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quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27209: Facebook...ando (94): Tabanca de Matosinhos: homenagem ao cap cav Leite Rodrigues (1945-2025), seis meses de saudade... Faria 80 anos no próximo dia 15.


Foto nº1


Foto nº 2

Pormenor de quadro, emoldurado, com uma fota da Filipa, a cavalo, e com os seguintes dizeres:

"Em memória de Filipa Leite Rodrigues e a sua paixáo pelo desporto equestre. 1992-2005.
Deus só colhe as mais belas e viçosas flores do Seu jardim"
Assinado, Sua Alteza Real Princesa Haya Bint Al Hussein da Jordânia, Presidente da Federação Equestre Internacional (FEI), e de toda a Família FEI.



Foto nº 3 e 3A

Tabanca de Matosinhos >  Centro Hípico de Matosinhos > Leça da Palmeira >  Restaurante A Cepa > 10 de setembro de 2025  : Homenagem ao Leite Rodrigues  > Da direita para a esquerda: Zé Teixeira, Zé Manel Lopes, (?) e Rodrigo Teixeira

Fotos: Tabanca de Matosinhos (2025). Edião e legendagem: Blogue Luís Greaça & Camaradas da Guiné (2025)


1. O Alberto Bernardo Leite Rodrigues (15/09/1945 – 21/02/2025) era capitão reformado da GNR,  cavaleiro e professor de equitação; ex- alf mil cav, CCAV 1748 (Bissau, Bula, Contuboel e Farim, jul 67 / jun 69); condecorado com a  cruz de guerra de 4.ª classe, atribuída em 1972.  

Postagem da Tabanca de Matosinhos, no Facebook da Tabanca Grande, quarta feira, 10 de setembro de 2025, 17:36

Hoje foi um dia muito especial na Tabanca Matosinhos.

O Capitão Leite Rodrigues se ainda estivesse entre nós comemorava o seu 80º aniversário no próximo dia 15.

Já partiu para a eternidade, mas continua presente entre nós, os camaradas que semanalmente se encontram para viver a vida, num convívio fraterno.

A Tabanca deslocou-se ao Centro Hípico de Matosinhos em Leça da Palmeira, onde o Leite Rodrigues passou grande parte da sua vida a dar instrução de hipismo.
Com o espírito do Leite Rodrigues presente, resolvemos prestar-lhe uma singela homenagem colocando na sala do Restaurante A Cêpa, um pequeno quadro com a sua fotografia e uma mensagem, junto ao quadro, ali presente, que recorda a sua querida filha que faleceu com quatorze anos, num acidente com um cavalo.

Obrigado,  Leite Rodrigues. Não esqueceremos a tua mensagem: "A Tabanca viverá, até ao dia que um último combatente, tenha de apagar a luz e fechar a porta".

Na próxima semana, continuaremos o nosso convívio semanal no Resaurante O Espigueirom em Matosinhos.

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Nota do editor LG:

Último poste da série > 10 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27202: Facebook...ando (93): João de Melo, ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351 (1972/74): um "Tigre de Cumbijã", de corpo e alma - Parte X: Fortaleza da Amura, hoje Museu Militar da Luta de Libertação Nacional e sede do Quartel General das Forças Armadas da Guiné-Bissau

sábado, 9 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27104: In Memoriam (558): Dúnia Ivone Ramos Gonçalves (1976-2025), filha do nosso camarada Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, CefInt / QG / CTIG, Bissau, 1973/74): o funeral é amanhã, às16h00, no Cemitério da Várzea, Praia, Cabo Verde



1. Da página do Facebook de Ana Gonçalves, filha do nosso camarada Carlos Filipe Gonçalves, transcrevemos a seguinte mensagem:

Comunicado de Falecimento:

É com profundo pesar e imensa dor que a família comunica o falecimento de Dunia Gonçalves (@Nasha Gonçalves), vítima de doença prolongada, ocorrido hoje na Cidade da Praia.

Deixa o seu filho Rafael Lopes, os pais Ana Gonçalves e Carlos Filipe Gonçalves, as irmãs Monika e Ana Carla, sobrinhos, cunhado e demais familiares, que com grande tristeza partilham esta notícia.

O velório realiza-se na segunda-feira, 11 de agosto, no salão da Igreja do Nazareno, no Platô, Praia.

O funeral terá lugar no mesmo dia, pelas 16h00, no Cemitério da Várzea, com partida do salão da Igreja do Nazareno pelas 15h00.

A família agradece desde já todas as manifestações de apoio e solidariedade neste momento de luto.




A Dúnia é a primeira, da esquerda.
Foto: Ana Gonçalves (2025).
(Com a devida vénia...)




2. Outro excerto da página do Facebook da Ana Gonçalves:

(....) Éramos 3 ... sempre juntas que até misturávamos os nossos nomes, vou ser sempre a tua MoAna,  como dizias quando querias me chamar mas chamavas primeiro a Monika ...

Já não vou ouvir a tua voz na rádio nem nas publicidades.

Não vais ver o Francisco (txukin) e a Catarina (txorona) a crescerem.

Eu sei que lutaste ... agora descansa ... vou ter muitas muitas saudades. (...)



3. Nota do editor LG:

Carlos Filipe Gonçalves, nosso antigo camarada na Guiné (foi fur mil amanuense, CefInt/QG/CTIG, Bissau, 1973/74), é uma figura pública no seu país, Cabo Verde: radialista, jornalista, escritor, etnomusicólogo...  

Natural do Mindelo, vive na Praia. É autor, no nosso blogue, da série "Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo)"

Ainda recentemente escreveu aqui, em poste de 5/7/2025:

(...) "50 anos depois, estou aposentado. Casado, tenho três filhas (49, 47 e 41 anos de idade), quatro netos (26, 18, 3 anos, neta recém nascida com um mês e meio). Vivi a grande aventura do depois da «Independência»… no que me concerne, já escrevi como vivi e o que se passou na história recente da rádio (livro ainda não publicado) e também já escrevi sobre a história da rádio no antes da Independência (um dos livros já publicado, o 2.º à espera de ser editado).

"E para completar, já escrevi o que vi e vivi na Guiné de 1973 a 1975, porque memórias de cabo-verdiano de ambos os lados, na Guiné, antes e depois das Independências, também precisam ser conhecidas". (..:)

Sabíamos que tinha a filha mais velha, Dúnia, de 49 anos, no hospital, na Praia, a lutar contra um cancro da mama. Ainda ontem, e sem ter notícias dele desde 28 de julho passado, lhe mandei às 23:21 a seguinte mensagem:

(...) "Carlos: (...) quero saber como tem evoluído o estado de saúde da tua filha. Imagino quanto ela e a vossa família estão a sofrer. Estou solidário contigo. Não sei rezar, mas espero que os deuses e os bons irãs a protejam e a salvem. Um abraço fraterno, Luís." (...)

Esta manhã soube pelo Zeca Macedo do desfecho fatal: nem os deuses nem os bons irãs salvaram a Dúnia. Para a família, destroçada, do nosso camarada de Cabo Verde, Carlos Filipe Gonçalves, pai, mãe, filho e irmãs da Dúnia, e demais família e amigos íntimos, vão os votos de pesar da nossa Tabanca Grande. Os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são. (*)

Foto à esquerda: o nosso camarada, Carlos Filipe Gonçalves, em 8 de agosto de 2014, com a filha mais velha, Dúnia: "Estou feliz e orgulhoso! Coloquei hoje a fita na minha filha Dunia, finalista do curso de Comunicação Social. Parabéns Dunia! Cerimonia esta tarde na UNIPIAGET".


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Nota do editor:

Último poste da série  > 29 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27066: In Memoriam (557: Rita Mascarenhas (1978-2025), filha do nosso camarada José Rodrigues (ex-fur mil trms, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67): o velório terá lugar na 5ª feira, dia 31, a partir das 12 horas na Igreja Paroquial da N. Stra. do Cabo, Linda-a-Velha; às 16 horas haverá missa de corpo presente, seguindo o funeral, às 16.30, para o crematório do cemitério de Barcarena

terça-feira, 29 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27066: In Memoriam (557: Rita Mascarenhas (1978-2025), filha do nosso camarada José Rodrigues (ex-fur mil trms, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67): o velório terá lugar na 5ª feira, dia 31, a partir das 12 horas na Igreja Paroquial da N. Stra. do Cabo, Linda-a-Velha; às 16 horas haverá missa de corpo presente, seguindo o funeral, às 16.30, para o crematório do cemitério de Barcarena


Rita Mascarenhas (1978- 2025)


"O FUNERAL DA RITA

ATENÇÃO CAMARADAS

Acabo de ser informado pelo Zé Rodrigues que as cerimónias fúnebres da sua Filha têm lugar amanhã, quinta-feira, dia 31.

O velório terá lugar a partir das 12 horas na Igreja Paroquial da Nossa Senhora do Cabo, em Linda-a-Velha.

Às 16 horas haverá missa de corpo presente, seguindo o funeral, às 16.30, para o crematório do cemitério de Barcarena.

30/7/2025, 18h00, Manuel Resende.






José Rodrigues, ex-fur mil trms, CCAÇ 1419 / BCAÇ 1857 (Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), nosso grão-tabanqueiro nº 689 (desde 28 de maio de 2015); é também membro da Magnífica Tabanca da Linha; vive em Belas, Sintra; ten página no Facebook.


1. Escreveu o Armando Pires, um dos administradores da página do Facebook da Magnífica Tabanca da Linha, ontem às 22h06:


"Não há dor maior do que a dor de perder um filho.

"O nosso camarada Zé Rodrigues está a viver esse doloroso momento.

"Morreu a Rita, a sua filha, e filha da Dona Maria de Lourdes.

"Permitam-me uma nota pessoal. Conheci a Rita, conheço a Dona Lourdes. O Zé Rodrigues, mais do que meu camarada de armas, é um Amigo maior. Quero com eles partilhar tão angustiante perda." (...)


2. A Tabanca Grande junta-se à Tabanca da Linha para exprimir ao Zé Rodrigues, à Maria de Lurdes Mascarenhas e demais família e amigos íntimos  a sua solidariedade na dor.

Fomos todos surpreendidos com esta brutal notícia. Nenhum de nós está preparado para lidar, emocionalmente, com a perda de um filho ou neto. É uma dor lancinante

Guardemos da Rita Mascarenhas (1978-2025), aqueles que a conheceram e com ela tiveram o privilégio de conviver em vida, as nossas melhores lembranças. E os que puderem, estejam na cerimónia da sua despedida da Terra da Alegria, no local e na data que aqui divulgaremos oportunamente.

Luís Graça

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Nota do editor LG:

Último poste da série > 12 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27009: In memoriam (556): Texto de homenagem, de Santos Narciso, a José Henrique Álamo Oliveira (1945-2025), escritor, romancista, poeta, autor e ensaiador de teatro (José Câmara, ex-Fur Mil Inf)

sábado, 12 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27009: In memoriam (556): Texto de homenagem, de Santos Narciso, a José Henrique Álamo Oliveira (1945-2025), escritor, romancista, poeta, autor e ensaiador de teatro (José Câmara, ex-Fur Mil Inf)

1. Mensagem do nosso amigo e camarada de armas, José Câmara, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 11 de Julho de 2025, ainda a propósito do falecimento de Álamo Oliveira:

Faleceu no dia 5 de Julho o escritor, romancista, poeta, autor e ensaiador de teatro José Henrique Álamo Oliveira, natural do Raminho, Angra do Heroísmo. Tinha 80 anos de idade. O Álamo Oliveira fez a sua comissão de serviço militar na então Província Ultramarina da Guiné, se bem julgo saber no período 1969/1971.

Durante parte da sua comissão o Álamo Oliveira esteve de serviço na Rádio em Bissau, cujas transmissões chegavam aos quatro cantos da Guiné e que eram dos melhores passatempos para os militares que então serviram na Guiné.

Numa nota pessoal tive o prazer de conviver com o Álamo Oliveira durante alguns dias, quando ele em representação da Diretora das Comunidades do Governo Regional dos Açores, se deslocou aos EUA para a homenagem que então foi feita ao imigrante Alfred Luís, também este um escritor de renome. Jamais esquecerei a sua afabilidade e compreensão para comigo nessa referia homenagem.

As minhas condolências.
Descansa em Paz companheiro e amigo.

Álamo Oliveira (com a devida vénia ao autor da foto)

Devidamente autorizado pelo Sr. Santos Narciso, ex-Alferes Miliciano na Guiné, a quem agradeço, publico esta tocante homenagem ao Álamo Oliveira, que comungo.

Morreu Álamo Oliveira. 80 anos. Raminho de seu nascimento sempre no coração, verdadeira alma terceirense e espírito açoriano e universal. Homem da Palavra escrita nas suas múltiplas vertentes, do teatro à poesia, do conto ao romance, da crónica ao ensaio. Tristes pela sua partida, não ficamos mais pobres, pois a herança cultural e literária que nos deixa, é de uma riqueza que atravessará os tempos.

José Henrique Álamo Oliveira, que conheci nos tempos em que estudamos no Seminário de Angra, ele mais velho três anos, foi um arauto incansável da divulgação da cultura na sua terra, e a sua obra, os seus projectos e os seus sucessos falam por si.

Hoje é apenas dia de fazer silêncio respeitoso e de pensar que cada página que escreveu é como um mar desbravado: a palavra corre, contorna, salta em comparações inesperadas como cascatas, detém-se na adjectivação imprevista, ora doce, ora agressiva, incisiva e inquietante e espraia-se no à-vontade de quem da mesma farinha consegue fazer o pão mais saboroso e cobiçado ou o bolo mais amargo e difícil de digerir.

Agora, na outra dimensão da vida, ele verá certamente como “A Catedral estava linda”; encontrar-se-á com o “Sábio da Miragaia” ou desvendará segredos da “Marta, A Verdadeira”, ouvindo ainda “Murmúrios com Vinho de Missa”.

Neste abraço para o tempo sem limites, que este meu Amigo descanse em paz. E para sua família, sentidos pêsames.

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Nota do editor

Vd. post de 8 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26995: In memoriam (555): José Henrique Álamo Oliveira (1945-2025), poeta açoriamo e nosso camarada da Guiné (Mário Beja Santos)

terça-feira, 8 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26995: In memoriam (555): José Henrique Álamo Oliveira (1945-2025), poeta açoriamo e nosso camarada da Guiné (Mário Beja Santos)

I N  M E M O R I A M

José Henrique Álamo Oliveira
Raminho, 2 de maio de 1945 - Angra do Heroísmo, 5 de julho de 2025

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Lembrar um originalíssimo autor da literatura da Guerra Colonial da Guiné

Mário Beja Santos

Em 2009, uma hecatombe devastou-me a vida, perdi uma filha com 32 anos. Agarrei-me à escrita com unhas e dentes, procurei pôr em prática um projeto altamente trabalhoso, durante praticamente dois anos procurei identificar o que se tinha escrito sobre a guerra na Guiné, repertoriei largas dezenas de autores, o mais difícil eram as edições de autor que escapavam às bibliotecas e livrarias. 

O projeto foi dado como concluído no fim do outono de 2011, o meu livro "Adeus, até ao meu regresso" (a literatura dos e sobre os combatentes da guerra da Guiné) foi dada a estampa no início de 2012 pela Âncora Editora. Encontrei três autores açorianos de grande valor: José Martins Garcia, Cristóvão de Aguiar e Álamo Oliveira.

Chocado com a morte deste último, um artista polivalente (romancista, poeta, dramaturgo, ensaísta, diretor teatral, pintor), curvo-me aqui respeitosamente em sua memória e lembro o seu romance "Até Hoje (Memória de Cão)" publicado pela Ulmeiro em 1986, porventura a sua única incursão novelística pela Guiné.

Livro de uma enorme coragem, capaz de se despir no seu íntimo, um texto de um sofrimento incontido, mas entrosado no lirismo, do princípio ao fim. Talvez autobiográfico, estamos no cais da Rocha do Conde de Óbidos, e aquele João açoriano só pensa nas suas origens e suas gentes:
“Vinha do lado Norte mais alto e ventoso, os campos rasos e verdes, casas a brilhar de cal, pequenas, baixas, conchas perdidas na ilha perdida. Passar a infância embrulhado no cheiro saboroso que o suor empresta às pessoas ao tempo, às coisas. Eram perfumes silvestres – muita bonina, conteiras, saias do norte, quase bedum de esperma, queijo.”

Nos fundos do porão do Uíge escreve os seus primeiros aerogramas, João vem em rendição individual, um dia é enviado para Binta, é nomeado padeiro. Que o leitor se aperceba que a coragem do autor é escrever algo que parecia impensável, um romance de guerra nimbado pelo amor homossexual. Primeiro, o encontro com alguém que se tornará inesquecível luminescência pela vida fora:

“O rapaz está agora à sua frente, grande como ele, tronco a brilhar de óleo suado, a pele lisa como cetim, os calções curtíssimos a realçar o corpo rijo. Tem o rosto oval, assim como, modigliano, boca desenhada a rigor, lábios fortes e molhados, caídos à vontade. São os olhos castanhos que se fixam em João, protegidos por duas grandes pestanas. Chamo-me Fernando.”

É assim que nasce uma cumplicidade que irá desembocar num desencontro trágico. Álamo Oliveira não esquecerá a guerra e as circunstâncias do quotidiano da mesma, com minas e emboscadas, álcool e solidão, e nunca li uma chegada do correio como a que ele escreveu:

“Estão como cabras espantadas, prisioneiros ridículos, inocentes, amantes de cordel, aos saltos, gritinhos tarzânicos. Doentes de alegria explosiva, rapazes com o coração a viajar para o princípio do ser, primitivos os sentidos expostos. Fixam-se no meio da parada, a mão à testa para tapar o sol, a avioneta de voo raso, dois sacos de correio que se despenham e se amparam nos mil dedos que os agarram… As notícias vinham ali ensacadas, cadeadas, atrasadas quase quatro semanas. Vinham alegrias do tempo contado, saudades moídas pela azenha da distância, tristezas em rebanho… Os olhos estão fixos nas mãos do cabo-escriturário que agora é todo o quartel de Binta e só aquele tamanho, a mão emocionada metendo a chave no cadeado do saco com a mesma untuosa memória da desfloração.”

E chegará o dia em que uma lancha de desembarque médio irá buscar toda a tropa a Binta, o regresso é no mesmo Uige. João e Fernando vão ver Música no Coração no Tivoli e depois vão dormir numa pensão no Rossio:

“No quarto número treze o amor ficara do tamanho da cidade e coubera inteiro numa pequena cama de ferro, pintada de esmalte branco. Não há sinais de proibição, códigos de viagem, espartilhos no coração. Os seus olhos brilham e dormem.”

João vai regressar à ilha, Fernando promete escrever, só que as suas cartas nunca obterão resposta. Tudo está diferente quando chega ao seu destino, porque ele é quem está diferente. “Poucos meses depois, sem grandes pré-avisos, João despediu-se da família e… emigrou. Até hoje.”

Romance de um invulgar diapasão lírico, com todo o desassombro em que a homossexualidade é narrada desafetadamente, mas com afeto faiscante. Álamo Oliveira recebeu com este romance um dos prémios da sua carreira. Foi também poeta. Dois anos antes de "Até Hoje (Memória de Cão)", ele publicara uma compilação de vários livros de poesia com o título "Triste Vida Leva a Garça".

Recordo do seu primeiro livro intitulado "Áfrika-mim e Outras Raízes" versejará:

“Dos companheiros de armas, / Guardo o rosto e afeição. / Soldados com espingardas / Murchas e presas à mão / Para puxar o gatilho / No momento de matar. / Antes, sachavam o milho, / Agora, são de odiar.”

