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© José Nascimento
1. Mensagem do nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) com data de 14 de Julho de 2020:
UMA DESDITOSA CRIANÇA DO BIOMBO
A tranquilidade daquela manhã no nosso pequeno destacamento do Biombo foi interrompida por um africano, que com grande ansiedade nos pedia ajuda, "menino muito doente" exclamou.
Dou pressa ao cabo enfermeiro (O Pastilhas) e com a brevidade possível dirigimo-nos para a tabanca de Ondame no "burrinho de mato" que eu próprio conduzo.
Chegados ao local deparámos com uma criança prostrada sobre uma enxerga, assim que o nosso enfermeiro se debruçou sobre o rapazinho verificou que as hipóteses de o salvar eram muito poucas ou nulas, respirava com grande dificuldade. O cabo enfermeiro ainda tentou encontrar-lhe uma veia para lhe dar soro, fez o melhor que sabia e o que estava ao seu alcance, mas os seus esforços foram em vão, a criança sucumbiria de seguida.
- Meu furriel está morto - sussurrou o enfermeiro, mais nada havia a fazer.
Estivemos mais alguns minutos no local, até que dissemos às pessoas que nos rodeavam, que o menino tinha falecido. Imediatamente as mulheres que estavam em nosso redor desataram a carpir, como é tradicional na cultura guineense e nós afastámo-nos do local com uma enorme frustração, por ter sido em vão o nosso esforço para não deixar morrer a infeliz criança.
O tempo passa, meio século já lá vai, mas ainda guardo com alguma mágoa no meu baú de memórias a imagem do desditoso rapazinho africano.
Um abraço para todos os camaradas da Tabanca Grande
José Nascimento
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Nota do editor
Último poste da série de 12 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21070: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento, ex-Fur Mil Art) (18): Um pequeno desentendimento
8 comentários:
No meu Diário da Guiné, em Teixeira Pinto, Canchungo, 6 de Agosto de 1972, um dos meus muitos textos, jamais publicados neste blogue:
Depois de jantar, estava no bar de oficiais com o Bagulho, o alferes médico e chamaram-no de urgência ao hospital. Peguei no jipe e fui lá levá-lo.
Havia uma criança a nascer.
A primeira vez que entrei numa maternidade foi na barriga da minha mãe, a segunda vez foi hoje. Entrei curioso na pequena sala do hospital que funciona como maternidade no momento exacto em que o bebé nascia, saía com a placenta, ensanguentado do ventre da mãe, a pele quase branca. O Bagulho fez rapidamente o seu trabalho de médico e deixou o recém-nascido ao cuidado da enfermeira negra. Pediu-me que o acompanhasse até uma sala mais pequena, do outro lado da parede.
Havia uma criança a morrer.
Um bebé de quatro meses agonizava. A mesma enfermeira que cuidava agora do recém-nascido, há umas horas atrás exagerara na distribuição do soro à criança doente cuja vida se extinguia diante dos nossos olhos. O Bagulho pediu-me para eu ir buscar uma botija de oxigénio. Mas a válvula da botija estava avariada, não regulava a distribuição do gás. O médico suava, eu também. Nada se podia fazer. Extinguia-se uma vida por doença, incompetência, falta de meios. O miúdo morria.
António, não é verdade, boa parte do teu "Diário da Guiné", foi reproduzido no nosso bloguw...
Aqui tens, por exemplo, a referência à morte do bebé de 4 meses a que teu assististe, impotente, com o alf mil médico Luís Tierno Bagulho (, que viria a morrer, de doença, no final dos anos 70, mas que eu não conheci pessoalmente, só conheci a viúva e os filhos).
Faço justiça ao teu livro: (...) "continua a ser, para mim, uma preciosa fonte de informação (factual e contextual) sobre o período final da guerra que eu já não vivi nem acompanhei (1972/74)." (...)
2 DE SETEMBRO DE 2009
Guiné 63/74 - P4891: Os nossos médicos (2): Tierno Bagulho e Pio de Abreu (Canchungo, 1971/73) (Luís Graça / António Graça de Abreu)
No poste P4891, de 2 de setembro de 2009, tab+em conto um cena em que assisti à morte de uma criança idade, em Bambadinca. Essa triste recordação foi-me despoletada pela cena descrita pelo António Graça de Abreu...
Reproduzo o meu comentário:
(...) Esta cena fez-me recordar uma outra, passada em Bambadinca, em meados de 1970 – já não posso precisar o mês – em que o Dr. [Saraiva [, Vidal Saraiva, de Vila Nova de Gaia, já falecido], auxiliado pelo nosso querido Pastilhas, se não estou em erro, e mais uns tantos como eu, que só atrapalhavam, tentou desesperadamente salvar uma bebé de umas das nossas amigas do Bataclã de Bambadinca…
Elas era de Bafatá (vinham de vez em quando fazer a Bambadinca uma farras) e uma delas tinha uma bebé, de meses, que dormia a um canto, embrulhada nuns míseros panos. A farra era grande, a música alta, íamos já pela noite dentro, quando a mãe – a Ana Maria ? a Fatumatá ? – deu conta de que a criancinha estava com dificuldades respiratórias…
Levada de urgência para o nosso posto médico, no quartel, o Saraiva fez tudo o que estava ao seu alcance para a salvar…
Lembro-me dele esquartejar, com o bisturi, a perna da bebé à procura, desesperadamente da safena para lhe poder administrar o soro milagroso da vida… A criança acabou por morrer, já de madrugada…
Cotizámo-nos para ajudar a mãe a fazer um funeral condigno… Foi o primeiro bebé que vi a morrer, à minha frente. Embora já calejados pela dureza da guerra, ficámos todos consternados pela morte daquele anjinho…
De bisturi em punho, o Saraiva, nessa noite, atingiu, aos meus olhos, o estatuto do gigante humano lutando, num combate desigual, contra a prepotência dos deuses. Eu, que segurava a perninha da criança, não aguentei o combate até ao fim. Pronta e brutamente, o Saraiva dispensou os meus serviços e mandou-me apanhar ar, para a parada)…
Como sói dizer-se, cada tiro, cada melro. Que tal um pedido de desculpas público ao editor Luís Graça?
Carlos Vinhal
Carlos Vinhal, mesmo com esta caloraça e com o desconfinamento todo o cuidado é pouco, não se compreende este constante toque de 'violino', também conhecido por 'dar música' ou, pior ainda, a pretensão de 'vou .....* a cabeça'.
Evidentemente, com a nossa idade, de melros só conhecemos aquela do actor cocho a declamar o poema 'O melro', que começava:
'O melro vai às minhocas
na relva em dia de chuva
e alguém da plateia gritou 'o melro é cocho', e o actor respondeu 'cocho é o .......* que o ....*.
Ab. e saúde da boa
Valdemar Queiroz
*piiii!!! para não causar melindre.
Melro, não, mas já tive um canário coxo.
Abraço
Carlos Vinhal
Pois, Carlos Vinhal
Com esta caloraça lembrei-me de um cocho de água fresca, e pus o melro a coxear.
Ab.
Valdemar Queiroz
Afinal o texto já tinha sido publicado no enquadramento dos quotidianos dos
médicos Pio e Abreu e Bagulho, que aparecem em Teixeira Pinto, no meu Diário da Guiné.Peço desculpa ao Luís Graça e ao Carlos Vinhal pelo meu lapso.
Mas é verdade que a maioria dos textos do meu Diário da Guiné jamais foram publicados neste blogue.De certo, não mereciam, não tinham qualidade. E havia naturalmente outras prioridades.
Abraço,
António Graça Abreu
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