Mostrar mensagens com a etiqueta Op Castor. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Op Castor. Mostrar todas as mensagens

domingo, 6 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21616: Memórias cruzadas: relembrando os 24 enfermeiros do exército condecorados com Cruz de Guerra no CTIG (Jorge Araújo) - Parte IV


Foto 1 – Assistência a ferido em combate. Imagem incluída no livro «Golpes de Mãos – Memórias de Guerra», do camarada José Eduardo Rodrigues Oliveira [JERO], ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 675 (1964-66) – P9562, com a devida vénia.



Foto 2 – Zona Leste > Sector L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ 3872 (1971/1974). O enfermeiro Catroga prestando à população civil cuidados de enfermagem comunitária. Foto do álbum de Juvenal Amado – P11764, com a devida vénia.



Foto 3 – O 1.º Cabo Enf Silva assistindo o seu camarada fur mil Jorge Fontinha, da CCAÇ 2791 (Bula e Teixeira Pinto; 1970/72) após ter sofrido uma entorse, durante uma Operação a Balangarez, local situado entre Teixeira Pinto e Cacheu. Foto do álbum de Jorge Fontinha – P7026, com a devida vénia.




O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo; tem cerca de 270 referências no nosso blogue. 


MEMÓRIAS CRUZADAS

NAS "MATAS" DA GUINÉ (1963-1974):

RELEMBRANDO OS QUE, POR MISSÃO, TINHAM DE CUIDAR DAS FERIDAS CORPOREAS PROVOCADAS PELA METRALHA DA GUERRA COLONIAL: «OS ENFERMEIROS»

OS CONTEXTOS DOS "FACTOS E FEITOS" EM CAMPANHA DOS VINTE E QUATRO CONDECORADOS DO EXÉRCITO COM "CRUZ DE GUERRA", DA ESPECIALIDADE "ENFERMAGEM"

PARTE IV

 

 

► Continuação do P21504 (III) (01.11.20) (*)


1.   - INTRODUÇÃO


Através da consulta e análise do vasto espólio documental produzido pela geração dos ex-combatentes, que não pára de aumentar em cada dia das nossas vias – e ainda bem, digo eu (dizemos nós!) –, visando contribuir para a reconstrução do puzzle da memória colectiva da «Guerra Colonial / Guerra do Ultramar / Guerra de África», em particular a da Guiné [CTIG], continuamos a partilhar, no seio da «Tabanca Grande», os resultados obtidos nas «Memórias Cruzadas» implícitas no tema em título e subtítulo.


Para além do enunciado supra, enquanto objecto da investigação, com o tema em apreço procura-se valorizar o importante papel desempenhado pelos nossos camaradas da "saúde militar" (e igualmente no apoio a civis e população local) – médicos e enfermeiros/as (por exemplo a da foto 2) – na nobre missão de socorrer todos os que deles necessitassem, quer em situação de combate (por exemplo a da foto 1), quer noutras ocasiões de menor risco de vida (medicina geral), mas sempre a merecerem atenção e cuidados especiais (por exemplo a da foto 3).


Considerando a dimensão global da presente investigação, esta teve de ser dividida em partes, onde procuramos descrever cada um dos contextos da "missão", analisando "factos" e "feitos" (os encontrados na literatura) dos seus actores directos "especialistas de enfermagem", que viram ser-lhes atribuída uma condecoração com «Cruz de Guerra», maioritariamente de 3.ª e 4.ª Classe. Para esse efeito, a principal fonte de consulta/informação foi a documentação oficial do Estado-Maior do Exército, elaborada pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974).


2.   - OS "CASOS" DO ESTUDO


De acordo com a coleta de dados da pesquisa, os "casos do estudo" totalizaram vinte e quatro militares condecorados, no CTIG (1963/1974), com a «Cruz de Guerra» pertencentes aos «Serviços de Saúde Militar», três dos quais a «Título Póstumo», distinção justificada por "actos em combate", conforme consta no quadro nominal elaborado por ordem cronológica e divulgado no primeiro fragmento – P21404.


Neste quarto fragmento analisaremos mais dois "casos", o último de 1965 e o primeiro de 1966, onde se recuperam mais algumas memórias, sempre dramáticas quando estamos perante situações irreversíveis, como é a da morte.


3.   - OS CONTEXTOS DOS "FEITOS" EM CAMPANHA DOS MILITARES DO EXÉRCITO CONDECORADOS COM "CRUZ DE GUERRA", NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "ENFERMAGEM" - (n=24)

 

3.7     - LUÍS PEREIRA JORGE, 1.º CABO AUXILIAR DE ENFERMEIRO DA CCAÇ 1418, CONDECORADO COM A CRUZ DE GUERRA DE 4.ª CLASSE 


A sétima ocorrência a merecer a atribuição de uma condecoração a um elemento dos «Serviços de Saúde» do Exército, esta com medalha de «Cruz de Guerra» de 4.ª Classe - a quarta e última das distinções contabilizadas durante o ano de 1965 - teve origem no desempenho tido pelo militar em título, durante a «Operação Perseguição», realizada em 09 de Setembro de 1965 (5.ª feira), na zona de Búgula – Badã, na região de Bula (infografia abaixo), quando o grupo de combate de que fazia parte foi emboscado.


► Histórico

 


◙ Fundamentos relevantes para a atribuição da Condecoração


▬ O.S. n.º 82, de 06 de Outubro de 1965, do BCAÇ 1856:


"Agraciado com a Cruz de Guerra de 4.ª Classe, nos termos do artigo 12.º do Regulamento da Medalha Militar, aprovado pelo Decreto n.º 35667, de 28 de Maio de 1946: O 1.º Cabo, auxiliar de enfermeiro, n.º 1204/64, Luís Pereira Jorge, da Companhia de Caçadores 1418 [CCAÇ 1418] – Batalhão de Caçadores 1856, Regimento de Infantaria n.º 1".


● Transcrição do louvor que originou a condecoração:



"Louvado, pelo Exmo. Comandante do BCAÇ 1856, o 1.º Cabo auxiliar de enfermeiro, n.º 1204/64, Luís Pereira Jorge, pelo seu meritório comportamento no decorrer da «Operação Perseguição» [09Set65], quando o grupo de combate de que fazia parte foi emboscado.


