1. Mensagem do José Belo, com data de 25 de maio p.p.
[José Belo: (i) ex-alf mil inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70; (ii) manteve-se no ativo, no exército português, durante uma década;; (iii) está reformado como capitão de infantaria do exército português; (iv) jurista, vive entre Estocolmo, Suécia, nem como nas imediações de Abisco, Kiruna, Lapónia, no círculo polar ártico, já próximo da fronteira com a Finlândia, mas também Key-West, Florida, EUA; (v) é o único régulo da tabanca de um homem só, a Tabanca da Lapónia (, mas sempre bem acompanhado das suas renas, dos seus cães. dos seus alces e dos seus ursos)]
[José Belo: (i) ex-alf mil inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70; (ii) manteve-se no ativo, no exército português, durante uma década;; (iii) está reformado como capitão de infantaria do exército português; (iv) jurista, vive entre Estocolmo, Suécia, nem como nas imediações de Abisco, Kiruna, Lapónia, no círculo polar ártico, já próximo da fronteira com a Finlândia, mas também Key-West, Florida, EUA; (v) é o único régulo da tabanca de um homem só, a Tabanca da Lapónia (, mas sempre bem acompanhado das suas renas, dos seus cães. dos seus alces e dos seus ursos)]
Assunto: Colonialismo e língua materna
Não recordo se já terei enviado esta perspectiva quanto aos efeitos "paralelos" do colonialismo quanto a algo täo importante como a língua materna como forma de expressão íntima.
Os membros do blogue,principalmente escritores, certamente terão opiniões interessantes sobre assunto tão sensível mas täo pouco analisado.
Um abraço,
J. Belo
2. Segunda mensagm, com dat de 4 do corrente:
Notas da autora:
(#) José Luandino Vieira passou onze anos nas cadeias do colonialismo português. Em 1965, seu livro Luuanda foi agraciado com o Grande Prêmio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores, o que provocou o encerramento daquela Sociedade, bem como o assalto e depredação de sua sede pela PIDE.
(##) VIEIRA, J. L.
João Vêncio: os seus amores. Luanda: União dos Escritores Angolanos, 1979.
Lourentinho, Dona Antónia de Sousa Neto e eu. Luanda: União dos Escritores
Angolanos, 1981.
Macandumba, Luanda: União dos Escritores Angolanos, 1978.
Velhas estórias. Lisboa: Plátano, 1974.
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Meu Caro Sr. Editor
3. Excertos do artigo "O 'pretoguês' e a literatura de José Luandino Veira"
por Tânia Macedo
E eu que julgava que iríamos ter uma troca de ideias interessante sobre o texto da brasileira Tânia Macedo sobre o Luandino Vieira quanto à "linguagem do colonizador imposta ao colonizado".[Publicado na revista de linguística "Alfa", de São Paulo Brasil; o artigo completo está disponível aqui.]
O preço da integração social à custa da destruição das culturas inferiores aos olhos dos civilizados.... Exemplo mais próximo do que o Ibérico näo podemos ter...Só os Bascos mantiveram a sua língua.
Os Romanos não os colonizaram como aos restantes.
Como se diriam na Lusitânia, ou em outros locais da Península, as palavras "mãe", "pai" ,"irmão", "amor", "ódio", "saudade", "casa"..., antes da língua latina dos senhores que nos... civilizaram?
Havendo no Blogue escritores ,historiadores,e outros amadores,(e não escrevo "poetas", por não rimar com escritores, historiadores, amadores) certamente que opiniões díspares existem.
Um abraço do J. Belo
José Luandino Vieira. Cortesia do portal Wook |
Alfa, Sào Paulo. 36: 171-176,1992 171
por Tânia Macedo
[Departamento de Literatura - Faculdade de Ciências e Letras - UNESP -19800 - Assis]
RESUMO: O texto examina a elaboração artística do 'pretoguês' - forma pejorativa com que os colonizadores portugueses denominavam a linguagem híbrida português/quimbundo utilizada pela
população angolana - na obra do escritor angolano José Luandino Vieira. (...)
O jogo de forças e tensões presente na situação colonial é marcado por dois pólos antagônicos: colonizador e colonizado. O primeiro, como conquistador, impõe a uma maioria numérica seus valores, línguas, técnicas e estruturas socioeconómicas sob a lógica da unidade: uma só lei, uma só língua (obviamente a sua). O colonizado, em conseqüência, passa a constituir uma minoria sociologicamente dada, a qual será submetida e, constantemente, espoliada de seus valores em nome da 'civilização' do outro.
A essa luz, não se pode esquecer que do quadro de contradições engendrado pelo colonialismo avulta o "drama do bilinguismo": o colonizado deve assumir a língua de seu conquistador e, paulatinamente, distanciar-se de sua própria forma de expressão, conforme muito bem salientou Albert Memmi [, 1977,]: "A língua materna do colonizado, aquela que é nutrida por suas sensações, suas paixões e seus sonhos (...), enfim, aquela que contém a maior carga afetiva, essa é precisamente amenos valorizada (...). Se quer obter uma colocação, conquistar seu lugar, existir na cidade e no mundo, deve, primeiramen aplicar-se à língua dos outros, a dos colonizadores, seus senhores". (...)
Lembre-se, todavia, que os danos causados pelo colonialismo não se restringem apenas a esse fato: se por um lado temos uma língua imposta a uma população, por outro, a escolarização dada na língua de maior prestígio é reduzida. Estamos frente, portanto, a mais uma das contradições do sistema, pois fazer do colonizado um indivíduo que dominasse totalmente o sistema lingüístico do colonizador seria incluí-lo nos seus mecanismos de poder e, destarte, selar a sorte do próprio sistema. (...)
Temos, dessa maneira, uma população condenada a renunciar a seu código valorativo, ao mesmo tempo em que lhe é vedado o inteiro domínio de outro código. Em resumo, se o bilíngüe colonial conhece duas línguas, nenhuma domina totalmente.
A literatura efetuada sob tal situação contraditória, desde que não seja uma literatura do colonizador, será, necessariamente, a veiculação da carência da população marginalizada na luta por sua forma própria de expressão e deverá forjar-se sob o signo da dualidade.
No caso da literatura angolana, por exemplo, os cinco séculos de dominação colonial portuguesa constituíram forte entrave à sua sistematização, pois apenas na década de 50 de nosso século toma corpo um sistema literário coerente no país, integrando a tríade autor-obra-público. Sistema esse que se traduz em autores conscientes de seu papel, nas obras veiculadoras de conteúdos eminentemente acionais sob aspectos codificados de linguagem e estilos e no conjunto de receptores,
ainda que pequeno, formado por angolanos alfabetizados e preocupados com sua especificidade cultural.
população angolana - na obra do escritor angolano José Luandino Vieira. (...)
O jogo de forças e tensões presente na situação colonial é marcado por dois pólos antagônicos: colonizador e colonizado. O primeiro, como conquistador, impõe a uma maioria numérica seus valores, línguas, técnicas e estruturas socioeconómicas sob a lógica da unidade: uma só lei, uma só língua (obviamente a sua). O colonizado, em conseqüência, passa a constituir uma minoria sociologicamente dada, a qual será submetida e, constantemente, espoliada de seus valores em nome da 'civilização' do outro.
A essa luz, não se pode esquecer que do quadro de contradições engendrado pelo colonialismo avulta o "drama do bilinguismo": o colonizado deve assumir a língua de seu conquistador e, paulatinamente, distanciar-se de sua própria forma de expressão, conforme muito bem salientou Albert Memmi [, 1977,]: "A língua materna do colonizado, aquela que é nutrida por suas sensações, suas paixões e seus sonhos (...), enfim, aquela que contém a maior carga afetiva, essa é precisamente amenos valorizada (...). Se quer obter uma colocação, conquistar seu lugar, existir na cidade e no mundo, deve, primeiramen aplicar-se à língua dos outros, a dos colonizadores, seus senhores". (...)
Lembre-se, todavia, que os danos causados pelo colonialismo não se restringem apenas a esse fato: se por um lado temos uma língua imposta a uma população, por outro, a escolarização dada na língua de maior prestígio é reduzida. Estamos frente, portanto, a mais uma das contradições do sistema, pois fazer do colonizado um indivíduo que dominasse totalmente o sistema lingüístico do colonizador seria incluí-lo nos seus mecanismos de poder e, destarte, selar a sorte do próprio sistema. (...)
Temos, dessa maneira, uma população condenada a renunciar a seu código valorativo, ao mesmo tempo em que lhe é vedado o inteiro domínio de outro código. Em resumo, se o bilíngüe colonial conhece duas línguas, nenhuma domina totalmente.
A literatura efetuada sob tal situação contraditória, desde que não seja uma literatura do colonizador, será, necessariamente, a veiculação da carência da população marginalizada na luta por sua forma própria de expressão e deverá forjar-se sob o signo da dualidade.
No caso da literatura angolana, por exemplo, os cinco séculos de dominação colonial portuguesa constituíram forte entrave à sua sistematização, pois apenas na década de 50 de nosso século toma corpo um sistema literário coerente no país, integrando a tríade autor-obra-público. Sistema esse que se traduz em autores conscientes de seu papel, nas obras veiculadoras de conteúdos eminentemente acionais sob aspectos codificados de linguagem e estilos e no conjunto de receptores,
ainda que pequeno, formado por angolanos alfabetizados e preocupados com sua especificidade cultural.
Conforme bem assinala Carlos Ervedosa [, 1979,], "enquanto [os escritores] estudam o mundo que os rodeia, o mundo angolano de que eles faziam parte mas quemntão mal lhes haviam ensinado, começa a germinar uma literatura que seria a expressão da sua maneira de sentir, o veículo de suas aspirações, uma literatura de combate pelo seu povo". (...9
Ora, a literatura oriunda de tal tomada de consciência de seus produtores não Estava dissociada da certeza de que o sistema colonial deveria ter termo. Dessa forma, autores como Agostinho Neto, Costa Andrade, Luandino Vieira ou Jofre Rocha têm seus nomes ligados tanto às melhores produções literárias angolanas quanto a um combate direto pela independência de seu país. (...)
Ora, a literatura oriunda de tal tomada de consciência de seus produtores não Estava dissociada da certeza de que o sistema colonial deveria ter termo. Dessa forma, autores como Agostinho Neto, Costa Andrade, Luandino Vieira ou Jofre Rocha têm seus nomes ligados tanto às melhores produções literárias angolanas quanto a um combate direto pela independência de seu país. (...)
Português e quimbundo construindo a angolanidade
Dentre os escritores da moderna literatura angolana, José Luandino Vieira (#) é, sem dúvida, um dos ficcionistas mais significativos. Seus textos revelam, nos níveis temático e estilístico, as contradições do sistema colonial, apresentando uma linguagem que acaba por tomar o partido dos que, à força de conhecerem duas línguas, a nenhuma dominam totalmente. É assim que suas estórias tematizam os musseques de Landa - bairros pobres equivalentes às nossas favelas - e sua população bilíngüe
português/quimbundo, majoritariamente negra.(...)
Dessa forma, Luandino ousa levar para as páginas da literatura - em plena vigência do regime colonial português emAngola - (...) 'o pretoguês', ou seja, a forma híbrida de expressão dos bilíngües coloniais, a qual constituía motivo de freqüente menosprezo destes e, portanto, uma das fontes alimentadoras do racismo do colonizador em relação ao colonizado.
Sob esse aspecto, a escolha do material lingüístico efetuada pelo autor redunda em uma reivindicação
de prestígio para a fala híbrida do homem do povo, dando-lhe status literário. Vale notar que a escrita de Luandino Vieira, apesar da forte vinculação ao falar dos musseques luandenses, vai além, pois seus textos não se constituem apenas em registros literais da forma de expressão de uma parte da população angolana. Ao criar neologismos e subverter a estrutura da língua portuguesa através do uso do quimbundo e do 'pretoguês', ele detém o mérito dos grandes empreendimentos da literatura
de nosso tempo: obriga a avançar devagar.
Ou seja, a ficção luandina força o leitor a rever seus conceitos de literatura, arte e linguagem, em um esforço de dupla orientação: tomar distância dessa ficção, vinculando-a a valores universais, ao mesmo tempo em que busca a sua localização em uma geografia literária. Assim, sem se Aperceber, o decodificador das estórias do autor angolano vai sendo mobilizado a repensar seus códigos estéticos, suas estruturas lingüísticas, em um esforço de entendimento do universo narrativo apresentado.
Destarte, verifica-se que o trabalho artístico efetuado a partir do 'pretoguês' nos textos de Luandino Vieira vincula-se à recusa e à denúncia da situação colonial, afirmando uma 'angolanidade' ao mesmo tempo em que se inscreve na corrente da modernidade, convergindo pois para a realização literária plena de nosso tempo.
Façamos referência a alguns aspectos lingüísticos da ficção do autor, a fim de explicitarmos como se constroem a modernidade e a recusa ao colonialismo nos seus textos.
O substantivo quimbundo muxima (coração) pode nos servir como excelente início, já que em várias oportunidades o mesmo apresenta-se como base para a formação de neologismos, recebendo desinências da língua portuguesa que irão se desdobrar em outros matizes de significação:
(...) lhe traziam sussuradas palavras dela na hora que as mãos dele muximavam ou serebelavam nas fronteiras, queriam mais demarcar na leia mata de se corpo, descobrir e abrir
picadas. (Vieira, 1974, p. 32)
(Traziam-lhe suas palavras sussurradas no momento em que as mãos dele a acariciavam
ou se rebelavam nas fronteiras, no momento em que elas desejavam demarcar a estranha mata
de seu corpo, descobrir e abrir picadas.)
(...) não conseguiu de fugir no quinzar, lhe falou até, lhe muximou perdão, (p. 71)
(Não conseguiu fugir do monstro antropófago, chegou a falar-lhe, pediu perdão.)
(...) mas o Mangololo afirmava, cada vez mais mwúmadoi, que o bilhete recebera-lhe do
Joaquim Ferreira. (Vieira, 1978, p. 60) (##)
(Mas Mangololo afirmava, cada vez mais adulador, que recebera o bilhete de Joaquim
Ferreira.) (...)
____________
(...) mas o Mangololo afirmava, cada vez mais mwúmadoi, que o bilhete recebera-lhe do
Joaquim Ferreira. (Vieira, 1978, p. 60) (##)
(Mas Mangololo afirmava, cada vez mais adulador, que recebera o bilhete de Joaquim
Ferreira.) (...)
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Notas da autora:
(#) José Luandino Vieira passou onze anos nas cadeias do colonialismo português. Em 1965, seu livro Luuanda foi agraciado com o Grande Prêmio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores, o que provocou o encerramento daquela Sociedade, bem como o assalto e depredação de sua sede pela PIDE.
(##) VIEIRA, J. L.
João Vêncio: os seus amores. Luanda: União dos Escritores Angolanos, 1979.
Lourentinho, Dona Antónia de Sousa Neto e eu. Luanda: União dos Escritores
Angolanos, 1981.
Macandumba, Luanda: União dos Escritores Angolanos, 1978.
Velhas estórias. Lisboa: Plátano, 1974.
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Nota do editor:
Último poste da série > 13 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20970: Da Suécia com saudade (70): O verdadeiro rei das florestas escandinavas, o alce ("älg") (José Belo)
10 comentários:
Mais uma "achega para a saudável e indipensável discussão"
Um belíssimo texto do escritor moçambicano Luís Carlos Patraquim
'A cabeleira da língua"
(como não cabe todo aqui, dividimo-lo em duas partes...)
'Entra-se pelo subúrbio adentro, pode ser em Maputo, e deparamo-nos com as cores chibantes de um estabelecimento comercial. Na precária parede exterior o desenho de um rosto masculino, encimado pela mancha escura do que se adivinha ser a cabeleira e uma tesoura alada, sem ar ameaçador, como se de um pequenino ngingiritane se tratasse, pássaro lesto e brincalhão a debicá-la. Encimando a porta, em letras tropegantes mas gordas, cada uma de sua cor, o nome funcional e solene: Cabelaria Corte Rápido. Correm miúdos numa algaraviada de ronga e português solto, com um "vou-te bater, você, pá, se não dás essa minha bola!"
Ao lado, num verde-escuro inclinado, o balcão de uma das sucursais da cadeia de "fast-food" O Peixinho da Mamã, versão popular moçambicanizada de um qualquer Mc Donald's que só a cidade de cimento acolhe.
