Foto nº 1 > O António Medina, à esquerda
Foto nº 2 > O António Medina, à direita
Foto nº 3 > O António Medina em cima de uma Panhard
Foto nº 4 > O António Medina à esquerda
Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Jolmete > CART 527 (1963/65) > Aspetos da vida no aquartelamento. Sem legendas de pormenor.
A1. Mensagem do nosso camarada da diáspora António Medina
[ Natural de Santo Antão, Cabo Verde, a viver nos EUA, António Medina, ex-fur mil inf, CART 527 (Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65; foi funcionário do BNU em Bissau, depois de passar à disponibilidade e até à independência] [foto atual à direita]
No dia 23 de Junho de 2014 às 22:52, António C. Medina escreveu:
Olá, camarada e amigo Luís:
Há muito não te contactei porque procurei ultimar este trabalho que vivia em letargia nas minhas memórias, precisamente para coincidir com o aniversário deste acontecimento que na altura me desapontou imenso sem todavia nada poder fazer.
Antes de se tomar qualquer iniciativa gostaria que atentamente lesses o seu conteúdo e me desses a tua opinião se pode ou não ser publicado no blogue. Considerei este caso como uma forma de terror que se pode juntar a muitos mais e infelizmente praticados pelo nosso exército em todas as frentes de luta.
Aguardarei ouvir a tua opinião quando puderes.
Um abraço
Medina
A2. Resposta de L.G. com data de hoje:
António:
Não há, não houve, nem nunca haverá guerras "limpas". No caso da guerra que nos coube em sorte, é minha opinião que nem nós nem o PAIGC fomos "meninos de coro". Na mesma altura, ou antes, em que se passam os acontecimentos que tu relatas (em Jolmete, na região do Cacheu, entre junho e setembro de 1964), o PAIGC fazia o seu 1º congresso em Cassacá, no sul, na região de Tombali, e "limpava" a casa, com julgamentos revolucionários e execuções sumárias que tiveram o OK de Amílcar Cabral... Mas uma mão não limpa a outra, nem um partido dito revolucionário como o PAIGC podia servir de bitola para "avalizar" o comportamento dos militares de um exército regular, de um país ocidental como o nosso.
No dia 23 de Junho de 2014 às 22:52, António C. Medina escreveu:
Olá, camarada e amigo Luís:
Há muito não te contactei porque procurei ultimar este trabalho que vivia em letargia nas minhas memórias, precisamente para coincidir com o aniversário deste acontecimento que na altura me desapontou imenso sem todavia nada poder fazer.
Antes de se tomar qualquer iniciativa gostaria que atentamente lesses o seu conteúdo e me desses a tua opinião se pode ou não ser publicado no blogue. Considerei este caso como uma forma de terror que se pode juntar a muitos mais e infelizmente praticados pelo nosso exército em todas as frentes de luta.
Aguardarei ouvir a tua opinião quando puderes.
Um abraço
Medina
A2. Resposta de L.G. com data de hoje:
António:
Não há, não houve, nem nunca haverá guerras "limpas". No caso da guerra que nos coube em sorte, é minha opinião que nem nós nem o PAIGC fomos "meninos de coro". Na mesma altura, ou antes, em que se passam os acontecimentos que tu relatas (em Jolmete, na região do Cacheu, entre junho e setembro de 1964), o PAIGC fazia o seu 1º congresso em Cassacá, no sul, na região de Tombali, e "limpava" a casa, com julgamentos revolucionários e execuções sumárias que tiveram o OK de Amílcar Cabral... Mas uma mão não limpa a outra, nem um partido dito revolucionário como o PAIGC podia servir de bitola para "avalizar" o comportamento dos militares de um exército regular, de um país ocidental como o nosso.
Usámos a arma do terror, tal como o PAIGC usou. Infelizmente, vou sabendo, aqui e acolá, em conversas "off record", com outros camaradas do teu tempo, de mais casos, pontuais é certo, de execuções sumárias, praticadas nessa época, noutros sítios (por ex., setor de Bambadinca)... Não sabemos qual a extensão dessas práticas, espero que tenham sido meros casos isolados. Também não adianta "sacar" culpas para o exército, ou reparti-las com a PIDE e/ou a administração colonial...
No mínimo, e não havendo tribunais de guerra, estas decisões deviam ter o OK de Bissau, e no caso concreto que relatas, do brig Arnaldo Schulz (ministro do interior de Salazar, entre 1958 e 1961, promovido a brigadeiro em 1963, ainda em Angola, e nomeado depois governador-geral e comandante-chefe no TO da Guiné, em maio de 1964; chegou a Bissau a 24 de maio de 1964).
No mínimo, e não havendo tribunais de guerra, estas decisões deviam ter o OK de Bissau, e no caso concreto que relatas, do brig Arnaldo Schulz (ministro do interior de Salazar, entre 1958 e 1961, promovido a brigadeiro em 1963, ainda em Angola, e nomeado depois governador-geral e comandante-chefe no TO da Guiné, em maio de 1964; chegou a Bissau a 24 de maio de 1964).
Eu fiz a guerra, de junho de 1969 a março de 1971, no tempo de Spínola e da chamada política da "Guiné Melhor"... Não participei nem tive conhecimentos de casos como o que relatas. Mas no meu tempo, os meus soldados africanos da CCAÇ 12, os mais velhos (com o pobre do Abibo Jau, mais tarde fuzilado pelo PAIGC) contaram-me algumas histórias macabras, da responsabilidade da polícia administrativa de Bambadinca.
Por outro, Samba Silate é um exemplo triste de uma tabanca balanta reduzida a cinzas.... E um padre italiano, da missão de Samba Silate, foi preso pela PIDE em 23/2/1963, acusado de atividades subversivas... Já escrevemos sobre isso, aqui no blogue... Mas a "guerra subversiva" e "contrassubversiva", nesta época (1959/64), ainda está muito mal documentada....
Um dos princípios fundamentais do nosso blogue é a nossa obrigação de relatar factos e episódios por nós vividos ou do nosso conhecimento, procurando dizer a verdade e só a verdade, e recusando fazer juízos de valor... O teu testemunho é assertivo, ponderado, equilibrado e, parece-me, isento e responsável, ditado também por um imperativo de consciência de um homem cristão e português, como tu.
Em dez anos de blogue é a primeira vez que um camarada nosso tem a coragem de, publicamente, assinar um relato desses, com execuções sumárias de suspeitos de colaborar com o IN. Da minha parte, suspeito que este tipo de acções não chegava a constar dos nossos relatórios militares, sendo portanto altamente improvável que um dia os investigadores tenham acesso a estes factos no Arquivo Histórico Militar, por exemplo.
Tens o meu OK, para publicar o teu testemunho, e gostaria que fosse já, 50 anos depois. É uma efeméride trágica. Tens o cuidado de não identificar nenhum camarada, e esse é um dos nossos princípios. Não somos juízes nem queremos julgar ninguém. Esses factos também fazem parte da nossa memória (dolorosa) da guerra na Guiné.
Dou-te os parabéns pela tua decisão de contar este "segredo". É também uma afirmação contra o medo de seres julgado pelos teus pares. Espero que apareçam mais versões destes acontecimentos. As tuas melhoras, se possível.
Um abraço fraterno.
Luís Graça
A3. Resposta do António Medina, hoje; às 14:35
Obrigado, Luís, pela tua apreciação ao meu testemunho que resolvi trazer à tona do que realmente aconteceu há cinquenta anos. Vamos então publicá-lo quanto antes como dizes e conto com a tua colaboração nesse sentido. Gostaria de o realçar talvez com algumas fotos minhas de Jolmete que certamente aí tens, assim mesmo vou tentar reenviá-las de imediato para que não se perca mais tempo. Logo após a publicação, agradecia que me avisasses para que eu possa tomar conhecimento. Telefonar-te-ei um dia desses.
Um abraço amigo
AMedina
Obrigado, Luís, pela tua apreciação ao meu testemunho que resolvi trazer à tona do que realmente aconteceu há cinquenta anos. Vamos então publicá-lo quanto antes como dizes e conto com a tua colaboração nesse sentido. Gostaria de o realçar talvez com algumas fotos minhas de Jolmete que certamente aí tens, assim mesmo vou tentar reenviá-las de imediato para que não se perca mais tempo. Logo após a publicação, agradecia que me avisasses para que eu possa tomar conhecimento. Telefonar-te-ei um dia desses.
Um abraço amigo
AMedina
Guiné > Região do Cacheu > Mapa de Pelundo (1953) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Jolmete e Ponta Nhaga
B. Teixeira Pinto > Ponta Nhaga e Jolmete > 24 de junho de 1964 - Emboscada e suas consequências
I. Já lá vão precisamente cinquenta anos que carrego um facto bastante sombrio e macabro que a minha memória, vencendo o tempo e as mazelas deixadas em mim pela doença do Parkinson, conseguiu preservar no silêncio até hoje, pela maneira desumana e cruel que um julgamento sumário foi executado, ditado pelo Comando do Batalhão de Caçadores 507, de Bula [, sendo na altura seu comandante o tenente coronel Hélio Felgas].
I. Já lá vão precisamente cinquenta anos que carrego um facto bastante sombrio e macabro que a minha memória, vencendo o tempo e as mazelas deixadas em mim pela doença do Parkinson, conseguiu preservar no silêncio até hoje, pela maneira desumana e cruel que um julgamento sumário foi executado, ditado pelo Comando do Batalhão de Caçadores 507, de Bula [, sendo na altura seu comandante o tenente coronel Hélio Felgas].
Não se trata de nenhuma minha criatividade ou ficção, mas sim a descrição verdadeira de factos sucedidos, contados a mim na altura por quem foi testemunha e participante de uma acção bastante degradante e vergonhosa, devidamente escondida e “abafada” pelos militares e a PIDE, porque das vítimas nada reza.
Por questão da minha própria ética procurarei evitar denunciar aqueles responsáveis que estiveram directamente envolvidos em tal processo.
Por questão da minha própria ética procurarei evitar denunciar aqueles responsáveis que estiveram directamente envolvidos em tal processo.
Desejo também esclarecer neste caso especifico que, como Furriel Operacional, fui um dos indicados a participar com a minha secção no cerco à tabanca de Jolmete que a seguir mencionarei, na captura de elementos considerados subversivos e na escolta dos mesmos para Teixeira Pinto onde ficaram sob a nossa guarda dentro daquele perímetro militar. Quando “Sargento Dia” em escala como qualquer um outro, assisti o corpo da guarda na distribuição de água e sobras do rancho para o sustento dos mesmos.
II. Por determinação do Comando de Bula, assiduamente as tabancas de Ponta Nhaga e de Jolmete eram visitadas pelas nossas forças, dentro do espírito do programa de reconhecimentos como retenção a possíveis infiltrações inimigas.
Sentiamo-nos confiantes e familiarizados, mais com os residentes de Jolmete, pela simpatia e maneiras com que éramos distinguidos, muitas vezes dando-nos as boas vindas, exibindo as suas danças e cantares na cadência de um bater de palmas e pés no chão, ao som de um batuque não ensurdecedor, pelo contrário harmonioso no qual um ou outro soldado por graça se juntava.
No clima amistoso que se vivia, [a gente] se estendia no chão de papo para o ar em qualquer sombra, as cartucheiras debaixo da cabeça para melhor conforto e a arma ao lado, conversa amena entre soldado e nativo, negociando particularmente um frango para um delicioso churrasco no regresso ao quartel, um ou outro apreciando em silêncio as curvas de uma bajuda de “mama firmada” que bem parecia mais ter sido talhada a canivete, comportamento que fugia às regras e normas de segurança exigidas pelo status da guerra e que bem poderiam custar a nossa própria vida, o que estávamos ignorando.
A pedido do sargento encarregado do rancho e sob a discrição e consentimento do régulo que fixava os preços, quantas vezes se comprou frangos, ovos, cabritos e bananas que tivessem disponíveis, oferecendo-nos o gostoso e fresco vinho de palma (seiva da palmeira) sem todavia pressioná-los. Como “labaremos” (agradecimento), se distribuía garrafões e latas vazias e algum arroz que o inventário do vaguemestre classificava como sobra na existência do fim de cada mês.
A nível de pelotão, repetitivamente e em roulement lá íamos em coluna auto pela estrada de terra batida totalmente despreocupados, sem qualquer referência a minas ou outras armadilhas porque delas ainda nada ou pouco se falava, de Teixeira Pinto, passando por Pelundo, seguindo em direcção de Ponta Nhaga, depois regressar a Teixeira Pinto passando por Jolmete, e vice-versa na semana seguinte.