Tendo sido ferido no início, pelo rebentamento de uma granada de mão lançada pelo In, que de imediato arremessou outra que caiu na posição por si ocupada, teve ainda a calma necessária, extraordinária presença de espírito e sangue-frio, para a devolver para o local de onde havia sido lançada, a qual então rebentou, ao mesmo tempo que abriu fogo com a sua arma, nessa direcção, tendo atingido dois elementos In ali acoitados e que se puseram em fuga.


Debaixo de fogo e a rastejar, foi então tratar o seu comandante de Pelotão e em seguida um outro camarada gravemente ferido, indo depois ocupar novamente o seu posto na linha de fogo.


Já durante o trajecto para o aquartelamento mais próximo, distante cerca de 5 km, foi ele ainda quem ajudou a transportar às costas um seu camarada mais gravemente ferido, só aceitando transferi-lo para outro militar, quando já extremamente cansado, devido aos seus próprios ferimentos, se viu obrigado a tal." (CECA; 5.º Vol.; p 185).


CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA


Para contextualização da ocorrência, que esteve na base da condecoração do 1.º Cabo enfermeiro, Luís Pereira Jorge, socorremo-nos das fontes oficiais (CECA, 6.º Vol.; p. 335), onde consta:


 "Em cumprimento da Directiva Operacional, no Sector Oeste, as NT desenvolveram intensa actividade operacional realizando, entre outras, as operações - «Perseguição»: em 09Set65. O IN emboscou as forças do BCAV 790 [no caso a CCAÇ 1418], próximo de Búgula, causando 6 feridos e sofrendo 2 mortos."


3.7.1    - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE CAÇADORES 1418, BISSAU - BULA - BURUNTUMA - CAMAJABÁ - RIO CAIUM – FÁ MANDINGA


Mobilizado pelo Regimento de Infantaria 1 [RI 1], da Amadora, para cumprir a sua missão ultramarina no CTIG, a Companhia de Caçadores 1418 [CCAÇ 1418], a terceira unidade de quadrícula do BCAÇ 1856, do Cmdt TCor Inf António de Anunciação Marques Lopes, embarcou em Lisboa em 31 de Julho de 1965, sábado, a bordo do N/M Niassa, sob o comando do Capitão de Infantaria António Fernando Pinto de Oliveira, tendo desembarcado em Bissau a 6 de Agosto, 6.ª feira.




3.7.2   
- SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 1418


Após o seu desembarque, a CCAÇ 1418 ficou colocada em Bissau durante quinze dias como subunidade de intervenção e reserva do Comando-Chefe, tendo seguido, em 21Ago65 para Bula, a fim de realizar uma instrução de adaptação operacional sob a orientação do BCAV 790 [28Abr65-08Fev67; do TCor Cav Henrique Alves Calado], e seguidamente reforçar este Batalhão em acções realizadas nas regiões de Naga, Inquida e Choquemone, entre outras.


Até 20Out65, continuou depois a ser atribuída em reforço de outros batalhões, com vista à realização de diversas acções na região do Jol, em reforço do BCAÇ 1858 [24Ago65-03Mai67; do TCor Inf Manuel Ferreira Nobre Silva], de 05 a 18Nov65. Na região de Gussará-Manhau, em reforço do BART 645, de 16 a 23Dez65. 


Nas regiões de Naga e Biambe, em reforço do BCAV 790, de 2 a 16Jan66 e novamente de 12 a 26Mar66. Na região do Morés, em reforço do BCAÇ 1857 [06Ago65-03Mai67; do TCor Inf José Manuel Ferreira de Lemos], de 13 a 23Fev66, onde tomou parte na «Operação Castor» [em 20Fev66], um golpe-de-mão à base central do Morés bem-sucedido, já que foi capturada elevada quantidade de armamento e outro material.

 


Deslocada seguidamente para Buruntuma, a CCAÇ 1418 assumiu, em 08Mai66, a responsabilidade do respectivo subsector, em substituição da CCAV 703 [24Jul64-14Mai66; do Cap Cav Fernando Manuel dos Santos Barrigas Lacerda], ficando integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão [BCAÇ 1856], tendo destacada uma secção para Camajabá e, a partir de 21Set66, um Gr Comb para a ponte do Rio Caium. 


Em 03Abr67, foi rendida no subsector de Buruntuma pela CCAÇ 1588 [04Ago66-09Mai68; do Cap Inf Álvaro de Bastos Miranda] e seguiu para Fá Mandinga, onde substituiu, temporariamente, a CCAÇ 1589 [04Ago66-09Mai68; do Cap Inf Henrique Vítor Guimarães Peres Brandão] na função de reserva do Agr1980. Em 09Abr67, seguiu para Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso à metrópole, o qual teve lugar a 18 do mesmo mês, a bordo do N/M «UÍGE».


Para além da quantidade de armamento capturado na base do Morés, como a imagem acima testemunha, no decurso da «Operação Castor» [Op Castor] ocorreu, também, entre outras, a morte de Simão António Mendes, responsável da área da saúde do C.I.R.N. [, e que depois da independênicai daráb o nome ao Hospital Nacional de Bissau].


Este acontecimento é divulgado a partir da base central (Morés), em comunicado manuscrito por Chico Té [Francisco Mendes], que abaixo se reproduz, com o seguinte teor:


"No dia 20 de Fevereiro [de 1966] o inimigo [NT] apoiado por 8 caçadores [caça-bombardeiros T-6?] invadiu a Base Central [Morés]. O combate durou 6 horas de tempo, teve como resultado a retirada em debandada inimiga que caiu em 3 (três) emboscadas sucessivas [CCAÇ 1418; fazendo fé no depoimento do camarada Rui Silva - P3806 - que diz: "o êxito da operação deve-se em grande parte à táctica usada. O papel da CCAÇ 1418 ao servir de isco foi preponderante. Mostrou-se, foi detectada pelo inimigo e então este convergiu para o trajecto daquela. Soubemos que esta Companhia se continuasse a avançar, o que não era preciso, tinha 7 (sete) emboscadas inimigas já montadas"].


O comunicado acrescenta que "o inimigo [NT] não podendo realizar o plano, reforçou a aviação. Com o fim de bombardear a base, onde os nossos camaradas de armas anti-aéreas deram uma grande prova de coragem, não os deixando realizar o plano. Depois de duas horas de combate, só conseguiram lançar uma bomba dentro da Base, causando a morte de 3 camaradas entre os quais o responsável da saúde do C.I.R.N, Simão António Mendes. Dois aviões foram atingidos pelo fogo da D.C.K. [metralhadora pesada de 14.5 mm]. Região Óio, Zona Morés, Base Central."




Citação: (s.d.), "Comunicado [Região 3]", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40720

 

3.8   - JOÃO VIEIRA DE MELO, 1.º CABO AUXILIAR DE ENFERMEIRO DA CCAV 1485, CONDECORADO A TÍTULO PÓSTUMO COM A CRUZ DE GUERRA DE 4.ª CLASSE 


A oitava ocorrência a merecer a atribuição de uma condecoração (a título póstumo) a um elemento dos «Serviços de Saúde» do Exército, esta com medalha de «Cruz de Guerra» de 4.ª Classe - a primeira de oito distinções contabilizadas durante o ano de 1966 - teve origem no desempenho tido pelo militar em título, durante a «Operação Falcão II», realizada em 13 de Fevereiro de 1966 (domingo), na região da mata de Cassum, Susana (infografia abaixo), quando os grupos de combate da CCAV 1483 e CCAV 1485, da qual fazia parte, foram emboscados.


► Histórico



◙ Fundamentos relevantes para a atribuição da Condecoração


▬ O.S. n.º 19, de 12 de Maio de 1966, do QG/CTIG:


"Condecorado com a Cruz de Guerra de 4.ª Classe, nos termos do artigo 12.º do Regulamento da Medalha Militar, aprovado pelo Decreto n.º 35667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 11 de Maio de 1966: O 1.º Cabo auxiliar de enfermeiro, João Vieira Melo, da Companhia de Cavalaria 1485 [CCAV 1485] – Batalhão de Cavalaria 790, Regimento de Infantaria n.º 7, a título póstumo."


● Transcrição do louvor que originou a condecoração:


"Louvo, a título póstumo, o 1.º Cabo auxiliar de enfermeiro, n.º 06235965, João Vieira de Melo, da CCAV 1485, pelo seu comportamento notável revelado no decorrer da «Operação Falcão II», levada a efeito em 13 de Fevereiro de 1966.


Atingido com certa gravidade numa fase inicial do combate, não hesitou em arrastar-se para o local onde o fogo In era mais intenso, por saber que naquela zona havia outros feridos que necessitavam de receber tratamento. Veio a ser atingido mortalmente quando prestava assistência aos seus camaradas.


Demonstrou excepcional espírito de abnegação e camaradagem, extraordinárias qualidades de coragem, sangue-frio, calma e serena energia debaixo de fogo, tornando-se credor do respeito e admiração dos seus camaradas e superiores e digno de ser apontado como exemplo." (CECA; 5.º Vol.; p. 310).



CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA


Para contextualização da ocorrência que esteve na base da condecoração do 1.º Cabo enfermeiro João Vieira de Melo, socorremo-nos das fontes oficiais (CECA, 6.º Vol.; p. 335), e da obra de Mário Leitão «Heróis Limianos da Guerra do Ultramar», onde consta:


"Em 13 de Fevereiro de 1966, domingo, realizou-se a «Operação Falcão II», que contou com forças da CCAV 1485 e alguns elementos da CCAV 1483 [26Out65-27Jul67; do Cap Cav José Olímpio Caiado Costa Gomes], com a missão de explorar notícias que referiam a existência de um acampamento na área de Cassum/Susana. Ao aproximarem-se da orla da mata de Cassum, o In desencadeou sobre as NT intenso tiroteio. As NT reagiram, mantendo-se nas posições durante 3 (três) horas, ao fim das quais o PVC deu ordem para retirar. Protegidas pela FA, as NT retrocederam, perseguidas ainda por alguns guerrilheiros. Foram causados ao In dois mortos e outras baixas prováveis. As NT sofreram dois mortos e seis feridos, três dos quais vieram a falecer posteriormente depois de terem sido heli-evacuados para o HM 241, em Bissau. No caso do João Vieira de Melo, este veio a falecer no HMP (Estrela, Lisboa) em 20Fev66. Era natural da Ribeira, uma das trinta e nove freguesias do Município de Ponte de Lima."

 


Como complemento da narrativa oficial, recuperámos o excelente trabalho de pesquisa biográfico, "dos quarenta e cinco rapazes limianos que morreram ao serviço de Portugal nos três teatros operacionais, para além de mais oito em território continental", dado à estampa pelo camarada Mário Leitão no livro acima identificado, onde é descrito o contexto da ocorrência em análise.


Da biografia referente ao 1.º Cabo João Vieira Melo, reproduzimos: 


[…] "Pouco antes de completar quatro meses de comissão, o 1.º Cabo Melo fez parte de dois grupos de combate que a sua unidade enviou para a "Operação Falcão II", iniciada nos primeiros minutos do dia 13 de Fevereiro de 1966, na área de Susana, onde o inimigo construíra um forte acampamento com abrigos contra morteiros e aviação, na orla de uma mata em Cassum. Um soldado atravessou o rio a nado transportando a corda que, uma vez esticada, serviria para a travessia do restante pessoal, que terminou às duas da manhã. Dessas forças faziam parte vários elementos da CCAV 1483. O numeroso grupo inimigo que os emboscou possuía um morteiro 82, uma ou duas metralhadoras pesadas e inúmeras pistolas-metralhadoras e espingardas automáticas, que causaram 5 mortos e 3 feridos às nossas tropas". […] 


"As nossas tropas aguentaram o combate durante três horas, esquivaram-se aos vários fogos de capim incendiado pelo IN, mas tiveram de retirar para proceder à evacuação dos feridos e porque grande número de armas estavam encravadas e o número de munições era reduzido. A ordem foi dada pelo PVC, e a Força Aérea assegurou a protecção, pois vários elementos In iniciaram a sua perseguição". […] (Op. cit., pp.142-143).


Segue o quadro das baixas em combate registadas durante a «Operação Falcão II». É de mencionar o facto de que os corpos dos dois primeiros nomes não puderam ser recuperados. (CECA; 8.º Vol.; pp 174-176).


Nota: Sobre este tema, consultar: P17180 e P17307.





3.8.1    - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE CAVALARIA 1485

= BISSAU - BINAR - BULA - INGORÉ - SUSANA - PELUNDO - BIAMBE - ENCHEIA


Mobilizado pelo Regimento de Cavalaria 7 [RC 7], em Lisboa, para cumprir a sua missão ultramarina no CTIG, a Companhia de Cavalaria 1485 [CCAV 1485], independente, embarcou em Lisboa em 20 de Outubro de 1965, 4.ª feira, a bordo do N/M «NIASSA», sob o comando do Capitão de Cavalaria Luís Manuel Lemos Alves, tendo desembarcado em Bissau seis dias depois.