Pressurosos e chiantes, os chapas vão fazendo gincana por entre buracos cósmicos e outros inumeráveis obstáculos, incluindo gente. Os cobradores saltam para o exterior ou inclinam-se, estribados no último degrau, e gritam, apregoam os vários destinos das viagens; museu! Hulene! Choupal!. A bicha acotovela-se. Entram os que podem. Na frota de chapas "Os Verdinhos" a lotação é respeitada. Mamanas e operários que regressam a casa. Cinco mil meticais, tarifa única.
Metical, nome da moeda que entrou em circulação a 16 de Junho de 1980. A palavra vem de Mit'ghal, termo árabe-suaíli designando o antigo "dinheiro" no mercadejar entre o império do Mwenemutapa e o litoral centro-norte ou lembrança de aportuguesar moçambicanizando.
Nunca esquinada em preguiças tropicais, antes em alvoroço de apropriações e retraduções a partir das várias línguas de que o país é farto, a língua portuguesa ginastica-se em singularidades lexicais e sintácticas de que a fala comum é pródiga. Por vezes roçando incongruências ou "erros", ei-la que se libertou da canga colonial, do estigma rácico e terrível do "pretoguês", trocadilho aglutinando parolice e arrogância imperiais, para se marrabentar, solta e ágil, em sotaques vários consoante as regiões e os grupos linguísticos da grande árvore bantu de onde os seus falantes se alcandoram para a aventura de Caliban.
Este "português" é de todos porque é nosso. E vem swingando na "brincriação" neologística desde Rui Nogar a Ascêncio de Freitas ou de Craveirinha a Mia Couto. Mas não se estesia nisso. Ousa porque é servido pela "douta ingnorância" das falagens do povo ou pela combinatória mais erudita das experimentações literárias.
Ao alarmismo da ameaça do inglês, a rua responde sem precisar de saber do soneto de Olavo Bilac e da sua louvação à última flor do Lácio. A rua desconsegue esse mapeamento referencial. Usa-a com o mesmo descomplexo e a mesma necessidade com que vai ao bazar comprar camarão seco e já sabe que ao copinho pedido a vendedeira acrescenta a bacela da praxe.(...)
(Continua)
in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/outros/antologia/a-cabeleira-da-lingua-/729 [consultado em 08-06-2020]
(Continuação=
Luís Carlos Patraquim
"A cabeleira da língua"
(...) Mais do que só factor de unidade nacional, como reiterava o jargão político-partidário, a língua vem-se expandido. Fala-se mais agora do que por alturas da independência. Há quem a tenha já por língua materna, o que, sendo fenómeno derivado da grande movimentação das populações em direcção aos núcleos urbanos para fugir da guerra, não deve ser só por si motivo de uma espécie de satisfação lusofonista especial.
Alargá-la ainda mais vai de par com o reforço das línguas nacionais. Todos aceitam esta evidência mas pouco se faz. Mais do que desconseguirem, as elites - passe o galicismo - preferem embrenhar-se na teia difusa dos seus negócios e interesses próprios.
Mas o povo desenrasca. Desenrasca sempre. Só falta mais troca: na universidade, na literatura, no teatro, na música.
Tudo porque o povo fala sempre a partir do "lugar onde" e não das suas derivações: o lugar onde se corta o cabelo só pode ser a cabelaria. Cabeleireiro é o oficial desse ofício. Como antes se dizia barbearia.
Depois, ou concomitantemente, que se leia Camões ou Pessoa, Drummond ou João Vário, Craveirinha e Pepetela. Tantos outros. E se abrace o cânone com a mesma arte erótica com que os amantes se fundem e transfiguram.
O resto são "as malhas que o império tece". Rasguemo-las de vez. Em merengue de samba com chigubo e fado, tudo a marinar em morna de sonhar na madrugada que desponta. Há-de despontar.'
in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/outros/antologia/a-cabeleira-da-lingua-/729 [consultado em 08-06-2020]
Ah!, o texto foi inserido no portal do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa em 2004.
Sobre o autor, pode ler.se:
Luís Carlos Patraquim (Maputo, 1953), jornalista, poeta, escritor e roteirista moçambicano, com diversificada obra publicada. Por exemplo, Monção (Edições 70 e Instituto Nacional do Livro e do Disco de Moçambique, 1980), A Inadiável Viagem (ed. Associação dos Escritores Moçambicanos, 1985), Mariscando Luas (Editora Vega, 1992), Lidemburgo Blues (Editorial Caminho, 1997), O Osso Côncavo e Outros Poemas (Lisboa, Editorial Caminho, 2005), Pneuma (Editorial Caminho, 2009) e A Canção de Zefanías Sforza (Porto Editora, 2010).
in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/outros/antologia/a-cabeleira-da-lingua-/729 [consultado em 08-06-2020]
Felizmente que o vocábulo do calão racista "pretoguês" não é mais usado, não tendo sido fixado pelos nossos dicionaristas...
Já o termo "franglês" vem nos dicionários...
E os crioulo da Guiné e de Cabo Verde ? São "pretoguês" ?...
Quando eu cheguei à Guiné os nossos soldados eram fulas e não falavam português. E eu não falava fula. Mas fizemos um genuino esforço para nos entendermo-nos uns aos outros... Não me lembro de ouvir esse termo pejorativo e repugnante...Os meus soldados aprenderam o português, eu não aprendi o fula, mas fiz algum esforço por saber o significado de alguns termos eexpressões usados na língua fula...
__________________
franglês | s. m.
fran·glês
(fran[cês] + [in]glês, por influência do francês franglais)
nome masculino
[Informal] Maneira de falar ou de escrever que mistura elementos vocabulares, fonéticos e sintácticos do francês e do inglês.
"franglês", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/frangl%C3%AAs [consultado em 08-06-2020].
O Luandino Vieira com o livro "Luuanda", teve a originalidade de passar para a escrita a maneira do linguajar das crianças e jovens dos muceques de Luanda, não só pretos, mas pelo contágio também de todos os miúdos brancos e mestiços, que viviam dentro desses muceques (comerciantes e seus filhos, e brancos em começo de vida), era uma maneira de criar expressões e com um sotaque próprio, que ainda hoje se ouve com frequência passados 40 anos de Retorno esse sotaque aqui em Portugal.
Quem tinha esse sotaque acentuado e fazia por manter embora não fosse de Luanda, era por exemplo o Raul Indipo do Ouro Negro.
Ainda agora aquele conselheiro Antonio Costa, que o primeiro mnistro Antóni Costa nomeou, fala um pouco com o sotaque dos muceques de Luanda.
LuandiNO Vieira foi uma criança branca que chegou à Luanda antiga, e invariavelmente adquiriu como a maioria dos jovens a gíria e o calão e o sotaque próprio, como se fosse um crioulo.
E mantinham-no e gabavam-se perante os "caputos", "matarruanos", com sotaques de Minho, Algarve ou Beira ou Madeira, que português bem falado era o português deles.
Fui encontrar o mesmo "discurso", no Rio de Janeiro, correto é como falava um Vinício de Morais,etc.
Antes assim, digo eu.
Eu fiquei muito agradavelmente surpreendido pela qualidade do artigo, parcialmente reproduzido, "O 'pretoguês' e a literatura de José Luandino Vieira". À luz da minha experiência pessoal em Angola e das minhas leituras da obra de Luandino Vieira, estou de acordo com quase tudo o que Tânia Macedo escreveu, nomeadamante quando diz que «vale notar que a escrita de Luandino Vieira, apesar da forte vinculação ao falar dos musseques luandenses, vai além, pois seus textos não se constituem apenas em registros literais da forma de expressão de uma parte da população angolana.» Luandino Vieira, com efeito, não se limita a reproduzir o "pretoguês" falado em Luanda. Ele cria novos falares e novas expressões, que não são necessariamente usados nos musseques, mas poderiam sê-lo. E assume-os como sendo os seus próprios enquanto narrador.
Vale a pena confrontar os escritos de Luandino Vieira, branco nascido em terras de Ourém, em Portugal, com os de Agostinho Neto, negro natural das terras de Catete, a pouco menos de cem quilómetros de Luanda. Enquanto o branco Luandino subverte o português e o reinventa, tentando "angolanizá-lo", o negro Neto escreve segundo os mais rigorosos cânones da língua portuguesa, tal e qual como é falada na Europa. Ambos tiveram a língua portuguesa como idioma materno. Ambos só aprenderam a falar quimbundo na idade adulta. Ambos escolheram um mesmo campo político anticolonial e ambos pertenceram ao mesmo movimento independentista. E no entanto eles seguiram caminhos opostos na sua relação com a língua portuguesa. Este é um tema que daria pano para mangas políticas e sociológicas, que eu não vou desenvolver, porque este não é o espaço próprio para tal e eu não tenho bagagem cultural para isso.
Há no artigo de Tânia Macedo uma imprecisão, que está na seguinte passagem: «(...) apenas na década de 50 de nosso século [séc. XX, com certeza] toma corpo um sistema literário coerente no país [Angola], integrando a tríade autor-obra-público. Sistema esse que se traduz em autores conscientes de seu papel, nas obras veiculadoras de conteúdos eminentemente nacionais sob aspectos codificados de linguagem e estilos e no conjunto de receptores, ainda que pequeno, formado por angolanos alfabetizados e preocupados com sua especificidade cultural.» A autora do artigo desconhece com certeza que já na segunda metade do séc. XIX houve em Angola um conjunto de autores com as características descritas, que se expressaram sobretudo através da imprensa periódica de Luanda, tendo como destino «um conjunto de receptores (...) alfabetizados e preocupados com sua especificidade cultural». Refiro-me a autores tais como Cordeiro da Mata, Alfredo Troni, Eduardo Neves e outros mais. A literatura angolana não nasceu em 1950; nasceu cem anos antes.
Veja-se, por exemplo, esta referência à novela Nga Muturi ("Senhora Viúva"), de Alfredo Troni, publicada em 1882: https://www.infopedia.pt/$nga-muturi.
Ou este poema, de Eduardo Neves, cheio de expressões em quimbundo: http://www.jornaldepoesia.jor.br/eneves01.html.
Para melhor compreensão do poema, passo a traduzir as expressões em quimbundo:
Tunda bobo - Saia daqui
Uá salúcia - Endoideceu
Gámessenâ'me qu'quina - Não quero dançar
Quicolá - Não pode, não pode ser
Uá móno - Viu
Mundele inhi - Que branco
Guamiâme - Não quero
Ndé cuná - Vá para ali, vá para longe
Quiússuca - Acabou (?)
Caté mungo - Até amanhã
'N'um batuque', de Eduardo Neves, não sei se está musicado. É pena não ser conhecido dos nossos músicos. Talvez, agora, com a lembrança de Fernando Ribeiro passe a ser conhecido.
O que nós aprendemos aqui na Tabanca Grande.
Valdemar Queiroz
“A minha pátria é a língua portuguesa”
Fernando Pessoa.
Um abraço
J.Belo
J. Belo
O Fernando Pessoa também escreveu em inglês, mas isso não vem para o caso.
Aqui, neste caso, parece que foi ao contrário: as línguas nativas a entrarem no falar corrente dos portugueses que por lá apareceram.
Mas, a língua portuguesa é um espanto, por onde passamos vamos deixando palavras.
Sem vir a propósito, há tempos passou na RTP2 'Viagens e Terras do Norte', com viagens, paisagens e pessoas da Noruega, Suécia e Finlândia. No filme que vi era sobre a Suécia e mais propriamente na Lapónia. Vamos lá ver, talvez apareça o J.Belo, disse eu, os portugas andam por todo o lado. Depois de muita paisagem com neve, apareceu Tomas Marsja um criador de renas que, devido à exploração florestal, tinha que andar km à procura de líquenes para misturar com a ração das renas da sua criação. Também apareceu a cidade de Kiruna, que ficava a muitos km daquele local, e uma rapariga de lá que praticava 'natureza é vida' com pesca e mergulhos em pequenos buracos feitos no gelo e depois ficava em biquíni em posições ioga. vrrrrfffrio!!! só de ver.
Ab. e saúde da boa
Valdemar Queiroz
p.s. parece que 'mulher casada' em norueguês passou para uma famosa palavra de português.
https://www.rtp.pt/play/p7317/e474761/viagens-em-terras-do-norte
João
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