1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Outubro de 2025:Queridos amigos,
Os tambores da guerra chegaram aos Boletins da Associação Comercial da Guiné. Haverá no entanto questões associativas graúdas que não são perceptíveis só da leitura dos editoriais do Presidente da Direção estar constantemente a fazer apelos à Unidade, lamentando casos de concorrência desleal. A organização de cada um destes números do Boletim, estou seguro, merecerão leitura convidativa dos investigadores: temos aqui o rol minucioso de importadores e exportadores; o seu grau de intervenção seja junto do Governador ou até no envio de cartas ao Ministro do Ultramar; apoiam a formação de milícias (estamos em 1962) e louvam a organização destas em Mansabá e Farim e para além de Xime, o que bate certo com as áreas de infiltração e posicionamento dos acabamentos os guerrilheiros para lá do Corubal e na região do Morés. A Associação atribuía bolsas de estudo e criara uma secção de assistência social. Se bem que episodicamente já se fazem perguntas políticas, como, por exemplo, perguntar as razões do anticolonialismo norte-americano. E há artigos de informação económica sobre o amendoim, o arroz, a borracha, o mel e os couros. Vamos prosseguir, na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa ainda há mais uns anos de Boletins. Tenho que bater à porta da Biblioteca Nacional para saber que aqui vou suprir tal carência, gostava de saber se o Boletim foi publicado até 1974.
Um abraço do
Mário
Uma publicação guineense de consulta obrigatória:
O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné – 5
Mário Beja Santos
A leitura dos sucessivos Boletins de 1962 irão permitir compreender que há sérios desconfortos na vida associativa, o Presidente da Direção está permanentemente a clamar “Unidade! Unidade!”, e no número de junho, numa escrita um tanto vernacular, não esconde as suas queixas, onde não falta azedume:
“Nesta Guiné caminhante pachorrenta e ensonada dum trilho interrupto, vário e contingente em que se produziu a sua parcimoniosa evolução ao longo de muitas décadas, dócil por atavismo e bem-comportada por tradição, umas centenas de indivíduos – ditos comerciantes e industriais! – à unificação salvadora preferem os caminhos da deriva, renegam-se e se se encontram é para destroçarem-se numa concorrência desmedida, ilógica, desleal.”
Depois dos queixumes recorda-se a necessidade de manter as quotas em dia e enfatiza-se a unidade em torno dos interesses comuns. Faz-se o anúncio da atribuição de bolsas de estudo e a criação de um serviço de assistência social a associados em precariedade.
Nunca como nesse ano os dirigentes se revelaram tão reivindicativos. Escreve-se sobre a borracha, uma riqueza inaproveitada, pede-se ao Governo a eliminação das imposições aduaneiras, a bonificação do frete marítimo para o produto destinado ao Continente, lembrando que há uma concorrência com a borracha recebida do Índico.
E também nunca como agora surge imensa participação dos leitores. Aparece uma curiosa caixa com muitas perguntas:
“Por que motivo não exportamos mais ginguba? Por que não aumentar a produção de óleo de amendoim? Por que valorizamos o franco da AOF acima do câmbio oficial? É princípio moral, se quer ponto de vista político o anticolonialismo no Ianque? (Dá-se a seguinte resposta: no século passado foi programa de partido para uso interno, variável com as preferências do eleitorado: sulista ou nortista. No presente, é arma política de que os EUA se servem para combater a Europa. O nosso País está na tabela).”
A Associação revela-se de facto participativa, atuante. Veja-se a carta enviada ao Encarregado do Governo sobre a campanha da mancarra, dando sugestões: antecipar por uns dias a data da abertura da campanha, propõe-se 10 de dezembro; pede-se a fixação dos contingentes exportáveis; e considera-se indispensável saber com antecedência os preços FOB-Bissau e CIF-Lisboa, que são estabelecidos pela Metrópole, etc. etc. Vemos também nos sucessivos números a manutenção de secções informativas e a listagem das relações dos importadores e exportadores na Guiné. Anuncia-se no número de dezembro a vinda do novo Governador, Comandante Vasco Rodrigues.
Terá porventura utilidade dá conta, com algum desenvolvimento de situações em que a Associação se revela não só conhecedora das realidades económicas, é combativa e faz-nos querer que sabe com bastante rigor do que fala. Veja-se o extrato de uma carta dirigida ao Governador da Guiné sobre a campanha do coconote, há aqui neste conjunto de imagens uma que revela um certo sabor de vitória:
“Senhor Governador,
Dirigem-se-nos alguns exportadores pedindo a nossa intervenção no sentido de esclarecermos o Governo da Província na conveniência de promover, pela estância competente, a atualização do valor fiscal do coconote, fazendo-o corresponder, como é lógico esperar-se, à cotação efectiva e em prática na Província desde o princípio do ano corrente: 1$90 por kilo nos portos de embarque; de contrário, voltarão, por certo, a repetir-se as imobilizações nos armazéns de consideráveis quantidades do produto, com todas as consequências nefastas, entre as quais sobreleva o excesso de acidez que, aviltando a qualidade, desacredita e torna impraticável a exportação para os mercados estrangeiros, donde os dois seguintes resultados previsíveis: aviltamento do preço de compra aos naturais; não diremos a total paralisação, mas um retraimento muito sensível nas aquisições àqueles, e sempre, em qualquer das hipóteses, com maléficas consequências no equilíbrio social e económico da Província, o que a todos compete evitar.”
Como se pode ver na imagem que aqui se junta com o título Última Hora, foram bem-sucedidos.
Em 1962 já está declarada a subversão na Guiné, e no Boletim Oficial, a propósito do assassínio do cipaio Cofai, considerado um homem bom, respeitado e respeitador entre Mandingas, Balantas e Fulas, que parecia destinado ao regulado de Oio, exulta-se a resposta dada pelos 1200 mancebos guinéus para incorporar a milícia da Guiné portuguesa, eles serão os guardiões desta terra sagrada que irão banir os nocivos sediciosos, ora convertidos em sectários do mal. Se estes 1200 mancebos irão defender as populações de Mansabá e Farim, há também que contar com os 600 naturais para lá do Xime.
E há também uma carta enviada ao Ministro do Ultramar a propósito de uma arbitrariedade que impediu o reabastecimento de “frescos” destinados à população civil da Guiné pelo vapor da carreira Ana Mafalda, e diz-se claramente:
“Estamos em guerra, sabemo-lo – senão efectiva, por hora, de nervos há muito. Em posição fronteira, vivemos parelhas com os nossos soldados os riscos, a ansiedade, o nervosismo, o desconforto moral e material. Vivemos com eles em estreito, fraterno convívio e, desde a primeira hora que a defesa da Pátria os atirou para estas paragens, estamos decididos a dar-lhes o calor humano da nossa assistência.
Exigimos que aí na Metrópole os homens que mandam, saibam que ainda existimos ao lado das forças militares e que nós próprios temos o direito de comer as hortaliças e os legumes e os frutos e a sardinha e o carapau e os demais frescos da Pátria distante, porque temos a mesma boca para comer, para falar e para reclamar sendo preciso. Que não podemos compreender e muito menos aceitar sem espanto e sem revolta que os serviços de Manutenção Militar em Lisboa exijam para seu uso exclusivo os frigoríficos dos navios – dos navios das nossas carreiras – aqueles que servem habitualmente a Província e a abastecem e que nós pagamos bem caro, com total desprezo pela gente sem farda, porém torna-se necessária no território nas suas funções pacíficas, como aqueles que esses aí julgam estar protegendo e servindo bem para, afinal, envergonharem com o tratamento de exceção.”
Vamos ver no próximo número o ano de 1963.
Publicidade ao Grande Hotel, em Bissau, publicada num Boletim da Associação Comercial de 1962
Peixoto Correia, o Governador da Guiné que irá ser o próximo Ministro das Colónias, imagem inserta num dos números do Boletim da Associação Comercial de 1962Lembrança aos associados de que a Direção tivera uma vitória com o valor fiscal do coconote
Publicidade de uma renomada casa comercial de Bissau
Penteado de uma Boenca
Papéis (Safim), mulheres a pescar
Felupes (Susana), mulher com cesto
(continua)
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Notas do editor:
Vd. post da série de 12 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27523: Notas de leitura (1873): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (4) (Mário Beja Santos)
Último post da série de 15 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27533: Notas de leitura (1874): "Cartas de Guerra (61-74) Aerograma Liberdade”, por Ricardo Correia; edições Húmus, 2024 (Mário Beja Santos)








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