates tidos. As recomendações apresentadas pelo secretariado foram, com poucas excepções, seguidas pelo comité e aprovadas pelo governo, para serem aplicadas pela ASDI. 

Num período de ano e meio, entre 1981–82 – 1982–83, por exemplo, o CCAH discutiu 100 pedidos, que representaram no total um valor próximo dos 270 milhões de coroas suecas, ao longo de 13 reuniões. Em 91 casos, o comité seguiu o parecer do secretariado, propondo uma dotação superior em 2 dos casos e uma dotação mais reduzida ou a rejeição pura e simples da proposta em 7 casos (SIDA/Kjellmer: Memorandum (”Beredningen för humanitärt bistånd: Ärenden 1981–82 och 1982–83”/”Comité Consultivo para Ajuda Humanitária: Pontos 1981–82 e 1982–83”), ASDI, Estocolmo, 17 de Fevereiro de 1983) (SDA).

(51) Carta enviada por Per Anger, Ministro dos Negócios Estrangeiros, a Olof Ripa, embaixador sueco na Libéria, Estocolmo, 19 de Dezembro de 1968 (MFA).

(52) Carta enviada por Basil Davidson a Per Wästberg, Londres, 17 de Outubro de 1968 (MFA).

(53) Ibid.

(54) Arbetet, 13 de Dezembro de 1968. Durante a sua visita à Suécia, nos finais de Novembro de 1968, Amílcar Cabral encontrou-se também com C.H. Hermansson, secretário geral do Partido de Esquerda Comunista (Comité da África do Sul de Uppsala: ”Protokoll”/”Actas”, Uppsala, 8 de Novembro de 1968) (UPA). De acordo com Onésimo Silveira, representante permanente do PAIGC na Suécia, ”os contactos com os partidos comunistas do Ocidente eram, contudo, diminutos” e o PAIGC não quis ”imiscuir-se nas suas lutas” (ibid).

55. O Partido Social-Democrata e o PAIGC já tinha entabulado contactos antes da visita de Cabral à Suécia, em finais de 1968. Já antes, nesse mesmo ano, o partido no poder tinha, por exemplo, doado 10.000 coroas suecas ao movimento de libertação, dinheiro esse retirado do Fundo Internacional para a Solidariedade, criado em Outubro de 1967 (Pierre Schori em Arbetet, 13 de Dezembro de 1968). Tinham também sido feitos contactos estreitos, atravésde Onésimo Silveira, que vivia e estudava em Uppsala, com o Comité da África Austral dessa cidade universitária.

Esses contactos haveriam de levar o movimento sueco para a solidariedade a apoiar o PAIGC. Em meados de 1968, apenas para dar um exemplo, foi enviada uma unidade de raios-x para o PAIGC em Conacri, com a ajuda do Comité da África do Sul de Uppsala: ”Protokoll”/”Actas”, Uppsala, 30 de Junho de 1968) (UPA). 

Cabral visitou também Uppsala durante a sua estadia na Suécia, comparecendo numa reunião pública co-organizada pelo Comité da África do Sul, a Associação Social-Democrata Laboremus, a Associação de Estudantes de Verdandi e a Liga da Juventude do Partido de Esquerda (VUF). A reunião teve lugar na Universidade a 27 de Novembro (”Amílcar Cabral: Demonstrationer inte nog. Vi behöver konkret hjälp”/”Amílcar Cabral: As manifestações não chegam, precisamos de ajuda concreta” em Uppsala Nya Tidning, 28 de Novembro de 1968). 

Em 1969 o Comité da África do Sul de Uppsala deu início a uma campanha de angariação de fundos a nível nacional em prol do PAIGC (Södra Afrika Informationsbulletin, n. 12, 1971, p. 49) e, como acima foi dito, vários membros do comité, entre os quais Bertil Malmström, Lars Rudebeck e Birgitta Dahl, visitaram as zonas libertadas da Guiné-Bissau em 1969–70. 

