1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Novembro de 2019:
Queridos amigos,
É certo e seguro que muitos de nós tivemos lá em casa obras do Fortunato de Almeida, do Pinheiro Chagas, conhecidos divulgadores da história pátria. Muito mais tarde, em pleno Estado Novo, impôs-se um nome na divulgação, socorrendo-se de biografias, Mário Domingues, escrevia escorreitamente, as Edições Romano Torres viveram durante décadas à sombra do seu nome.
As informações de Fortunato de Almeida aparecem confinadas ao que se publicava fundamentalmente na Sociedade de Geografia de Lisboa, terá sido das suas publicações que ele tirou ilustrações, uma delas belíssima que é uma dança de grumetes com os seus trajes guerreiros. Dá para perceber como os estudos coloniais referentes à Guiné eram parcimoniosos. As sublevações ainda são uma constante, nomeadamente nos Bijagós, a mancarra já se impõe, tal como a borracha e o coconote. O salto desenvolvimentista, mesmo que bastante tímido, será dado na década seguinte com o Governador Velez Caroço.
Um abraço do
Mário
A Guiné há um século, segundo Fortunato de Almeida
Beja Santos
Fortunato de Almeida, bacharel formado em Direito, sócio da Academia das Ciências de Lisboa, da Sociedade de Geografia de Lisboa, da Sociedade Portuguesa de Estudos Históricos e do Instituto de Coimbra foi nome sonante de divulgação histórica no primeiro quartel do século XX. A sua História de Portugal, a sua Biografia de Alexandre Herculano, a sua História da Igreja em Portugal e Portugal e as Colónias Portuguesas, tiveram ampla divulgação. Portugal e as Colónias Portuguesas data de 1918 e parece do maior interesse saber o que era o estado dos conhecimentos em matéria de larga difusão. Fortunato de Almeida é corretíssimo quando diz que no passado a colónia era conhecida como Guiné Superior, como também foi designada Alta Guiné, Senegâmbia Portuguesa, Guiné dos Rios de Cabo Verde, entre tantas outras designações. Refere as fronteiras decorrentes da Convenção Luso-Francesa de 12 de Maio de 1886, diz algo que hoje sabe-se não ter nenhum fundamento histórico, caso da descoberta por Nuno Tristão em 1446 ou dizer que Cacheu foi considerada durante um século capital. É certeiro a descrever a natureza e relevo do solo, a hidrografia e o clima, não esquece o macaréu que os brasileiros designam, no Amazonas, pelo nome de proroca. Ao tempo o Geba banhava numerosas povoações que ele elenca: Geba, Fá, S. Belchior e S. José de Bissau. Falando da flora, da agricultura e da fauna, releva o milho, legumes, mandioca, batata-doce, cana-de-açúcar, mancarra, bananeira, laranjeira, cafezeiro, tamarindo, palmeira, tabaco, algodoeiro, árvore-da-borracha, cola, bambu, mogno, ébano, pau-carvão, pau-sangue e outras espécies florestais. Depois de elencar os animais domésticos, não sabemos em que documentos ele foi descobrir tigres e leões, sabe-se que havia elefantes (estão agora a regressar, parece que são avistados na Lagoa Cufada), fala em panteras, búfalos, gazelas, pelicanos, íbis, falcões e diz haver numerosas aves.
Quanto ao comércio, portos e vias de comunicação, estima que o movimento comercial ainda estava a ser prejudicado pelo caráter irrequieto de certos povos indígenas, mas o desenvolvimento económico no período entre 1903 e 1912 era indiscutível, exportava-se borracha, óleo de palma, amendoim e outros e importavam-se tecidos, géneros alimentícios, metais, tabacos e bebidas. Surpreende dizendo que a população era calculada em 70.000 habitantes, não é minucioso a descrever as etnias mas diz tratar-se de povos de caráter diverso: aguerridos, irrequietos e salteadores; uns vivendo da apascentação de gados, mas todos, para sobreviver, dependentes da agricultura.
E dá outros dados sobre a geografia política, a saber:
“Muitos dos habitantes são feiticistas; outros são muçulmanos; e há também muitos cristãos. Dos gentios, alguns são polígamos; crêem na transmigração das almas e dão-se muito a práticas supersticiosas. A evangelização daqueles povos tem sido descurada, por falta da indispensável protecção do Estado a admissões religiosas.
Exerce autoridade suprema na Guiné um governador de província. A sede do governo é em Bolama e as outras povoações mais importantes são Bissau, Cacheu, Geba, Bolor e Farim.
Forma a província um só concelho, com a sede em Bolama. Há comandos militares em Bissau, Cacheu, Geba e Cacine. A justiça é administrada pelo Auditor dos Conselhos de Guerra em Bolama, o qual acumula com aquelas funções as de Juiz de Direito.
A Guiné Portuguesa pertence à Diocese de Cabo Verde; e é eclesiasticamente administrada por um vigário-geral, que até há poucos anos era auxiliado no ministério religioso por seis párocos missionários.
Há escolas primárias para ambos os sexos em Bolama, Bissau e Cacheu; e só para o sexo masculino em Buba, Geba e Farim.
A guarnição militar compõe-se de uma companhia mista de artilharia de montanha e infantaria, e de dois pelotões de dragões; uma canhoneira, duas lanchas-canhoneiras e algumas lanchas de vela para policiamento dos rios”.
Igreja S. José de Bolama
Fortaleza de Cacheu
Recordo aos interessados que no levantamento a que procedi ao BNU da Guiné intitulado Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba, publicado integralmente no blogue e nas Edições Húmus, em 2019, adiantam-se informações, nalguns casos bem divergentes das aqui apresentadas. E fica bem claro que muito vai mudar com a chegada, poucos anos depois, do Tenente-Coronel Velez Caroço como Governador, lançará mão de um programa de infraestruturas e comunicações jamais visto, irão aparecer, embora tenham vindo a dar com os burrinhos na água, uma série de grandes projetos agrícolas.
A despeito de tanto labor, haverá sublevações nos Bijagós e a economia manterá uma estrutura rudimentar, basta atender ao que escreveu, em 1925, o gerente da Filial de Bolama:
“A forma como aqui se comercia é de ocasião e absolutamente primitiva. Aproveitando-se grosseiramente da falta de navegação, elevam com mais alvar descaramento os preços, quando determinada mercadoria escasseia na praça. É positivamente um comércio de assalto. Na sua maioria, comerciantes aqui desembarcados de saca e socos muito deixam a desejar. Orgulham-se, tolamente, de não precisarem do Banco, mendigando-nos depois, miseravelmente, transferências. Apenas aqui existe uma casa comercial digna desse nome: é a Casa Gouveia! Não obstante, esta não deixa de enfermar de todos os vícios gananciosos do pequeno comércio, cultivando-os até com requintes de exagero”.
Bem curiosa é a bibliografia que ele apresenta da Guiné: O Tratado de André Álvares de Almada, documentos do Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, o livro Província da Guiné Portuguesa de Aleixo Justiniano Sócrates da Costa, e são referidas outras obras da autoria de Sena Barcellos, Marcelino Marques de Barros e Loureiro da Fonseca. O principal alfobre documental da época estava, sem dúvida, na Sociedade de Geografia de Lisboa e em trabalhos dos seus associados.
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Nota do editor
Último poste da série 3 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21036: Historiografia da presença portuguesa em África (211): “A Guiné do século XVII ao século XIX – O testemunho dos manuscritos”, por Fernando Amaro Monteiro e Teresa Vázquez Rocha; Prefácio, 2004 (Mário Beja Santos)
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