3.8.2 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAV 1485


Após a sua chegada, a CCAV 1485 ficou instalada em Bissau tendo sido atribuída ao BCAÇ 1857 [06Ago65-03Mai67; do TCor Inf José Manuel Ferreira de Lemos], a fim de substituir a CCAÇ 1419 [06Ago65-03Mai67; do Cap Mil Inf António dos Santos Alexandre] na segurança e protecção das instalações e das populações da área tendo, cumulativamente, destacada os seus Grs Comb, por períodos variáveis, para adaptação operacional e reforço das guarnições locais de Binar, Bula e Ingoré, e empenhamento em operações efectuadas no sector do BCAV 790.


Em 01Dez65, foi colocada em Bula em reforço do BCAV 790 [28Abr65-08Fev67; do TCor Cav Henrique Alves Calado], sendo deslocada em 05Dez65 para Susana, onde assumiu a responsabilidade de um subsector, criado por agravamento da situação na zona e retirado ao subsector de São Domingos, a fim de actuar na contra-penetração e interdição da fronteira norte (Senegal).


Entretanto, cedeu também dois Grs Comb para reforço das guarnições locais de Ingoré, de 08Dez65 a 08Ago66 [oito meses] e Pelundo, de 09Dez65 a 17Abr66 [quatro meses]. Em 15Abr66, o subsector temporário de Susana foi extinto, voltando a ser incluído no subsector de São Domingos, tendo os efectivos da subunidade sido deslocados para Bula, entre 11 e 17Abr66.


Em 18Abr66, a CCAV 1485 deslocou-se para Binar, a fim de tomar parte na «Operação Arranque» [20-21Abr66], com vista à ocupação e instalação em Biambe, de cujo subsector assumiu a responsabilidade em 20Abr66, continuando integrada no dispositivo e manobra do BCAV 790.

 

Quanto à manobra desenvolvida pelas unidades participantes na ocupação de Biambe, e posterior instalação do respectivo aquartelamento, missão atribuída à CCAV 1485, creio que o livro de Manuel Costa Lobo, «Biambe e os Biambenses - História de um sítio em tempo de Guerra (1966/1974)» (capa ao lado), delas fará, certamente, referência (ainda que não o possa confirmar por não o ter lido).  

 

Em 31Ago66, a sua zona de acção foi alargada da área de Encheia, para onde, em 30Out66, foi destacado um Gr Comb, em substituição de idêntico efectivo da CCAÇ 816 [26Mai65-08Fev67; do Cap Inf Luís Fernando Gonçalves Riquito]. 


Em 06Jun67, a CCAV 1485 foi rendida, por troca, no subsector de Biambe pela CART 1688 [01Mai67-02Mar69; do Cap Art Damasceno Maurício Loureiro Borges], sendo colocada em Bissau, onde veio a substituir esta subunidade no dispositivo e manobra do BART 1904 [18Jan67-31Out68; do TCor Art Fernando da Silva Branco], com vista à segurança e protecção das instalações e das populações da área. Em 25Jul67, foi substituída no sector de Bissau pela CCAV 1748 [25Jul67-07Jun69; do Cap Mil Inf Emílio Augusto Pires], a fim de efectuar o embarque de regresso ao continente, viagem iniciada em 27Jul67 a bordo do N/M «UÍGE».

Continua…

► Fontes consultadas:


Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 5.º Volume; Condecorações Militares Atribuídas; Tomo II; Cruz de Guerra, 1962-1965; Lisboa (1991).


Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).


Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001).

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

04Nov2020

__________

Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série > 

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11614: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (13): Religiosidade

1. Em mensagem do dia 19 de Maio de 2013, o nosso camarada  Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, BissauBissorã e Mansabá, 1965/67), enviou-nos a sua décima terceira "Carta de Amor e Guerra".


CARTAS DE AMOR E GUERRA

13 - RELIGIOSIDADE


Vale de Figueira, 11- Janeiro-1966 
(… … …) 
Eu creio sinceramente no teu regresso. Sou católica, como sabes. E a minha fé na protecção divina é grande. Deus ouvirá a minha prece. Fervorosamente, eu peço-lhe que nos aproxime, que te traga de novo ao seio da tua família. E já muitas preces foram atendidas, mesmo no que a ti respeita. Não permitiu que ficasses a meu lado nesta época mas, mesmo assim, não desespero. 
(… … …) 
Não queria causar-te aborrecimentos tocando-te em assuntos religiosos. Desculpa-me, pois, se te enfado mas tenho de te dizer o que sinto, o que é a minha opinião. 
Não terás tu, rodeado de perigos, no mais acerbo da dor, sentido necessidade de apelar para qualquer auxílio supremo, de te confiares a algum ser sobrenatural? 
Essa tua fé nos bons resultados da tua actuação, a tua confiança na sorte, não serão indícios da tua credulidade em algo de divino mas de que, confuso que se te apresenta, ainda te não apercebeste? 
Pelo estudo avançado de filosofia que fizeste e ao procurar explicar tudo à luz da razão, cais em contradição ao negares a existência de Deus. A meu ver só se pode negar qualquer coisa que sabemos que existe pois, se não existe, é utópico negá-la. Se negas a existência desse Deus, mesmo sem o perceberes afirmas que existe e apenas não queres reconhecê-lo. 
Talvez agora estejas sentindo essa necessidade de te protegeres, de te pores à guarda de um ser divino, dum ser supremo. Talvez que na aproximação do perigo estejas também tu voltando ao caminho de católico ou de cristão que és. 
(… … …) 
Apetecia-me doidamente abraçar-te, beijar-te muito, muito, (…). 
Meu amor querido, seja na Guiné ou em qualquer lugar recôndito da Terra por onde vagueemos, há problemas, há situações angustiantes. A cada um compete resolvê-las. Sorri um poucochito mais, meu querido … 
(… … …) 
Pondo em acção toda a nossa vitalidade, toda a nossa energia de jovens, não deixemos que as derrocadas diárias nos marquem ao desabarem. Deste modo venceremos, decerto. Combinado, minha jóia querida? (… … …). Confiemos então na tal “sorte”, na tão ambicionada sorte que há-de ser a tua mais fiel companheira enquanto a minha presença pessoal junto de ti nos for vedada. 

(…) beijos apaixonados da sempre tua N. 
Adeus meu querido. 


Bissorã, 18 Jan 66 

Muito obrigado pela tua carta, minha querida. Valerá a pena elogiar-te? Com certeza. Tu merece-lo. 
(…… …) 
Nota, no entanto, minha N. Apesar destes meus indicativos de satisfação, não quero que estagnes. Essa tua vontade de progredir que não pare, que não feneça. (…). Muito há ainda para descobrir. 
(… … …) 
E eu confio, tenho a certeza na tua capacidade de ascensão intelectual. Vais no bom caminho. Estás OK, minha querida! 

Quero-te dizer agora uma coisa: - sê coerente contigo própria, (…). Se és católica, se és religiosa, frequenta a Igreja, professa calmamente a sua doutrina mas sem te fanatizares, com o sentido crítico, razoável, que deve ser o de alguém consciente. 
(…). 
Custa-me dizer-te mas, no aspecto religioso, (…), não sinto possibilidades de poder acompanhar-te. Eu não nego a existência de Deus, nota bem. Simplesmente, eu sou agnóstico. Não nego a existência de Deus mas também não há nada que ma possa provar. Nada, percebes? 

Todos os argumentos que me possam indicar são, para mim, sem bases, refutáveis. Podes crer, minha querida, que em todos os momentos de aflição por que tenho passado, nunca, NUNCA, nota bem, um leve chamamento por algo sobrenatural me envolveu o espírito. (… … …). O que sinto, em todos esses momentos críticos, é ódio, um ódio extravasante. Não pelos chamados terroristas que provocam a aflição. Não tenho nada contra eles. Mas sim contra esta orgânica e seus mantenedores. Isto aqui é mesmo um inferno. (…). De um momento para o outro tudo pode acontecer. E a Guiné ficará na história de Portugal como o cadafalso de centenas de jovens, inglória e criminosamente sujeitos a megalomaníacos que não há meio de serem destruídos. Reza, minha querida, se tens fé. Agradeço-te as tuas boas intenções. 

Desculpa, mas ri-me de um período da tua última carta no que respeita à negação da existência de Deus. Aquela parte que se referia à filosofia. Tudo aquilo que expuseste são trocadilhos de ideias que não levam a nada e que muita gente usa para confundir os espíritos. Eu, como já te disse atrás, não nego a existência de Deus mas também nada há que me faça acreditar nele. 
(… … …) 
Acho que só quem tem fé pode acreditar em Deus. Não tenho fé. Já a tive. Mas sinto-me bem assim. Não preciso de pôr à minha frente o mito de um ser superior que nos vigia, vela por nós, castiga ou salva. Se Deus significa o caminho da salvação ou da perfeição, o meu Deus é o bem, o belo, a paz, a alegria, o amor, a liberdade, a vida. É um Deus mais íntimo, que eu mais acarinho pois sou eu também um daqueles que o ajudam a viver. 
(… … … ). 
Sei, para terminar, que posso afirmar convictamente: 
- A existência ou a não existência de Deus não é problema para mim. Sinto-me bem à margem, desinteressado do problema. Já sofri muito por causa disto. Agora sinto-me perfeitamente satisfeito com o meu agnosticismo. (… … …). 
Minha querida, AMO-TE. (…). 
M. 

******

 [Cerca de um mês depois de ter recebido a carta de D. (11.01.1965), onde se lê “Não terás tu, rodeado de perigos, no mais acerbo da dor, sentido necessidade de apelar para qualquer auxílio supremo, de te confiares a algum ser sobrenatural?” passei por um momento único em que me senti totalmente nas mãos do inimigo. Referi-lhe este facto, a tempo, numa das cartas mas não tocando na questão religiosa ou, melhor, indirectamente dizia que, num clima de aflição, não tinha pedido apoio sobrenatural. É que, numa emboscada e durante uns segundos intermináveis, tinha entrado no domínio do despojo absoluto (“acabou, tudo está consumado”) à espera de ser fuzilado. Mais que num grito abafado, saiu-me num murmúrio angustiante um “Ai, minha mãezinha!”. E não era aquela comum e muito vulgar expressão de aflição, era mesmo um pedido inconsciente de socorro de quem estava consciente da sua situação de total fragilidade e em que, qual bebé, “só” a sua Mãe o poderia salvar.]


Bissorã, 17 Março 66
(… … …)
Olha lá, não ouviste aí falar, na rádio ou nos jornais, numa grande operação realizada aqui, em que tivemos um êxito enorme? Foi na noite de 19 para 20 de Fevereiro. O teu M. lá andou. Vi-me tão atrapalhado nesse dia que até gritei pela minha Mãezinha e por ti. Não te rias, é verdade! Um “sacana” estava mesmo a atirar-me para cima. As balas picavam o chão à minha volta e só estava à espera de sentir uma pelo corpo dentro. Mas saí incólume. Éramos perto de 250 homens e só tivemos quatro feridos [ligeiros]. Capturámos muitíssimo material de guerra. (…). As fotografias do material capturado deveriam ter circulado pelos jornais e pela TV. Não viste? [*]
(… … …).

Foto 1

Foto 2
 Fotos 1 e 2 > Referências na imprensa (não identificada) à op. Castor.

Foto 3

Foto 4
 Foto 4: Fotos 3 e 4 > Imagens de material capturado, em espera para ser carregado no heli. 

Foto 5

Foto 6
Fotos 5 e 6 > Imagens de algum do mais importante material de guerra capturado e reunido no Olossato. 

