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quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26098: Lembrete (48): Biblioteca Municipal de Gondomar, sábado, dia 9 de novembro de 2024, lançamento do livro "Crónicas de Paz e Guerra" (2014, 221 pp.; posfácio de Mário Beja Santos)







1. Recorde-.se que é já no já no próximo dia 9 de novembro, sábado, pelas 15 horas, que se vai realizar, na Biblioteca Municipal de Gondomar,  a apresentação pública do meu livro, com posfácio do camarada Mário Beja Santos~(*). 

A apresentação está acargo do dr.  Manuel Maria. Todos os meus amiogos e camaradas estão convidados (**).  

Edição: Lugar da Palavra Editora, Rua Guedes de Oliveira, 126, 4435-274 RIO TINTO | www.lugardapalavra.pt | editora@lugardapalavra.pt | telef  22 099 4591 / 91 54 16141 | Depósito legal nº 535279/24 | ISBN : 978-989-731-215-1C) | 1ª edição: setembro de 2024


CRÓNICAS DE PAZ E DE GUERRA

O SOLDADO

Nas sortes não se safou,
já homem bebeu e fumou,
em braços em casa entrou,
aa farda não se livrou.

A sorte Guiné ditou,
estúpida guerra enfrentou,
três gritos por quem lá ficou,
pelo povo se emocionou.



Posfácio 

Por considerar humanamente relevante

por Mário Beja Santos (pp. 219-221)


Quando Joaquim Costa e a sua unidade de intervenção, a briosa CCAV 8351, chegam à região de Tombali, no Sul da Guiné, decorriam modificações na manobra do Comando-Chefe, general António de Spínola, e já num quadro político-militar altamente inquietante, de profundo desalento. 

Para se entender as atividades impostas a esta unidade militar, inicialmente sedeada em Aldeia Formosa, a de reocupar posições na região do Cantanhez, onde o PAIGC circulava bastante à vontade, há que refletir sobre o que se estava a passar tanto do lado português como no pensamento estratégico de Amílcar Cabral.

Em 1972, Spínola já não tem ilusões sobre a vitória militar, disse-o frontalmente no final do ano anterior no Conselho Superior da Defesa Nacional, a situação é crítica, carece de mais recursos humanos e de novos armamentos para retomar a iniciativa, o Governo de Lisboa nada tem para oferecer. 

Na cena internacional, acentuava-se o isolamento português, a Operação Mar Verde gerou fortes anticorpos, inclusive junto de aliados tradicionais de Lisboa, levara a que a Marinha soviética estacionasse na República da Guiné. Spínola encontrou-se com Senghor, encontro amistoso, o presidente senegalês faz propostas, Spínola vem a Lisboa revelá-las, Marcello Caetano recusa categoricamente negociações, em caso extremo prefere a derrota militar. 

Do lado do PAIGC, avança-se a todo o vapor para eleições para uma assembleia popular que diga sim a uma declaração unilateral de independência e à aprovação de uma constituição do novo país, peças que o líder do PAIGC considera fundamentais para angariar apoios na ONU, na Organização da Unidade Africana, junto dos países amigos, sobretudo do bloco liderado por Moscovo. 

É nesse contexto que Spínola decide uma mudança na quadrícula, escolhe a região do Cantanhez, onde não há tropas portuguesas em permanência, e muito menos populações afetas à soberania portuguesa; envolve o Exército, a Marinha e a Força Aérea, inevitavelmente as forças especiais – a Operação Grande Empresa é posta em marcha, Joaquim Costa e a tropa comandada pelo capitão Vasco da Gama vão subir o rio Cumbijã, fundar aqui um aquartelamento e procurar outro, de nome Nhacobá, onde o PAIGC tem sustento em arroz, tudo isto muito próximo do chamado corredor de Guileje, uma linha absolutamente vital para a circulação de homens, mantimentos e armamentos do Exército do PAIGC e suas populações. 

A Grande Empresa é uma iniciativa militar arrojadíssima, é dela que Joaquim Costa irá falar.

Mas o seu livro de memórias não se confina ao que ele viveu no Tombali, tem um muito antes, o seu meio familiar, a cultura que o embebeu e de que se orgulha, os usos e costumes do seu lugar, a religiosidade, todo aquele ambiente em que ainda era impensável falar-se na sociedade de consumo, naquela atmosfera havia baldios, mercearias e tabernas e viagens extenuantes até ao local de trabalho, como ele testemunha. 

E os preparativos para a guerra, para ser furriel percorreu Caldas da Rainha, Tavira, andou em recrutas em Chaves, especializou-se em Estremoz, juntou-se à sua unidade militar em Portalegre, daqui marchou para a Guiné, Cumbijã é o destino e Nhacobá é também outra lembrança para toda a vida.

Até esta narrativa do livro de memórias, estou absolutamente seguro de que o leitor ficará cativado pela ternura que emana destas recordações do pai José, da mãe Gracinda, do elenco dos manos, dos acontecimentos do quotidiano, tudo numa aldeia onde o Minho acaba e o Douro começa, vida dura, aliviada por feiras e romarias e o embasbacamento da descoberta do cinema e também da televisão.

O autor, também conhecido por o Furriel Pequenina, falará da guerra sem alardes de heroísmo ou farroncas de que andou de peito feito às balas. Em dado passo começará um parágrafo por dizer “Por considerar humanamente relevante”, considerei a expressão um achado de tudo quanto escreveu quer na primeira edição quer na segunda. 

Fez bem em enxugar a prosa, a literatura da guerra colonial tem centenas de relatos sobre as viagens da ida, o contacto com a temperatura tropical, a má comida, aos poucos a descoberta de África, as minas e emboscadas, a profunda solidão, a chegada do correio, os mortos e os feridos, lembrança irreprimível, uma dor nem sempre discretamente contida.

Lá foram numa LDG até Buba, daqui até Aldeia Formosa. Nada de excessos no batismo de fogo, mas muita ênfase será dada às minas, as anticarro e as antipessoal. E depois do Natal em Aldeia Formosa chega a hora de partir para Cumbijã, uma terra de ninguém, um posto abandonado, também aqui se vai reocupar um lugar do Cantanhez.

E assim nasce Cumbijã, confesso que me emociona imenso as imagens daqueles tijolos amassados, vivi peripécia semelhante noutras paragens da Guiné, mais propriamente no regulado do Cuor, no Centro-Leste, uma flagelação brutal reduziu a cinzas dois terços das moranças e assentos militares, tivemos de fazer algo análogo ao que o autor descreve, Cumbijã a sair do nada e com flagelações de canhão sem recuo bastante frequentes. 
E é muito bonito saber que o forno deixado em Cumbijã ainda hoje coze pão para toda a região. 

E segue-se uma descrição sumária da Operação Balanço Final, o assalto a Nhacobá, só que, depois de muita peripécia, os Altos-Comandos decidem o seu abandono. 