Como forma de protesto pela visita de estado do presidente senegalês Léopold Senghor à Suécia (Senghor era visto como um traidor do PAIGC), que se realizou em Maio de 1970, o Comité da África do Sul de Uppsala e um conjunto de organizações políticas montaram espectaculares manifestações, ligadas com o seu aparecimento na universidade (”En Diktare och Diktator Besöker Norden”/”Um poeta e ditador visita os países nórdicos” em Södra Afrika Informationsbulletin, no. 9, 1970, pp. 5–8 e ”Senghor-rättegången”/ ”O Julgamento Senghor” em Södra Afrika Informationsbulletin, no. 14, 1972, pp. 23–25).

(56) Assembleia Geral das Nações Unidas, Resolução 2395 (XXIII) de 29 de Novembro de 1968, citada no Yearbook of the United Nations: 1968, Gabinete de Informação ao Público, Nações Unidas, Nova Iorque, 1971, p. 804.

(57) ”Discurso do Ministro dos Negócios Estrangeiros”, 9 de Dezembro de 1968 no Ministério dos Negócios Estrangeiros: Documents on Swedish Foreign Policy: 1968, Estocolmo, 1969, p. 116.

(58) Entrevista com Pierre Schori, p. 333.

(59) Carta de Per Anger, Ministério dos Negócios Estrangeiros, enviada a Olof Ripa, embaixador da Suécia na Libéria, Estocolmo, 19 de Dezembro de 1968 (MFA).

(60) Carta de Olof Ripa, embaixador da Suécia na Libéria enviada a Per Anger, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Monróvia, 19 de Fevereiro de 1969 (MFA).

(61) Kerstin Oldfelt: Memorando (”Humanitärt bistånd till Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC)”/”Ajuda humanitária ao PAIGC”), ASDI, Estocolmo, 22 de Julho de 1969 (SDA).

(62) Curt Ström: ”Reserapport” (”Relato de viagem”), ASDI, Estocolmo, 13 de Junho de 1969 (SDA).

(63) Ibid.

(64) Em sueco, Statsutskottet.

(65) Parlamento sueco 1969: Declaração no. 82/1969 pela Comissão das Dotações, p. 24.

(66) Ironicamente, o deputado que assinou a histórica declaração da Comissão Permanente sobre Dotações foi Gösta Bohman. No ano seguinte, tornou-se Presidente do Partido Moderado, conservador, o único partido sueco tradicional a excluir-se da parceira alargada com os movimentos de libertação na África Austral.

(67) O apoio oficial sueco ao Instituto Moçambicano da FRELIMO, sediado em Dar es Salaam, na Tanzânia, tinha vindo a aumentar desde 1965.

(68) Parlamento sueco, 1969: Declaração no. 82/1969 pela Comissão das Dotações, p. 24.

(69) Incluído sobretudo como uma introdução ao tema da ajuda sueca aos movimentos de libertação da África Austral, o ”desvio” pela via do PAIGC e da Guiné-Bissau, é tudo menos global. Apesar de serem dados exemplos que ilustram o âmbito e o carácter da ajuda do governo sueco, o importante papel desempenhado pelo Partido Social-Democrata, pelos Grupos de África e por outras organizações de solidariedade, não recebe o reconhecimento devido. 

Para além de tudo aquilo que é acima referido, deve notar-se também que o Partido Social-Democrata e a Liga da Juventude Social-Democrata recolheram fundos para a produção, no final dos anos sessenta, por parte do PAIGC, dos primeiros manuais escolares em português. O primeiro livro (PAIGC: O Nosso Livro: 1ª Classe”) foi impresso em 1970 pela Wretmans Boktryckeri, em Uppsala, com uma tiragem de 20.000 exemplares. Nesse mesmo ano a Wretmans publicou (”O Nosso Livro: 2ª Classe”), com uma tiragem de 25.000 exemplares. Ao lado do nome da editora, na capa do segundo livro, dizia-se que o livro era publicado pelo PAIGC nas ”zonas libertadas da Guiné”.

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Nota do editor: