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sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27348: Notas de leitura (1855): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Ecos Coloniais não é nem um guia de viagem nem um almanaque de curiosidades histórico-culturais onde as memórias coloniais e imperiais se interpenetram. Juntaram-se académicos, ativistas, museólogos e jornalistas e fazem uma apreciação desses espaços, lugares, monumentos, instituições onde pulsam as tais reverberações que dão ensejo a encarar a História de Portugal na faceta que as marcas do Império nos arrastam à compreensão da nossa identidade, na dimensão do passado. Começámos no Arquivo Histórico Ultramarino, estamos hoje em frente ao monumento a Sá da Bandeira, vamos até ao Forte do Bom Sucesso, o monumento aí é outro, homenageiam-se os combatentes mortos nas guerras do Ultramar, seguimos depois para o Museu Nacional da Etnologia. Dá-se esta obra como relevante, é um exercício original para debates sobre passado e o presente, mostra como o património colonial está obrigatoriamente associado a uma memória inapagável.

Um abraço do
Mário



Império e colonialismo: reverberações na Lisboa atual - 3

Mário Beja Santos

Ecos Coloniais resulta de um exercício coletivo de investigação sobre o património histórico e cultural, aqui se interrogam instituições, entidades, monumentos, obras de arte, palácios onde se interseccionam a história colonial e imperial portuguesa, do passado ao presente, edição ilustrada com fotografias de Pedro Medeiros e o acervo de textos tem a coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto, edição Tinta-da-China 2022. Logo na introdução, os organizadores referem que este levantamento é uma obra consciente e que há muito por investigar e por saber, importa evitar generalidades e simplismos mobilizadores para escapar aos engenheiros e empreendedores da “história” e da “memória”.

Encaminhamo-nos agora para o monumento a Sá da Bandeira, sito ali perto do Mercado da Ribeira e da Marconi, tendo a Avenida 24 de julho pela frente. O bravo Marechal, de nome Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, de bravura incontestável, liberal e irredutível, está ligado à abolição da escravatura em Portugal. Como escrevem os autores deste texto, “Na década de 1850, quando vários decretos vão progressivamente libertando os escravos do Estado e das misericórdias, quando se estabelece o conceito da liberdade do ventre e aqueloutro de ‘libertos’. São estes dois bons exemplos de carácter gradual, feito de concessões e cedências, e hesitações, que marcou não só o abolicionismo português como a própria figura de Sá da Bandeira (…) A estátua de celebração do Marquês Sá da Bandeira não se esgota no movimento abolicionista. No sope, uma outra estátua, de uma mulher africana evoca aquilo que era um tropo na altura: o agradecimento do continente e seus habitantes, ao abolicionismo protagonizado pelas classes esclarecidas dos países ‘civilizados’. O problema da escravatura enquanto injunção moral que os poderes imperiais projetavam sobre si mesmo havia sido transformada num novo instrumento de geopolítica. A escravatura, real, que existia ainda no continente africano, apesar das várias ‘abolições’, era então identificada como problema congénito das sociedades locais a que estavam associados outros: poligamia, canibalismo, uso imoderado de álcool, predisposição para a indolência. A escravatura, alimentada que tinha sido ao ponto de alcançar uma dimensão quase industrial na sua versão transatlântica, era agora apresentada como o resultado do atavismo e violência de grupos socioculturais tidos por atrasados.”

O marechal e aquela mulher africana com a criança ao colo, no significado que a época lhe deu, representa a homenagem do país a quem deu a liberdade aos escravos, mas num quadro ideológico de tornar estes libertos indígenas com possibilidade de aceder à civilização.

Tomámos agora o rumo para Belém, vamos até ao monumento aos Combatentes do Ultramar. Diz a autora do texto: “Numa instrumentalização da dor, os monumentos aos mortos de guerra revelam que a morte não dá igualdade. A abstração do morto aniquila as diferenças dos que lutaram integrando-as num processo hegemónico.” Anteriormente, a autora apresentara assim o monumento inaugurado em 5 de fevereiro de 2000:
“Ao Forte do Bom Sucesso foram adicionadas placas talhadas com os nomes, dispostos cronologicamente, de cerca de 10 mil soldados mortos na Guerra Colonial, incluindo soldados africanos das Forças Armadas Portuguesas. A associação dos mortos procura fortalecer, por um lado, a ideia de uma linearidade histórica, sem as ruturas que momentos de crise como as guerras poderiam causar e, por outro lado, a integração orgânica dos membros do corpo nacional, onde também se encontra o colonial. A 11 de novembro de 2015, no 97.º aniversário do Armistício, foi integrado ao conjunto memorial o Soldado Desconhecido caído na Guiné durante a Guerra Colonial, depositado na Capela do Combatente. Tal como em 1921, o morto anónimo é colocado no centro do palco. O herói não identificado, figura idealizada e transversal, é chamada à função de regenerar a nação e transladado para o Panteão Nacional.”

Um monumento que esteve envolvido em controvérsia, e que tem a estatura de uma ferida histórica, há quem o encare como espelho de memória de uma descolonização acabada. Com o passar dos anos, este espaço público vai gerando o sentimento de uma memória comum, ganha o papel de reconciliador, torna-se numa memória comum, o país ajustou-se à veneração dos seus mortos, já são muito poucos os que, por razões ideológicas, pretendem instrumentalizar a dor.

A última viagem é ao Museu Nacional de Etnologia, a autora do texto revela-se bastante crítica quanto ao teor da exposição permanente e releva o papel do multiculturalismo que em Portugal se agigantou com as sucessivas vagas de imigração, logo a dos “retornados” após a revolução do 25 de abril, o que está patente no Museu oculta o lado violento e racista do colonialismo português, abre espaço para exibir narrativas como a panaria de Cabo Verde e Guiné Bissau, e a autora destaca a importância do Serviço Educativo que valoriza as coleções a partir do presente, contribuindo para a construção de relações recíprocas, tal serviço educativo volta-se hoje para a população afrodescendente, contribuindo de forma crítica para o combate à marginalização de grupos sociais que buscam sentido de cidadania, fora da ética dos Descobrimentos. “Coleções como as do Museu Nacional da Etnologia constituem uma oportunidade única para conhecer uma história profundamente desumana, permitindo-nos ativar práticas reparadoras no campo das temporalidades, das materialidades e da dignidade, e compreender melhor o mundo em que vivemos, para podermos assumir o compromisso de contribuir para a construção de um presente melhor.”

Ecos Coloniais, vale a pena repetir, debruça-se sobre um eco diversificado de espaços, atores, instituições e símbolos, permitem-nos ver ou refletir sobre histórias imperiais e coloniais que podemos ver em Lisboa e arredores. É um trabalho coletivo, envolve uma equipa em que há autores e um fotógrafo. Impondo-se uma súmula ou resenha desses espaços e lugares, falando de um quadro que está no Museu Nacional de Arte Contemporânea, “os Pretos de Serpa Pinto”, iremos depois ao Porto de Lisboa e à Sociedade de Geografia de Lisboa.

Monumento aos combatentes do Ultramar, junto do Forte do Bom Sucesso
Museu Nacional de Etnologia, objetos em exposição
Os Pretos de Serpa Pinto, Catraio e Mariana, por Miguel Ângelo Lupi, 1879, Museu Nacional de Arte Contemporânea

(continua)
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Notas do editor

Vd. post de 17 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27326: Notas de leitura (1852): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (2) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 20 de outubro de 2025 >
Guiné 61/74 - P27336: Notas de leitura (1854): "Um Império de Papel", por Leonor Pires Martins; posfácio de Manuela Ribeiro Sanches; Edições 70, 2.ª edição, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27326: Notas de leitura (1852): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Continuando a viagem por Lisboa onde há reminiscências imperiais desde arquivo, ao nome de ruas, monumentos alusivos, praças, museus, palácios, e muito mais. Os organizadores deste interessantíssimo projeto escolheram até pontos de encruzilhada entre o antes, o durante e o depois, é o caso da estação Terreiro do Paço, que conheci pelo nome de Sul e Sueste, como se podia ter escolhido o comboio da linha de Sintra, onde arribam e partem afrodescendentes e imigrantes aos magotes. Desta feita a viagem começa no Banco Nacional Ultramarino, na Baixa Lisboeta, seguimos para o Palácio Burnay, na Junqueira, onde funcionou o ISCSPU, a última escola de preparação da elite administrativa colonial; e procurámos visualizar o que poderá vir a ser o Memorial de Homenagem às Pessoas Escravizadas, no antigo Campo das Cebolas, hoje Largo José Saramago. Seguiremos depois para um lugar não muito longe deste, o Monumento a Sá da Bandeira, ali ao lado do Mercado da Ribeira.

Um abraço do
Mário


Império e colonialismo: reverberações na Lisboa atual - 2

Mário Beja Santos

Ecos Coloniais resulta de um exercício coletivo de investigação sobre o património histórico e cultural, aqui se interrogam instituições, entidades, monumentos, obras de arte, palácios onde se interseccionam a história colonial e imperial portuguesa, do passado ao presente, edição ilustrada com fotografias de Pedro Medeiros e o acervo de textos tem a coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto, edição Tinta-da-China 2022. Logo na introdução, os organizadores referem que este levantamento é uma obra consciente e que há muito por investigar e por saber, importa evitar generalidades e simplismos mobilizadores para escapar aos engenheiros e empreendedores da “história” e da “memória”.

Já se andou pelo Arquivo Histórico Ultramarino, pela Associação Comercial de Lisboa e pelo Bairro das Colónias, vamos começar a itinerância de hoje no Banco Nacional Ultramarino. A sua sede na Baixa Lisboeta tinha a dimensão de um quarteirão inteiro, hoje é o MUDE – Museu do Design e da Moda. O BNU foi durante mais de cem anos o instrumento e a imagem do financiamento do Fomento Ultramarino; constituiu-se em 1864, é, pois, contemporâneo do crescente interesse pela nossa presença em África. À cabeça dos promotores figurava Oliveira Chamiço, ligado a uma família de negociantes do Porto e educado em Inglaterra.

Era um Banco privado que recebeu do Estado importantes prerrogativas: privilégio exclusivo de constituição e administração de instituições bancárias e de emissão de notas nos territórios ultramarinos, tinha isenção de impostos e funcionava como caixa do Estado. Nas listas de acionistas figuraram grandes negociantes com interesse em África, mas a maioria das participações eram puras aplicações financeiras. Um Banco que sofreu várias crises, sobreviveu com auxílio do Estado. Não é despiciendo falar numa triangulação entre a Sociedade de Geografia de Lisboa, a Associação Comercial de Lisboa e o BNU, era gente que se conhecia e sonhava com negócios em África.

O BNU fomentou a agricultura em São Tomé. Na administração de João Ulrich (1918-1931) a expansão da atividade foi acompanhada pelo alargamento das instalações, prosperou, internacionalizou-se com sucursais em Inglaterra, França e no Brasil e, tirando Angola, tinha delegações em todas as parcelas ultramarinas. Chegou a estar à beira da falência em 1931, o Governo ordenou o resgate, foi uma intervenção que durou vinte anos. Em 1951 começou uma nova fase na vida do BNU, preparou-se para as celebrações do centenário remexendo no exterior e no interior da grande construção na Baixa. O BNU não sobreviveu à descolonização, mas continuou a funcionar por trinta anos, então na órbita da Caixa Geral de Depósitos, transferiu-se para a Avenida 5 de Outubro, um projeto de Tomás Taveira. O edifício da Baixa está a ser gradualmente recuperado, o visitante tem oportunidade de admirar vestígios da antiga grandiosidade.

Podíamos apanhar um elétrico em direção a Algés e sair no Palácio Burnay, na Junqueira, onde funcionou o ISCSPU – Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina que para aqui se transferiu em novembro de 1962. Este foi o espaço escolhido para acolher os formandos do Corpo Administrativo do Império Colonial Português, acolhia à época o Conselho Ultramarino, este datava do início do século XVIII. Este Palácio andou de mão em mão entre proprietários civis e eclesiásticos até ser comprado à família Burnay pelo então Ministério das Colónias, em 1940, aqui foram instalados o Conselho Técnico de Fomento Colonial, a Junta das Missões Geográficas e de Investigações Coloniais, a Inspeção Superior de Administração Colonial, para além do então designado Conselho do Império Colonial, posteriormente Conselho Ultramarino.