E mais adiante:

“Mãe-negra-África-mim, / Meu postal desilustrado, / Tempo de angústias e capim / Ao meu ombro pendurado. / Quem bem faço por esquecer / Armas, mosquitos, viagem. / África ferrou-me o ser, / Trouxe-a feita tatuagem. / Se da guerra me livrei, / Do seu povo é que não / Ritos de fanado e morte, / Rios mansos que o sol coa, / Luar branco, trovão-corte, / Negro vogando em canoa. / E ainda, em saco da tropa, / Carregado em bandoleira, / Trouxe do feitiço a copa, / Da beleza da palmeira. / Guiné! Guiné! Voz de gente / Doce do coco e baunilha! / Bem te sinto, no meu ventre, / A pulsar no som da ilha.”

Uma toada poética como espinha de saudade, uma irmã-escrava lá nas terras do poeta feitas de enxofre e lava, conteiras e o mar à volta.

Perdemos José Martins Garcia, Cristóvão de Aguiar e agora Álamo Oliveira, os três legaram-nos literatura fulgente sobre a Guiné. Muitíssimo obrigado aos três, pelo que fizeram neste legado de literatura luso-guineense.
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Nota do editor

Último post da série de 6 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26990: In memoriam (554): Apolinário Pereira Teixeira (1950-2025): natural de Fermentões, Guimarães, antigo autarca, ex-fur mil, 2ª CART / BART 6520, "Os Mais de Nova Sintar" (1972/74) (Carlos Barros)

domingo, 6 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26990: In memoriam (554): Apolinário Pereira Teixeira (1950-2025): natural de Fermentões, Guimarães, antigo autarca, ex-fur mil, 2ª CART / BART 6520, "Os Mais de Nova Sintar" (1972/74) (Carlos Barros)



Apolinário Pereita Teixeira: natural de Fermentões, Guimarães, nasceu em 23 de julho de 1950 e morreu a 3 de julho de 2025, aos 74 anos. Foi presidente da Junta de Freguesia de Fermentões (1993-2001). 

Era uma figura estimada em Fermentões, sua terra natal, e no concelho de Guimarães. "Participou activamente como membro da Cooperativa Farramundanes, deixando um legado de dedicação e serviço público.

Em comunicado, o Presidente da Câmara Municipal de Guimarães, Domingos Bragança, realçou "o serviço público que Apolinário Teixeira prestou a Fermentões e a Guimarães", e manifestou pesar pelo seu falecimento, "apresentando à sua família e amigos as mais sentidas condolências".

 (com a devida vénia)



1. Mensagem de Carlos Barros (ex-fur nil, 2ª CART / BART 6520/72, Nova Sintra, 1972/74):

Data - 6 julho 2025 16:54 e 17:52

Lamentamos. Faleceu o ex furriel mil Apolinário Teixeira. 2ª CART / BART 6520, "Os Mais de Nova Sintra" (Nova Sintra, 1972/ 74). Estive com este grande amigo em Bolama, Tite, Nova Sintra. Gampara, um inferno...

Estávamos em Gampará.  3º Grupo de Combate da 2ª CART / Bart-6520.

Gampará era uma zona de intensos combates, com constantes flagelações do PAIGC e o saudoso ex- Furriel Apolinário (Guimarães) dizia-me: "Barros, dizem que não há inferno mas Gampará é mesmo um inferno!"...

Constantes emboscadas, flagelações ao destacamento, saídas permanentes para o mato, reforço do arame farpado, em duplicado, mortes, feridos e num desses ataques foram atingidos 3 furriéris milicianos entre outros militares que "agonizaram" durante toda a noite , dos terríveis ferimentos,
porque os "hélis" à noite, não faziam evacuações.

O Apolinário saiu desse inferno, sendo deslocado para uma companhia de africanos, tendo-se despedido dos seus amigos, com um semblante tristonho.

Regressãmos à "Metrópole" e o nosso amigo Apolinário manteve a sua amizade para com a 2ª Cart- "Os Mais de Nova Sintra", e era figura presente nos nossos convívios anuais.

No 50º Encontro, em 2025, realizado na Penha, Guimarães, terra natal do Apolinário (Fermentões), este companheiro não apareceu e aconteceu o tragicamente inesperado: motivado por doença, "faleceu" este maravilhoso amigo que deixa saudades imensas no nosso Grupo.

Paz à sua Alma
Ex furriel Barros, Esposende. Um abraço

Carlos Manuel de Lima Barros
Conhecido por Barros, "O Lateiro de Nova Sintra"
Esposende, 5 de julho de 2025

2. Comentário do editort LG:

À família do  nosso camarada Apolinário Teixeira  e aos camaradas da 2ª CART / BART 6520/72, apresento em nome da Tabanca Grande, os nossos votos de pesar. Não o deixemos ficar inumadfo na vala comum do esquecimento. Carlos Barros, manda-nos alhuma foto que tenhamos dele ou com ele, nas terras da Guiné. Obrigado.
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Nota do editor:

Último poste da série > 27 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26960: In Memoriam (553): O Fernando Calado (1945 - 2025) que eu conheci e com quem convivi na Casa do Alentejo (José Saúde, Beja)

sexta-feira, 27 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26960: In Memoriam (553): O Fernando Calado (1945 - 2025) que eu conheci e com quem convivi na Casa do Alentejo (José Saúde, Beja)




Fernando Calado (1945 - 2025). Foto: LG (2013)



Lisboa > Casa do Alentejo > 8 de fevereiro de 2020 > Lançamento do livro do José Saúde, "Um ranger na guerra colonial: Guiné-Bissau, 1973-1974: Memórias de Gabu" (Lisboa, Colibri, 2019, 220 pp.)


Aspeto inicial (e parcial) da assistência: na fila da frente, da metade direita do salão: da esquerda para a direita, reconheço o Fernando Calado (1945-2025) (assinalado com retânmgulo a amarelo),  a esposa do maj gen Raul Luís Cunha, a Alice Carneiro, a esposa do Manuel Joaquim... e claro, o Manuel Joaquim, que tem pena de não ser alentejano.. A seu lado, um dos genros do Zé Saúde.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Texto acabado de enviar pelo José Saúde (escritor, vive em Beja, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CCS/BART 6523, Nova Lamego, 1973/74):

Data - sexta, 27 de junho de 2025, 10:34  
Assunto - O Fernando Calado que eu conheci 


Camaradas e amigos,

As nossas vidas, ou seja, a nossa intemporal existência ao cimo deste planeta chamado Terra, são precisamente efémeras. Mas, ao longo das nossas presenças humanas, cruzámos azimutes que nos enviaram para a presença factual na guerrilha da Guiné. 

Uns antes, outros depois. Todavia, restou uma amizade que ousou reforçar laços de companheirismo e de proximidade. Não importou, nem tão-pouco importa, o tempo que por lá andámos pisando terrenos em que o momento seguinte era de uma pura incerteza.
 
Conheci o Fernando Calado, bem como a sua esposa Rosa Calado, um casal que me atrevo apontá-lo como cinco estrelas, e que me proporcionaram momentos inolvidáveis. Ambos são gentes humildes e oriundas do meu Alentejo, concretamente vizinhos de Ferreira do Alentejo. Aqui nasceram, sendo que mais tarde se radicaram em Lisboa.

O Fernando sempre marcou presença nos vários livros que lancei na Casa do Alentejo, em Lisboa, onde a sua esposa, Rosa Calado, dirigente, se apresentou, e sempre, disponível, para me receber. Foram tardes de plenas cavaqueiras, tardes infindáveis onde o público se encantou com o cante alentejano e dos grupos musicais que elevaram as nossas vozes aos píncaros do seu melodioso cantar.

E se é verdade que a vida é, tão-só, uma pequena gota de orvalho que desfalece num abrir e fechar de olhos, não deixa também de se apresentar como um mar de prazeres enquanto por cá andamos. 

Fernando, camarada e amigo, sei que os teus últimos instantes de vida foram marcados pelo sofrimento, resististe, terás negado o bilhete para tal viagem sem regresso, mas, ela, a morte, fez-te uma “emboscada” e levou-te deste planeta terrestre.

Até logo, Fernando. Descansa em paz. A Rosa, o teu doce amor, ficará a rezar por ti e eu espero reencontrar-te no reino do além.

Adeus, Zé Saúde
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Guiné 61/74 - P26959: In Memoriam (552): Fernando de Carvalho Taco Calado (Ferreira do Alentejo, 1945 - Lisboa, 2025), ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968-1970): foi gestor de recursos humanos e docente universitário





Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de outubro de 2013 > Sessão de lançamento do livro do José Saúde, "Guiné-Bissau, as minhas memórias de Gabu, 1973/74" (Beja: CCA - Cooperativa Editorial Alentejana, 170 pp. + c. 50 fotos) > Dois alentejanos e camaradas do nosso blogue, amigos do peito, o Fernando Calado (de camisola vermelha) e o Ismael Augusto. (Ambos foram alf mil da CCS/BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70). E ambos partilharam o mesmo quarto...Um terceiro elemento era o João Rocha (1944-2018).


Foto (e legendas): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]-




Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de Maio de 2007 > Encontro do pessoal de Bambadinca 1968/71 > A organização coube ao Fernando Calado (na foto, à esquerda), coadjuvado pelo Ismael Augusto, ambos da CCS/BCAÇ 2852 (1968/71).


O grupo (mais de 60 convivas) teve na dra. Rosa Calado (na foto, ao centro), elemento da direcção da Casa do Alentejo, uma simpatiquíssima anfitriã. O editor do blogue e fotógrafo, à direita, chegou tarde, mas ainda a tempo de constatar que a organização esteve impecável e o que o sítio não podia ser melhor, em pleno coração de Lisboa. O fotógrafo de circunstância foi o Ismael. A Rosa, na altura, era professora de história no ensino secundário. O casal vivia em Lisboa. Durante anos e anos dedicou-se de alma e coração à animação da Casa do Alentejo (um amor que também era partilhado pelo Fernando, de resto um bom executante do cante alentejano que, em 2007, estava longe  do palco do mundo).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Lisboa > Casa do Alentejo> 8 de fevereiro de 2020 > Apresentação do livro do José Saúde, "Um ranger na guerra colonial: Guiné-Bissau, 1973-1974: Memórias de Gabu" (Lisboa, Colibri, 2019, 220 pp.)... Em primeior plano, a Rosa Calado. que foi sempre, para nós, antigos combabentes, uma inexcedível e magnànima anfitriã.

À dra. Rosa Calado, então  diretora cultural da Casa do Alentejo,  eu chamava-lhe por graça "a ministra da cultura do Alentejo"...    (A  Casa do Alentejo tinha, nessa altura,  um restaurante e uma taberna com cerca de 500 lugares; dava trabalho a 40 pessoas; e  organizava eventos: tinha a agenda cheia até maio de 2020; infelizmente, veio a pandemia.)



Lisboa > Casa do Alentejo> 8 de fevereiro de 2020 > Apresentação do livro do José Saúde, "Um ranger na guerra colonial: Guiné-Bissau, 1973-1974: Memórias de Gabu" (Lisboa, Colibri, 2019, 220 pp.)

Da esquerda para a direita: Fernando Calado (que pertencia então aos corpos sociais da Casa do Alentejo) mais o Humberto Reis, dois camaradas de Bambadinca: alf mil trms (CCS/ BCAÇ 2852, 1968/70), e fur mil op esp / ranger, CCAÇ 12 (1969/71)...


Fotos (e legendas: © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné




Esposende > Fão > 1994 > A primeira vez que a malta de Bambadinca (1968/71), camaradas da CCAÇ 12, e outras subunidades, como o Pel Caç Nat 52, adidas ao comando do BCAÇ 2852, se encontrou depois do regresso a casa... Este primeiro encontro foi organizado pelo António Carlão (Mirandela, 1947- Esposende, 2018)

Mostra-se aqui um pormenor da foto de grupo. Na primeira fila, da esquerda para a direita:

(i) fur mil MAR Joaquim Moreira Gomes, da CCAÇ 12 [, vivia no Porto, na altura ];

(ii) sold cond auto Dinis Giblot Dalot [empresário, vivia em Aljubarrota, Prazeres].

Na segunda fila de pé, da esquerda para a direita:

(iii) Fernando [Carvalho Taco] Calado (1945-2025), ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 2852 [vivi em Lisboa];

(iv) ex-alf mil manutenção material, Ismael Quitério Augusto, CCS/BCAÇ 2852 [ vive em Lisboa];

(v) ex-fur mil at inf António Eugénio Silva Levezinho [, Tony para os amigos, reformado da Petrogal, vive em Martingal, Sagres, Vila do Bispo];

(vi) ex-capitão inf Carlos Alberto Machado Brito, cmdt da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 [cor inf ref, vivia em Braga, tendo passado pela GNR];

(vii) Pinto dos Santos, já falecido, ex-furriel mil de Operações e Informações, CCS / BCAÇ 2852, [vivia em Resende].


Foto (e legenda): © Fernando Calado (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Montemor-O-Novo > Ameira > Hotel da Ameira > I Encontro Nacional da Tabanca Grande > 14 de Outubro de 2006 > Um momento de fraternidade, pensa (e sente) o "alfero Cabral", o nosso sempre querido Jorge Cabral (1943-2021), em primeiro plano, tendo à sua direita o nosso baladeiro de Bambadinca (1969/71), e hoje fadista amador, o Zé Luís Vacas de Carvalho, comandante do Pel Rec Daimler 2206. 

De pé, afinando as gargantas ou cantando ao desafio, outras duas grandes aves canoras: o Fernando Calado e o Manuel Lema Santos, o exército e a marinha de braço dado... O fotógrafo que estava de serviço apanhou o flagrante, era o David Guimarães, radiante, felicíssimo...

Foto: © David Guimarães (2005). Todos os direitos reservados.Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Bissau > 30 de julho de 1968 > CCS/ BCAÇ 2852 (1968/70) > Um grupo de oficiais milicianos, na Av da República (vendo-se ao fundo a Praça do Império e o Palácio do Governador), no dia seguinte ao desembarque (29 de julho de 1968).  Da esquerrda para a direita, o João Rocha (1944-2018), de camisola escura,  o Fernando Calado  (1945-2025) em 4.º lugar  e o Ismael Augusto em 5º.



Guiné > Bissau > Brá > 1968 > CCS/BCVAÇ 2852 (1968/70) >  Encostados ao jipe do comandante [ten cor inf Manuel Maria Pimentel Bastos, de alcunhas o "Pimbas"]: da esquerda para a direita, o João Rocha (194~4-2018)  e o Fernando Calado (1945-2025).

Fotos (e legendas): © Fernando Calado (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá _ Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > O alf mil trms Fernando Calado(1945-2025) , de braço ao peito, junto à parede, crivada de estilhaços de granada de morteiro, das instalações do comando, messe e dormitórios de oficiais e sargentos, na sequência do ataque de 28 de maio de 1969.

Esta era a parte exterior dos quartos dos oficiais que dava para as valas, o arame farpado e a bolanha, nas traseiras do edifício do comando... Era uma parte mais exposta, uma vez que o ataque partiu do lado da pista de aviação.

Pelo menos aqui, caíram duas morteiradas:

(i) uma das morteiradas atingiu o quarto onde dormia, com outros camaradas, o fur mil amanuense José Carlos Lopes; tinha acabado de sair; ainda hoje conserva um lençol crivado de estilhaços;  e4stá vivo por uma fração de segundos (bancário reformado do BNU, vive em Linda a Velha e é membro da nossa Tabanca Grande.);

(ii) outra morteirada atingiu o quarto onde dormia o Fernando Calado e o Ismael Augusto ( o Fernando ainda apanhou o efeito de sopro, tendo sido menos lesto que o Ismael, a sair logo que rebentou a "trovoada")

Também podia ter "lerpado", como a gente dizia na época... Apesar de tudo, a sorte (ou a má pontaria dos artilheiros da força atacante, estimada em 100 homens, o que equivalente a 3 bigrupos) protegeu os nossos camaradas da CCS/BCAÇ 2852 e subunidades adidas (entre elas, o Pel Caç Nat 63 cujos soldados, guineenses, dormiam a essa hora, com as suas "bajudas", nas duas tabancas de Bambadinca, e que portanto estavam fora do arame farpado)...

Na foto acima , o Fernando Calado, membro da nossa Tabanca Grande (tal como o Ismael Augusto), trazia o braço ao peito, não por se ter ferido no ataque mas sim por o ter partido antes, num desafio de... futebol. Infelizmente temos poucas fotos dos efeitos (de resto, pouco visíveis) deste ataque.

Foto: © Fernando Calado (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Fernando Calado (em 2013)


1. Foi ontem cremado, no cemitério de Carnaxide, o corpo do nosso camarada e grão-tabanqueiro Fernando Calado. Morreu no passado dia 24, sem completar os 80 anos (ia fazê-los em 9 setembro).

A triste otícia chegou-nos â Lourinhã, transmitida pelo Humberto Reis e pelo Mário Beja Santos, seus contemporâneros de Bambadinca.

O Humberto e o António F. Marques, ex-fur mil da CCAÇ 12 (Bambadinca, mai 69/mar 71) e o Ismael Augusto, seu amigo do peito, representaram-nos a todos na sua despedida da Terra da Alegria.

O Fernando era muito estimado pela malta de Bambadinca desse tempo. Costumava aparecer, tal como o Ismael, nos nossos encontros anuais. A este último, em Ponte de Lima, faltou, embora inscrito: o coração pregou-lhe uma partida, esteve em estado de coma. Na quarta feira passado, chegou o seu dia. Deixa viúva a Rosa, e órfãos dois filhos, a Elsa e o Fernando bem como um neto, o Daniel.

Recordo-o, desde Bambadinca,  como um homem afável e discreto, que adorava o seu Alentejo, o cante alentejano, a tertúlia, o convívio com os amigos.

Natural de Ferreira do Alentejo, vivia em Lisboa há muito; era casado com a dra. Rosa Calado, professora do ensino secundário, que integrou sucessivas direções da Casa do Alentejo, exercendo, com muita competência e empenhamento, o pelouro da cultura

O Fernando era um histórico do nosso blogue, tendo participado no nosso I Encontro Nacional, na Ameira, Montemor-O-Novo (em 2006)... Tem 26 referências no nosso blogue. Foi alf mil trms, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70); trabalhou na Petrogal e na RTP; foi docente universitário; tinha página no Facebook

Para Rosa, filhos e neto vai a nossa solidariedade na dor. A memória do Fernando, essa, continua connosco, guardada e cultivada à sombra do poilão da Tabanca Grande.

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)

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Nota do editor: 

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26941: In memoriam (551): J. L. Pio Abreu (Santarém, 1944 - Coimbra, 2025): ex-alf médico, CCS/BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73): quatro referências no "Diário da Guiné" (2007), de António Graça de Abreu



José Luís Pio Abreu (Santarém, 1944 - Coimbra, 2025): referência maior da psiquiatria, da saúde mental, do SNS - Serviço Nacional de Saúde e da Academia Portuguesa (Universidade de Coimbra e Universidade de Lisboa), foi nosso camarada de armas, no CTIG, na qualidade de alf mil médico, BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73)... 

O seu funeral realiza-se hoje, sexta,  às 16h00,  para o Crematório Municipal de Coimbra, segundo informação do "Diário de Coimbra".

Era da geração que  protagonizou a crise estudantil de Coimbra, 1969;  foi contemporâneo em Teixeira Pinto, do cirurgião Luís Tierno Bagulho, também ele alf mil da mesma unidade, mas mais velho (é protagonista da crise estudantil de 1962, em Lisboa; voltou à Guiné como cooperante médico no pós-independência, tendo morrido de doença de evolução prolongada, em finais da década de 1970; era filho,  se não erramos, do almirante  António João Tierno Bagulho, n. Elvas, 1911, e falecido em data que não sabemos).

Fonte: Just News > 25 de novembro de 2023 - 15:28 > José Luís Pio Abreu homenageado no Congresso Nacional de Psiquiatria (Foto reeditada pel0 Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2025),.
 



1. O Pio Abreu tinha consultório em Coimbra, na Rua Doutor António José de Almeida, nº 329 2º andar, Sala 68...  

E na sua página apresentava-se nos seguintes termos (não há quaisquer referência à sua experiência como alferes mil médico no CTIG, em 1971/73, na altura ainda era um jovem médico, acabado de se licenciar em 1968):

PSIQUIATRA COM MAIS DE 50 ANOS DE EXPERIÊNCIA


José Luís Pio Abreu é psiquiatra clínico.

Fez o Doutoramento em 1984, com uma tese ligada à Psiquiatria Biológica, e a Agregação em 1996, com uma lição sobre perturbações de ansiedade.

Foi médico no Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra (CHUC) e professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra , sendo ainda membro do Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa (CFCUL).

Ao longo dos 50 anos da sua actividade profissional tem desenvolvido e orientado investigação nas áreas da Psicopatologia e psicoterapias, com centenas de artigos publicados em revistas científicas e conferências. Também se tem empenhado nas psicoterapias, tendo sido Presidente da Sociedade Portuguesa de Psicodrama (SPP).

Publicou doze livros em Portugal (alguns destes foram também publicados no Brasil, em Espanha, na América Latina e Itália) e orientou a tradução de um livro de Neurofisiologia. Três deles foram premiados em Portugal e Itália.

O mais conhecido é: "Como Tornar-se Doente Mental". Nos seus escritos, dedica-se também a uma reflexão crítica da Psiquiatria e tenta abordar o enigma da Mente a partir das suas patologias. 

Foi sempre um cidadão ativo, com diversas intervenções, artigos de opinião e colunas em jornais nacionais e regionais.


 

Capa do livro de António Graça de Abreu, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura". Lisboa: Guerra e Paz. 2007, 220 pp. il.


2. No Diário da Guiné, do António Graça de Abreu (alf mil, CAOP1,  Teixeira Pinto / Canchungo, Mansoa e Cufar, junho de 1972/abril de 1974), há algumas referências  ao J.L Pio Abreu, ex-alf mil médico do BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73), falecido na passa quarta, dia 18.

Uma delas  (e justamente a última, 1 de fevereiro de 1973) está associada a uma tragédia  que atingiu os nossos camaradas da 38ª CCmds... 

Tudo começou com uma partida de futebol entre os  camaradas de Bachilé (CCAÇ 16, formada por graduados e especialistas de origem metropolitana, e praças do recrutamento local, de  maioria manjaca) e os de Teixeira Pinto (CCS/BCAÇ 3863), na região de Cacheu... 

Pio de Abreu também estava em Teixeira Pinto, em 31 de outubro de 1972, aquando a emboscada, entre Pelundo e Có, a uns quinze quilómetros do Canchungo, a um coluna de cerca de 40 viaturas, e em que seguiam vários oficiais superiores, incluindo o comandante do CAOP1 (o famoso coronel pqdt Durão), e em que houve cerca de 10 feridos, alguns com gravidade,

Nessa data, há no "Diário da Guiné"  uma referência à atuação do alf mil médico Pio  Abreu, na tentativa de salvar a vida a um fuzileiro do PAIGC, atingido por estilhaços de uma bala de helicanhão. 

Há mais 2 referências: 22 de julho de 1972 e 16 de agosto de 1972. 

Estas quatro referências são  suficientes para documentar algumas das  vezes em que o médico Pio Abreu esteve exposto  ao horror da guerra. A seguir se reproduzem essas quatro entradas do "Diário da Guiné", com a devida vénia.


Referências ao J. L. Pio Abreu no "Diário da Guiné" (2007), de António Graça de Abreu


(...) Canchungo, 22 de Julho de 1972

Fui hoje jantar com os dois alferes médicos no único tasco onde se pode comer cá na terra. Um bife duro, batatas mal fritas, um ovo estrelado, 45 escudos.

Os dois médicos são gente interessante, inteligentes, cabeças abertas para o mundo. Conversámos sobre a guerra, sobre as nossas vidas. 

 [Luís Tierno]  Bagulho  [já falecido, c. 1980] atem trinta e tal anos, é já cirurgião em Lisboa, esteve detido em Caxias quando da crise académica de 1962. 

  [José Luís] Pio Abreu  [Santarém, 1944 - Coimbra, 2025] ainda não tem trinta anos, é de Coimbra e faz parte daquele grupo de quarenta e nove estudantes da Universidade que, em 1969, na sequência das greves e desacatos na academia coimbrã, foram alistados coercivamente no exército.

Nenhum tem hoje qualquer actividade política nem de contestação do regime, mas carneiros não somos. É pena para mim – não para eles -, estarem em fim de comissão, só mais dois meses para o Bagulho.

São ótimos médicos, segundo a opinião de toda a gente. Dão consulta à população, com intérprete, tratam das milhentas doenças que afligem este povo manjaco e são os médicos militares, cuidam da tropa aqui estacionada e prestam assistência aos feridos em combate que chegam a Canchungo vindos diretamente do mato.

Têm uma casa grande apenas habitada por eles, fora do quartel, na avenida principal em frente ao hospital. Uma casa bonita com uma sala de estar confortável, com móveis e tudo. (pp. 31/32)

(...) Canchungo, 16 de Agosto de 1972

Hoje, o resultado das brincadeiras com as armas. Ouvi um tiro e gritos na caserna dos soldados do Batalhão [BCAÇ 3863], aqui diante do meu quarto, a uns quarenta metros. 

Fui dos primeiros a chegar, a ver o sucedido. Um soldado, quando brincava coma espingarda, esfacelara o pé direito de outro soldado com um tiro de G3. Tiraram a bota ao pobre rapaz que guinchava de dores, e meu Deus, como estava o pé, destroçado, atravessado de lado a lado, com os ossos e os tendões despedaçados, tudo à mostra, escorrendo sangue. 

Estava convencido de que era pouco impressionável, mas tive uma tontura, vi tudo branco. Recuperei rápido e ajudei a levar o rapaz em braços para a enfermaria. O Pio, o médico, fez o que pôde. Uma hora depois uma DO evacuava o soldado para o hospital de Bissau.