 [*] [ “Vi-me tão atrapalhado nesse dia que até gritei pela minha mãezinha e por ti”:
 Referência à “Operação Castor” (20/02/1966) que consistiu num bem sucedido golpe de mão a um depósito de material de guerra do IN na sua grande base de Morés. Correu tudo de tal modo que o IN só reagiu bastante tempo depois, interrompendo o serviço dos helicópteros que já tinham recolhido e transportado para o Olossato a maior parte do material (cerca de três toneladas), tendo o restante de ser levado às costas pelo pessoal participante na acção (CCaç 816, CCaç 1419 e Pel Milicias). Nesta retirada, no caminho para o Olossato, sofremos uma forte emboscada. Na preocupação de coordenar os “meus” homens, aconteceu ver-me no meio da “estrada” e ter de me deitar aí, ficando a descoberto, de bruços, com a cabeça a tentar “esconder-se” atrás de um saco de carregadores vazios que antes levava aos ombros. Dei por um levantar de poeira provocado por uma rajada com as balas a picar o chão à minha frente, a centímetros da cabeça. Comecei a sentir-me alvo de alguém que tentava acertar-me. Sem hipóteses de me levantar e de mudar de lugar fiquei, imóvel, colado ao chão, à espera de ser “costurado”. Ainda hoje, quando penso nisto, sinto um calafrio a percorrer-me a coluna, desde o “buraco” ao fundo das costas até à nuca. E é verdade, “juro”, que nesta aflição me não ocorreu qualquer ideia e/ou expressão de índole religiosa. Se “gritei” pela namorada, já me não lembro. Mas o “Ai, minha mãezinha!” continua fortemente a ecoar na minha mente quando recordo o acontecimento.

Sobre esta operação militar, “Condor”, ver neste blogue o P3806 de 27/01/2009, do camarada Rui Silva da CCaç 816, de onde foram recolhidas as imagens acima publicadas. Neste “post” do nosso estimado “tabanqueiro” há dois erros a merecer correção:

(i) não foi a CCaç 1418 quem acompanhou a CCaç 816, mas sim a CCaç 1419, a que pertenci, deslocada de Bissorã para Olossato precisamente para esta operação.

(ii) também a CCaç 1481 não foi a outra companhia que atuou “à distância” pois estava em Moçambique (BCaç 1873). Julgo que na identificação houve troca dos algarismos 1 e 8 e, por isso, creio ter sido, aqui sim, a CCaç 1418 a atuar.]
____________

Nota do editor

Último poste da série de 17 DE ABRIL DE 2013 > Guiné 63/74 - P11413: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (12): A morte se fez visita estrondosa

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3806: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (2): Golpe-de-mão a Morés (Op Castor)

1. Mensagem de Rui Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67, com data de 20 de Janeiro de 2009:

Um abraço para ti Luís, extensivo ao Vinhal e ao Briote com votos de muita saúde e de muito entusiasmo no nosso "Blogue".

Para todos os demais (ex-Combatentes da Guiné),… a mesma coisa.
Rui Silva


Golpe-de-mão a Morés

A 816 faz golpe-de-mão à Base inimiga de MORÉS
20 de Fevereiro de 1966

Operação denominada “CASTOR”


A base inimiga de Morés era considerada a mais forte do Oio, senão a principal do Norte da Guiné.

Sabia-se que para além de uma grande fortificação inclusivé com abrigos em cimento, subterrâneos e à superfície, estes providos de metralhadora pesada, tinha ainda um Hospital que servia toda aquela região, mais ainda uma arrecadação com muito e diverso material, do melhor equipamento e que funcionava como uma central, pois abastecia os refúgios inimigos daquela larga zona, o Oio. Sabia-se também que a base estava situada estrategicamente envolta numa densa e inexpugnável mata, deste modo assim bem dissimulada e de aproximação difícil para as NT, onde não faltavam sentinelas em pontos estratégicos e a vigiarem todos os acessos possíveis.

Enfim missão, quase, impossível.

Das minhas memórias Páginas negras com salpicos cor-de-rosa

…Era já tardinha. Tudo decorria com a serenidade e dentro dos hábitos habituais, uns jogando à bola, outros dormitando ou conversando à porta das messes ou da cantina, a lembrar os Saloons do Oeste americano, outros ainda entretidos com o dominó, ou damas ou cartas.

Abanando a monotonia alguém faz correr que o Capitão queria que toda a Companhia se reunisse dentro de 10 minutos na cantina dos soldados. De que se trata?. Nunca tal aconteceu!, diz este ou aquele. Começamos a interrogarmo-nos. Logo se verá, concluiu-se.

A malta converge então toda para a cantina e logo se formam pequenos grupos nesta, fazendo conjecturas, cochichando sobre que diabo se iria passar. O Capitão entrou e depois de se certificar que não faltava ninguém, e não conseguindo disfarçar um certo nervosismo e apreensão, o que não passou despercebido a ninguém e o que nos fez estranhar logo, e adivinhar que algo de muito especial ia se dar.

Começou a falar e disse mais ou menos o seguinte:
- Meus amigos, vamos fazer uma operação a Morés.

Aqui houve uma leve agitação na malta com alguns murmúrios à mistura. O Capitão fez uma pequena pausa como que para observar o efeito das suas palavras, e prossegue:

- A nossa missão consiste em irmos pelo menos à arrecadação dos tipos que está afastada da casa-de-mato, um pedaço. Aqui viu-se que as últimas palavras vieram por excesso, com o intuito de sossegar um bocado os espíritos.

- Aí temos nós que ir. A ordem é essa e custe o que custar. Como vós sabeis, da última vez que lá fomos retrocedemos sem fazermos o planeado e então as ordens agora são de ir e ir mesmo. A malta vai, a coisa está muito bem estudada, e ninguém abandona ninguém. - Aqui referia-se a feridos ou mortos.

- A Companhia vai toda e vem toda. - Levantou ele a voz.

O Capitão falava assim e como se costuma dizer olhos nos olhos. Não se furtou a dizer de os perigos que a malta iria por certo enfrentar, as potencialidades do inimigo naquela Base, etc., etc.

E assim ficamos todos ao corrente da situação em toda a sua dimensão. Mais adiante, acrescenta:
- Na arrecadação, eles têm grande quantidade de material e se tivermos a sorte de capturarmos esse mesmo material, provocamos-lhes um desfalcamento enorme. Temos a informação que a arrecadação está guardada por cerca de 25 homens cuja arma de maior efeito é a bazooka. Ora, como nós somos uma Companhia completa, enfrentamos bem esses 25 homens. Se a coisa aqui resultar, vamos ainda depois ao hospital dos tipos que fica 500 metros adiante e que também fica afastado da casa-de-mato. Portanto à arrecadação temos nós que ir, pois temos um guia que nos leva lá e que, mais, sabe a posição dos sentinelas, o que nos vai permitir evitá-los. Daí para a frente tudo depende como decorrer os acontecimentos.

