sexta-feira, 12 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21070: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento, ex-Fur Mil Art) (18): Um pequeno desentendimento

Xime - 1.º Sargento Vaz à direita, depois Furriéis Nascimento e Soares


1. Em mensagem do dia 9 de Junho de 2020, o nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) manda-nos mais uma recordação da sua CART, hoje a estória de um pequeno desentendimento com um 1.º Sargento da sua Companhia.


RECORDAÇÕES DA CART 2520

UM PEQUENO DESENTENDIMENTO

Durante as nossas refeições na messe de sargentos no Xime, várias das nossas conversas originavam acesos debates sobre qualquer assunto que viesse à baila. Normalmente o 1.º Sargento Vaz como pessoa mais velha e mais "sabida" queria ter sempre razão em qualquer tema que eventualmente gerasse alguma controvérsia.

E, como era habitual, num certo dia à hora de almoço houve uma acesa das nossas conversas. Concluída a minha refeição saio para ir equipar-me para fazer uma coluna a Bambadinca, dou a volta ao edifício e vou mandar uma bocas pela janela que dava para o interior da nossa messe, mas o 1.º Sargento Vaz num gesto algo maldoso ou irreflectido atira com um copo de vinho através da rede mosquiteira que vem tingir de tinto a minha camisa.

A minha reacção foi imediata, corro para a nossa casa de banho, encho um balde de água que servia de autoclismo no nosso sanitário, dirijo-me à janela, que do exterior não dava para vislumbrar quem estava dentro e zás lá vai disto.

Dirijo-me de imediato para os meus aposentos e já à esquina do edifício ouço o 1.º Sargento enfurecido berrar:
-  Nosso furriel, vá você comer a sopa. - Voltei-me, vejo-o e dá para perceber que está pior que pólvora.

Equipado e pronto, vou cumprir a minha missão da qual voltaria ao fim do dia. Durante este tempo não deixei de pensar no assunto, com receio de que o 1.º Vaz pudesse fazer alguma participação ao Capitão Maltez e eu ficasse em maus lençóis. Chegado ao Xime os meus camaradas tentaram me infernizar com um "tás lixado", para não dizer outra coisa.

Tomo um banho tropical reparador, descanso um bocado e é chegada a hora de jantar. Dirijo-me à minha mesa, os lugares normalmente eram os mesmos, sento-me para tomar a minha refeição, até que chega o representante máximo da classe de Sargentos. Fico na expectativa, mas da sua boca não saiu uma palavra sobre o assunto. Confesso que o homem foi impecável, voltámo-nos a dar bem como se nada tivesse passado.

Depois do serviço militar nunca mais voltei a encontrar-me com o 1.º Sargento Vaz, gostava de lhe ter dado um abraço e também de lhe pedir desculpas pelas garrafas vazias que atirava para cima do telhado dos seus aposentos, quando às tantas da noite voltava duma ronda ou vagueava pelo aquartelamento. Sei que já partiu para outra jornada.

José Nascimento
____________

Nota do editor

Último poste da série de 29 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20920: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento, ex-Fur Mil Art) (17): Um condutor zeloso e cumpridor do seu dever

6 comentários:

Carlos Vinhal disse...

Caro Nascimento, posso dizer-te que tinham um 1.º Sargento muito "democrático" que até almoçava em tronco nu. Nós tivemos um 1.º Sargento na 2732 que não autorizava sequer que nos sentássemos à mesa sem divisas ou em chinelos, quanto mais em tronco nu. Devo ter algures aqui no Blogue publicado um desentendimento, a sério, com esse senhor de má memória, que felizmente se fez evacuar para longe da nossa vista.
É bom que se diga que tivemos connosco mais dois sargentos, estes de boa memória, o 1.º Rita, falecido recentemente e o 1.º Santos, hoje Major Reformado.
Abraço
Carlos Vinhal

José Nascimento disse...

Amigo Carlos Vinhal, queres dizer que o "Xico" sou eu?
Um abraço
José Nascimento

Renato monteiro disse...

Nascimento!

Parabéns pelo bom texto que deixaste aqui! Imagino que tenhas muito por contar ainda, que manténs viva a memória. Escreve mais! Um abraço
Renato Monteiro

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Quem não tem histórias destas, Zé ?!...

O 1º sargento era um gajo poderoso, que conhecia todas as manhas da tropa...Portanto, a nossa relação, nas companhias, era algo cínica. Claro, nãoo vamos generalizar.. Mas os furriéis, operacionais, eram também "temidos"...Tinham uma G3 e andavam "cacimbados"... *Por outro lado, todos os 1ºs sargentos ambicionavam frequentar a Escola Central de Sargentos, em Águeda, e passar à classe de oficiais SGE...Para isso, precisam dos furriéis que lhes davam explicações (matemática, poruguês, francês...).

Carlos Vinhal disse...

Caro José Nascimento, não me referi a ti, embora te dê os parabéns por estares bem uniformizado, mas antes comparei a atitude mais descontraída do "teu" Primeiro Sargento, comparada com o comportamento do "meu", que além de tudo denotava alguma falta de competência para o exercício da sua função e um medo desmedido de estar no mato. Daí, penso eu, a sua evacuação ao fim de pouco tempo de Mansabá.
Abraço
Carlos Vinhal

Valdemar Silva disse...

E o comentário do Renato Monteiro?
Ninguém diz nada?
Digo eu: bem-vindo blogue, meu grande amigo Monteiro.
Tens que nos brindar com os teus textos e as tuas grandes fotografias publicadas em livros e exposições por vários locais do país.

Um grande abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz