
Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (1963/65) > 1964 > Uma pausa nos trabalhos ciclópicos de construção do famoso "Forte Apache" (perímetro defenbsivo feito por troncos de cibes)... Num dos piores lugares do inferno verde e vermelho que foi, para muitos de nós, a Guiné... Mas hoje seria uma fantástica imagem de publicidade a uma marca de cerveja (que por sinal não seria a Sagres mas a Cristal). Fotograma de vídeo, do álbum do José Colaço (ex-soldado trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65).
Foto (e legenda): © José Colaço (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Uma nota destas, em 1969, dava para pagar à lavadeira, diz o nosso editor LG, ou comprar uma garrafa de uísque do bom... Na cantina do Zé Soldado, rm Bambadinca, dava para comprar, cerca de 14 cervejas de 0,33 l.
Foto: © Sousa de Castro (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Quanto é que um soldado bebia de cerveja, em média, por mês ? É arriscado calcular médias. Porque nem toda a gente bebia (e muito menos cerveja).
Escassos meses depois da chegada (em finais de junho de 1972), "os serrotes de Fulacunda" (sic) passam, em outubro, a consumir ( ou, com mais rigor, a requisitar, em média, 12 mil cervejas por mês, em vez das 10 mil) (*). Era bom ter alguns "excedentes" no armazém, para o caso do mundo acabar...
Do total do consumo mensal (788$00), 52.8% ia para a cerveja! Em todo o caso, estes valores tem que ser vistos como um "outlier"; este militar, "soldado" (sic), chegaria ao fim da comissão completamente endividado.
2.1. O Sousa de Castro diz-nos que no seu tempo (1972/74) "não era muito diferente: os preços que se praticavam, eram mais ou menos os mesmos" [que em 1969/71]...
Em 1969, diz o nosso editor LG:
2.2. Elementos fornecidos por outros camaradas (**):
Humberto Reis:
Foto: © Sousa de Castro (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Quanto é que um soldado bebia de cerveja, em média, por mês ? É arriscado calcular médias. Porque nem toda a gente bebia (e muito menos cerveja).
O nosso 1º cabo cond auto José Claudino Silva, da 3ª CART /BART 6250/72 (Fulacunda, 1972/74) dá-nos algumas pistas: promovido pelo 1º sargento a cabo dos reabastecimentos, compete-lhe controlar o "stock" de bebidas e não deixar o pessoal morrer de sede...
Estamos na companhia dos "Serrotes", a que pertenciam também os nossos camaradas Jorge Pinto e Armando Oliveira.
Escassos meses depois da chegada (em finais de junho de 1972), "os serrotes de Fulacunda" (sic) passam, em outubro, a consumir ( ou, com mais rigor, a requisitar, em média, 12 mil cervejas por mês, em vez das 10 mil) (*). Era bom ter alguns "excedentes" no armazém, para o caso do mundo acabar...
Pelo menos era esse o "stock" mensal. Já lhe pedi para confirmar esses números, distinguindo entre existências e compras/consumos.
Admitindo que houvesse, no máximo, cerca 200 militares em Fulacunda (1 companhia de quadrícula + 1 Pel Art), um consumo médio de 12 mil cervejas, dava 2 cervejas por dia por cada militar, o que não é muito. ( Não sabemos a proporção de cervejas de 0,33 l e de "bazucas",. de0,. 66 l.)
Também não temos termos de comparação com outros sítios da Guiné, com mais facilidades de reabastecimento (por ex., Bambadinca, por onde se abastecia todo a Zona Leste,as regiões de Bafatá e Gabu, que iam do Xime a Buruntuma).
A cerveja no meu tempo (Bambadinca, 1969/71) era a 3$50,e a "bazuca a 6$00. As duas marcas eram a Sagres e a Cristal, em garrafa de 33 cl (a "bazuca", a 0, 66 l). Acho que também já havia a enlatada, mais cara (mas já não tenho a certeza: as bebidas enlatadas eram a coca-cola e outros refrigerantes, que vinham da África do Sul, supono, juntamente com as fritads em calda).
De qualquer modo, modo lá se ia 1/5 a 1/3 do pré de um soldado (que era 900$00, enquanto um 1º cabo ganhava 1200$00).
Encontrámos esta informação numa nota de despesa, fotografada, que consta de um livro de que é primeiro autor o nosso saudoso grão-tabanqueiro Renato Monteiro (1946-2021), ex-fur mil art (CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego e Piche, 1969; e CART 2520, Xime e Enxalé, 1969/70).
Despesa de 3 [março]/1973:
1/4/1973
Assinatura ilegível
[ Fonte: Monteiro, R.; Farinha, L. - Guerra colonial: fotobiografia. Lisboa: Círculo de Leitores / D. Quixote. 1990, p. 223.]
Excertos do capítulo IV (Quotidiano do soldado, pp. 193-259) do livro de Monteiro, R.; Farinha, L. - Guerra colonial: fotobiografia. Lisboa: Círculo de Leitores / D. Quixote. 1990, p. 223.]
Estamos a falar de uma média estatística (que é sempre enganadora):
- 2 a 3 cervejas por dia, em média, é perfeitamente aceitável, se considerarmos as condições (de clima e de guerra) que enfrentávamos na Guiné;
- temos, por outro lado, que considerar o número (desconhecido) dos abstémios... e o consumo de outras bebidas (coca-cola, uísque, vinho...);
- provavelmente não se bebia mais cerveja porque o "patacão" não chegava, nem muito menos havia capacidade de frio (que melhora,apesar de tudo, no tempo do gen Spínola);
- como muitos de nós diziam, "a cerveja quente sabia a mijo"...
Já agora reproduz-se aqui, de novo, um interessante documento que é o "Rol das despesas mensais de um soldado". Permite-nos reconstituir, de certo modo, o quotidiano e o padrão de consumo de um soldado-tipo. Não temos a certeza se a situação se reportava à Guiné ou outro TO (Angola ou Moçambique). Para o caso, também não interessa muito. De qualquer modo diz respeito a março de 1973.
Encontrámos esta informação numa nota de despesa, fotografada, que consta de um livro de que é primeiro autor o nosso saudoso grão-tabanqueiro Renato Monteiro (1946-2021), ex-fur mil art (CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego e Piche, 1969; e CART 2520, Xime e Enxalé, 1969/70).
Despesa de 3 [março]/1973:
- Cerveja > 54 x 6$00 = 324$00 [=54 x 0,66 l= 35, 6 litros]
- Cerveja > 24 x 4$00 = 92$00 [= 24 x 0,33 l= 7,92 litros]
- Floid (sic) = 55$00
- Pasta p/ dentes = 18$00
- 1 frasco de cola = 30$00
- 1 bloco de escrever = 15$00
- 1 lata de fruta = 11$00
- 1 garrafa de Porto = 55$00
- Sabão = 7$00
-
Selos = 30$00
- Envelopes = 8$00
- Fotos = 44$00
- Carne patoscada (sic) = 77$00
- Vagaço (sic) = 14$00
- 1 lata de leite = 8$00
- Subtotal = 788$00
- FIO (sic) = 750$00
- Despesa total = 1538$00
1/4/1973
Assinatura ilegível
[ Fonte: Monteiro, R.; Farinha, L. - Guerra colonial: fotobiografia. Lisboa: Círculo de Leitores / D. Quixote. 1990, p. 223.]
Excertos do capítulo IV (Quotidiano do soldado, pp. 193-259) do livro de Monteiro, R.; Farinha, L. - Guerra colonial: fotobiografia. Lisboa: Círculo de Leitores / D. Quixote. 1990, p. 223.]
Legenda da foto de cima, com o militar a um canto no bar:
"Bar de Sargentos e Oficiais, Nova Lamego, Guiné-Bidsau: sujeito a grandes períodos de isolamento no mato ou nos aquartelamentos avançados das zonas de combate, o militar encontra nas pastuscadas e no consumo, por vezes imoderado, de bebidas alcoólicas, uma compensação para o esgotamento psicológico e moral. Nesses consumos dissipa o grosso do seu pré melhorado, que começa a auferir assim que inicia a sua condição de 'mobilizado' ".
Repare-se que a decoração da parede do fundo, do bar, ainda é a do fur mil op esp Pechincha, que foi camarada do Renato Monteiro, do Valdemar Queiroz e do Abílio Duarte, em 1969, em Nova Lamego na CART 2479 / CART 11, os "Lacraus".