A formação do corpo administrativo colonial deu passos com a criação da Escola Colonial, que começou a funcionar na Sociedade de Geografia de Lisboa. Foi depois Escola Superior Colonial, na década de 1920, andou pelo Palacete Anjos, no Príncipe Real e daqui transferiu-se para a Junqueira. É indiscutível que a Instituição teve um papel relevante na formação de uma elite de funcionários. A um nível institucional elevado, é de destacar a colaboração cientifico-social empreendida no quadro da Comissão de Cooperação Técnica na África ao sul do Saara – organismo criado em 1950 pelos governos de França, Reino Unido, Portugal, Bélgica, União da África do Sul e Rodésia do Sul, como se compreenderá para procurar responder à era da descolonização. Deu-se na formação dos funcionários coloniais a incorporação das ciências sociais. Criou-se o Centro de Estudos Políticos e Sociais, em 1956, na Junta de Investigações do Ultramar para funcionar junto do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos. Com o 25 de abril, a instituição mudou de look e natureza, o Palácio Burnay ficou vazio.

Falando agora do Memorial de Homenagem às Pessoas Escravizadas, com projeto aprovado do artista angolano-português Kiluanji Kía Henda, que tem dado tanta controvérsia, faz agora aqui, faz agora acolá, tem como lugar escolhido o Largo José Saramago, o antigo Campo da Cebolas, com sobejas ligações aos tempos coloniais, fabricação de navios, mercado de bens comerciais, etc. O Memorial surge pela iniciativa da Djass – Associação de Afrodescendentes, beneficiará de apoios camarários. A obra que ganhou o concurso chama-se Plantação do já referido artista angolano-português, ele propõe um lugar de memória aberto à reflexão. Trata-se de uma instalação de 540 canas-de-açúcar de três metros de altura e oito centímetros de diâmetro, em alumínio preto, dispostas na forma de triângulo, em representação do comércio triangular entre África, América e Europa.

Numa entrevista dada ao Público, em março de 2020, Henda afirma que o memorial representa uma floresta em luto uma memória para todos, pois é uma singela homenagem que nos evita cair numa amnésia coletiva. O monumento constituirá um espaço para “poder compreender as origens do racismo contemporâneo e as continuidades históricas que existem entre o que foi o período de escravatura do projeto colonial português e o racismo contemporâneo.” Recorde-se que Lagos foi o primeiro porto de chegada de pessoas escravizadas, Zurara, na sua Crónica dos Feitos da Guiné, dá-nos uma descrição pungente. Em 2009, foram encontrados restos de 158 corpos de pessoas escravizadas que foram abandonados num depósito de lixo fora dos muros medievais da cidade. Em Lagos foi criado o “Núcleo Museológico Rota da Escravatura – Mercado de Escravos” no lugar onde foram comercializadas as primeiras pessoas provenientes de África. Este pequeno museu é muito criticado pela falta de uma leitura ampla, reforçando a instrumentalização da escravidão em lugar de a questionar.

A nossa próxima viagem começará no Monumento a Sá da Bandeira, mesmo ao lado do Mercado da Ribeira, seguiremos depois para Belém para o monumento aos mortos da guerra colonial.

Era assim o nosso principal Banco Imperial.
Imagem retirada do blogue Restos de Coleção, com a devida vénia
Sala do administrador. Daciano da Costa assinou o projeto de arquitetura e mobiliário.
Imagem retirada do blogue Restos de Coleção, com a devida vénia
O Palácio Burnay já conheceu melhores dias, há movimentos de cidadãos a pedir a sua reabilitação
O que se pensa vir a ser o Memorial de Homenagem às Pessoas Escravizadas

(continua)
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Notas do editor:

Vd. post anterior de 10 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27304: Notas de leitura (1849): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 14 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27315: P27259: Notas de leitura (1851): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có,1972/74) - Parte III: de Leiria a Coimbra, e da Carregueira a Penafiel, a caminho do CTIG (Luís Graça)

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27304: Notas de leitura (1849): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Só agora descobri este interessantíssimo livro editado pela Tinta-da-China em 2022, trata-se de um projeto coletivo envolvendo académicos, ativistas, museólogos, jornalistas que interrogam Lisboa através de um quadro sólido de instituições, entidades, espaços públicos, monumentos, infraestruturas e até nomes de ruas e que são ecos, e mesmo reminiscências, da nossa presença colonial. Dedica-se hoje atenção ao Arquivo Histórico Ultramarino, à Associação Comercial de Lisboa e ao Bairro das Colónias, o primeiro é um lugar fundamental de uma imensidade de estudos, para aqui convergiram documentos multisseculares, os arquivos do Ministério das Colónias, do Arsenal da Marinha, entre outros, deram-se muitas alterações, quando andei a pesquisar João Vicente Santana Barreto, tenente médico que esteve em Cabo Verde e prestou meritíssimos serviços na Guiné, pensei que o seu processo estivesse no Arquivo Geral do Exército, não senhor, o melhor que encontrei foi mesmo aqui; a Associação Comercial de Lisboa esteve ligada a nomes bem representativos de negócios africanos caso de Angola e São Tomé; e o Bairro das Colónias é assim tratado por toda a gente, só resiste a outro tratamento a antiga Praça do Ultramar, hoje Praça das Novas Nações, é um Bairro altamente miscigenado, tem a Farmácia Colonial e o Restaurante Sabores de Goa...