Estava a fazer esta leitura e assaltou-me à mente a recordação de um outro acontecimento militar análogo, que se passou em 1968, também perto do corredor de Guileje, ao tempo do governador Schulz foi determinado construir um género de fortim que ficou conhecido pelo nome de Octógono de Gandembel, deu para muito sofrer e muito morrer, a explicação que Spínola deu para o seu abandono é que não havia população para defender (no melhor pano cai a nódoa: também não havia população a defender nestes aldeamentos por onde andou Joaquim Costa, era tudo estratégia, uma tentativa de intimidação do PAIGC, um jogo do gato e do rato).

A Grande Empresa será um assunto arrumado pelos acontecimentos de 1973, nomeadamente com a Operação Amílcar Cabral, que levou à retirada de Guileje e aos terríveis acontecimentos de Guidaje e Gadamael. Tanto sofrimento para nada.

Se já houve o antes e o durante a guerra, temos o depois, as histórias do regresso, a vida de professor depois de acabar o curso, um saltitar por Santo Tirso, Portalegre, Santarém e muito mais, um encanto de memórias avulsas, mas aonde a questão central foi o que se viveu e como se fez homem naqueles pontos do Tombali, no aceso de uma temível guerra de guerrilhas, onde aquele jovem vindo de uma aldeia entre o Minho e o Douro aprendeu que há uma camaradagem que ficará para toda a vida.

Um abraço fraterno a este contador de histórias, um narrador de afetos, exímio no que deve ser o nosso dever de memória.

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terça-feira, 13 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25837: Verão 2024: olá, nós por cá todos bem! (2): O novo livro de Joaquim Costa, "Crónicas de Paz e de Guerra" (Rio Tinto, Lugar da Palavra Ed., 2024, 221 pp.): "A sorte a Guiné ditou,/ Estúpida guerra enfrentou, / Três gritos por quem lá ficou, / Pelo povo se emocionou"

 


Dedicatória do editor do blogue: "Para o camarada e gransde amigo Luís Graça, o meu novo livrpo sobre a paz e sobre a guerra, em que esta cada vez mais se sobrepõe àquela. Um grande abraço, 6/8/2024".


Capa e contra capa do novo livro do Joaquim Costa, "Crónicas de paz e de amor: do Minho a Tombali (Guiné)... e o Porto Por perto". Rio Tinto: Lugar da Palavra Editora, 2024, 221 pp, il



1. Mensagem do Joaquim Costa: (i) ex-fur mil at armas pesadas inf, CCAV 8351, "Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74); (ii) membro da Tabanca Grande desde 30/1/2021, com mais de 7 dezenas de referências no blogue; (iii) engenheiro técnico (ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto), foi professor do ensino secundário, tendo-se reformado como diretor da escola secundária de Gondomar: (iv) minhoto, de Vila Nova de Famalicão, vive em Rio Tinto, Gondomar, e adora o Alentejo; (v) tem página no Facebook;  e, por fim, e não menos importante,  (vi) perdeu recentemente a sua querida Isabel.


Data - Terça, 6/08/2024, 19:35
Assunto -Livro: Crónicas de Paz e de Guerra

Boa tarde,  Luís

Espero que tudo esteja bem contigo.

Acabei de te enviar, por correio, o meu novo livro: "Crónicas de Paz e de Guerra". 
Integra parte do primeiro, com alguns textos revistos.

Há novos textos sobre as vivências na minha aldeia, onde o Minho acaba e o Douro começa, bem como crónicas sobre as minhas andanças por várias escolas, algumas já publicadas no Blogue.

Como já te tinha referido,  o nosso camarada e amigo Beja Santos teve a gentileza de deixar a sua marca num posfácio.

Podes colocar este por cima da pilha que vais levar para férias!

Boas leituras e boas férias

Um grande abraço, Joaquim Costa

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quinta-feira, 4 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25716: In Memoriam (505): Isabel Barata Lopes Costa (1953-2024): "Mulher de ex-combatente, ex-combatente é... e será" (Joaquim Costa, ex-fur mil, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74)



Porto > c. 1982/83 > Joaquim Costa e a esposa, Isabel Barata Lopes Costa (Idanha-a-Nova, 1953 - Rio Tinto, Gondomar, 2024)... 


Lamego > Hotel sobre o rio Douro > Há uns 6 anos atrás > A Isabel, professora reformada por invalidez desde cerca de 2009 (sofria de doença crónica degenerativa). Nascida m 10 de outubro de 1953, em Idanha-a-Nova, distrito de Castelo Branco, Isabel Barata Lopes Costa viveu em Lisboa desde tenra idade. O casal, que tem dois filhos,  morava em Rio Tinto, Gondomar, onde a Isabel faleceu no passado dia 4 de junho, faz hoje um mês. Tinha 70 anos.  

Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Joaquim Costa: (i) ex-fur mil, CCAV 8351, "Tigres do Cumbijã" (Cumbijã,  1972/74); (ii) autor de livro, "filho da pandemia", a que deu o título invulgar "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74" (Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp.);  (iii) membro da nossaTabanca Grande, desde 30 de janeiro de 2021, e onde se senta à sombra no nosso poilão, no lugar nº 826:


Data - segunda, 1/07/2024, 15:42

Assunto - Isabel, a combatente

Boa tarde Luís.

Espero que tudo esteja bem contigo e família. Deixo-te aqui a minha homenagem a uma combatente, mulher de um ex-combatente que de certa forma também o foi.

Estes exemplos de coragem devem ser perpetuados. Deixo ao teu critério a publicação do mesmo.

Um grande abraço, Joaquim
_____________

2. Joaquim Costa > Mulher de ex-combatente, ex-combatente é!

Por muito que façamos, ficaremos sempre em dívida para com estas mulheres, pelo que sofreram, e continuam a sofrer, já que para muitas a guerra ainda não acabou.

Hesitei em enviar este post para os editores, por considerar que o mesmo não se enquadrava nos objetivos do blogue. Contudo, logo me penitenciei por me ter ocorrido tal dúvida.

Por maioria de razão, estas mulheres continuam a combater, acompanhando, tratando e mitigando o sofrimento dos seus companheiros que de certa forma nunca abandonaram o teatro de guerra.

A minha combatente partiu.

Participava com entusiasmo no encontro dos tropas (como ela dizia), com o entusiasmo do ex -combatente. Conhecia pelo nome grande parte dos elementos da companhia bem como das suas mulheres e mesmo dos seus filhos e netos.

Guardava e revia regularmente as fotos dos encontros.

Várias vezes me perguntava: Quando é o encontro dos tropas?

Neste último encontro, já debilitada e em cadeira de rodas, perante a minha pergunta se queria ir ao encontro, ficou indignada e sentida com a minha pergunta.


O SORRISO

Um sorriso … e tudo acontece.

Sim! Foi na carreira da estação para a cidade:
...“Do alto Alentejo, cercada
De Montes e de oliveiras
Do vento suão queimada…”

Um raio de sol de inverno poisa sobre um sorriso que o ofusca.
Os teus olhos me incendeiam, 
já não sei onde estou nem para onde vou. 
Só sei que vou para onde me leva essa luz dos teus olhos.