A legenda da foto com a lista das despesas diz apenas isto: "Rol de despesas mensais de um soldado" )(sic). Pela data do documento (1/4/1973) já não é do tempo do Renato Monteiro.
2. Repare-se que numa despesa mensal de 788$00 (equivalente hoje a 164, 26 euros) já nada restava do pré do soldado do Ultramar, uma parte do qual era de resto depositado na Metrópole. Era um militar que comprava a fiado. E o cantineiro devia ser nortenho, que trocava os "bês" pelos "vês"...
Do total do consumo mensal (788$00), 52.8% ia para a cerveja! Em todo o caso, estes valores tem que ser vistos como um "outlier"; este militar, "soldado" (sic), chegaria ao fim da comissão completamente endividado.
Convertidos em litros, o consumo de cerveja daria c. de 43,5 litros por mês, 1,5 litros por dia... Se este fosse o "comportamento típico" do nosso Zé Soldado, o consumo anual de cerveja devia ultrapassar os 300 litros "per capita", admitindo-se que na época das chuvas se bebia menos...(Parece-nos um valor exagerado.)
Havia dois tipos de garrafa: a de 0,66 litros (a chamada bazuca, na Guiné) e a de 0,33 l.
Havia dois tipos de garrafa: a de 0,66 litros (a chamada bazuca, na Guiné) e a de 0,33 l.
Em 1973, o preço era, respetivamente, 4$00 e 6$00 (0,83 euros e 1, 25 euros, respetivamente, a preços atuais). Terá aumentado a cerveja de 0,33 l (de 3$50 para 4$00). Admitimos que o preço da cerveja se tenha mantido relativamente estável, ao longoi da guerra, por vezes razões "psicossociaias"...
Parece-nos mais razoável apontar para, no máximo, um 1/3 o valor da despesa em cerveja, tendo em conta os consumos em junho de 1970 em Nova Sintra (***).
3. Já agora, vamos rever os preços de alguns bens de consumo, na época, bem como outros valores de referência (vencimentos, por exemplo) (**).
2.1. O Sousa de Castro diz-nos que no seu tempo (1972/74) "não era muito diferente: os preços que se praticavam, eram mais ou menos os mesmos" [que em 1969/71]...
- eu como 1º cabo radiotelegrafista ganhava 1.500$00, sendo 1.200$00 por ser 1º cabo e mais 300$00, de prémio de especialidade" [tudo somado, 1500$00 em 1973, era o equivalente, a preços de hoje, a 312,67 €];
- por lavar a roupa, como cabo pagava 60 pesos [em 1973][=12, 51 euros ]
Em 1969, diz o nosso editor LG:
- recordo-me que os soldados da minha CCAÇ 12 (que eram praças de 2ª classe, oriundos do recrutamento local), recebiam de pré 600 pesos/mês [=181, 92 €];
- além de mais uma diária de 24$50 [=7,43€] por serem desarranchados. 600 pesos deviam dar para comprar uma saca de arroz de 100 kg ( o arroz irá passar de 6 escudos o quilo para 14 em 1974, com a inflação)...
2.2. Elementos fornecidos por outros camaradas (**):
José Casimiro de Carvalho:
- 100 pesos dava para comprar uma garrafa de Old Parr (em 1972/74);
- como furriel, o Carvalho ganhava por mês entre 5400$00 e 6240$00 (isto já em 1974).
Humberto Reis:
Dos produtos que ele mais consumia, entre 69 e 71, referei:
- 1 maço de SG Filtro: 2,5 pesos (sempre que saía para o mato, levava 3 a 4 maços para 2 dias);
- 1 garrafa de whisky novo (J. Walker Juanito Camiñante de 5 anos, rótulo vermelho, JB): 48,50 pesos;
- Idem, de 12 anos, J. Walker rótulo preto;
- Dimple e Anti query: 98,50
- Idem, de 15 anos, Monkhs e kOld Parr: 103,50
- um uísque, no bar da messe de sargentos, eram 2,50 pesos sem água de sifão e com água eram 3,00 pesos;
- o uísque era mais barato que a cervejola : 2$50, simples, contra 3$00 ou 3$50, além de que dava direito, o uísque, a gelo;
- as cervejas nunca estavam suficientemente geladas pois os frigoríficos da messe, a petróleo, não tinham poder de resposta para a quantidade de pedidos.