Um abraço do
Mário



Império e colonialismo: reverberações na Lisboa atual - 1

Mário Beja Santos

Ecos Coloniais resulta de um exercício coletivo de investigação sobre o património histórico e cultural, aqui se interrogam instituições, entidades, monumentos, obras de arte, palácios onde se interseccionam a história colonial e imperial portuguesa, do passado ao presente, edição ilustrada com fotografias de Pedro Medeiros e o acervo de textos tem a coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto, edição Tinta-da-China 2022. Logo na introdução, os organizadores referem que este levantamento é uma obra consciente e que há muito por investigar e por saber, importa evitar generalidades e simplismos mobilizadores para escapar aos engenheiros e empreendedores da “história” e da “memória”.

A viagem começa no Arquivo Histórico Ultramarino, instituição criada na década de 1930, pensado desde o início como o arquivo histórico do Império. O seu próprio nome é revelador da profunda ligação que este projeto manteve com uma visão histórica do Império Colonial. Era intento do Estado Novo moldar a memória colonial para se obter uma narrativa oficial sobre o passado de Portugal enquanto nação imperial. Os autores do artigo contam a história deste arquivo que está instalado no Palácio dos Condes da Ega, na Calçada da Boa Hora n.º 30, na Junqueira, lembram a convergência de outros arquivos para aqui, a grande preocupação era a do investimento ideológico no controlo da memória e do discurso histórico sobre o Império. Prevendo-se, após a II Guerra Mundial, o surto da descolonização rebatizou-se o Arquivo Histórico Colonial de Ultramarino.

Depois do 25 de abril, o arquivo conheceu várias tutelas até que em 2015 foi incorporado na Universidade de Lisboa, está integrado na Direção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas. Há vários discursos e narrativas estratégicas na vida deste arquivo e fala-se agora muito de que é um património arquivístico comum da lusofonia. Observam os autores:
“É fundamental que a inventariação da enorme massa documental do Arquivo seja acompanhada por uma sensibilidade crítica relativamente à sombra que esta genealogia continua a projetar sobre o Arquivo”, e advertem que “convém ter presente que os sistemas coloniais de classificação documental podem ocultar certos sujeitos ou certos temas tidos no passado por secundários ou, de algum modo, irrelevantes ou inconvenientes”.
Os autores também referem que também se está a proceder na atualidade a um levantamento dos fundos do Conselho Ultramarino.

Passamos agora para a Associação Comercial de Lisboa, edifício projetado pelo arquiteto Álvaro Augusto Machado, o mesmo da Sociedade Nacional de Belas Artes, aqui se alojou inicialmente um espaço de diversão noturna, o Club Palace, quando este fechou as portas, foi aqui que a Associação se estabeleceu. Esta Associação transferira-se em 1895 para o antigo Palácio Seiscentista dos Condes de Povolide, o Ateneu Comercial de Lisboa. No século XIX fora constituída a Associação Mercantil Lisbonense, muitos dos seus dirigentes estavam ligados a negócios coloniais. “Entre os seus fundadores, muito poucos vinham dos tempos anteriores à abertura dos portos do Brasil à navegação estrangeira, em 1808. A regularização das relações comerciais com o Brasil, sobre as quais a direção solicitava ao Rei providências urgentes, foi uma das suas primeiras preocupações. O mesmo sucedeu com a promoção do comércio com as colónias de África. Logo em 1835, o Conselho da Associação apreciou o memorando sobre a situação de Angola após a abolição do tráfico de escravos. Após ter mudado de denominação para Associação Comercial de Lisboa, em 1855, a Associação formou várias comissões especializadas, uma das quais dedicadas às questões ultramarinas.”

Refere o autor as ligações da Associação com o Banco Nacional Ultramarino, com donos de roças São Tomé e Príncipe e Angola, entre outras, e escreve:
“É impressionante a identificação, durante quase um século entre a direção da Associação e os interesses coloniais. E ainda hoje, passadas décadas sobre a descolonização, embora se concentre mais nas suas funções de Câmara de Comércio e Indústria, a memória dessa relação vive no percurso de vida do atual presidente. À frente da Associação desde 2005, Bruno Pinto Basto Bobone viveu quase toda a sua infância em Moçambique, de onde só regressou depois do 25 de abril.”
Conclui nestes termos:
“Investigar organizações como a Associação Comercial de Lisboa, o processo de recrutamento dos seus dirigentes e de formação das suas posições, enquanto instituições que representam, no plano político, os mesmos interesses económicos coletivos ao longo do tempo, mas sondá-las também como lugares de encontro de indivíduos e de grupos, contribui-se certamente para compreender como mesmo na sociedade de hoje, se seguem certos rumos e se tomam certas opções.”

Da rua das Portas de Santo Antão, passamos para o Bairro das Colónias. Mudou o nome da Praça do Ultramar para Praça das Novas Nações, o nome das ruas mantém-se, há mesmo uma placa de trânsito a indicar o Bairro das Ex-Colónias. Este local corresponde a uma etapa da urbanização da cidade, foi um dos últimos bairros construídos em torno da Avenida Almirante Reis, resultou de um projeto apresentado à Câmara Municipal para urbanizar o espaço que restava da Quinta da Mineira e da Quinta da Charca, era um terreno que se situava entre dois bairros recentes, o Bairro Andrade e o Bairro de Inglaterra. O Bairro das Colónias começou a ser construído na década de 1930.

“Uma das forças mais eficazes na normalização da nomenclatura do Bairro das Colónias é o negócio imobiliário. Se alguém consultar as principais empresas imobiliárias com a intenção de comprar ou arrendar uma casa não encontrará nenhuma oferta no Bairro das Novas Nações. Já no Bairro das Colónias as possibilidades são diversas.”

As transformações do Bairro, a avalanche de nossos compradores levou a alterar o perfil do comércio; é verdade que ainda existe a Farmácia Colonial, o restaurante central das Colónias, a oficina de automóveis Auto-Colonial ou a Pastelaria Nova Ultramarina, mas este imaginário tem vindo a dar lugar a negócios geridos por imigrantes, sobretudo os provenientes do Nepal, do Bangladesh, do Paquistão e da Índia, o Bairro dispõe de massagens tailandesas, de um café com serviços para imigrantes, ostentam-se nos prédios bandeiras da Guiné-Bissau, do Nepal, do Senegal e da Roménia. E para concluir diz o autor:
“Com mais de noventa anos de história, maioritariamente vividos em democracia, o Bairro das Colónias passou por mudanças significativas, mas o seu anacrónico nome permanece sem aparente contestação”.

O autor recorda que o Bairro Africano de Berlim conheceu um movimento de contestação nacional e internacional que propôs a renomeação das ruas do Bairro, que mantinham alusões às antigas colónias e a colonialistas de renome. A não existência em Lisboa de movimentos semelhantes aos de Berlim não deveria suster a ação urgente dos poderes autárquicos locais, começando eventualmente pelas placas de trânsito. Num processo que deveria conduzir à tão necessária mudança do Bairro, seria igualmente relevante considerar que as populações que lá viveram e alguns dos que ficaram, escapando à fúria dos imobiliários, associam este nome às suas geografias sentimentais. Bem explicada, a ideia de que não se deve celebrar um regime colonial e predador será certamente compreendida pela maioria.

Regressamos falando do Banco Nacional Ultramarino e de vários monumentos espalhados pela cidade.

Palácio da Ega, Arquivo Histórico Ultramarino
Associação Comercial de Lisboa - Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa
Rua de Angola, Bairro das Colónias, imagem de Jorge Ferreira, com a devida vénia

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 7 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27293: Notas de leitura (1848): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte IV: "Até 1966 eram todos voluntários" (Luís Graça)

domingo, 27 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27057: E os nossos assobios vão para...(4 ): o programa "Linha da Frente", reportagem "Marcados pela Guerra", que passou na RTP1, no passado dia 24, às 21h00: a montanha pariu um rato (Ramiro Jesus, ex-fur mil cmd, 35ª CCmds, Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73)


Ramiro Jesus: membro da Tabanca Grande
 desde 9/9/2012; mora em Aveiro



1. Mensagem de Ramiro Jesus  (ex-fur mil cmd, 35.ª CComandos, Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73)

Data - s
ábado, 26/07/2025, 22:34 
Assunto - TV

Boa-noite, Luís e restantes camaradas ex-combatentes.

Deixei passar dois dias para ver se via no nosso blogue alguma reação ao programa que a RTP transmitiu na passada quinta-feira, acerca das nossas saudosas guerras. (*)

Como ninguém se manifestou, vinha eu, deste modo, perguntar ao grupo se terei sido o único que achou aquilo uma verdadeira pobreza franciscana.(**)

E aproveitar para perguntar aos responsáveis do canal que pagamos diariamente, se não encontram alguém que saiba história e seja capaz de enquadrar, com respeito por essa história, as entrevistas que tenham feito, com gente também capaz de exprimir as verdades e realidades da mesma, bem enquadradas com as tais imagens reais das lutas no mato, picadas ou bolanhas e não com os "filmes" que nos pediam para fazer (no meu caso, sempre negados) na época do Natal, normalmente desenroladas ao lado das pistas dos aviões ou pertinho do arame farpado dos quartéis. 


Parece-me que, isso sim, seria uma boa homenagem aos ainda sobreviventes que por cá andamos e um bom contributo para o ensino - aos nossos filhos e netos - da verdadeira Históra da guerra colonial/ guerra do ultramar.

Propunha ainda que, se porventura fosse viável fazer o que sugiro, por uma equipa com verdadeiros conhecimentos, os trabalhos fossem separados por episódios, por cada uma das antigas colónias/províncias, pois creio estar certo de que as realidades em cada terreno eram bem diferentes entre a Guiné, Angola ou Moçambique.

E pronto. Agora que desabafei e fiz a minha sugestão, agradeço que analises se vale a pena publicá-la. Ficas à vontade.Entretanto, agradeço a dedicação dispensada ao blogue por todos os editores e despeço-me com um forte abraço. Ramiro Jesus.

(Revisão / fixação de texto, título: LG)


2. RTP > Linha da Frente > Marcados pela Guerra :

Episódio 19 de 48 | Duração: 30 min

Sinopse: Entre 1961 e 1974 cerca de 800 mil jovens portugueses partiram para combater nas colónias africanas. Hoje, 60 anos depois, a guerra mantém-se viva na memória dos que estiveram nas três frentes de batalha: Angola, Guiné e Moçambique.

"Marcados Pela Guerra" mostra a profundidade e persistência do impacto psicológico da Guerra Colonial nos ex-combatentes.

O stress pós-traumático, frequentemente não diagnosticado e silenciado ao longo de décadas moldou vidas e deixou marcas invisíveis na saúde mental de milhares de homens.

"Marcados Pela Guerra" é uma reportagem da jornalista Sandra Claudino, com imagem de Emanuel Prezado, e edição de Nuno Castro.


Próximas emissões deste episódio:

27 Jul 2025 | 10:30

27 Jul 2025 | 11:20 | RTP3

28 Jul 2025 | 02:45 | RTP3

29 Jul 2025 | 13:30 | RTP3

30 Jul 2025 | 05:20 RTP Internacional

Fonte: RTP > Programa > TV
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Notas do editor:

sábado, 10 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26789: Os 50 Anos do 25 de Abril (38): Lisboa, Belém, Museu de Etnologia, até 2/11/2025: Exposição "Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades" - Parte IV

 








Painel III > " Vocação Colonial" e "Missão Histórica > 1. As Políticas da Terra e os Seus Efeitos em África



Exposição > “Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. 
O Colonialismo Português em África: 
Mitos e Realidades”

 Lisboa, Belém,
30 out 2024 / 2 nov 2025



1.  É uma visita necessariamente resumida" a esta grande  exposição, que pode ser vista até 2 de novembro de 2025. (Há visitas guiadas, tem que se reservar.)






Painel III > " Vocação Colonial" e "Missão Histórica > 1. As Políticas da Terra e os Seus Efeitos em África









O terceiro painel (*) tem como subtemas os seguintes (pelo menos, os que eu registei na minha máquina fotográfica), e que são profusamente ilustrados com imagens da época (mais de Angola, Moçambique e São Tomé, e muito menos da Guiné, que não era uma "colónia de povoamento"):


(i) as políticas da terra e os seus efeitos em África;

(iii) as políticas de assimilação e a criação do "assimilado";

(iii)  a "branquização" dos territórios coloniais.



Apresenta-se aqui, a título exemplificativo e informativo, alguns conteúdos (reproduzidos aqui com a devida vénia, e a pensar sobretudo nos nossos leitores fora de Lisboa que dificilmente terão oportunidade de se deslocar ao Museu Nacional de Etnologia, no Restelo, que de entrada gratuita para os antigos combatentes)...

A exposição é muito rica do ponto de vista documental, com se pode aferir pela pequena amostra que apresentamos (seleção de c. de 220 imagens que fiz de metade dos painéis; anda tenho que lá voltar paar ver o resto...)


2. A leva de "contratados" para as roças de São Tomé, de Angola e de Cabo Verde, traz-nos logo à memória essa canção imortal, "Sodade", na voz inconfundível da grande Césária Évora, a "rainha da morna", que nasceu e morreu no Mindelo  (1941-2011):


Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Es kaminhu pa Santumé

Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Es kaminhu pa Santumé

Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau
Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau

Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Es kaminhu pa Santumé

Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Es kaminhu pa Santumé

Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau
Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau

Si bo skrevê-m, N ta skrevê-be
Si bo skesê-m, N ta skesê-be ate dia ki bo voltá
Si bo skrevê-m, N ta skrevê-be
Si bo skesê-m, N ta skesê-be ate dia ki bo voltá

Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau
Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau

Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau
Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau
 
 

Composição: Amandio Cabral / Louis Morais

Fonte:  Portal "Letras" > Sodade | Cesária Évora 


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Nota do editor LG:

(*) Último poste da série > 23 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26608: Os 50 Anos do 25 de Abril (37): Lisboa, Belém, Museu de Etnologia, até 2/11/2025: Exposição "Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades" - Parte III

Postes anteriores:

15 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26499: Os 50 Anos do 25 de Abril (36): Lisboa, Belém, Museu de Etnologia, até 2/11/2025: Exposição "Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades" - Parte II

3 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26456: Os 50 Anos do 25 de Abril (35): Lisboa, Belém, Museu de Etnologia, até 2/11/2025: Exposição "Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades" - Parte I

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26507: Timor-Leste: passado e presente (30): Elementos para a compreensão da revolta de Manufai, ao tempo da República (1911/12)


Timor Leste > Parque Dom Boaventura. Comemoração,  dos 20 anos do referendo sobre a independência da Indonésia (1999-2019). 

A estátua de Dom Boaventura foi inaugurada em 23 de novembro de 2012, por ocasião comemoração do 37° Aniversário da Proclamação da Independência (28 de Novembro de 1975 – 28 de Novembro de 2012) e do centenário da Revolta de Manufai, liderada por Dom Boaventura (1912 – 2012).


Foto: cortesia de Wikimedia Commons (editada pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2024)



1. No tempo da República, Timor era, como as restantes colónias portuguesas, parte integrante de Portugal (segundo o artº 2º da Constituição de 1911). 

A desastrosa, mal planeada e sangrenta participação de Portugal na I Guerra Mundial, foi justificada pelos políticos da República como o  imperioso dever do país face ao imperalismo alemão que olhava, com olhos de rapina, territórios como Angola e Moçambique.  Timor ficava mais longe e podia ter menos interesse para as grandes potências coloniais europeias, com exceção da Holanda (hoje Países Baixos)...

A República (1910-19269)  sempre defendeu, para as colónias, um modelo de descentralização administrativa e financeira, com recurso a um Alto Comissário ou governador. A instabilidade política, militar, social e económica da República não permitiu o aprofundamento e aperfeiçoamento do modelo.

Com a  Ditadura Militar (a partir de 1926) e o Estado Novo (a partir de 1933), há um claro retrocesso na autonomia administrativa e financeira das colónias.  O Acto Colonial (1930) vai ser integrado na Constituição de 1933. É o triunfo da perspetiva imperial na relação metrópole-colónias.

A relação da República com Timor e os timorenses também não será pacífica... Há a  "revolta indígena"  de Manufai (1911/12),  cuja história merece um poste â parte. O triunfo das autoridades portuguesas e seus aliados vai marcar a consolidação da até então precária soberania  em toda a parte oriental da ilha.( A delimitação da fronteira só fica resolvida em 25 de junho de 1914, com a devcisão do tribunal de Haia sobre o diferendo relatibvamente ao enclave de  Oecussi-Ambemo: a demarcação no terreno só vai acabar em abril de 1915.)

Só para se ter uma ideia da pulverização do poder político, o território (do que é hoje Timor Leste) estava  dividido em 71 reinos !... 


Segundo o autor que lemos (Fernando Figueiredo, "Timor (1910-1955), in: "História dos Portugueses no Extremo Oriente", 4º volume: Macau e Timor no Períod0o Republicano", dir. A. H. de Oliveira Marques, Lisboa: Fundação Oriente, 2003, pp. 521-575), haveria alguns causas próximas para explicar a revolta, réplica de resto da iniciada em 1895, sob o governo de Celestino da Silva (desta vez liderada por Dom Boaventura da Costa Sottomayor, filho de Dom Duarte da Costa Sottomayor):

(i) a "troca de bandeiras" , com o fim da monarquia: os timorenses davam (e ainda dão) muita importància a simbolos nacionais como a bandeira:  a sua lealdade ia para o rei e para a bandeira "azul e branca" da monarquia, de repente (em 29 de novembro de 1910) substituída por uma outra, "verde e rubra", a da República, que lhes era totalmente estranha;

(ii) a instabilidade da transição política foi aproveitada pelos holandeses para incitar os timorenreses à revolta contra os "novos senhores" da metrópole, e pôr em causa as fronteiras do território:

(iii) substituição da "finta" pelo "imposto de capitação " (imposto de palhota na Guiné); vem afetar os poderes gentílicos, limitar o poder discriconário dos "régulos" (ou "liurais");

(iv) escassa presença militar portuguesa no território (agravada pela longa distância, por via marítima, entre Lisboa e Díli).

Sobretudo o aumento do imposto de capitação (implicando também o arrolamento de coqueiros e gados, a principal riqueza dos timorenses), a par da proibição do corte de árvores de sândalo (prática sancionada com multas), é uma das razões fortes para a revolta de Manufai (ou a sua segunda edição) que ocorreu, em grande parte,  durante o governo de Filomeno da Câmara Melo Cabral (1911-1917). A partir do reino de Manufai, a revolta conquista grande adesão das populações e levará mais tempo a ser debelada. 

A resposta foi militar, com o envio de tropas  oriundas da metrópole, de Goa, de Macau e sobretudo de Moçambique (os "landins"). A artilharia fez grandes razias. As baixas entre os revoltosos vão reflectir-se mais tarde na demografia do território. Fala-se em 5 mil a 20 mil mortos, números difíceis de confirmar. 

A par disso, e como seria de prever, a forte repressão vai agravar as relações entre colonizados e colonizadores... O Estado anexa terras dos vencidos (caso da futura Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho). O poder dos "liurais" passou a ser mais simbólico, mas mesmo assim o governador Filomeno da Câmara soube depois imprimir uma dinâmica de desenvolvimento e pacificação efetiva do território, política que será prosseguida com algum êxito até à II Guerra Mundial.

A revolta do régulo de Manufai será o último dos grandes levantamentos contra a autoridade colonial. E tende hoje a ser vista como uma "revolta protonacionalista", de cariz anticolonialista, "avant la lettre".

Carlos Bessa ("Timor. Do Domínio Liurai â Pacificação Portuguesa", in Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira, ed. lit - Nova Históriaa Militar de Portugal. Vol. 3. S/l: Círculo de Leitores. 2004. 323-333), tirou deste período trágico da história de Timor a  seguinte conclusão:

(...) A nobreza nativa sairá muito enfraquecida destas campnhas, mas, mesmo assim, a autoridade portuguesa continuou a não pretender ser mais do que superestrutura aglutinadora e arbitral das autoridades nativas dos vários reinos, embora se tornasse marcante factor de identidade e unificação política através da influência de uma cultura luso-timotense e do catolicismo,  contrapostos ao islamismo e à influência calvinista holandesa excercida na restante Indonésia, do que resultou o tão impressionante e conhecido culton dos Timorenses pela bandeira portuguesa" (pág. 333).

PS - Num próximo poste apresentaremos alguns dados sobre a demografia do território antes da II Guerra Mundial.



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Nota do editor:

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Guiné 61/74: P26275: Agenda cultural (874): "Crepúsculo do Império: Portugal e as guerras de descolonização", Pedro Aires Oliveira e João Veira Borges, ed. lit. (Lisboa, Bertrand, 2024, 800 pp.): a História não é o somatório das vidas dos santos e heróis...

1.  Organizado sob os auspícios da Comissão Portuguesa de História Militar, e reunindo a colaboração de 37 autores, oriundos de diversas instituições universitárias portuguesas e estrangeiras, bem como de especialistas de reconhecido mérito em áreas como a história, a estratégia, as ciências sociais e as ciências militares, este livro vem fazer o "ponto da situação" ou o "estado da arte" em matéria de conhecimento sobre  Portugal, o fim do império e as "guerras de descolonização"... 

Para os antigos combatentes, com0 nós, passa a ser um livro de cabeceira  para o ano (novo) que aí vem. Só não é "livro de bolso", porque é um verdadeiro "tijolo",. uma calhamaço de  800 páginas e capa dura.

Caro leitor: acho que é a melhor prenda de Natal que te podes dar a ti mesmo. Vê, mais abaixo, a ficha técnica, e o índice.  Já comecei a ler alguns capítulos. Vamos partilhando notas de leitura. 

O livro foi lançado recentemente, em 21 de novembro passado, e simbolicamente na Torre do Tombo, em Lisboa. Ao fim de 50 anos, do 25 de Abril e do fim do mítico Império Português de 500 anos, é chegada a altura de deixarmos de usar a "guerra de África / guerra do ultramar / guerra colonial" como arma de arrremesso, político-ideológica,  uns contra os outros... 

Este livro ajuda-nos a obter o necessário distanciamento (e o desejável apaziguamento) em relação ao "sangue, suor e lágrimas" que os últimos soldados do império e os "insurgentes" (angolanos, guineenses, cabo-verdianos, moçambicanos, indianos, tiomorenses, etc.), todos "heróis", todos vencidos e vencedores, verteram num e no outro lado dos campos de batalha...

Como escrevem, na introdução,  os dois coordenadores literários, Pedro Aires Oliveira e João Vieira Borges,  "a historiografia 'heroicizante' das lutas independentistas terá ainda os seus praticantes. Mas é inquestionável que, desde a década de 1990,  com a derrocada dos socialismos africanos e a crise dos regimes de partido único, tem-se verificado uma outra predisposição para questionar muitos dos mitos fundadores das lutas de libertação e submeter as narrativas hagiográficas a um outro crivo, como nos dá conta um dos capítulos deste volume, da autoria de  Eric Morier-Genoud" (pág. 17).

Boas Festas, boas leituras. (LG)

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Ficha técnica:

Crepúsculo do Império
de João Vieira Borges, Pedro Aires Oliveira
ISBN: 9789722546072
Edição/reimpressão: 11-2024
Editor: Bertrand Editora
Idioma: Português
Dimensões: 156 x 242 x 48 mm
Encadernação: Capa dura
Páginas: 800
Tipo de Produto: Livro
Classificação Temática: Livros > Livros em Português > História > História de Portugal
Preço de capa: c. 25 euros


SINOPSE

As guerras travadas por Portugal entre 1961 e 1975, com vista à preservação do seu secular império ultramarino, são impossíveis de ignorar em qualquer balanço histórico ao 25 de Abril de 1974.

Quando se assinalam 50 anos sobre essa data e se revisitam as circunstâncias do tumultuoso processo de descolonização que se desenrolou em várias partes de África e da Ásia, e também na metrópole, este volume apresenta um grande estado da questão sobre os últimos anos do colonialismo português.