Mas que linda caminhada. 
Duas sementes deitadas à terra 
que, regadas com muita ternura, amor e carinho, 
cresceram,  lindas, à tua imagem. 
São o nosso orgulho. 
Ai!.. Os rebentos, que lindos!,
que se inventem novas palavras, 
felicidade não basta!

Durante esta linda caminhada, 
fomos limpando as pedras do caminho. 
As que teimosamente resistem, 
sempre foram vencidas pela tua indiferença. 
Nestes últimos tempos repetias mil vezes, 
até que todos os santos te ouvissem: 
"Felizmente temos 'saúde' e uns filhos lindos".

“Só é vencido quem deixa de lutar”...
Todos nós sabíamos que era uma luta desigual, 
mas tu nunca te resignaste. 
Sempre nos surpreendias com a tua memória seletiva: 
acordava e adormecia a ouvir-te dizer, vezes sem conta, 
os dias do nascimento dos filhos e netos, 
terminando a linda 'ladainha' 
mostrando com orgulho o teu anel de noivado: 
10 de Abril, 
2 de Novembro, 
15 de Maio, 
4 de Novembro, 
7 de Fevereiro... 
e o anel de noivado na mão esquerda.

Contudo, quando te perguntava "
Quantos anos tens?"
 respondias tu "sessenta e três"...
"Talvez setenta", dizia eu. 
"Credo!", respondias tu... "Tenho sessenta e cinco".

Nem a medicina explica.

Ninguém como a Isabel prezava os amigos.
Repetia vezes sem conta a frase 
que ficará para sempre gravada nos nossos corações:
“Os amigos são flores que florescem no jardim da vida.”

Não será a mesma coisa, 
mas a caminhada continua. 
Seguir o teu exemplo 
e continuar a teu lado caminhando, 
destruindo a frase feita: 
“Até que a morte nos separe”.

Sim, ISABEL,
Dez de Abril
Dois de Novembro
Quinze de Maio
Quatro de Novembro
Sete de Fevereiro...

E o Anel de Noivado
na mão esquerda…

JC

(Revisão / fixação de texto: LG)

3. Comentário do editor LG:

Joaquim, falámos ao telefone há um mês atrás, fizeste questão de me comunicar em primeira mão o inesperado falecimento da tua esposa, tua companheira de uma vida, mãe dos teus filhos, avó dos teus netos. 

Fiquei sensibilizado. Na realidade, já somos mais do que simples "amigos" das redes sociais: como tu dizes, e bem, ao fim destes anos todos,  somos também a "família do blogue", a "família da Tabanca Grande", e vamos acompanhando os altos e baixos uns dos outros, e até as alegrias e tristezas das famílias de cada um... Inevitavemente, vamos sabendo quem está doente, quem nasce, quem faz anos, quem morre... 

E temos uma série, "As nossas mullheres"... Todas elas acabaram por "ir à guerra", de um maneira ou outra, de mil e uma maneiras, mesmo depois da guerra acabar (se é que ela alguma vez acaba para quem foi combatente).

 Por isso, faz todo o sentido ser publicada aqui, no blogue de todos nós, a tua bela homenagem à tua Isabel... Sem nunca ter ido ao Cumbijã (que eu saiba...), ela foi uma "tigresa do Cumbijã", ao lado dos "tigres do Cumbijã"...   

Fico muito sensibilizado com as palavras de grande ternura e amor que lhe dedicas no teu texto poético. O teu testemunho passa a ser público, podendo agora ser partilhado por todos os que te estimam e admiram, e estimam e admiram as nossas mulheres que, sendo "mulheres de ex-combatentes, ex-combatentes são e serão".  Mesmo quando a morte (física) as aparta do nosso convívio...

A morte (e a guerra) pode levar-nos, infelizmente, tudo o que amamos, todos/as aqueles/aquelas que amamos, mas não nos pode roubar as memórias felizes que guardamos dos nossos amores...

____________

Nota do editor LG:

terça-feira, 5 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25239: Origens do Tigre Azul: Nado e criado entre Famalicão e o Porto (Joaquim Costa, ex-fur mil, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74) - Parte III: Um hino à camaradagem: a última viagem a casa, de três tristes tigres, antes do... "degredo"


Foto  nº 1 > Guiné > Região de Tombali > CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74) > O amigo José Beires, fur mil de minas e armadilhas,  a levantar mais uma mina A/C no Cumbijã, com o mesmo carinho com que tratava as Inglesas no Parque de Campismo da Prelada. Tem como ajudantes: O capitão Vasco da Gama, o alferes Abundâncio e o enfermeiro Portilho.


Foto nº 2 - Os famosos Tigres do Cumbijã (CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74) nas escadarias do Santuário no Monte de Santa Luzia em Viana do Castelo. Encontro de 2009. Na última fila o amigo Beires (no seu último encontro) conversa com a anfitriã Isabel.

Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Joaquim Costa, ex-fur mil at Armas Pesadas Inf, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74); membro da Tabanca Grande desde 30/1/2021; autor da série "Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)" (de que se publicarm 28 postes, desde 3/2/2021 a 28/7/2022. Tirou o curso de engenheiro técnico, no ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto. 



Capa do livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74". Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp.


1. Texto enviado pelo  Joaquim Costa, em 26 de fevereiro passado, 15:52:

Olá,  amigo Luís!

Espero que tudo esteja bem contigo. Foi bom ver te todo catita no convívio do pessoal da Tabanca da Linha.

Ao que parece mais uma contrariedade com as cataratas. Sejam todos como essas,  meu amigo. Já fiz o mesmo aos dois olhos e não custou nada. Nesse dia, quando cheguei a casa todas as pessoas me pareciam mais velhas e vi sujidade e nódoas que sempre existiram mas eu não as via.

Envio-te um post que publiquei no Facebook: "Um hino à camaradagem”. Caso consideres de publicação no blogue, podes fazê-lo. Caso contrário tudo bem.

Seguindo a dica que deixaste na nota final do meu livro, vou fazer nova publicação, revista e aumentada. No fundo é o regresso à minha ideia inicial. Terá uma componente das minhas vivências de infância e juventude aumentadas e uma referência às minhas escolas.

O nosso amigo Mário Beja Santos teve a amabilidade de fazer o posfácio do mesmo. Foi já entregue à editora para revisão dos textos, contudo a sua conclusão ainda vai demorar alguns meses.

Um grande abraço do amigo que muito te estima.

Joaquim Costa



Origens do Tigre Azul: Nado e criado entre Famalicão e o Porto (Joaquim Costa, ex-fur mil, CCAV 8351, Cumbijã. 1972/74) - Parte III:  

Um hino à camaradagem: 
a última viagem a casa, de três tristes tigres

 

Por considerar um hino à camaradagem, refiro aqui a última visita a casa antes de embarcar para a Guiné.

Fiz a viagem de comboio, de Portalegre ao Porto, já com a cabeça em África que o silêncio e o ritmo do “pouca terra, pouca terra” da máquina de ferro, convidava. 

Sempre adorei, e adoro, viajar de comboio, sendo esta, porventura, a única viagem que não saboreei. Chegados a Campanhã, eu e o amigo da terra das Cristas de Galo, decidimos, atendendo ao adiantado da hora, apanhar um táxi para nos levar até aos nossos destinos, aproveitando assim todos os minutos para estar com a família. O amigo Machado até Vila Real e eu até Famalicão. 

Sim, ficava caro, mas no momento estar com a família não tinha preço. Pois, por muito esforço que fizéssemos para afastar esses maus pressentimentos, sempre nos passava pela cabeça que poderiam ser os últimos. Não nos saía da cabeça o discurso às tropas do sargento Redondeiro: “Militares, infelizmente nem todos regressarão a casa”!

A viagem ficava cara, mas no momento não era problema. Tínhamos recebido uns bons trocos pelo primeiro “ordenado” como furriéis e um subsídio para comprarmos o fardamento de guerra. Mais parecia que o carrasco nos tinha dado dinheiro para comprarmos a espada com que nos queria matar! 

Já nas despedidas, o José Beires, rapaz da cidade invicta (#), abraça emotivamente os dois e informa-nos, com toda a convicção e entusiasmo: 

– Vamos de táxi até minha casa, que eu peço o carro ao meu pai e levo-os a casa. 

Pensando ser mais uma brincadeira do Beires, tentando afastar a melancolia que reinava no grupo, não demos importância à tão inusitada oferta.

Aceitámos, contudo, de bom grado, a ideia de o acompanhar até casa e depois seguirmos, para os nossos destinos.

Chegados a sua casa, para espanto nosso, mandou logo o táxi embora e fez-nos entrar. Não acreditavamos no que estava a acontecer, tentando reter o taxista, sem sucesso dada a determinação do nosso amigo.

Estávamos os dois decididos, esperando ver  o pai do Beires para lhe  agradecer muito esta atitude altruísta do filho,  mas que seguiríamos só os dois viagem. Pensávamos nós que facilmente iria dissuadir o filho, trazendo-o à terra, mais não fosse pela arriscada viagem de regresso a casa sem companhia. 

Passado uns minutos vem o Beires, sozinho (não obstante o burburinho na sala ao lado da família reunida), e com as chaves na mão, dizendo com todo o entusiasmo, e um sorriso de menino: 

– Vamos embora! 

Uma vez que não tivemos o grato prazer (infelizmente) de conhecer o pai do Beires, nada mais podíamos fazer se não aceitar, tão altruísta oferta.

E aqui fomos nós, incrédulos com este gesto de nobreza extrema do camarada Beires, em amena cavaqueira até Famalicão. Chegados a minha casa, já de madrugada, o trabalhar do carro e o alerta do cão fadista acordou a minha mãe, que abriu a janela acabando por descer, logo seguida pelo meu pai e pelos gatos. 

Depois dos cumprimentos, preparavam-se os amigos para abalarem até Vila Real, vencendo o temido Marão, quando logo a minha mãe diz:

 – Não! Só saem daqui depois de comerem e beberem qualquer coisa. 

Logo partiu presunto, queijo e pão e se encheram três malgas de verde tinto (bons  tempos em que o verde tinto, ainda, não “afetava” a condução!(…

Para meu sossego tudo correu bem. Ficou contudo uma grande admiração por este gesto de grande nobreza deste nosso camarada. Só quem foi militar o poderá entender.

Sempre que nos encontrávamos, as primeiras palavras do Beires eram: “Malas Minho e Malhas Minho”. Duas referências que lhe dei para seguir caminho até Vila Real.

Na linda cidade de Estremoz, onde a companhia se formou, consolidou-se uma grande amizade. Na Guiné, que se nos entranhou e onde estúpida guerra enfrentámos, construiu-se uma verdadeira família. Cito, uma vez mais, o que escrevi no meu livro: "Memórias de Guerra de um Tigre Azul – O Furriel Pequenina", sobre o dia em que vimos tombar, em combate, um camarada aos nossos pés:

“Este foi também o momento de viragem, onde passamos , inexplicavelmente, a relativizar perdas, onde todos perdemos um pouco de nós (tal como eramos) e passamos a ser outros sem deixarmos de ser nós próprios. Confuso mas foi assim mesmo…

"Passamos a esquecer o dia de ontem rapidamente (em defesa da nossa saúde mental); a viver o presente intensamente (não deixando de viver a nossa juventude, mesmo naquelas condições, em convívio com um grupo de amigos que as contingências da guerra nos unia ao ponto de o sofrimento ou alegria de um ser o sofrimento e a alegria do grupo) e a não pensar muito com o amanhã (aprendemos com o tempo a não sofrer por antecipação)”.



Todos os anos (e já lá vão 50) esta família se reúne, fazendo-se acompanhar por filhos,  netos e bisnetos, contando sempre as mesmas histórias mas com a emoção como se que fosse a primeira vez. Nestes alegres e sempre emotivos encontros, de ano para ano, cada vez correm mais lágrimas que cerveja e vinho.

 Joaquim Costa

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Nota do autor:

(#) Menino (quase) da Foz. Porventura um dos últimos “fidalgos” do Porto, com tertúlias sempre marcadas no Orfeu (café na Boavista – Porto). Aperfeiçoou o seu Inglês no “engate” de Inglesas no Parque de Campismo da Prelada, tratando-as com o mesmo carinho como tratou as minas que levantou no Cumbijã (Guiné). Herdou o nome do seu tio-avô: José Manuel Sarmento de Beires, ´major do Exército Português (Lisboa, 4 de Setembro de 1893 – Porto, 8 de Junho de 1974), pioneiro da aviação, tendo feito o Raid aéreo Lisboa -Macau e a primeira travessia aérea noturna do Atlântico Sul.

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Nota do editor:

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24957: Facebook...ando (46): O professor Joaquim Costa, que era "inimigo das redes sociais", até ao dia em que também entrou na "romaria" (para não ficar "infoexcluído"...), com uma sábia autojustificação: "Não negues à partida uma 'ciência' que desconheces"...



Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > s/l (Cumbijã > 1973 > "Escrevendo um aerograma, para casa, nas matas da Guiné em 1973"


Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > s/l (Cumbijã > c. 1973/74 > Sem legenda... | 21 de setembro de 2023, 11:32


Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. O Joaquim Costa é "periquito" nas andanças do Facebook (*)... Entrou há coisa de um ano, já depois de se ter feito membro da nossa Tabanca Grande, onde se sentou à sombra no nosso poilão, no lugar nº 826, em 30/1/2021... E neste entretanto já escreveu e publicou um livro, "filho da pandemia"...

No Facebook, tem até ao momento 315 amigos (98 em comum com a Tabanca Grande Luís Graça). Na sua página tem partilhado alguns das coisas de que mais gosta: o Minho, o seu Porto (a cidade e o FCP), o seu rio Douro, a sua terra natal, Famalicão, a música (popular e erudita), as suas memórias de infância e adolescência, o seu passado como militar no TO da Guiné e, depois da "peluda", como professor (que andou de terra em terra até acabar a carreira como diretor do agrupamento de escolas de Gondomar, nº 1) (**)...

Não tem, infelizmente, muitas fotos do tempo da guerra... Nos sítios desgraçados pro onde andou, na guerra da Guiné, na região de Tombali, no sul, não havia muitos fotógrafos, nem máquinas fotográficas, e muito menos vontade de "tirar uma chapa",,, (Em contrapartida, havia bons barbeiros, a avaliar pelo foto nº1, que reprodizimos acima). 

Recorde-se que ele foi fur mil at armas pesadas inf, CCAV 8351, "Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74). Tem já 7 dezenas de referências no blogue, boa parte das quais são postes da série "Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)", de que se publicaram 28 postes, desde 3/2/2021 a 28/7/2022).

Esta série transformou-se, em boa hora,  em livro ("Memórias de um Tigre Azul - O Furriel Pequenina", por Joaquim Costa; Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp).

Ele deu-me a honra de lhe escrever uma pequena "nota final" no seu livro... Recordo aqui um excerto (***):

(...) "O Joaquim Costa é mais um talento literário que o nosso blogue veio revelar, com a particularidade de, sendo um bom minhoto, a sua prosa ter também belos nacos do português camiliano, a começar pela ironia, o humor e até o sarcasmo, tão bem patentes na reconstituição de algumas das suas memórias de infância e na evocação da sua família, bem como na descrição de cenas da vida castrense.

"Já tive ocasião de lho dizer, e agora passo a partilhá-lo com os seus futuros leitores: Joaquim, quisestes escrever um livro com uma parte da tua história de vida, que é também a de muitos de nós, e que quiseste dedicá-lo aos que te amam e estimam. A tua narrativa tem momentos portentosos sobre a epopeia de Cumbijã e de Nhacobá, os seus bravos e as suas vítimas. Um dia, quando fizermos uma antologia dos nossos melhores textos, o teu testemunho, na 1ª pessoa, sobre a Op Balanço Final (17-23 maio 1973), por exemplo, terá que lá figurar, com toda a justiça." (...)

2. Da sua página no Facebook, tomo entretanto a liberdade de lhe "retirar" duas fotos e a seguinte apresentação:

Professor do ensino secundário
Orientador Pedagógico - 3 anos
Diretor da E.S. Gondomar (AEG n.º 1) - 20 anos


Estudou em ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto

Andou na escola Escola Industrial e Comercial de Vila Nova de Famalicão

Vive em Rio Tinto, Porto, Portugal

De Vila Nova de Famalicão

Aqui fica também um apontamento da sua humildade e do seu sentido... de humor:

"Meus amigos!A todos vos escrevo, agradecendo as palavras amigas que me dirigiram. Estou num processo de aprendizagem nestas coisas das redes sociais.

Sempre as neguei, mas: “Não negues à partida uma 'ciência' que desconheces"...

Uma coisa é certa: Foi bom rever gente boa… e linda, que há muito não via.

Beijos e abraços.

Foto nº 1 (acima): Escrevendo um aerograma, para casa, nas matas da Guiné em 1973 | sábado, 7 de janeiro, 12:28 "

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 9 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24834: Facebook...ando (45): António Medina, um bravo nativo da ilha de Santo Antão, que foi fur mil na CART 527 (1963/65), trabalhou no BNU em Bissau (1967/74) e emigrou para os EUA, em 1980, fazendo hoje parte da grande diáspora lusófona - VI (e última) Parte

(**) Vd. poste de 15 de dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24956: E depois da peluda... a luta continua: as minhas escolas (Joaquim Costa) - Parte IV: Enfim, em casa!... Famalicão, a minha terra...

(***) Vd. poste de 31 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22861: Notas de leitura (1404): Joaquim Costa, "Memórias de guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina. Guiné: 1972/74", Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp. - Parte I: "E tudo isto, a guerra, para quê ? Não sei"...

quarta-feira, 31 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24358: Convívios (964): Rescaldo do 24.º Encontro dos Tigres - CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74), levado a efeito no passado dia 29 de Abril em A-dos-Cunhados - Torres Vedras (Joaquim Costa, ex-Fur Mil)



24.º ENCONTRO DOS TIGRES

Após quatro anos de interregno devido à pandemia, Os Tigres reuniram-se de novo para conviver e relembrar aqueles dois anos que nos uniram como uma FAMÍLIA para toda a vida!

Devido a esta interrupção, a reunião só não correu mais brilhante porque houve muitas ausências relativamente aos que já era natural reunirem. Uns por motivos de doença, outros por outros compromissos já assumidos não puderam estar presentes.

Mesmo assim, juntámos 34 combatentes. Todos os ausentes foram por diversas vezes focados com saudade e com a certeza que para o ano seremos muitos mais!

A ausência mais sentida foi a do nosso Timoneiro e Capitão Vasco da Gama! Para o ano, Deus o permitindo nos reuniremos de novo!

Esteve também entre nós como convidado de honra, o nosso amigo Saido Baldé, filho da nossa Cumbijã e irmão do atual Chefe da Tabanca e Régulo de Cumbijã Sr Serifo Baldé.

Foi MUITO BOM estarmos juntos!

As mulheres dos Tigres
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de Maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24356: Convívios (963): Coimbra, 27mai2023, 50.º convívio da CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime 1971/74): "Balada de Despedida", voz: Firmino Ribeiro

domingo, 18 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23891: Origens do Tigre Azul: Nado e criado entre Famalicão e o Porto (Joaquim Costa, ex-fur mil, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74) - Parte I: A pomada milagrosa

Vila Nova de Famalicão  > c. meados dos anos de 1950 > A família Costa: da esquerda para a direita na fila de trás: José (pai) e Gracinda (Mãe), seguindo-se os irmãos: Maria, Avelino, Manuel (que esteve na Guiné), Eduardo (o columbófilo) e na fila da frente o João (o Don Juan da família) a Noémia e o Joaquim, o mais novo.

Foto (e legenda): © Joaquim Costa (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Joaquim Costa, ex-fur mil at Armas Pesadas Inf, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74); membro da Tabanca Grande desde 30/1/2021; autor da série "Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)" (de que se publicaram 28 postes, desde 3/2/2021 a 28/7/2022).

Capa do livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74". Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp.


 1. Mensagem do Joaquim Costa, com data de 27 de novembro passado:

Bom dia, Luís: como vai essa perna? Espero que em plena recuperação.

Por sugestão do nosso camarada Beja Santos envio partes do meu livro, no qual faço referência à família e infância, para caso de consideres pertinente o partilhares com os camaradas e amigos do blogue.

Sempre a considerar-te e um grande abraço. Joaquim Costa. 


2. Comentário do editor LG: 

Obrigado, Joaquim. São histórias dos primórdios do "Tigre Azul" e  "Furriel Pequenina", que complementam o teu  livro "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel pequenina".  É verdade, todos temos uma origem, uma mãe, e quase sempre um pai e, naquele tempo, um bando de irmãos... E, na maior parte dos casos, uma alcunha... A infância e a adolescência da geração que fez a guerra e a paz, não diferem muito de Norte a Sul, de Vila Nova de Famalicão à Lourinhã.  Estas memórias, que faziam parte do plano original do teu livro, têm todo o cabimento no nosso blogue.  Para mais, estão recheadas com o teu saudável e fino humor. Saúdo, por isso, a tua reaparição. E aproveito para te desejar, a ti e a toda a família, um Bom Natal e um Melhor Novo Ano de 2023. Em meu nome e dos demais editores e colaboradores permanentes do blogue. Eu, por cá, vou indo... Um alfabravo fraterno. LG
 

 Origens do Tigre Azul: Nado e criado entre Famalicão e o Porto (Joaquim Costa, ex-fur mil, CCAV 8351, Cumbijã. 1972/74) - Parte I:  A pomada milagrosa

O tigre azul ou tigre maltês (espécie muita rara), foi visto na província chinesa de Fujian. Eu asseguro que existiu uma família desta linda espécie em Vila Nova de Famalicão

Sendo o sétimo filho do José e da Gracinda, tendo em conta a época, nasci em berço de ouro,
o mesmo não podem dizer-se dos meus irmãos.

O pai Zé e a mãe Gracinda viveram a miséria dos tempos da primeira e da segunda guerras mundiais e da gripe espanhola, saindo destes conturbados acontecimentos sem esmorecerem, continuando a lutar, resilientes, por uma vida melhor para a família

O Zé, naquele contexto, trabalhou numa pedreira (de granito), mais escultor que pedreiro, tal a arte como trabalhava a pedra. Não tendo frequentado a escola, lia o jornal (devagar, devagarinho), e fazia contas como ninguém. Quase “bacharel”, na aldeia abriu uma pequena mercearia/taberna, que para além de melhorar as sua condição de vida, lhe deu estatuto social e garantia de eleitor, na União Nacional, claro! (manga de ronco).

A minha memória está cheia de memoráveis e ternurentas histórias vividas com o meu pai, mas a da ida ao médico...!!!

O meu pai andava há vários dias a queixar-se com dores nas costas, situação que não o deixava dormir nem fazer as suas lides diárias no amanho de um pequeno terreno. A minha mãe já não suportava tanto queixume, lembrando que também lhe doía um joelho e que não se queixava tanto. Contudo, sugeriu, para sossego dela e dele, que fosse ao médico, ao Dr. Cândido, proprietário de uma quinta na região, e grande produtor de vinho.

A insistência da minha Mãe acabou por o convencer. Vai daí, convidou-me para ir com ele ao dito médico. O percurso acidentado para a casa do médico foi feito em esforço, com paragens frequentes para dar descanso às costas do meu pai. As queixas eram tantas que até eu sentia as dores do Velho.

Chegados à casa senhorial do médico, depois de uma caminhada sofrida, demos dois puxões ao arame que acionava uma sineta de bronze, acordando os cães, que foram os primeiros a chegar ao portão. Logo de seguida chega a empregada, de avental branco de linho com “folhinhos” de renda, que lhe dava um ar angelical, nossa conhecida, que saúda o meu pai:

  Então, sr. José! Tudo bem lá em casa? O que o traz por cá? Coisa boa ou coisa má?... (coisa boa se vinha comprar vinho, coisa má se vinha por causa de alguma maleita.)

Respondeu o meu pai que gostaria de ser consultado pelo Doutor, sobre uma ligeira, mas incomodativo, dor de costas:

 Muito bem,  sr. José, entre e espere um pouco neste banco de pedra que eu vou chamar o patrão que está lá para baixo para o lameiro.

Passados uns bons minutos chega o Dr. Cândido, de galochas enlameadas, de enxada na mão, chapéu de palhinha na cabeça, camisa branca salpicada de suor, mancando ligeiramente:

  Boa tarde,  sr. José, desculpe a minha demora mas ultimamente tenho andado com umas dores nas costas que nem me deixa dormir nem fazer o que mais gosto que é as minhas caminhadas pelos campos. Mas não vale a pena a gente queixar-se Sr. José, tal como sabiamente dizem os homens na sua taberna, é o “PêDêI”, e quanto a isso nada há a fazer a não ser aligeirar esta maldita dor com a pomada da adega.

Fomos então encaminhados para a dita adega (o consultório) onde o bom homem e excelente médico (o nosso João Semana) partiu um pouco de pão de milho, ainda quente, acabado de sair do forno, e avantajadas fatias de presunto. Enquanto ia tirando o batoque da pipa para vazar vinho para uma caneca de barro, pergunta ele ao meu pai:

  Então o que o trás por cá, sr. José?

O meu pai ficou desarmado pelo desabafo do médico e já não teve coragem para dizer ao que vinha e começou a gaguejar, acabando por dizer que vinha saber se ainda tinha alguma pipa disponível para venda.

“Bucha” de pão e naco de presunto puxa pela pinga… a pinga puxa pelo pão e pelo naco de presunto e este pela pinga e assim sucessivamente até a conversar começar a tropeçar no arrastar das palavras.

Abruptamente, enquanto se sentia, ainda, algum discernimento, avançou-se para o negócio

Selou-se o mesmo com mais um brinde, e, já com as dores de costas atiradas para trás das costas, regressamos a casa, com o meu pai curado, dada a desenvoltura e alegria como caminhava, e ainda com uma garrafa de vinho no alforge oferecida pelo médico.

Chegados a casa, logo a Gracinda perguntou ao Zé:

  Então! e o médico, receitou-te alguma coisa para as costas?

  Deu-me lá uma pomada milagrosa que me limpou logo a dor.

  Ainda bem! E trouxeste mais dessa milagrosa pomada?

 
  Trouxe...

  Dá cá então para eu pôr também aqui no meu joelho a ver se me dá cabo desta dor malvada…

 
   Diacho de mulher!…     desabafa o Zé.

(Continua)

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sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23495: Notas de leitura (1471): "Memórias de um Tigre Azul - O Furriel Pequenina", por Joaquim Costa; Lugar da Palavra Editora, 2022 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Agosto de 2022:

Queridos amigos,
Joaquim Costa teve a amabilidade de me oferecer as suas memórias de Cumbijã, edição Lugar da Palavra Editora (telef 220994591/ telem 915416141), tocaram-me pela singularidade com que homenageia pais e irmãos, como faz a apologia da camaradagem sem precisar de bater as palmas e a discrição com que narra a criação de um quartel em terra de ninguém, tudo com o objetivo de procurar asfixiar a prazo a presença do PAIGC na região sul, designadamente naquelas reentrâncias da mata do Cantanhez. A epopeia dos homens ficou lavrada, mas em 1973, ali bem perto, no mês de maio, Guileje cedeu, nada ficaria como dantes, e a Operação Grande Empresa esmoreceu, o 25 de Abril foi a última gota. Foi bom que Joaquim Costa deixasse o seu testemunho, todo ele de emoção contida.