- quanto à lerpa, ou ramim, uma noite boa, ou má, poderia dar, em média, 200 a 300 pesos para a lerpa e 50 a 100 para o ramim.
Luís Graça:
Recorde-se que em 1973 os países árabes organizados na OPEP aumentaram o preço do petróleo em mais de 400% como forma de protesto pelo apoio norte-americano a Israel durante a Guerra do Yom Kippur... A nossa economia foi muito afetada...E a inflação disparou, pondo seriamente em risco a capacidade do país para poder continuar a financiar a guerra.
Recorde-se m junho de 1970, a companhia (160 homens) consumiu 7,8 mil garrafas de cerveja de 0,33 l , o que dava dava cerca de 2,6 mil litros (uma média de 16 litros "per capital"... num só mês, meio litro por mês, perfeitamente aceitável, naquelas circunstâncias: um aquartelamento isolado, sem população, com reabastecimento apenas mensal)...
- para uma família africana 100 pesos era muito dinheiro;
- para a maior parte dos nossos militares, era muito dinheiro;
- uma lavadeira em Bambadinca devia receber, nesse tempo (1969/71) 100 pesos por mês (era quanto ele pagava à sua)...(Elas tinham diferentes preçários, conforme a hierarquia militar; e tinham mais do que um cliente).
Recorde-se que em 1973 os países árabes organizados na OPEP aumentaram o preço do petróleo em mais de 400% como forma de protesto pelo apoio norte-americano a Israel durante a Guerra do Yom Kippur... A nossa economia foi muito afetada...E a inflação disparou, pondo seriamente em risco a capacidade do país para poder continuar a financiar a guerra.
4. O melhor termo de comparação em relação a preçário, existências e compras de bebidas alcoólicas nas cantinas, é com Nova Sintra, ao tempo da CCAV 2483, e do nosso querido amigo e camarada, ex-fur mil SAM Aníbal José da Silva.
Claro que nem todos bebiam (cerveja ou outras bebidas alcoólicas). Mas seria raro aquele que só bebia água da torneira: na Guiné era intragável...
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(**) Vd. postes de:
29 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15302: (Ex)citações (297): Quem disse que "100 pesos era manga de patacão" no nosso tempo? Em 1960, mil escudos (da metrópole) valiam hoje 428 euros; e em 1974, 161 euros, ou seja, uma desvalorização de c. 266 %... Recorde-se por outro lado que 100 pesos só valiam 90 escudos...
22 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6212: O 6º aniversário do nosso blogue (12): Cem pesos ? Manga de patacão, pessoal! ( Luís Graça / Humberto Reis / A. Marques Lopes / Afonso Sousa / Jorge Santos / Luís Carvalhido / Sousa de Castro)
(***) Último poste da série > 6 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27499: A nossa guerra em números (47): mais de 2/3 do consumo, do valor de vendas em junho de 1970 (n=89 contos), na cantina, da CCAV 2483, em Nova Sintra, foi em álcool e tabaco (Aníbal Silva / Luís Graça)
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 3 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18280: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 23 e 24: A partir de outubro de 1972, aumentei a requisição (quinzenal) de cervejas: de 5 ml para 6 mil... Por outro lado, fiquei chocado quando pela primeira vez ouvi dizer que éramos colonialistas...
(*) Vd. poste de 3 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18280: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 23 e 24: A partir de outubro de 1972, aumentei a requisição (quinzenal) de cervejas: de 5 ml para 6 mil... Por outro lado, fiquei chocado quando pela primeira vez ouvi dizer que éramos colonialistas...
(**) Vd. postes de:
29 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15302: (Ex)citações (297): Quem disse que "100 pesos era manga de patacão" no nosso tempo? Em 1960, mil escudos (da metrópole) valiam hoje 428 euros; e em 1974, 161 euros, ou seja, uma desvalorização de c. 266 %... Recorde-se por outro lado que 100 pesos só valiam 90 escudos...
22 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6212: O 6º aniversário do nosso blogue (12): Cem pesos ? Manga de patacão, pessoal! ( Luís Graça / Humberto Reis / A. Marques Lopes / Afonso Sousa / Jorge Santos / Luís Carvalhido / Sousa de Castro)





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