De seguida falou do dispositivo a adoptar:
- A nossa Companhia vai à frente seguida da 1418. Esta, a umas centenas de metros do objectivo estaciona e faz a segurança nas nossas costas. Uma outra Companhia, a 1481, que vem de Bissau, vai servir de isco, actuando na zona do lado oposto ao nosso. Assim, enquanto a 1481 procura atrair sobre si a atenção dos tipos, nós pelo lado oposto assaltamos a arrecadação, quando muito com a oposição dos tais 25 homens.

Marcou-se a hora da saída pois o início da operação tinha lugar naquela mesma noite. O Capitão disse mais qualquer coisa de reduzido interesse e a reunião acabou dispersando então o pessoal.

Os dados estavam lançados.

O ir a Morés, o ir à arrecadação custe o que custar e haja o que houver, pois esta era a ordem peremptória do Batalhão, e a maneira nervosa, que a ninguém passou despercebida como o Capitão falou, o que nele não era habitual, tudo isto logo se reflectiu no espírito da malta provocando uma onda de receio como nunca. Cá fora, entre nós Furriéis, ao comentarmos a odisseia e a forma peremptória como foi posta, chegamos à conclusão que isto era nem mais nem menos como uma represália do Batalhão por da última vez que fomos a Morés, como atrás contei (nas “Memórias”), não termos cumprido a missão a contento daquele, cujo seu Estado-Maior se fazia transportar, lá bem no alto, ao abrigo de qualquer surpresa, numa Dornier. Era então o PCA (Posto de Comando Aéreo).

Lembro que este chegou mesmo a dar ordem peremptória de avanço (eu estava junto ao rádio, este nas mãos do Alferes Costa, comandante da operação na altura) a 2 Pelotões da 816 para enfrentarem a base quando esta estava já preparadíssima para nos receber, pois tínhamos sido detectados bem cedo graças aos avanços e recuos do então guia e isto mesmo após a Companhia que nos fazia o apoio ter recusado continuar naquela operação agora suicida.

Após algum diálogo exasperado com o Comandante do efectivo da 816, na circunstância e como disse o Alferes Costa, o PCA fortemente contrariado acabou por mandar-nos recuar.

Custe o que custar, haja feridos haja mortos, temos que lá ir, estas palavras do Capitão enraizaram no espírito da malta.
- Se dá para o torto, ainda lá ficamos todos, disse alguém mais pessimista.

Tínhamos agora um guia da máxima confiança, conhecedor de todo o terreno de Morés e também das instalações inimigas, assim como das exactas posições dos sentinelas. Sabíamos que na 816 tínhamos pessoal de rara coragem e determinação, capaz de enfrentar as maiores vicissitudes desta guerra. O efectivo das nossas tropas também era grande (lembro a 816 completa mais a 1418 no apoio e segurança de cobertura, e do lado oposto a 1481 todas no mesmo objectivo) e assim teríamos boas possibilidades de êxito. Os prós e os contras equilibravam os pratos da balança. Alguém falou que na hipótese de irmos ao hospital, apanhávamos a enfermeira branca que lá trabalhava e então isto servia de incentivo para alguns, nomeadamente para o Zé Baião que, claro, tratando-se do sexo fraco a disposição era logo outra. No entanto esta história da enfermeira branca, ainda que houvesse quem o afiançasse, que sim, que de facto era verdade, nós víamos nisto, antes, um golpe de efeito psicológico.

Embora eu assistisse à dita reunião, como os demais operacionais, e vivesse tudo aquilo, não fui à operação, ao contrário da antecedente e que falo atrás. O Alferes Costa, agora na qualidade de Comandante de Pelotão, entendeu, junto de mim, que eu não fosse, pois estava com o meu joelho direito inchado e mancava em virtude de um acidente no aquartelamento.

Tinha havido o máximo segredo com a operação. Nós, os Furriéis, só soubemos quando também o souberam os soldados, e como já se sabe na dita reunião da Cantina umas horas antes do seu início. Ao que soube, os próprios Comandantes de Pelotão, foi pouco antes daquela, que tomaram também conhecimento, mas, o Capitão, já o sabia há alguns dias e então, por o Braga, que era o seu impedido, soubemos depois que ele há três dias que não comia nada, que só bebia sumos, e que denotava muito nervosismo.

De facto, o Capitão mostrava-se um pouco abatido e pálido. Logo concluímos da dureza da missão que ia ser levada a efeito pela 816 e que a rígida imposição do Batalhão marcaria o Capitão a partir da altura de que dela teve conhecimento.

A Companhia estava, de uma maneira geral, apreensiva. Que diabo, apesar de tudo nunca tínhamos ouvido falar que uma operação se tinha de fazer custasse o que custasse e houvesse as baixas que houvesse. Os menos corajosos lamentavam então a sua desdita. Uns lembravam as suas mulheres e os seus filhos, quem a tinha e os tinha, outros vaticinavam que não se safariam e outros julgavam que esta odisseia ia custar, por certo, caro à Companhia. Confesso que nunca vi a Companhia assim, e, na verdade, embora eu não fosse, comungava dos desabafos e das apreensões da malta então operacional.

À hora combinada, a coluna estava formada como sempre entre as messes dos Oficiais e dos Sargentos e pertinho do cavalo-de-frisa da entrada nascente do aquartelamento - lado Farim - O pessoal começou então a andar e a operação iniciou-se. A fila indiana serpenteou no mato e desapareceu silenciosamente na obscuridade da noite.

Na maioria daqueles rostos, lia-se, de uma forma bem vincada, a preocupação e o receio de tal aventura. Vi-os partir e instintivamente pedi a Deus que estivesse com eles. Os que ficaram, tarde se foram deitar. Embora não alinhássemos, estávamos demasiados excitados para que conseguíssemos dormir. Cedo, logo ao alvorecer, tentamos saber algo pelo rádio.

Entretanto, para reforçar a segurança do quartel, tinha vindo para Olossato um Pelotão de uma outra Companhia.

Foi então junto do Alferes desse Pelotão que tinha na altura um rádio na mão, a tentar escutar algo sobre a operação que se foi sabendo dos acontecimentos em Morés. Fomos sabendo então que a Companhia tinha chegado à arrecadação sem qualquer resistência inimiga e que já estavam em poder dela, tratando da recolha do material. Foram pedidos 6 (!) helicópteros para transportar o material, que era muito, para Olossato. Estávamos profundamente entusiasmados e ainda mais, admirados com tanta facilidade.



- Como é?! Foi chegar lá, pegar no material e andar? E deles, nem sombra? Afinal aonde parariam pelo menos aqueles 25 homens que armados de pistolas-metralhadoras e bazooka defendiam a arrecadação?

Ao que se soube estes homens foram reforçar a casa-de-mato para receberem a 1481 que se dirigia para aquela.

Parecia fácil de mais para ser verdadeiro. Mas… era verdadeiro, fantasticamente verdadeiro!!

Passadas algumas horas, para gáudio dos presentes, o primeiro helicóptero poisa na pista de Olossato e de imediato descarrega material bélico inimigo. Logo partiu para buscar mais e, num vai-e-vem constante, 2 ou 3 helicópteros fizeram a recolha da maior parte do material. Fantástico! Que grande êxito! Mas… a Companhia ainda lá está! Ainda muito pode acontecer. Nós sabíamos bem o que era o regresso depois de um ataque a uma casa-de-mato e logo à de Mores. Está cá o armamento, mas ainda não está cá a malta. Eram estas as palavras ditas ou que estavam no pensamento da reduzida malta que naquela altura estava na pista. O tempo passa-se e receia-se pela integridade da nossa malta. Era impossível não haver recontro…



Mas, ao meio da tarde, eis que começam a chegar os nossos homens, os nossos heróis. Um, a seguir outro, outro mais, vêm espaçados, extenuados, abatidos físicamente, mas com um sorriso de satisfação e sobretudo de orgulho. Alegria a rodos, abraços, lágrimas nos olhos pela felicidade do reencontro de toda a família 816.

Soubemos então, que, quando as duas Companhias, a 816 e a 1418 já estavam de novo juntas no regresso a Olossato, surgira uma enérgica emboscada. Mas aí já eram cerca de 250 homens a responder ao fogo inimigo. A potencialidade das duas Companhias, impregnadas do maior entusiasmo pelo êxito obtido, gerou tal reacção que o inimigo emboscado logo demandou. Houve ali ligeiros feridos, mas os ferimentos não passaram de um ou outro pequeno estilhaço num braço ou numa perna.

A missão tinha sido plenamente cumprida. O objectivo, o objectivo principal, imediato e obrigatório, era o assalto à arrecadação e essa então tinha sido despojada de tudo e posteriormente arrasada.

Então, pelo tardio da hora e por fadiga do pessoal, tanto física como psicológica - lembra-se que o grupo saiu do Olossato para uma missão muito temerosa -, e por então o inimigo que tinha sido apanhado desprevenido - louve-se aqui a táctica da nossa tropa - entretanto se ter reagrupado com grande número de homens, a 816 não passou ao hipotético 2.º objectivo, que seria o ir ao hospital, embora não faltasse quem quisesse lá ir.

Cerca de 3 toneladas de material bélico estava ali espalhado no pequeno campo de futebol contíguo à messe dos Oficiais.

Entre o material destacava-se uma metralhadora anti-aérea que era e pelo que se dizia o ai Jesus do Capitão.



Destacava-se ainda um morteiro de calibre 82, que teria sido o primeiro de tal calibre a ser capturado na guerra na Guiné, até então. Também 2 metralhadoras MG 42, uma metralhadora pesada Breda, pistolas-metralhadoras de vários calibres e tipos, pistolas de sinais, cargas de trotil para armadilhas e outros rebentamentos, dezenas de metros de fita com cartuchos para a metralhadora anti-aérea, uma série de canos de reserva também para esta, minas antipessoal e anticarro, macas para transporte de feridos, centenas de cartuchos de vários calibres e outras coisas mais estavam ali no nosso quartel aprisionadas de fresco ao inimigo e também muitos livros e cadernos de essência didáctico-escolar, estes a provocar alguma emoção contemporizadora.



GRANDE FEITO!! A malta rejubilava. À fisionomia céptica, de expressão fechada e apreensiva da véspera, antes da saída para a operação Morés, sobrepôs-se uma fisionomia de desmedida e incontida alegria. Aquele dia tinha sido e seria o maior dia da 816 e porventura o mais profícuo de todas as forças armadas na Guiné, até então.

A Companhia vinda de Bissau – a 1418 - teve também um papel preponderante, pois ao servir de isco - como se dizia na gíria militar - a muito se arriscou ao fazer incidir sobre si as atenções do inimigo. Como a missão deles era só de se mostrarem, evitaram óbvia e convenientemente as emboscadas em série que para eles estavam reservadas e o que se soube na altura pela aviação que acompanhou a operação. A 1419 também fez jus ao êxito, pois, aquando da emboscada no regresso, teve um comportamento deveras notável. Aquilo parecia inacreditável. Apenas uma emboscada, aí de uns 10 minutos, já bem depois do material em nosso poder, e… nada mais.

Feito memorável que, como atrás se já disse, logo teve lugar em todos os noticiários, quer da Guiné, quer, e sobretudo, na Metrópole. A televisão referiu-se de forma saliente.

A imprensa através de jornais e de revistas também referenciaram o feito de forma bem vincada. Ainda hoje guardo a folha da revista Flama (n.º 941 de 18 de Março de 1966) que se referiu ao acontecimento dispensando-lhe toda uma página.

O êxito da operação deve-se em grande parte à táctica usada. O papel da 1418  ao servir de isco foi preponderante. Mostrou-se, foi detectada pela inimigo e então este convergiu para o trajecto daquela. Soubemos que esta Companhia se continuasse a avançar, o que até não era preciso, tinha já 7 (sete) emboscadas inimigas já montadas.

A 816 fora ali então compensada de tão duro e árduo trabalho que há meses o vinha fazendo sem resultados que se pudessem chamar de francamente positivos.







Ao outro dia, logo pela manhã, esteve no Olossato todo o Estado-Maior do Batalhão. Esteve também, numa presença que muito nos honrou, o Comandante-Chefe das Forças Armadas na Guiné, que compartilhou de toda aquela alegria e satisfação.

As mulheres indígenas engalanaram-se de roupas e pinturas e vieram fazer ronco, que grande ronco (!), dançando pulando e gritando na sua forma típica e étnica entre as messes dos Oficiais e a dos Sargentos. Olossato todo ele vibrou!





O material apreendido ao inimigo foi fotografado, foi filmado, a malta também tirou fotos junto a ele para ficar com uma recordação, recordação essa que por certo se imortalizará por o tempo fora.

Voltaríamos a Morés mais tarde…
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3383: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (1): A terrível estrada do K3: 1 de Agosto de 1965, o Dia Mais Longo