II. Por determinação do Comando de Bula, assiduamente as tabancas de Ponta Nhaga e de Jolmete eram visitadas pelas nossas forças, dentro do espírito do programa de reconhecimentos como retenção a possíveis infiltrações inimigas.
Sentiamo-nos confiantes e familiarizados, mais com os residentes de Jolmete, pela simpatia e maneiras com que éramos distinguidos, muitas vezes dando-nos as boas vindas, exibindo as suas danças e cantares na cadência de um bater de palmas e pés no chão, ao som de um batuque não ensurdecedor, pelo contrário harmonioso no qual um ou outro soldado por graça se juntava.
No clima amistoso que se vivia, [a gente] se estendia no chão de papo para o ar em qualquer sombra, as cartucheiras debaixo da cabeça para melhor conforto e a arma ao lado, conversa amena entre soldado e nativo, negociando particularmente um frango para um delicioso churrasco no regresso ao quartel, um ou outro apreciando em silêncio as curvas de uma bajuda de “mama firmada” que bem parecia mais ter sido talhada a canivete, comportamento que fugia às regras e normas de segurança exigidas pelo status da guerra e que bem poderiam custar a nossa própria vida, o que estávamos ignorando.
A pedido do sargento encarregado do rancho e sob a discrição e consentimento do régulo que fixava os preços, quantas vezes se comprou frangos, ovos, cabritos e bananas que tivessem disponíveis, oferecendo-nos o gostoso e fresco vinho de palma (seiva da palmeira) sem todavia pressioná-los. Como “labaremos” (agradecimento), se distribuía garrafões e latas vazias e algum arroz que o inventário do vaguemestre classificava como sobra na existência do fim de cada mês.
A nível de pelotão, repetitivamente e em roulement lá íamos em coluna auto pela estrada de terra batida totalmente despreocupados, sem qualquer referência a minas ou outras armadilhas porque delas ainda nada ou pouco se falava, de Teixeira Pinto, passando por Pelundo, seguindo em direcção de Ponta Nhaga, depois regressar a Teixeira Pinto passando por Jolmete, e vice-versa na semana seguinte.
Quando menos se esperava, no dia de S. João, 24 de Junho de 1964, à tardinha durante o nosso regresso de Jolmete para Teixeira Pinto, fomos surpreendidos e emboscados por um grupo armado a cerca de quatro quilómetros da tabanca, causando-nos algumas baixas com certa gravidade.
De madrugada chovia a potes, encharcados mas agora conscientes da presença inimiga, cautelosos e com medo, reforçados, regressámos a Jolmete, com um percurso a fazer a pé depois de Pelundo, para que o factor surpresa nos beneficiasse na operação sob o comando do Capitão de Teixeira Pinto. As instruções eram taxativas para se prender todos os homens, inclusive o régulo, deixando apenas mulheres e crianças. Que fossem transportados para Teixeira Pinto onde ficariam sob a nossa custódia até novas instruções. Assim tudo foi feito em cumprimento, sem qualquer resistência .
Conhecíamos o neto do régulo de Jolmete, de nome Celestino, rapaz de cerca de 22 anos de idade, simpático, vestido e calçado, expressando-se bem em português, com o segundo ano dos liceus já feitos no Honório Barreto em Bissau onde dava continuidade aos seus estudos. Sempre que chegava a Teixeira Pinto era ele hóspede da nossa messe para uma refeição e bate-papo connosco, furriéis. Acontece que naquela manhã o Celestino estava na Tabanca do avô e também foi preso.
III. Levados para Teixeira Pinto ficaram fechados no edifício do celeiro que se situava dentro da área do quartel, cedido pelo Administrador do Concelho, numa estadia de quase dois meses sob nossa guarda.
Pelos resultados colhidos nos interrogatórios se constatou que o grupo armado planeava atacar na nossa hora de ociosidade, com receio de alguma represália da tropa a posteriori, o régulo e o neto felizmente convenceram-lhes que alterassem seus planos para uma acção fora da tabanca, o que de nada serviu mais tarde como atenuante para lhes poupar a vida.
Entretanto o Comando de Bula [BCAÇ 507] ditou-lhes a pena capital, para que todos fossem fuzilados em local secreto, com excepção do Celestino que continuaria preso em Teixeira Pinto. Que fossem transportados pela estrada de Jolmete em dia a indicar onde estaria tudo já preparado pelos participantes de Bula.
Eram eles cerca de vinte homens, o régulo de Jolmete já homem velho, de barbas e cabelos brancos, fraco pela má alimentação, outros mais novos, todos sendo transportados em GMC sob escolta do segundo pelotão [, da CART 527]. No local indicado já os esperava um dos Capitães de Bula, com uma vala aberta por uma escavadora e um outro pelotão alinhado à distancia, olhando de frente para a vala, de costas para a estrada. O pelotão da CART 527 cuidou apenas da segurançaa da área para que o trabalho fosse ultimado sem qualquer interferência do inimigo.
De mãos atadas, os prisioneiros foram alinhados de costas para a vala. O Capitão de Bula ali estava como Oficial mandante da ordem. Através de um intérprete explicava a razão daquele procedimento, quando um dos presos consegue se soltar e fugir em direcção à mata. Nesse interim de confusão o pelotão disparou precipitadamente sem ter recebido ordem de fogo, restando corpos sem vida caídos na vala, à podridão, sem direito sequer a um choro, à dança das mulheres grandes ou a um toque de bombolom.
A vala comum foi fechada e armadilhada com minas anti-pessoal plantadas por sapadores de Bula. No dia seguinte essa acção da tropa colonial foi revelada pelos órgãos do PAIGC .
O Celestino continuou preso em Teixeira Pinto até que um dia a sua pena também capital não tardasse a chegar. Um furriel seria indicado para executar a sentença, que para nós era bastante pesaroso e em nada dignificante, dado o relacionamento e bom trato que mantínhamos com ele até se retratar como informador, para depois ser prisioneiro de guerra sem qualquer possibilidade de defesa.
De madrugada chovia a potes, encharcados mas agora conscientes da presença inimiga, cautelosos e com medo, reforçados, regressámos a Jolmete, com um percurso a fazer a pé depois de Pelundo, para que o factor surpresa nos beneficiasse na operação sob o comando do Capitão de Teixeira Pinto. As instruções eram taxativas para se prender todos os homens, inclusive o régulo, deixando apenas mulheres e crianças. Que fossem transportados para Teixeira Pinto onde ficariam sob a nossa custódia até novas instruções. Assim tudo foi feito em cumprimento, sem qualquer resistência .
Conhecíamos o neto do régulo de Jolmete, de nome Celestino, rapaz de cerca de 22 anos de idade, simpático, vestido e calçado, expressando-se bem em português, com o segundo ano dos liceus já feitos no Honório Barreto em Bissau onde dava continuidade aos seus estudos. Sempre que chegava a Teixeira Pinto era ele hóspede da nossa messe para uma refeição e bate-papo connosco, furriéis. Acontece que naquela manhã o Celestino estava na Tabanca do avô e também foi preso.
III. Levados para Teixeira Pinto ficaram fechados no edifício do celeiro que se situava dentro da área do quartel, cedido pelo Administrador do Concelho, numa estadia de quase dois meses sob nossa guarda.
Pelos resultados colhidos nos interrogatórios se constatou que o grupo armado planeava atacar na nossa hora de ociosidade, com receio de alguma represália da tropa a posteriori, o régulo e o neto felizmente convenceram-lhes que alterassem seus planos para uma acção fora da tabanca, o que de nada serviu mais tarde como atenuante para lhes poupar a vida.
Entretanto o Comando de Bula [BCAÇ 507] ditou-lhes a pena capital, para que todos fossem fuzilados em local secreto, com excepção do Celestino que continuaria preso em Teixeira Pinto. Que fossem transportados pela estrada de Jolmete em dia a indicar onde estaria tudo já preparado pelos participantes de Bula.
Eram eles cerca de vinte homens, o régulo de Jolmete já homem velho, de barbas e cabelos brancos, fraco pela má alimentação, outros mais novos, todos sendo transportados em GMC sob escolta do segundo pelotão [, da CART 527]. No local indicado já os esperava um dos Capitães de Bula, com uma vala aberta por uma escavadora e um outro pelotão alinhado à distancia, olhando de frente para a vala, de costas para a estrada. O pelotão da CART 527 cuidou apenas da segurançaa da área para que o trabalho fosse ultimado sem qualquer interferência do inimigo.
De mãos atadas, os prisioneiros foram alinhados de costas para a vala. O Capitão de Bula ali estava como Oficial mandante da ordem. Através de um intérprete explicava a razão daquele procedimento, quando um dos presos consegue se soltar e fugir em direcção à mata. Nesse interim de confusão o pelotão disparou precipitadamente sem ter recebido ordem de fogo, restando corpos sem vida caídos na vala, à podridão, sem direito sequer a um choro, à dança das mulheres grandes ou a um toque de bombolom.
A vala comum foi fechada e armadilhada com minas anti-pessoal plantadas por sapadores de Bula. No dia seguinte essa acção da tropa colonial foi revelada pelos órgãos do PAIGC .
O Celestino continuou preso em Teixeira Pinto até que um dia a sua pena também capital não tardasse a chegar. Um furriel seria indicado para executar a sentença, que para nós era bastante pesaroso e em nada dignificante, dado o relacionamento e bom trato que mantínhamos com ele até se retratar como informador, para depois ser prisioneiro de guerra sem qualquer possibilidade de defesa.
Desta maneira, logo se soube da execução a ser cumprida, naquela tarde os furriéis saíram quanto mais cedo do quartel procurando uma forma de evitar participar no fuzilamento. Eu, como exemplo, decidi sem que ninguém desse conta visitar um senhor cabo-verdiano empregado comercial de uma casa libanesa, pai de uma linda morena a quem ia eu fazendo olhos bonitos para um possível namoro “caliente”. Me permitiu aquele senhor. meu patrício, arrastar um pouco mais a minha visita naquela noite, sem todavia lhe dar a entender do que se estava passando.
O facto foi consumado por um colega furriel miliciano e sua secção nas imediações do pequeno aeródromo de Teixeira Pinto. Viveu-se alguns dias em clima de pesar e tristeza no quartel, evidenciado pelos soldados nativos (eram eles distribuídos pelos pelotões e tinha eu três deles na secção) que praticamente se afastaram das outras praças.
No dia seguinte da execução fui instruído para fazer uma patrulha de reconhecimento com o meu grupo em determinada área, notei que no momento de um pequeno descanso que achei por bem todos fizéssemos, os três militares se afastaram do grupo e se sentaram, de armas na mão como todos nós. Tive certa apreensão no momento o que me levou a aproximar e ficar junto deles em conforto, sem todavia ter havido nenhuma conversa, pelo contrário um silêncio absoluto de quem se sentia bastante magoado e triste. Felizmente nada aconteceu talvez pela disciplina, tratamento amigo e igual para todos que sempre implementei.
Regressámos algum tempo depois à Tabanca de Jolmete e constatámos que tinha sido destruída, suas palhotas queimadas não pela tropa, abandonada pelos sobreviventes que se puseram em debandada para local desconhecido. Acreditámos nessa altura que tivessem procurado lugar que para eles fosse mais seguro, em apoio também ao PAIGC por jamais merecermos sua confiança.
Uma vasta área foi limpa do capim, árvores e arbustos para que fosse construído para a nossa defesa e logística um verdadeiro ”fortim” com troncos de cibos, chapas de bidões e zinco, terra batida, conforme as fotos em anexo.
António Medina, Junho de 2014
Nota do editor:
Último poste da série > 5 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13101: De Lisboa a Bissau, passando por Lamego: CART 527 (1963/65) (António Medina) - Parte I: Caió, Bula, Olossato, Fajonquito, meados de 1963...
Regressámos algum tempo depois à Tabanca de Jolmete e constatámos que tinha sido destruída, suas palhotas queimadas não pela tropa, abandonada pelos sobreviventes que se puseram em debandada para local desconhecido. Acreditámos nessa altura que tivessem procurado lugar que para eles fosse mais seguro, em apoio também ao PAIGC por jamais merecermos sua confiança.
Uma vasta área foi limpa do capim, árvores e arbustos para que fosse construído para a nossa defesa e logística um verdadeiro ”fortim” com troncos de cibos, chapas de bidões e zinco, terra batida, conforme as fotos em anexo.
António Medina, Junho de 2014
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Último poste da série > 5 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13101: De Lisboa a Bissau, passando por Lamego: CART 527 (1963/65) (António Medina) - Parte I: Caió, Bula, Olossato, Fajonquito, meados de 1963...