Reunindo a colaboração de mais de três dezenas de autores oriundos de várias instituições portuguesas e internacionais, bem como de especialistas reconhecidos na área da história, da estratégia e das ciências militares, esta é uma obra que familiarizará o público com algumas das investigações mais inovadoras acerca

Autores:

JOÃO VIEIRA BORGES

(i)  major-general; 

(ii) presidente da Comissão Portuguesa de História Militar;

(iii)  doutorado em Ciências Sociais;

(iv) antigo comandante da Academia Militar e fundador do Centro de Investigação da Academia Militar;

v) académico honorário da Academia Portuguesa da História, autor e coautor de 26 livros e de cerca de 160 artigos;

(vi) agraciado com a distinção Grande-Oficial da Ordem Militar de Avis.


PEDRO AIRES OLIVEIRA;

(i) professor associado da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas / NOVA (FCSH-UNL);

(ii) investigador integrado no Instituto de História Contemporânea da mesma faculdade;

(iii) autor de dezenas de livros e artigos sobre relações internacionais e a história contemporânea de Portugal;

(iv)  membro do conselho editorial da revista Relações Internacionais;

(v) membro do Conselho Consultivo do E-Journal of Portuguese History, entre outras diversas funções.

Fonte: Bertrand Editora

Recolha bibliográfica e filmográfica:





Sobre a recolha bibliográfica e filmográfica (disponibilizada no final da obra em ficheiros em formato pdf, "on line", no sítio da editora):  

Os coordenadores da obra, como bons académicos, desprezaram soberanamente  (espero que não arrogantemente...) a "literatutra cinzenta", a literatura memorialistica, as edições de autor,  os livros de ficção, de poesia, de fotografia, etc., já para não falar dos blogues e  outras páginas da Web, produzidos e mantidos por antigos combatentes de um lado e do outro, com informação riquíssima para a produção de conhecimento relevante do ponto de vista historiográfico: como nós lhe chamamos, são  os afluentes dos rios da pequena história que alimentam os rios da História com H Grande... 

No que respeita à bibliografia, por exemplo, há lacunas óbvias, não se percebendo bem qual foi o critério usado: por exemplo, porquê o António Lobato e não também o Amadu Bailo Djaló ou o José de Moura Calheiros ou o Mário Beja Santos ou o Armor Pires Mota,  autores de memórias como antigos combatentes ?...E os textos teóricos ou doutrinários, de Cabral a Spínola ? E porquê jornalismo de investigação, algum sensacionalista e qualidade duvidosa ?...

São para já os pequenos grandes reparos que eu faço a esta monumental obra, que passa a ser de referência,  sobre as "guerras da descolonização". 

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sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26034: Manuscrito(s) (Luís Graça) (258): Porto Santo, e a África aqui tão perto - Parte III: uma ilha... "fotogénica", mas com dupla "insularidade"

 


Foto nº 20 > Porto Santo >  Um dos icónicos moinhos de vento da ilha, no Campo de Cima. (O primeiro terá sido construído em finais dp séc. XVIII.) 


Foto nº 21 > Porto Santo > Anoitecer, na baía. Vista do porto de abrigo. É aqui que atratca todos os diuas o "ferryboat "Lobo Marinho", que faz a ligação diária com o Funcal.


Foto nº 22 > Porto Santo _ Miradoiro da Portela. Vista  da Vila Baleira e praia,


Foto nº 23 > Porto Santo > Serra de Fora > Terras que há dera,m cereal (1)...


Foto nº 24 > Porto Santo > Serra de Fora > Terras que lá deram cereal (2).... 


Foto nº 25 > Porto Santo > Resaurante  "Teodorico" > O bolo do caco


Foto nº 26 > Porto Santoo >Vila Baleira  > Caf+e Bar "O Rapaz" > A cerveja Coral (que vem da Madeira)


Foto nº 27 > Porto Santo > Serra de Fora > O "Teodorico", um dos restuarantes de referència da ilha


Foto nº 28 >  



Foto nº 29 Porto Santo > Vila Baleira > Casa Colombo (3)

Região Autónoma da Madeira, Porto Santo > 29 set - 6 out 2024

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2024). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  A ilha é fotogénica: dá para tirar umas belas "chapas"... Maz lembrar o canto da sereia... Eu imaginei-me náufrago numa ilha como esta. Que não tem nada para um desgraçado de um ser humano poder sobreviver. Hoje vem tudo da Madeira. A sua dupla ou tripla insularidade assusta-me. 

Mas há gente que aqui nasce, estuda, trabalha, vive, se casa, faz filhos, envelhece, adoece e morre. Há gente que emigra, mal acabada a escolaridade obrigatória. Mas também há gente que vem para aqui trabalhar, como imigrante. Das mais diferentes partes do planeta: falei com "miúdos" da Argentima, do Brasil, de Marrocos, de Cabo Verde, da Guiné-Bissau, do Comgo0 Kinshasa, de São Tomé e Príncipe, de Angola, de Moçambique, do Nepal, do Banglasdesh, etc.  A qualidade do turismo foi afetada com a pandemia, a perda de recursos humanos e o inevitável recurso a mão-de-obra temporária estrangeira... 

Desde há mais de cinco séculos que é (ou foi) uma ilha sofrida e de sofrimento. O turista, que vem aqui passar as suas "férias de sonho", não quer saber nada do seu parto violento, a sua origem vulcânica, a sua desertificação, a sua secura, a sua terra estéril,  os dramas e tragédias mas também as lições de coragem da sua gente... (Confesso que só falei com meia dúzia de porto-santenses de origem, do homem do táxi, do jardineiro do hotel, ou  das funcionáras do museu...).

Merece ser conhecida, com mais detalhe, o rol de tragédias que marca a história dos desgraçados que colonizaram a ilha. Gente de coragem e tenacidade. É a ilha mais próxima da nossa plataforma continental e a primeira a ser "achada" e povoada...logo no início do séc. XV. 

Com a conquista de Ceuta (1415), inicia-se, para o mal e para o bem, o império colonial português, o primeiro império global da história... O passo seguinte foi Porto Santo (1418).

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