Em Bafatá, caiu um das avionetas DO ao levantar voo, parece que por acidente, descuido do piloto, um alferes que eu não conhecia. Morreram o piloto e um cabo mecânico. (pp. 43/44).


(...) Canchungo, 31 de Outubro de 1972


(…) Quando acontecem estas coisas, pedem-se logo os helicópteros de Bissau para a evacuação dos feridos e vem também o helicanhão que faz fogo sobre os itinerários de retirada do IN. 

Foi então abatido um guerrilheiro que veio de héli para aqui. Eu sabia que havia feridos e lá estava na pista. O fuzileiro do PAIGC chegou ainda vivo, com um uniforme azul manchado de sangue e um estilhaço na cabeça de bala de helicanhão. 

O médico [Pio Abreu]  e um furriel enfermeiro fizeram-lhe massagens no coração que de nada valeram, o homem morreu. Foi o primeiro guerrilheiro que vi, e logo agonizando numa maca de lona. (pág. 62)


(...) Canchungo, 1 de Fevereiro de 1973

É uma hora da manhã, escrevo sereno, lúcido, sem paixão, tudo de enfiada.

Ver viver, ver morrer, três homens mortos, sete feridos graves, quatro ligeiros. A causa próxima foi um desafio de futebol, a causa remota foi o destino e o facto de estarmos numa guerra.

Esta tarde houve um jogo de futebol entre o pessoal branco do Batalhão, CCS/BCAÇ 3863,  e a tropa branca e negra do aquartelamento do Bachile [CCAÇ 16, constituida sobretudo por militares manjacos, do recrutamento local. 

Não sei se por culpa dos brancos ou dos negros, decerto por culpa de ambos, o jogo descambou em grossa pancadaria o que levou o coronel [pára, Rafael Durão, comandante do CAOP1,] a intervir, a assestar uns tantos socos em não sei quem e a dar voz de prisão a dois negros.

Cerca das oito da noite, foi recebida aqui uma comunicação rádio do capitão branco do Bachile, a braços com uma insubordinação dos militares negros. Quarenta africanos armados haviam saído do aquartelamento e marchavam a pé para Canchungo, a fim de tirarem da prisão os seus dois camaradas detidos. 

Aprontaram-se imediatamente cerca de cinquenta comandos da 38ª. Companhia e o coronel seguiu com eles.

Na ponte Alferes Nunes, já próximo do Bachile, os Comandos ficaram e o coronel avançou sozinho, no jipe, ao encontro dos soldados africanos. Graças à sua coragem, ao respeito que impõe a toda a gente - é o “homem grande” branco -, à promessa de libertar os presos, os soldados negros regressaram pacatamente ao Bachile.

Aqui em Teixeira Pinto estávamos na expectativa, não sabíamos o que ia acontecer. Em frente do edifício do CAOP, eu conversava com o major Malaquias, com um alferes da 38ª [CCmds] e outro do Batalhão quando ouvimos um grande rebentamento muito próximo. 

Que será? Um minuto depois chegou a informação, via rádio. Era preciso preparar imediatamente o hospital, havia mortos e feridos.

No regresso dos comandos, à entrada da vila, rebentara uma caixa cheia de dilagramas – granadas disparadas pelas G 3 com um dispositivo especial – em cima de um Unimog onde vinham catorze homens. Dois mortos de imediato, os restantes feridos vinham a caminho. Corremos para o hospital. Os comandos chegaram.

Como vinham, meu Deus! Um furriel morria na sala de operações. As suas últimas palavras para o Pio [Abreu], o médico, foram: “Doutor, cuide dos outros, eu estou bem.”

Nas macas, no chão de pedra do hospital jaziam feridos graves, corpos semi-desfeitos, barrigas, intestinos de fora e quatro rapazes só com alguns estilhaços. Não ouvi um queixume, mas havia muitos homens a chorar.

Era preciso evacuar os feridos para o hospital de Bissau. Onze horas da noite, iluminámos a pista com os faróis das viaturas e com as mechas acesas em muitas garrafas de cerveja cheias com petróleo, distribuídas aí de dez em dez metros ao longo do campo de aviação. Aterraram quatro DO. Ajudei a transportar feridos entre o hospital e as avionetas, num dos nossos Unimog. Dois deles iam muito mal, cravados de estilhaços, em estado de choque ou coma, não sei se escaparão.

O condutor do Unimog em cima do qual as granadas rebentaram é um dos meus soldados, do CAOP 1, Loureiro de seu nome, com apenas oito dias de Guiné. Ia a conduzir, não sofreu uma beliscadura. Trouxeram-no cambaleando, o espanto, incapaz de falar. Evacuados os feridos, fui buscá-lo, abracei-o, sentei-o na minha cadeira na secretaria, animei-o, bebemos quatro águas Castelo.

Foi um acidente de guerra. Corpos ensanguentados, dilacerados, muitos homens destruídos, não apenas os mortos e os feridos.

Reações de alguns dos nossos soldados. “Tudo por culpa dos cabrões dos negros, filhos da puta, só fuzilados!”...

Quem resiste aos corpos esventrados dos companheiros de armas?!...As razões sem razão porque se avivam ódios, porque se morre! 

Não sei que horas são, deve ser tarde, não tenho ponta de sono. Já ouço os galos cantar. Um novo dia nasce. (...) (pãg. 70).

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Fonte: Excertos de: António Graça de Abreu - "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura". Lisboa: Guerra e Paz. 2007. 220 pp., il.

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)


3. Dias depois, a 3 de fevereiro de 1973, o António Graça de Abreu é transferido, com o CAOP1, para Mansoa (que tinha a grande desvantagem, em relação a Teixeira Pinto/  Cachungo, de “embrulhar uma vez por mês”, pág. 73).

Perdemos então o rasto do Pio Abreu, que, como já dissemos, pertencia à CCS / BCAÇ 3863, com sede em Canchungo (Teixeira Pinto). Não sabemos se chegou a trabalhar no HM 241, como é provável, já que era cirurgião.

Mobilizado pelo RI 1, o BCAÇ 3863, esteve sediado (o comando e a CCS) em Teixeira Pinto. A comissão de serviço na Guiné foi de 17/9/1971 a 16/12/1973. Foi comandado pelo Ten Cor António Joaquim Correia. Era composto pelas CCAÇ 3459 (Bassarel), 3460 (Cacheu) e 3461 (Carenque e Teixeira Pinto).

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Nota do editor LG:

Último poste da série > 19 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26937: In Memoriam (550): José Luís Pio Abreu (Santarém, 1944 - Coimbra, 2025), psiquiatra, foi alf mil médico, CCS/BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto / Canchungo,1971/73)