sábado, 18 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21181: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (73): Estou a fazer a minha árvore genealógica e preciso de mais dados sobre o meu bisavô materno, coronel do exército português, João Caldeira Marques, que nasceu em 1873, em Segura, Idanha-a-Nova, esteve nas campanhas da Guiné, casou e morreu em Cabo Verde, aos 60 anos, em 1934 (Zeca Macedo, EUA; ex-2º ten. RN, DFE 21, Cacheu e Bolama, 1973/74)


João Caldeira Marques (Segura, Idanha-a-Nova, 1873 - Cabo Verde, 1934), coronel do exército português, bisavô materno do nosso camarada Zeca Macedo (n. Praia, 1951)



Idanha-a-Nova > Segura > Ponte romana sobre o rio Erges, na fronteira luso-espanhola. Segura pertence hoje à União das Freguesias de Zebreira e Segura com a sede em Zebreira. Foi vila e sede de concelho de 1510 até à reforma administrativa de 1836.

Fonte: Cortesia de Wikipedia


1. Mensagem de Zeca Macedo [, ex-2º tenente fuzileiro especial, RN, DFE 21 (Cacheu e Bolama, 1973/74); membro da nossa Tabanca Grande; vive nos EUA, onde é advogado, com dupla nacionalidade, cabo-verdiana e norte-americana]:

Date: segunda, 13/07/2020 à(s) 14:58

Subject: Árvore geneológica

Luís:

Bons dias, camarada. Espero que estejas bem. Gostaria de pedir um favor aos membros do blogue. Estou a desenvolver a minha árvore geneológica e preciso de informações sobre o meu bisavó materno, João Caldeira Marques, nascido a 30 de Abril de 1873 em Segura, Idanha-a-Nova, Castelo Branco. 


Gostaria de poder contactar algum camarada residente na "zona" que me pudesse ajudar na minha pesquisa,

Foi coronel do exército Português.

João CALDEIRA MARQUES

Nascimento: 30 Abr 1873, Segura,  Idanha-a-Nova, Castelo Branco, Portugal
Casamento: Libânia NEVES
Óbito: 4 Abr 1934 com 60 anos de idade 

Patente militar: Coronel do Exército. (*)
Cumpria serviço militar na Guiné Portuguesa, quando devido a uma febre, foi enviado para Cabo Verde onde veio a conhecer a Libânia. (**)

Obrigado

Zeca Macedo (***)

[Nome completo: José Joaquim Caldeira Marques Monteiro de MACEDO]

Jose J. Macedo, Esquire
Law Offices of Jose J. Macedo
392 Cambridge Street
Cambridge, MA 02141
Tel. (617) 354-1115
Fax (617) 354-9955
____________

Notas do editor: 


(*) No nosso blogue, há um trabalho do José Marcelino Martins, em que aparecem duas referências ao nome de João Caldeira Marques:

(i) como sargento-ajudante do exército de terra  que tomou parte nas operações na região do Xuro em Cacheu em 1904


(ii) como tenente da Companhia Mista Europeia, que integrou a Coluna de operações contra Balantas, Papeis, Fulas e outros em Abril de 1908.

Também há uma referência ao nome do tenente José  (ou seria João ?) Caldeira Marques, comandante de uma força de 52 Praças da Companhia Indígena de Atiradores, que integram o "destacamento destinado a bater os Felupes de Varela" [em 1908, na época seca, ao tempo do  Governador da Guiné, 1º Tenente da Armada Real João Augusto de Oliveira Muzanty]


(**) O casal teve dois filhos, o mais velho José Neves Caldeira Marques (Ponta do Sol, Santo Antão, Cabo Verde, 1903 - Lisboa, 1980) ,  é avô do Zeca Macedo (n. Praia, 1951).

No nosso blogue há referência 


(***) Último poste da série > 21 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20995: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (72): Mesmo depois de mortos, ou ainda em vida! (José Martins)

Guiné 61/74 - P21180: Os nossos seres, saberes e lazeres (402): Tapada da Ajuda: Obrigatório visitar e fruir (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Dezembro de 2019:

Queridos amigos,
Foi o passeio de iniciação, estimulado por um artigo publicado na Revista da Universidade de Lisboa. Por aqui estudaram Amílcar Cabral e a sua primeira mulher, Maria Helena. Mais de 450 anos de ocupação deste terreno, aqui nasceu a Tapada Real de Alcântara, depois Tapada Real da Ajuda, hoje a Tapada da Ajuda tem como anfitrião maior o Instituto Superior de Agronomia.
Quem gosta de natureza e de agricultura, o espaço é um cativante chamariz com as suas hortas, velhas alfaias agrícolas aparecem espalhadas pelas bermas, há cinco hectares onde se cultivam cereais, pelos caminhos encontramos as minas de água, imprescindível é visitar o património edificado como o Chalé da Rainha D.ª Amélia, o Pavilhão de Exposições, a antiga abegoaria e a antiga vacaria, passear pela aldeia. Mas a Tapada oferece mais. No seu centro existe uma zona muito especial, a Reserva Botânica Natural D. António Xavier Pereira Coutinho, seis hectares com duzentas espécies, aqui predominam os zambujeiros (vulgo oliveira-brava). Que mais falta para quem vive em Lisboa e arredores para programar um dia maravilhoso na natureza dentro da cidade? Quem pretenda uma visita guiada a espaços reservados, tem que contatar os serviços administrativos do ISA.

Um abraço do
Mário


Tapada da Ajuda: Obrigatório visitar e fruir (2)

Beja Santos

Era dia 26 de dezembro, os visitantes raros, mas curiosamente o tráfego por toda a Tapada dava bastantes sinais de vida. O visitante dirigiu-se ao edifício principal, a circulação era restrita, alguém lhe sugeriu que viesse com visita marcada, no edifício principal é merecedor passar pela sala de atos, por exemplo. Num escaparate junto do segurança, estavam expostos desdobráveis sobre cursos que o Instituto Superior de Agronomia oferece, caso de Arquitetura Paisagista, Ciências Gastronómicas, Engenharia Alimentar e Engenharia Zootécnica. Deu para observar a elegância das escadarias, passou-se pela residência de estudantes, um guarda lembrou que a Tapada tem vários portões, dão acesso às diferentes áreas de cultivo. Recorde-se que esta visita garante fruições múltiplas, há muito mais que áreas florestais, hortícolas e agrícolas, o património edificado é de um enorme valor, logo este Pavilhão de Exposições.



O Pavilhão de Exposições é uma imponente construção de ferro e vidro, com três cúpulas, foi projetada pelo arquiteto Pedro d’Avilla para a 3.ª Exposição Agrícola de Lisboa, em 1884, tendo-se decidido que o edifício permaneceria como símbolo dessa exposição. Hoje é alugado para lançamentos de produtos, casamentos, passagens de ano ou rodagens de filmes. É lá que decorre o baile dos alunos do Instituto Superior de Agronomia, mas admite-se a possibilidade de vir a ser utilizado como espaço de exposições artísticas temporárias.


A Tapada é riquíssima em água. Desde o reinado de D. João V que a Tapada é abastecida por um sistema de minas de água. Podemos ver os respiradores das minas, construções semelhantes a casas pequenas, com telhado e quatro paredes. É nisto que o visitante para diante de um belíssimo tanque barroco que lhe lembrou os diferentes tanques que se podem visitar no Jardim Botânico da Ajuda, na Calçada da Ajuda, um espaço que é ministrado pelo instituto Superior de Agronomia. Vejam ao pormenor o lindíssimo trabalho na pedra e os efeitos barrocos.



Este é um anfiteatro de pedra, designado anfiteatro Professor Francisco Caldeira Cabral, por ele projetado em 1943. Concebido para a realização de conferências, espetáculos de teatro, bailado e música, com o aumento dos níveis de ruído decorrente da construção da ponte 25 de Abril, o anfiteatro funciona hoje sobretudo como espaço de almoço e de convívio entre alunos, dada a proximidade com o edifício principal do instituto universitário.



Um dos aspetos mais estimulantes da visita ao património edificado é contemplar a antiga abegoaria, que foi construída para a Exposição Agrícola de 1884 e que hoje é a sede do SEMEAR, um programa integrado que visa a inclusão na sociedade de jovens e adultos com dificuldade intelectual e do desenvolvimento. Na imagem seguinte vemos a antiga vacaria que é hoje a secção de produção animal do departamento de Produção Agrícola e Animal. Os edifícios têm sido todos reaproveitados e o plano estratégico do Instituto Superior de Agronomia prevê a recuperação de muitos outros, com a preocupação de preservar as caraterísticas e o ambiente da pequena aldeia desta parte da Tapada.


Vale a pena passear pela pequena aldeia, é aqui que se encontra a maior parte das casas dos atuais e antigos funcionários da Tapada e do ISA. Vivem aqui cerca de trinta pessoas. Quando deixam de estar habitadas, as casas são convertidas em residências para estudantes. Três blocos foram recentemente melhorados, foi instalado um revestimento exterior para conforto térmico e todos os equipamentos passaram a ser elétricos.



Vale a pena desfrutar a Alameda das Oliveiras, um dos espaços mais bonitos da Tapada. Tendo afinidades com novo tipo de paisagem observável no Alentejo, trata-se de um troço de estrada transitável, ladeado de oliveiras. No olival mais antigo, existem seis variedades de oliveiras repetidas em quatro blocos, constituindo um sistema de condução tradicional.


Este primeiro passeio à Tapada está prestes a findar, o visitante já leva um bom par de quilómetros nos pés, deixa para a próxima a pastagem dos cavalos garranos e meter-se por hortas e pomares, há mesmo um espaço dos coalas, uma área arbórea contendo os eucaliptos que alimentam os coalas do Jardim Zoológico de Lisboa, para a próxima há que descer em direção às vinhas e ao pomar das macieiras. O visitante despede-se da Tapada recolhendo esta imagem da pateira.


É uma imagem sugestiva, se é permitido dizê-lo a quem a captou, parece que estamos na mesma altura da ponte 25 de Abril. As descobertas são permanentes, em dado momento passou-se mesmo ao lado do Estádio da Tapadinha, aqui joga o Atlético Clube de Portugal, uma instituição desportiva com bastos pergaminhos, fundado em 1942. Escusado é dizer que ficou uma enorme vontade de aqui regressar, que rica descoberta, sair da cidade dentro da cidade!
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21139: Os nossos seres, saberes e lazeres (400): Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (11) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21179: Da Suécia com saudade (77): Os Vikings, os capacetes... e os cornos (, que só aparecem em 1820 e que hoje são de plástico, "made in China") (José Belo)

José Belo
1. Mensagem de José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia:



Date: terça, 14/07/2020 à(s) 09:58

Subject: Os Vikings...Os capacetes...Os cornos.


Caro Luís 

Estando o mundo,e não menos os Estados Unidos,a atravessar uma situação infelizmente sobre o controle de um daqueles políticos messiânicos que sempre surgem nestas ocasiões, será talvez a altura mais apropriada para esclarecer alguns leitores do blogue (sempre interessados nestas coisas civilizacionais!)quanto ao facto de os Vikings [, ou víquingues,]usarem,ou não,cornos nos seus capacetes de combate. 

Porquê misturar os States nesta Saga?

Simplesmente porque ,nos tempos mais modernos,terem sido as superproduções de Hollywood, e alguns autores de banda desenhada (também),  responsáveis pela mesma.

Sem entrarmos em profundas dialéticas quanto a costumes,necessidades,instintos sexuais dominantes da natureza humana, etc, etc, etc....e nos "etc" está sempre muito do dramático destas coisas...

Será óbvio que as prolongadas e regulares viagens destes heróis destemidos para locais sempre distantes, não só lhes traziam as riquezas e a muito cobiçada fama pessoal,como uma enorme possibilidade (estatística!) de usarem os famosos cornos, não sobre o capacete de combate mas.....por debaixo do mesmo!

Poucos,dos que profundamente se interessam por este particular da nossa cultura tão Ibérica ,terão dificuldades em compreender que as mitológicas mulheres escandinavas durante estas prolongadas e incertas viagens dos seus companheiros, não procurassem "fontes de calor". Gostei desta imagem digna de um Luciano de Castilho!

(E aqui há que relembrar os infindáveis, escuros e gelados Invernos locais que em tudo abonam em favor das virtudes femininas escandinavas.)

"Fontes de calor" certamente fáceis de encontrar entre alguns "chicos espertos" Vikings que sempre se desculpavam com a última gripe para não se ausentarem das quentes lareiras...oferecidas.

E para mais,porque andariam estes guerreiros a navegar de um lado para o outro com tão especiais capacetes, tão fáceis de serem arrancados pelos adversários nos combates corpo a corpo?

Para não referir o facto de serem recebidos com gargalhadas nos campos das batalhas na Península Ibérica,na sua tão única e original cultura sobre o assunto.

Mas facto é que os tais cornos não existiam nos capacetes vikings. Historiadores e arqueólogos estão hoje em total acordo quanto a isto.

Julga-se ter este mito surgido em 1820 com a publicação de uma coletânea de lendas Escandinavas por um artista sueco contratado para ilustrar as histórias.

Teria,erradamente, buscado fontes de inspiração nas roupas típicas de algumas tribos Celtas e Germânicas,entre as quais era comum o uso de peles e cornos de animais nas suas cerimónias ...religiosas.

Anos mais tarde este mito veio à generalizar-se quando, entre 1848 e 1874, o compositor alemão Richard Wagner escreveu uma série de quatro Óperas,  chamadas "O Anel dos Nibelungos " onde as personagens eram originárias da mitologia nórdica e apareciam em cena vestindo peles e usando elmos com cornos.

O resto? Hollywood,autores anglo-saxônicos  de bandas desenhadas,e as nossas imaginações.

A feliz imagens ficou estabelecida,para proveito das lojas de vendas de recordações turísticas em Estocolmo e Oslo, com os seus ridículo elmos de plástico barato adornados com cornos...made in China!

Um abraço do J.Belo

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Nota do editor:


sexta-feira, 17 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21178: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (11): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Junho de 2020:

Queridos amigos,
O arrependimento pós-guerra era inevitável, havia que assumir causas do incumprimento, de pura negligência, de comportamentos menos corretos, atendendo à qualidade daquele capital humano, gente fidelíssima que me seguia no mato, aquela população civil vivia na maior das misérias e que, paradoxalmente, esperava que lhes levássemos outros padrões de civilização, dentro da tormenta da guerra. Aqui se fala de dois casos de arrependimento, havendo mais. Não foi suficiente saber, no regresso, que eu ia acompanhando quem aqui vivia com próteses ou outros infortúnios, e que nessa dimensão se cumpriu bem e deu atenção.
As desatenções ainda hoje me pesam, embora eu sinta algum alívio em dizê-lo publicamente.

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (11): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Chère Annette,
Continuo muito comovido com a sua longa carta que chegou ontem, já a li vezes sem conta, gratíssimo fico pelas suas manifestações de ternura. Não se deixe dominar pela ansiedade, dentro de breves dias indicarei a data do meu regresso, estou impaciente pela sua companhia, preciso da viva-voz para lhe falar do que tem sido a minha vida e como a sua companhia me subtrai aos desertos da alma, depois dos meus amores frustrados. Mas continuemos a falar da Guiné, como tanto insiste. Estou a desvelar os primeiros meses, apresento-lhe o meio em que me insiro, sou subjugado à pressão dos acontecimentos: é crucial remodelar o aparelho defensivo, as estacas do arame farpado apodreceram, já lhe falei dos abrigos que têm palmeiras cheias de bichos, é tudo inseguro, o lugar em que comemos, pomposamente chamado messe, é uma imundície, dentro de dias vai começar o trabalho de trolha para cimentar as paredes e ladrilhar o chão, estou ansioso que cheguem os bidões e venha um bom volume de chapas para se renovar o balneário, é para o facilitar para os homens da população civil; falta constantemente arroz, mais ou menos de 15 em 15 dias é necessário fazer uma coluna para Bambadinca e trazer a viatura com sacas, são toneladas; foi-me distribuído um auto de averiguações referente à deflagração de uma granada incendiária que feriu gravemente uma criança, tenho que fazer deprecadas, isto é, contactar oficiais, sargentos e praças de uma determinada unidade militar que aqui esteve há uns anos atrás para procurar apurar a responsabilidade de quem deixou uma granada abandonada num reboque que essa criança acionou; com os meus colaboradores reparto um sem-número de atividades que vão desde o expediente burocrático, à verificação de existências, à elaboração dos mapas de pagamentos, nunca descurando os tais patrulhamentos naquele local chamado Mato de Cão, são 25 quilómetros a qualquer hora do dia ou da noite, com chuvas torrenciais ou a fornalha do sol. E procuro resistir, há quem pense que eu sou insociável, os minutos disponíveis são para escrever aerogramas, ler, ouvir música, recordar quem sou, quais as minhas bases culturais, manter a chama acesa para o que pretendo fazer após a guerra; este agora é o meu território, sou o responsável n.º 1 pela defesa intransigente destes homens, mulheres e crianças. Daí a necessidade de com eles conviver, percorrer o interior de Missirá ou Finete, sentar-me à porta das moranças e conversar, quando é extremamente penoso para o meu interlocutor, só fala crioulo ou mandinga, peço ajuda ao Cabo Domingos Silva para interpretar, ao fim de umas semanas deste trabalho de intérprete perguntou-me se eu vou escrever algum livro sobre estas pessoas a quem pergunto de onde vêm, o que sonham fazer depois da guerra, o que eu devo fazer para as ajudar, o Cabo Domingos Silva andou numa escola de missionários e já me perguntou se eu tinha andado a estudar para padre… Daí voltar a falar-lhe neste Adulai Djaló, valoroso soldado, arranja-me problemas porque é um galanteador infrene e os maridos ou pais não estão pelos ajustes; a fotografia em que eu estou a caminho de uma operação, que como lhe disse, não serviu para coisa nenhuma a não ser para nos moer os ossos, é tanto quanto me recordo a primeira fotografia a cores que tenho desse tempo.

Chère Annette, demorei muitos anos a perceber esse sentimento tão profundo que dá pelo nome de arrependimento. Arrependimento de quê, já que estou a falar da Guiné? De não ter cuidado, nem acompanhado nem manifestar a minha presença a camaradas em provação ou apoiado a tempo e horas quem precisava de mim. Fora deste contexto destes primeiros anos de guerra, conto-lhe só aquilo que mais tarde irá ter um peso enorme do meu olhar sobre a dor e o sofrimento humano, uma mina anticarro que roubou uma vida e feriu sete soldados, escapei milagrosamente, só com o rosto queimado e os olhos em péssimo estado, um oftalmologista em Bissau fez prodígios, recuperei rapidamente.

 Adulai Djaló, bazuqueiro e grande destroçador de corações das bajudas de Missirá

A caminho de uma operação na região do Xime

Veja-me nestas obras de reconstrução, a pressão do tempo era horrível, dentro de escassas semanas ia começar a época das chuvas, estávamos a renovar abrigos, aproveitavam-se os tijolos anteriores e usava-se o material novo para a cobertura, cimentando as paredes exteriores, seguiam-se algumas instruções dadas a partir do Batalhão de Engenharia em Bissau. Alguém captou a imagem em que eu conversava com os meus soldados exatamente quanto ao bom assentamento daqueles troncos de palmeiras, eles eram conhecedores da boa técnica. Ao fundo, do lado esquerdo, está o 1.º Cabo Alcino Barbosa, um colaborador como não há memória, muito discreto, ouvindo e cumprindo, responsável por uma secção de um furriel que fazia para se ausentar em consultas médicas, um calaceiro e um verdadeiro biltre, o Alcino trabalhava noite e dia, fora assim a sua vida desde pequeno. Muito mais tarde, Annette, depois dessa mina anticarro que em 16 de outubro de 1969 alterou a vida do Alcino, que ficou com fratura no calcâneo, e depois evacuado para Bissau, jamais procurei saber dele, muitos anos depois escrevi-lhe uma carta, um documento público, expressando o meu arrependimento:
“Escrevo-te pedindo-te perdão pelo meu silêncio e pela minha ausência. É legítimo que tu nunca me tenhas perdoado a incúria de ter esquecido, de não te ter procurado como se tu não fosses o meu caríssimo Alcino por quem eu nutria uma amizade correspondida. Não sei exatamente porque te escrevo hoje, talvez por me ter aparecido uma fotografia da Capela de Bambadinca, e associei que fora junto da sua porta que tu me apresentaste. Busco alívio nesta minha confissão. Vivemos num mundo onde não há barreiras informativas para se descobrir onde tu ou eu estamos. A ver se ganho coragem e te procuro. Mas se acaso tu leres esta carta, ou alguém te falar dela, meu estimadíssimo Alcino, tal como nós dizíamos nos aerogramas, que a mesma te encontre cheio de saúde e prosperidade”.

 Durante os trabalhos de reconstrução de Missirá, junho de 1969

Exterior da capela de Bambadinca, imagem do blogue

Continuo a falar consigo sobre o arrependimento. Aprendi que quando se comunica com um familiar a morte de um filho na guerra, há que tentar procurar suavizar a dor, evitando aspetos mais dolorosos, escrevendo sempre que o filho ou marido não sofreu muito. Pois nessa mina anticarro de 16 de outubro de 1969 morreu o condutor, com que sofrimento, praticamente todo desmembrado nos membros inferiores, dava gritos lancinantes, não havia maqueiro nem material para o socorrer, foi transportado numa padiola improvisada até Finete, eu entretanto fui a Bambadinca pedir o apoio médico, nada pôde fazer perante a gravidade das contusões, o helicóptero veio buscá-lo na manhã seguinte, levou um morto. Escrevi ao pai, procurei suavizar a morte do Manuel Guerreiro Jorge. O pai exigiu a clara certidão da verdade, uma descrição cabal dos últimos momentos. Andei vários dias a remoer a história, e quando voltei a escrever de novo menti, fora uma morte rápida, morrera na explosão da mina, e apressei-me a dizer que esperava em breve visitá-lo, no concelho de Ourique. Ele prontamente me respondeu. A vida trocou-me as voltas, não mais nos encontrámos, perpassa uma mágoa de ter faltado ao cuidado, ser solícito com quem estendia as mãos, aquele homem sabia que tinha visto tudo, aquele testemunho era tão importante, ou quase, como a urna lhe entregaram naquele ponto do Alentejo.

Annette, esta foi uma expressão de arrependimento, mas há muito mais para contar, quando, com a sua preciosa ajuda, escrevermos este livro. Ainda não me habituei a tratá-la por tu, não é estranheza, é uma ponta de pudor, vai passar, talvez já com o nosso próximo encontro. Bien à toi, Mário




(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21157: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (10): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P21177: Agenda cultural (750): Novo livro de Catarina Gomes, "Coisas de loucos: o que eles deixaram no manicómio" (Lisboa, Tinta da China, 2020, 264 pp.)







Sinopse do livro, editado pela Tinta da China 

Prefácio: Djaimilia Pereira de Almeida
Fotografias de Paulo Porfírio
Julho de 2020 | 264 PP | 21x14
ISBN: 978‑989‑671‑553‑3
Preço de capa: 17,90€


1. Mensagem, com data de 14 do corrente, da nossa amiga, jornalista e escritora, Catarina Gomes [ tem cerca de 3 dezenas de referências no nosso blogue; não pertence formalmente à nossa Tabanca Grande, por razões de independência e deontologia profissional]: 

Olá a todos,

Há mais de oito anos encontrei no sótão do primeiro hospital psiquiátrico português, o Miguel Bombarda, em Lisboa, uma caixa de cartão empoeirada cheia de objectos de antigos doentes. Há anos que persigo as suas vidas passadas. Que agora são, finalmente, livro. Chama-se «Coisas de Loucos-O que eles deixaram no manicómio» e chega finalmente às livrarias esta sexta-feira [, 17 de julho].

Por causa da pandemia não há ainda data certa para o seu lançamento, que deverá acontecer em Setembro. Nessa altura, receberão um convite. Por agora fica a notícia
Abraços
Catarina

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Guiné 61/74 - P21176: Historiografia da presença portuguesa em África (221): Tratados, convenções e autos firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné (1828-1918) - III e última Parte (1882 -1918) (Armando Tavares da Silva)


Guiné > Bissau > Vista da fortaleza da Amura.  Fonte: Valdez, Francisco Travassos - "África Ocidental : notícias e considerações : dedicadas a Sua Magestade Fidelíssima El-Rei O Senhor Dom Luiz I". Lisboa : Imprensa Nacional, Tomo I, 1864,  406 p., gravuras. Imagem do domínio público.


Guiné > Bissau > s/d > Vista do interior da fortaleza da Amura... Do lado direito, os seculares poilões que povoavam o interior da fortaleza, alguns dos quais chegaram aos nossos dias. Do lado esquerdo, a antiga casa do Comando demolida em 1911 para no mesmo lugar se construir novo edifício. Origem: Fototeca da Sociedade de Geografia de Lisboa.


Guiné > Bissau > c. 1912 > Vista do interior da fortaleza da Amura: edifício do comando militar...  


Guiné > Bolama > c. 1912 ] > Primitiva ponte-cais... À direita, em segundo plano o palácio do governador. [Bolama foi capital da província até 1943].


Guiné > Região de Cacheu > Cacheu > c. 1912 ] >  Antiga Fortaleza.


Imagens do domínio público: cortesia de Armando Tavares da Silva. Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça / Camaradas da Guiné

As três últuimas imagens são provenientes de: Carlos Pereira,” La Guinée Portugaise”, Lisboa, 1914.

Imagens: cortesia de Armando Tavares da Silva


1. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro de Armando Tavares da Silva: 

[ foto   à esquerda:  (i) engenheiro, historiador, prof catedrático aposentado da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra; 

(iii) "Prémio Fundação Calouste Gulbenkian, História da Presença de Portugal no Mundo" (, atribuído pelo seu livro “A Presença Portuguesa na Guiné — História Política e Militar — 1878-1926”); 

(iv) presidente da Secção Luís de Camões da Sociedade de Geografia de Lisboa]

Date: domingo, 12/07/2020 à(s) 23:42

Subject: Guiné - Tratados



Caro Luís,
Capa do livro
"A Presença Portuguesa na Guiné:
História Política e Militar: 1878-1926”

 Já várias vezes que tenho visto no blogue a afirmação que pouco se conhecia (e conhece) sobre a Guiné. 

Esta falta de conhecimento poderá levar-nos a interpretações ou juízos errados ou precipitados, os quais podem surgir dentro dos mais variados contextos, e que levem a concluir "que precisamos de mais e melhor investigação historiográfica sobre pontos de contacto comuns entre nós, Portugal e a Guiné".

Ora, os Tratados e Convenções que no decorrer dos tempos foram firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné inserem-se precisamente naqueles "pontos de contacto". 

 E é para melhor conhecimento daqueles contactos e melhor conhecimento da evolução histórica da relação estabelecida, que elaborei uma lista (que considero exaustiva) daqueles "Tratados e Convenções". 

São 76 no total e tiveram lugar durante quase um Século (entre 1828 e 1918). 

Segue em baixo a respectiva relação [ III e última Parte , de 1882 a 1918]. 

 Os seus textos estão disponíveis em referências conhecidas, e que poderão ser consultadas por quem se interessar por aprofundar aquele conhecimento.

Com um abraço

Armando Tavares da Silva
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Tratados, convenções e autos firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné (1828-1918):
lista organizada por Armando Tavares da Silva

III e última Parte  (1882-1918)

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1882, 11 Fevereiro  
Bordo do Guiné                    
Tratado de paz, amizade e obediência do régulo de Gam Pará,  representado por Senne Dabri
1882, 11 Fevereiro  Bordo do Guiné                      Tratado de paz, amizade e obediência entre o régulo de Jabadá, Bambi Jai e o governo da província da Guiné Portuguesa [, Pedro Inácio de Gouveia, 1881-1884]
1882, 30 Junho Geba                            Tratado de paz, amizade e obediência entre o régulo de Indorná, Dembel Alfabacár, e o governo da Província da Guiné Portuguesa 
 1882, 27 Outubro Buba                     Tratado de submissão, obediência e vassalagem do régulo do Forreá, Bakar Kidaly 
1883, 5 Abril      
Ilha de Djeta                          
Tratado de paz, amizade e obediência com o rei das Ilhetas, Adjú Pumol, na presença do comandante militar de Bissau, capitão Carlos Maria de Sousa Ferreira Simões 
1885, 16 Abril  Escuna Forreá                         Auto de vassalagem do rei das Ilhetas, Jepomon, perante os delegados do governo da província
1885, 15 Junho  Cacheu                              Auto de perdão aos gentios de Cacanda,  representados, entre outros, por Calotarcô, rei de Bernim e Ampanamacá, fidalgo de Bassarel, perante o capitão Carlos Maria de Sousa Ferreira Simões
1885, 4 Dezembro Buba                             Tratado de paz entre os fulas e beafadas por intervenção do governo e respectiva documentação anexa 
1886, 3 Dezembro  Buba                             Tratado de obediência e vassalagem ao governo por Iáiá, régulo do Forreá, Labé, Cabú e Cadé
1887, 4 Abril    Farim                          Tratado de paz, obediência e vassalagem à Coroa Portuguesa, prestada pelo rei de Dembel, senhor do chão de Faladu, perante o secretário-geral Augusto Cezar de Moura Cabral 
1891, 14 Fevereiro  Bissau                          Auto de submissão e vassalagem do régulo de Antula, Incamundé, feito em Bissau na presença do comandante militar, tenente Julio Cezar Barata Feio
1892, 2 Maio    Geba                             Auto de vassalagem a pedido do régulo de Cabomba, Denbá Methá
1892, 4 Maio    Geba                              Auto de vassalagem a pedido do régulo de Cocé, Sambel Cumbandi e seus fidalgos 
1892, 7 Maio    Geba                           Auto de vassalagem a pedido do régulo de Corubal, Damão Jábú e seus fidalgos, estando presente o secretário-geral Cezar Gomes Barboza
1892, 28 Agosto Buba                         Auto de vassalagem a pedido do régulo de Cabú e Forreá, Mamedi-Paté-Coiada, acompanhado dos seus conselheiros e chefes principais das tabancas dos dois territórios, e na presença do tenente Sebastião Casqueiro
1893, 27 Março Bissau                          Auto de vassalagem a pedi do do régulo de Chime [Xime,] e seus vassalos, perante o comandante militar, capitão Zacharias de Souza Lage
1894, 22 Julho Bissau                          Auto de submissão e obediência do régulo de Cassine [Cacine,],  perante o governador Luis Augusto de Vasconcellos e Sá  [1891-1895]
1895, 9 Março Cassine                          Auto de submissão e obediência do régulo de Cassine perante o comandante do presídio de Buba, tenente Annibal Augusto da Silveira Machado Júnior 
1895, 10 Abril  
Barro (Farim)         
Auto de vassalagem a pedido do régulo de Barro,  perante o comandante militar de Farim, tenente Jayme Augusto da Graça Falcão 
1898, 31 Janeiro  Bolama                            Acordo entre o governador Álvaro Herculano da Cunha [1899-1900] e o alferes de 2.ª linha Cherno Cali, chefe do Forreá 
1898, 23 Março Bolama                           Auto da Audiência concedida pelo governador Álvaro Herculano da Cunha a representantes das tribos de Cayó [ Caió]
1899, 13 Maio Bolama                            Auto de preito e homenagem prestado ao governo portuguez pelo régulo de Intim, Tabanca Soares e seus grandes
1903, 4 Maio  Bissau                           Auto de vassalagem prestado pelo chefe dos balantas de Pache, Bembeça, e seus grandes,  perante o comandante militar de Bissau, Manoel José do Sacramento Monteiro
1909, 14 Agosto Bissau                             Auto de vassalagem prestado pelos régulos de Intim, Bandim e Antula perante o governador Francelino Pimentel  [1909-1910], no edifício da residência
1918, 6 Janeiro Bolama                            Auto de submissão prestado pelos régulos de Bina (Canhabaque), perante o governador da província [Carlos Ivo de Sá Ferreira, 1917-1919]

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[Atualizámos a grafia de alguns topónimos conhecidos, como por exemplo Ziguinchor, Canhabaque, Xime, Cossé, Cacine; vêm indicados entre parênteses retos. O editor LG] 

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Nota do editor:

 Último poste da série > 15 de julho de 2020 >  Guiné 61/74 - P21171: Historiografia da presença portuguesa em África (220): Viagem à Guiné, para definir as fronteiras, 1888 (1) (Mário Beja Santos)