Um abraço do
Mário



Recordar Cumbijã, um dos pilares da Operação Grande Empresa

Mário Beja Santos

O livro de Joaquim Costa, largamente referenciado em textos do blogue, é credor da nossa elevada consideração, a diferentes níveis: a tocante homenagem que presta a pais e irmãos, se é certo que há testemunhos de arromba sobre estas memórias afetivas, inescapáveis, o que Joaquim Costa nos oferece é tocante como homenagem do seu coração. 

Não me recordo de tal texto ter aparecido no blogue, se não estou enganado, incito-o a dá-lo à estampa, a nossa assembleia merece; se é certo que ele nos vai dar um itinerário muito comum de recruta e especialidade, subidas e descidas por quartéis até à formação da unidade que irá partir para a Guiné, também aqui ficam uns pingos de camaradagem da melhor água, uma camaradagem que percorre transversalmente a sua narrativa; e para quem ainda não atendeu às diferentes facetas da Operação Grande Empresa, destinada a reocupar o Cantanhez, o testemunho de Joaquim Costa é vibrante quanto ao confronto com os grupos do PAIGC instalados na região, quase desde a primeira hora, Spínola intentava provocar um cerco a “lugares santos”, impedindo abastecimentos, circulação de pessoas, fuga de populações, foi uma operação de sangue, suor e lágrimas que não pôde completar-se devido aos acontecimentos que envolveram Guileje, Gadamael e Guidaje. O que se passou no Cumbijã foi uma pequena epopeia de que Joaquim Costa deixa um relato singelo.

Primeiro, a homenagem à família, ele é o sétimo filho de José e de Gracinda, um casal que viveu a miséria em tempos conturbados, o pai Zé trabalhou numa pedreira, abriu uma pequena mercearia/taberna, ele não esqueceu uma viagem que fez na sua companhia até Ermidas do Sado para ir visitar o irmão Manuel, que estivera na Guiné e regressara com uma grande pneumonia; a mãe Gracinda é a imagem da devoção maternal, levanta-se pela alva para preparar os comes, tudo sem um queixume. E fala-nos do mano mais velho, o Eduardo, da sua paixão pelos pombos, da Maria, a irmã mais velha, uma cúmplice deste furriel do Cumbijã. E deixo ao leitor a faculdade de saber mais sobre o Avelino, o Manuel, o João, a Noémia, o Joaquim, os sete manos vão aparecer em bela fotografia, há mesmo casacos e gravatas para se entender que o clã lutou pela vida para conhecer dias mais risonhos.

Segundo, a ficha curricular, com todas aquelas peripécias nos coube experimentar, no caso dele Caldas da Rainha, Tavira, é um sargento de armas pesadas que vai dar instrução a Chaves, segue-se Estremoz (que lhe deixou imensas saudades), já está delineada a CCAV 8351, os Tigres de Cumbijã, tendo como maestro Vasco Augusto Rodrigues da Gama, a quem tive a honra de dar instrução em Mafra e de descrever em sede própria que daria um competentíssimo comandante de companhia. 

Ainda há Portalegre pelo caminho, toma-se um avião, há uma curta passagem pelo Cumeré, segue-se a Aldeia Formosa depois de uma viagem até Buba. Festa de Natal com repasto de macaco-cão assado. Não são esquecidas as peripécias com lavadeiras e roupas dispersas.

Terceiro, cumprida a missão de proteger colunas para Buba e dar proteção ao grupo de Engenharia na construção da estrada Mampatá-Nhacobá, vamos ao âmago da história, toca a marchar para Cumbijã, o PAIGC não queria abrir mão de Nhacobá, não bastava a estrada a partir de Mampatá, havia que estender o cerco. Chega-se a Cumbijã e levantam-se cerca de 30 minas, assim vai começar o calvário dos estropiados e mortos, as imagens são eloquentes, faz-se um quartel de raiz, ele diz com simplicidade: 

“Ao mesmo tempo que avançava a construção para Nhacobá e os trabalhos da adaptação do Cumbijã para receber e unir definitivamente toda a família da CCAV 8351, ia-se criando, em cada um de nós, a sensação, agridoce, de que estávamos a construir a nossa modesta casinha, porventura no sítio menos aconselhável.” 

Alimentação a rações de combate, flagelações constantes, fazer tijolos e erguer casas. Visita de Spínola, apresenta-se a lista de reclamações, o Comandante-Chefe responde positivamente. Passa a haver segurança e mesmo casernas com conforto básico. Chega a hora da operação “Balanço Final”, o assalto a Nhacobá, encontrou-se gente, documentação, muito arroz, há tiroteios, Spínola chega a fazer uma visita relâmpago a Nhacobá, visita rápida, já que o rebentamento de uma mina provocada por uma máquina de Engenharia projetou uma enorme quantidade de terra que atingiu ao de leve o general. 

Se Cumbijã já era um descampado, preparar o terreno em Nhacobá para novo quartel não foi pequena a odisseia. Estamos nisto quando se dão os acontecimentos do ataque a Guileje, que Joaquim Costa esmiúça. Vem de férias e no regresso a Bissau tem más notícias do que se passa em Cumbijã e arredores. O autor aproveita um texto do nosso confrade António Murta, repescado do nosso blogue para se voltar à operação “Balanço Final”.

Assim se chegou ao 25 de Abril, é o regresso a casa, as durezas da adaptação. E há os acasos da sorte, Joaquim tem o filho a trabalhar na Guiné na construção da Ponte S. Vicente, é o regresso, a vida continua, o Cumbijã não lhe sai da memória, vai trabalhar como professor, orientador pedagógico e dirigente escolar. 

E assim aconteceu, talvez fruto da pandemia, o Furriel Pequenina deu à costa com as suas memórias de guerra, teve a gentileza de me contactar para me oferecer o seu livro, li-o de um só fôlego, confessei-lhe a admiração pelo modo como trata pais e irmãos, como hasteia a bandeira da camaradagem e é sóbrio descrever os episódios do Cumbijã. E muito contente fiquei quando descobri que ele e eu éramos devotos admiradores daquele Vasco da Gama que em vez de ir à Índia esteve brioso a comandar o que a ele dizia respeito ali perto do rio Cumbijã naquela operação tão promissora mas que já não tinha força para reverter os ventos da História.

O destacamento de Cumbijã, região de Tombali, em 1973. Foto gentilmente cedida por Joaquim Costa.
Tabanca de Nhacobá, região de Tombali, ocupada num “golpe de mão” pela CCAV 8351 no dia 17 de maio 1973 na operação Balanço Final (17 a 23 maio 1973). Foto gentilmente cedida por Joaquim Costa.
Região de Tombali > Construção da estrada Mampatá / Cumbijã, no fim de mais um dia de trabalho. Foto gentilmente cedida por Joaquim Costa.
Região de Tombali, Cumbijã > O capitão da CCAV 8351 (Os Tígres de Cumbijã) e o Sargento Redondeiro. Foto gentilmente cedida por Joaquim Costa.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23480: Notas de leitura (1470): Como nasceram as fronteiras da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 28 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23465: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXVIII: Em 1976, uma viagem pela velha Europa para esquecer a guerra e espairecer do PREC


Itália > Veneza > 1976 >  De gôndola, com pose de turista



Países Baixos> Amesterdão > s/d > ... Numa outra viagem


Fotos (e legendas) © Joaquim Costa (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]






Joaquim Costa, ontem e hoje. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado. Foi também professor do ensino secundário 
(os últimos 20 anos em Gondomar).




Já saiu o seu livro de memórias (parte da história da sua  vida),
de que temos estado a editar largos excertos, por cortesia sua (*): 
“Memórias de Guerra de um Tigre Azul” (Rio Tinto, Lugar da Palavra, 2021, 179 pp)
Tem um pósfácio da autoria do nosso editor Luís Graça (**). 

O livro pode ser pedido diretamente ao autor, através do email jscosta68@gmail.com .
O valor é de 10 € (livro + custas de envio), a transferir para o seu NIB que será enviado juntamente com o livro. Não esquecer de indicar o endereço postal.

 

Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXVIII:  Em 1976,  uma viagem pela velha Europa para esquecer a guerra e espairecer do PREC   



O encontro improvável, em Veneza, de três “Morcões” do Norte 
e  de um "Alfacinha", especialista em Matacanhas

  

Nos primeiro anos depois da Guiné vivi sofregamente os dias, “engasgando-me” aqui e ali na ânsia de agarrar o mundo todo num só dia. Fui à  procura de resgatar os três anos “roubados” da minha juventude, até hoje ainda não devolvidos.

No ano de 1976 , eu e mais dois companheiros, o Gil Marques, jovem empresário da indústria têxtil e o Miguel, professor de economia e contabilidade, decidimos, depois de mais uma noite de copos na tasca do “Pega”, hoje um restaurante com nome no “Evasões” e “Boa Cama Boa Mesa” (à nossa custa), decidimos aproveitar as férias (e espairecer um pouco da loucura do PREC ) numa viagem (de 30 dias) pela Europa, numa das nossas Dianes,

Num dia se decidiu e no outro abalamos (já tinha na minha posse o famoso “Salvo conduto” inexplicavelmente, já sem guerra e em democracia, ainda obrigatória para passar a fronteira) , com partida junto ao nosso café das tertúlias e “jogatanas” de bilhar diárias, o “Pica Pau” com todos os presentes e amigos desejando boa viagem, na Diane do Gil.

Lá consegui meter num pequeno saco umas peças de roupa, um mapa e uma tenda que nunca havia montado. Decidida a primeira paragem em Madrid, como pessoa mais sensata do grupo [???], lá fui pensando em programar minimamente o itinerário de toda a viagem até à capital espanhola.

Já em França, a caminho de Nice, com um amortecedor a queixar-se do peso, surgem na estrada muitos jovens a pedir boleia (muito comum na época em Portugal e em toda a Europa). Eis quando aparece uma jovem no meio do caminho, quase nos obrigando a parar, com o Miguel aos gritos, pára, pára ... mas o Gil não parou. Ficamos furiosos , mas ele, com a sua calma, de quem não foi à guerra e tem ainda toda a sua juventude pela frente (pois muitas mais lhe vão aparecer à frente), chama os dois “velhos” à razão:

−  Não vamos passar o tempo nisto! 

Dois dias já gastos (talvez ganhos ?) com as lindas catalãs (professoras primárias a trabalhar em Barcelona) desrespeitando o programa minuciosamente elaborado pelo Costa (apenas uma tarde em Madrid), e para além do mais o amortecedor não ia aguentar. 

 −  Oh Gil ! Aguenta, aguenta! 

Tanto insistimos que ele que deu a volta, passou novamente pelo local onde ainda se encontrava a miúda e lá paramos para dar boleia à donzela (que confirmava todos os atributos conhecidos do “mito urbano” sobre as Suecas!). Enquanto o Miguel abria gentilmente a porta, surge por detrás de um arbusto (estilo David Attenborough) um rapaz com dois metros de altura, com a miúda sorrindo dizendo: 

  Não se importam de levar também o meu namorado?     empurrando-o para dentro do carro antes que dissessemos que não.

Durante a viagem o Gil, preocupado com o amortecedor, passou o tempo a chamar nomes ao gigante Sueco, utilizando todo o vocabulário vernáculo do norte que tinha mais à mão, enquanto o rapaz olhava para ele, divertido, sempre com um sorriso nos lábios.

Este incidente foi motivo de conversa até Veneza, onde montámos (tentamos montar ), pela primeira vez,  a tenda num parque de campismo (até Veneza sempre dormimos ao relento apenas com o saco cama).

Começámos a montar a tenda mas não atinávamos com a quantidade de ferros. Já desesperados, diz o Gil:

 
  Não és tu engenheiro? Então trata tu disso,  que eu vou tomar banho. 

O Miguel aproveitou a deixa e fez o mesmo.

Ainda não refeitos da boleia dada ao gigante Sueco, durante o banho continuaram os insultos ao rapaz em

voz alta que se se ouviam em todo o parque. Até eu, que também não atinava com a tenda (ou faltava ferros ou faltava pano), estava a ficar incomodado com os palavrões (afinal sou professor,  “carago”...).

Entretanto, sinto uma mão no meu ombro, viro-me, e vejo um homem lourinho, de olhos claros dizendo, em bom português: já uma pessoa não pode estar com a família sossegada no parque de campismo, sem estar sujeita a ouvir este chorrilho de palavrões. 

Este lourinho era o grande amigo Caetano (Furriel enfermeiro da companhia), o mesmo que me tirou uma matacanha do dedo grande do pé (com a sua faca do mato?) no Cumbijã (Guiné) de boas e más memórias.

Queria eu fugir das lembranças da guerra, mas nem aqui, no norte de Itália estava a salvo... nem do PREC pois que na altura o PCI (Partido Comunista Italiano) e a DC (Democracia Cristã) mediam forças taco a taco, com governos que não duravam 1 mês... E sempre carregados com um saco de notas, pois só para pagar uma fatia de melancia era um molhe de notas (vinte e cinco mil liras!)

Foram umas belíssimas férias: baratas, com muita adrenalina, poucos banhos e ... ???

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Notas do editor:

(*) 8 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23336: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXVII: O "meu" regresso à Guiné (3): Os Bijagós que muitos de nós nunca vimos - II (e última) Parte

(**) Vd. poste de 8 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23245: Agenda cultural (811): Tabanca dos Melros, Fânzeres, Gondomar, 11 de junho de 2022, sábado, 11h00: Luís Graça apresenta o livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul"